O episódio mais antigo
contado pela Beata Alexandrina na sua Autobiografia fala de
“um farmacêutico de grande fama”, de Viatodos. Comecemos por ver a
breve história que ela ditou:
O Sr. Oliveira, o “farmacêutico de grande fama” mencionado
pela Ale-xandrina, numa fotografia de 1935, ano da sua
morte. |
Como era
desinquieta e, enquanto minha mãe descansava um pouco,
tendo-me deitado junto dela, eu não quis dormir e,
levantando-me, subi à parte de cima da cama para chegar a
uma malga que continha gordura de aplicar no cabelo –
conforme era uso da terra – e, por ter visto alguém fazê-lo,
principiei também a aplicá-la nos meus cabelos. Minha mãe
deu por isso, falou-me e eu assustei-me. Com o susto, deitei
a malga ao chão, caí em cima dela e feri-me muito no rosto.
Foi preciso
recorrer imediatamente ao médico que, vendo o meu estado,
recusou-se a tratar-me, julgando-se incapaz. Minha mãe
levou-me a Viatodos, a um farmacêutico de grande fama, que
me tratou, embora com muito custo, porque foi preciso coser
a cara por três vezes e levou bastante tempo a cicatrizar a
ferida. O sofrimento foi doloroso. Ah, se desta idade
soubesse já aproveitar-me dele!... Mas não. Depois de um
curativo, fiquei muito zangada com o farmacêutico; este
ofereceu-me alguns biscoitos e vinho, que depois de
amolecidos no vinho queria que os comesse. Eu tinha fome e,
às vezes, até chegava a chorar porque não podia mexer os
queixos. Não aceitei a oferta e ainda maltratei o
farmacêutico. Ora aqui está a minha primeira maldade.
Do jornal O
Barcelense, de 6-5-1933, colhemos algumas informações
sobre este afamado farmacêutico. Chamava-se Joaquim José de
Oliveira e nasceu aos 22 de Fevereiro de 1863, na freguesia
de Viatodos, Barcelos; faleceu na mesma freguesia em Outubro
de 1935. |
Ao centro desta fotografia vêem-se duas casas, entre as
quais passa a estrada. A que tem o torreão pertencia ao Sr.
José Joaquim Oliveira. Nela ficava a farmácia, com a porta
para a estrada, mas que está ocultada pela casa da direita.
O palacete da farmácia está hoje irreconhecível, depois de
duas reconstruções. Da casa da direita, pouco resta. |
Foram seus pais José
Joaquim de Oliveira, de Midões, e Ana Albertina Amaral, de
Viatodos.
Filho de um
profissional de farmácia e afilhado de um cirurgião, adoptou
a profissão dos seus e fez o seu exame de farmacêutico,
estabelecendo-se no lugar da Isabelinha.
Chegou a ser
vereador da Câmara Municipal de Barcelos e membro do
Conselho Fiscal do Banco de Barcelos.
Ao tempo da
Monarquia, foi filiado do Partido Progressista. Lembrando
sem dúvida os difíceis tempos da República, recorda o
jornal: |
E quantas vezes, em
tempos não distante de violências e de represálias, a sua casa
acolheu generosamente perseguidos políticos, a quem o respeito que
ela inspira livrou da perseguição, e quantos pela sua mão foram
conduzidos a porto de salvamento!
Sabemos, por sinal, que em
1926, talvez em 29 de Maio, quando as tropas portuenses vieram para
Famalicão e Nine, para barrar o avanço para sul de Gomes da Costa,
estava na casa do Sr. Oliveira um ministro, que se escapou como
pôde, de carro, para Vila do Conde.
O P.e José Garcias, filho do farmacêutico da Isabelinha,
acompanhado do Cardeal Cerejeira, frente à residência
paroquial de Viatodos, em 1937. |
No opúsculo A Ver
Terras, cuja autoria é atribuída a Soeiro Mendes, mas
que de facto é do Abade Sousa Maia, de Canidelo, culto
arqueólogo, escreve-se sobre a fama de Joaquim José de
Oliveira:
Neste momento
tínhamos chegado à
Isabelinha, linda aldeia
bem conhecida em todo o norte do país por causa da fama de
entendido gozada
pelo Sr. José Joaquim de Oliveira, boticário da localidade,
rival dos médicos mais abalizados em clientela, que, de
longes terras, vêm confiadamente consultá-lo.
A sua farmácia devia
ser das mais antigas do país.
Joaquim José de
Oliveira casou duas vezes; duma delas fê-lo com uma familiar
do Dr. Abílio Garcia de Carvalho (que era natural de Mouquim),
pelo que o funeral deste médico foi presidido pelo P.e José
Garcias, filho do farmacêutico da Isabelinha.
Este farmacêutico
teve a fama, mas teve também o proveito. Por isso ergueu um
belo chalé na Isabelinha e formou vários dos seus filhos,
que ascenderam a posições relevantes. |
Prof. José Ferreira,
Colaborador |