São
antiquíssimas e sempre rezadas e cantadas pelo povo cristão as
antífonas marianas que invocam Maria como Rainha do céu e da terra,
dos anjos e das criaturas.
Durante
o tempo pascal, a mais conhecida antífona que celebra a ressurreição
de Jesus começa com estas palavras: "Rainha do céu, alegrai-vos,
porque o Senhor ressuscitou como disse!".
Uma das
orações aprendidas em criança ao lado da Ave-Maria, é a "Salve
Rainha, Mãe de misericórdia", que a Liturgia das Horas canta na
Oração da Noite e a piedade popular com ela encerra a oração do
Rosário.
Uma
terceira antífona, também cantada na Oração da Noite, começa com
estes versos: "Ave, Rainha do céu! Ave, dos anjos Senhora!". Quantas
vezes invocamos Maria como Rainha na Ladainha: Rainha dos Patriarcas
e dos Profetas, Rainha dos Confessores, das Virgens e dos Mártires,
Rainha dos Anjos e dos Santos!
Também
as liturgias bizantina, copta, armena e outras do Oriente celebram
festivamente a realeza de Maria. Lemos, por exemplo, no longo hino
"Akátistos": "Vou elevar um hino à Rainha e Mãe, de quem, ao
celebrar, me aproximarei com alegria, para cantar com exultação as
suas glórias... Ó Senhora, a nossa língua não te pode louvar
dignamente, porque tu, que deste à luz a Cristo nosso Rei, foste
exaltada acima dos Serafins... Salve, Rainha do mundo, salve, Maria,
Senhora de todos nós!".
Desde
os primeiros séculos, a poesia cristã e a liturgia cantaram a
dignidade régia da Mãe de Deus. Como a luz do dia vem do sol, a
realeza de Maria vem de sua maternidade divina. Já na Anunciação o
Arcanjo falava do reinado sem fim do menino que lhe nasceria por
obra e graça do Espírito Santo (Lc 1,33). Para a piedade popular, há
uma lógica: rei o filho, rainha a mãe. Por que não haveria de ser
rainha aquela que o próprio Deus escolhera para ser a mãe do "Rei
dos reis e senhor dos senhores" (Ap 19,16) e que, por isso mesmo, a
preservara imaculada desde a conceição, a fizera "cheia de graça"
(Lc 1,28) e a mantivera virgem durante e depois do parto?
Com a
proclamação do dogma da Assunção corporal de Maria ao céu, o título
de Rainha e Senhora do universo, vem espontâneo aos teólogos, aos
pregadores e aos papas. Para encerrar o Ano Santo de 1954, decretado
pelo Papa Pio XII para celebrar o primeiro centenário do dogma da
Imaculada Conceição, o Santo Padre escreveu a encíclica "Ad caeli
Reginam" sobre a realeza de Maria e instituiu para toda a Igreja a
festa de Nossa Senhora Rainha. Mais tarde, o Papa Paulo VI
escreveria na excepcional Exortação Apostólica sobre o Culto à
Virgem Maria: "A solenidade da Assunção tem um prolongamento festivo
na celebração da Realeza da bem-aventurada Virgem Maria, que ocorre
oito dias mais tarde, e na qual se contempla aquela que, sentada ao
lado do Rei dos Séculos, resplandece como Rainha e intercede como
Mãe" (n.6).
Na
encíclica, o Papa Pio XII cita, logo no início, ao menos doze Santos
Padres que se referem à soberania da Mãe de Deus sobre toda a
criação, com diferentes expressões, mas todas querendo dizer a
plenitude de glória e poder de Maria: Senhora, Senhora de todos os
que habitam os céus e a terra, Senhora de todas as criaturas,
Senhora coroada com um diadema de ouro, Rainha, Rainha do género
humano, Rainha eterna junto ao Filho do Rei, Rainha do mundo, Rainha
do universo, mais eminente que todos os reis.
Em
seguida, o Santo Padre passa os olhos nas expressões usadas por seus
antecessores, começando pelo Papa Martinho I (+654), que chamou
Maria de "gloriosa Senhora nossa, sempre Virgem". Numa de suas
bulas, o Papa Xisto IV chamou Maria de "Rainha sempre vigilante, a
interceder junto do Rei, que ela gerou". Lembra ainda o Papa Bento
XIV, que afirmou que o Sumo Rei confiou a Maria, em certo modo, seu
próprio império. Depois, o Papa lembra alguns Santos, conhecidos por
sua teologia mariana. Cito apenas Santo Afonso de Ligório (1787),
que escreveu no clássico livro sobre as Glórias de Maria: "Porque a
Virgem Maria foi elevada até ser a Mãe do Rei dos Reis, com justa
razão a distingue a Igreja com o título de Rainha".
Escreveu Pio XII na mesma encíclica de 1954 que Maria é Rainha não
só por ser a Mãe de Deus, mas também por ter sido associada, pela
vontade de Deus, a Jesus Cristo na obra da salvação. Isenta de
qualquer culpa pessoal ou hereditária, e sempre estreitissimamente
unida ao Filho, ela o ofereceu no Calvário ao Eterno Pai,
sacrificando seu amor de mãe em benefício de toda a humanidade
manchada pelo pecado. Por isso, assim como Jesus é Rei não só por
ser o Filho de Deus, mas também por ser o nosso Redentor, assim
pode-se afirmar que Maria é Rainha não só por ser a Mãe de Deus, mas
também porque associou-se a Cristo na redenção do género humano.
"Maria participa da dignidade real - ensina Pio XII - porque desta
união com Cristo Rei deriva para ela tão esplendente sublimidade,
que supera a excelência de todas as coisas criadas. Desta mesma
união com Cristo nasce aquele poder real, pelo qual ela pode dispor
dos tesouros do Reino do Redentor divino". O Reino de Maria é vasto
como o de seu Filho, porque nada se exclui de seu domínio.
Pio XII
cita ainda uma belíssima passagem da bula "Ineffabilis Deus" da
proclamação do dogma da Imaculada Conceição por Pio IX: "Deus fez a
maravilha de a enriquecer, acima de todos os anjos e santos, de tal
abundância de todas as graças celestiais hauridas dos tesouros da
divindade, que ela - imune de toda a mancha do pecado e toda bela -
apresenta tal plenitude de inocência e santidade, que não se pode
conceber maior abaixo de Deus, nem ninguém a pode compreender
plenamente senão Deus".
Ao
instituir a festa da realeza de Maria, Pio XII, em boa hora, chamou
a atenção para um possível mal-entendido, que poderia também
acontecer com o Reinado de Cristo. A realeza de Maria não deve ser
considerada em analogia com as realidades da vida política moderna.
É verdade que não se podem representar as coisas do céu senão
através das palavras e expressões da linguagem humana. Mas isso não
significa que, para honrar Maria, se deva aderir a uma determinada
forma de governo ou a uma particular estrutura política. Conclui o
Papa: "Longe de ser fundado sobre as exigências dos seus direitos e
a vontade de altivo domínio, o reino de Maria conhece uma só
aspiração: o dom completo de si na sua mais alta e total
generosidade".
A festa
da realeza de Maria a princípio foi celebrada no dia 31 de maio,
como conclusão do mês em muitos países dedicado a Maria, com suas
belíssimas noites marianas e ladainhas cantadas. Introduziu-se o
costume da coroação de Maria, carregado de muita ternura, porque
eram quase sempre crianças que coroavam a Mãe do Céu. A introdução
da Missa vespertina diminuiu o interesse pelas "novenas". A reforma
litúrgica introduzida pelo Concílio Vaticano II preferiu celebrar no
dia 31 de maio o mistério da Visitação e passou a festa de Nossa
Senhora Rainha para o dia 22 de agosto, dentro da oitava da
solenidade da Assunção de Maria ao Céu.
No dia
22 de agosto lemos na Liturgia das Horas, um trecho de uma homilia
de Santo Amadeu, do século XII. O texto escolhido termina assim: "Ao
ser levada aos céus a Virgem das virgens por Deus e seu Filho, o Rei
dos reis, no meio da exultação dos anjos, da alegria dos arcanjos e
das aclamações de todo o céu, cumpriu-se a profecia do Salmista que
diz ao Senhor: Está à tua direita a rainha recoberta de vestes de
ouro" (Sl 45,10.15).
Na
encíclica "Sobre a bem-aventurada Virgem Maria na vida da Igreja que
está a caminho" (1987), o Papa João Paulo lembra que em Maria
realizou-se plenamente a verdade que 'servir ao Rei é reinar'.
Maria, serva do Senhor, tem parte no Reinado do Filho. "A glória de
servir não cessa de ser a sua exaltação real: elevada ao céu, não
suspende aquele serviço salvífico em que se exprime sua mediação
materna" (n. 41). De sorte que ser Rainha do céu e da terra não é
apenas a posição mais alta conquistada por uma criatura humana. Mas
é também para a humanidade a garantia de uma intercessora generosa,
de uma medianeira das graças divinas, de uma advogada segura, de uma
dispensadora dos tesouros divinos. A realeza de Maria é
essencialmente materna, exclusivamente benéfica.
Volto
ao Papa Pio XII e escolho dois trechos da oração que ele escreveu ao
anunciar a festa litúrgica de Nossa Senhora Rainha: "Queremos
exaltar a vossa realeza com legítimo orgulho de filhos e
reconhecê-la como devida à suma excelência de todo o vosso ser, ó
suavíssima e verdadeira Mãe daquele que é Rei por direito próprio,
por herança, por conquista. Reinai, ó Mãe e Senhora, mostrando-nos o
caminho da santidade, dirigindo-nos e assistindo-nos para que dele
nunca nos afastemos. Reinai sobre as inteligências, para que não
procurem senão a verdade; sobre as vontades para que sigam somente o
bem; sobre os corações para que amem unicamente o que vós mesma
amais".
Por
Frei Clarêncio Neotti, O.F.M
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