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A PAIXÃO DE JESUS
EM ALEXANDRINA MARIA DA COSTA

 

Uma mística do nosso tempo
Escritos da Alexandrina
ordenados por Humberto M. Pasquale

 

Ao leitor com o voto de que, lendo e meditando, suba tão alto que Jesus lhe possa dizer:

«Eu vivo com todo o amor, porque com todo o amor por ti sou amado. Amas-Me quando choras, quando sorris; amas-Me na dor e na alegria; amas-Me no silêncio ou falando: amas-Me em tudo». (Diário da Alexandrina, 21.03.1947)

O tribunal eclesiástico da arquidiocese de Braga iniciou o processo ordinário sobre as virtudes e a fama de santidade da Serva de Deus Alexandrina Maria da Costa em 14 de Janeiro de 1967. Depois de terem sido interrogadas 48 testemunhas e recolhidos os escritos da Serva de Deus, o processo foi encerrado com êxito no dia 10 de Abril de 1973. Em Maio seguinte, toda a documentação foi remetida para a S. Congregação para as Causas dos Santos. Em Dezembro de 1975, os dois teólogos encarregados de examinarem os escritos da Serva de Deus, emitiram um parecer positivo, confirmado em 2 de Junho de 1979 pela referida S. Congregação.

Apresentação

A vocação do cristão é participar na Paixão de Cristo.

O convite que Jesus dirige ao homem para que se torne Seu discípulo implica a participação e a conformação com a Sua Paixão (Mt. 10, 16), a fim de estabelecer uma relação de semelhança entre Mestre e discípulo (Mt. 10, 24).

A inserção n’Ele como sarmentos na videira (Jo.15,4), bem como a necessidade de permanecer no Seu amor, significam que se deve observar a Sua palavra, tal como para Ele permanecer na palavra do Pai quer dizer realizar essa mesma palavra, isto e, a vontade divina que Lhe impõe oferecer a Sua própria vida pelo rebanho (Jo. 10, 17).

Segundo o ensinamento de Cristo, portanto, verdadeiro discípulo é aquele que revive em si o mistério da morte de Jesus, ou antes aquele que recebe Cristo em si mesmo para reviver a Sua Paixão.

Foi assim que o apóstolo Paulo compreendeu e viveu o mistério de Cristo. O Evangelho está todo aqui. «Nós pregamos a Cristo crucificado». (1 Cor. 1, 23).

A vida de S. Paulo é toda ela uma reprodução viva da existência terrena de Cristo.

«Deus me livre de me gloriar a não ser na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo”. (Gal. 6, 14). “Trazemos sempre no nosso corpo os traços da morte de Jesus, para que também a vida de Jesus se manifeste no nosso corpo”» (2 Cor. 4, 10).

E o mesmo apóstolo sente-se cravado na cruz: «Estou crucificado com Cristo! Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim; e a vida que agora vivo na carne, vivo-a na fé do Filho de Deus, que me amou e Se entregou a Si mesmo por mim» (Gal. 2, 19).

Na sua ânsia de perfeição, S. Paulo só deseja conhecer a força da Paixão do Senhor, como também da Sua Ressurreição, e permanecer configurado com a Sua Morte (Fil. 3, 8-11).

“Pelo Baptismo sepultámo-nos juntamente com Ele, para que, assim como Cristo ressuscitou dos mortos, mediante a glória do Pai, assim caminhe­mos nós também numa vida nova» (Rom. 6, 4), isto e: «Tornamo-nos com Ele num mesmo ser por uma morte semelhante à Sua» (Rom. 6, 5).

Na vida cristã, portanto, quando ela atingir todo o vigor da sua floração, haverá forçosamente que se manifestar também esta assimilação com a Paixão de Cristo, com a mesma evidência com que se manifesta a vida da graça, ou seja a presença de Cristo na alma.

Por isso, se essa plenitude é portadora de experiência em razão de uma certa conaturalidade também Cristo crucificado será a grande realidade da experiência cristã.

O próprio Jesus falou da presença do Seu Espírito, quando os discípulos forem chamados a dar-Lhe testemunho pela paixão e pela morte (Mt. 10, 20).

A palavra de Jesus é confirmada por toda tradição cristã.

S. Inácio de Antioquia escreve: «Pela cruz, na Sua Paixão, Cristo vos convida a todos vós, Seus membros. A cabeça não pode viver separados membros» (Trall. 11, 2).

A hagiografia cristã é rica de testemunhas da presença de Cristo na vida dos fiéis, sobretudo como triunfador do sofrimento e da morte.

Na longa lista dos místicos cristãos não são poucos os que reviveram de forma eminentemente realística o drama da Paixão de Cristo no seu espírito. E é graças à sua experiência da presença de Deus e da Sua acção nas almas místicas, que a teologia conhece as relações íntimas entre as Pessoas Divinas da Trindade e a Sua acção nas almas.

A Paixão na Alexandrina

O fenómeno da Paixão de Jesus na Alexandrina verificou-se durante 17 anos: de 1938 a 1955, ano da sua morte.

Neste longo período de tempo é necessário distinguir duas fases, durante as quais o fenómeno se manifestou com características diferentes. Classificaremos respectivamente de “participação física” e “participação interior” estas duas formas ou maneiras de o fenómeno se manifestar, para facilidade de denominação; frisamos, no entanto, que a Paixão é substancialmente única, pois abrange ao mesmo tempo sofrimentos do corpo e da alma, físicos, morais e espirituais, inseparáveis.

1.ª Participação física.

No período, desde 3 de Outubro de 1938 a 27 de Março de 1942, o fenómeno dava-se em dias e horas fixas: das 12 às 15 horas de cada sexta-feira. A Alexandrina revivia, umas atrás das outras, as várias fases da Paixão, desde a agonia no Horto até à morte, em estado de êxtase.

Os seus sentimentos e as suas reacções às dores exteriorizavam-se através de atitudes, gestos, expressões do rosto e do corpo todo, facilmente interpretáveis por quem podia assistir ao fenómeno.

O seu primeiro director espiritual, P.e Mariano Pinho, S. J., deixou escrito a esse respeito:

«Nós presenciámos ao vivo o desenrolar-se do drama da Paixão, embora não fossem visíveis os estigmas, porque a Alexandrina pedira ao Senhor que nada aparecesse exteriormente. A Paixão foi violentíssima e as pessoas presentes choravam e soluçavam perante aquele espectáculo visibilíssimo de sofrimento» (Cfr. Cristo Gesù in Alexandrina, pág. 730).

Mons. Mendes do Carmo, professor de mística no Seminário da Guarda, afirmou: «É um anjo cru­cificado!».

A professora primária de Balasar, D. Maria da Conceição (Sãozinha), e outros testemunharam: «Sentíamo-nos transportados em espírito aos vários sítios da Paixão de Jesus. Ninguém conseguia acompanhar aquelas cenas sem se comover».

A irmã da Alexandrina, Deolinda, numa carta dirigida ao P. Pinho, refere-se assim ao fenómeno da Paixão de 7-4-1939:

“Ai, meu Padre, o que foi o dia de Sexta-feira Santa! É bem sexta-feira de Paixão! Antes de princi­piar, oh, como se via nela cara de aflição! Ela temia passar este dia! E dizia-me: Ai, se eu vejo este dia passado!...

“Eu confortava-a quanto podia e acariciava-a, apesar de estar eu também cheia de medo e muito aflita.

“Durante a Paixão, eu não podia passar sem chorar e vi correr lágrimas pelas faces de quase todos os assistentes. Que espectáculo tão comovedor!

“A agonia do Horto foi muito demorada e aflitiva... Ouviam-se gemidos muito profundos e por vezes via-se soluçar.

“Mas a flagelação e coroação de espinhos, isso é que foi! Os açoites foram tomados de joelhos, com as mãos (como que) atadas. Eu cheguei-lhe uma almofada para debaixo dos joelhos, e ela retirou-se dela, não quis. Tem os joelhos em mísero estado. Os açoites não tinham conta! Levaram tanto tempo! Ela desfalecia tanto! Os golpes na cabeça (com a cana na coroa de espinhos) foram também inumeráveis.

“Vomitou por duas vezes durante a Paixão: era água, porque mais nada tinha que vomitar.

“O suor era tanto, que os cabelos estavam empastados e, ao passar-lhe a mão por cima de toda a roupa, ficava molhada.

“Quando acabou a coroação de espinhos, ela parecia um perfeito cadáver.

“O Sr. Cónego Borlido veio assistir com mais duas pessoas. Também veio o Dr. Almiro de Vasconcelos (de Penafiel) com a esposa e a irmã, D. Judite».

A propósito do peso da cruz que oprimia os ombros da Alexandrina durante a fase da subida ao Calvário, referimos o seguinte episódio. No decorrer da Paixão do dia 29-8-1941, o médico assistente da Alexandrina, Dr. Manuel Dias de Azevedo, convidou um dos sacerdotes presentes a levantar do chão a vidente que jazia prostrada sob o peso da cruz (mística). Prontificou-se o mais robusto; pegou-lhe sob os braços, mas os seus esforços foram baldados. E confessou: «Apesar de toda a minha força, não consigo!».

Nessa altura, a Alexandrina pesava cerca de 40 quilos!

Na fase a seguir, quando o Cireneu carregou com a cruz, o Dr. Azevedo convidou o mesmo sacerdote a erguer a Alexandrina, o que ele fez sem o menor esforço. A explicação é evidente: antes, os pesos eram dois; da segunda vez, tratava-se ape­nas do peso da vidente.

Noutra ocasião, durante o fenómeno em estado de êxtase, o P. Pinho impusera-lhe que dissesse quanto pesava a cruz. A Alexandrina respondeu, em atitude muito grave: «A minha cruz tem um peso mundial».

2.ª Participação interior

Na 2.ª fase, desde 3 de Abril de 1942 até à morte, a Alexandrina revivia a Paixão fora do êxtase e não mais em dias fixos. Sofria no seu íntimo sem que nada transparecesse exteriormente, antes ocultava por vezes o drama profundo que nela se estava a desenrolar com um doce sorriso.

A 19 de Junho de 1946, dizia ela ao seu segundo director espiritual: «Outrora estes sentimentos e sofrimentos padecia-os especialmente durante as três horas de sexta-feira, das 12 às 15; as dores da Paixão sucediam-se por ordem; agora, não. o pavor por estas dores dura quase sempre: às terças, às quartas, às quintas ou às sextas-feiras: em horas distintas, sofro ora este, ora aquele tormento da Paixão».

Jesus, durante a Paixão, sofreu os tormentos que Lhe foram infligidos pelos homens e juntamente os que Ele próprio Se infligiu, na medida em que Se apropriou voluntariamente dos pecados do mundo (1 Pt. 2, 24; Is. 53, 4).

Entregue à justiça divina, ficou totalmente só, não apenas a sofrer a Sua agonia, mas também a ter conhecimento dela. O mesmo se deu com a Alexandrina.

O P. Corne, não define Jesus como o «pecador universal, o pecador de todos os tempos e de todos os lugares, sobre quem Deus descarrega todo o rigor da Sua justiça?».

E o P. Monsabré, «o encontro de todos os ultrajes e de todas as chagas?».

Mons. Gay, por seu lado, escreve: «Jesus, bênção vivente e infinita, tendo-se feito pecador por todos, deve na verdade ser amaldiçoado em benefício de todos».

A morte física é assim a consequência daquela morte espiritual que é a separação do homem de Deus.

Segundo Cullmann, seria esta morte — figadal inimiga de Deus — a causa da angústia que Jesus sofreu no Horto das Oliveiras, mais ainda do que a crucifixão e as circunstâncias que a acompanharam... Não, Ele não pode vencer a morte senão morrendo de verdade, sujeitando-se ao próprio domí­nio da morte, a grande destruidora da vida, da união com Deus.

Granfield comenta o grito de Jesus crucificado: «Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?», nos seguintes termos: “O peso do pecado do mundo, a identificação completa de Jesus com os pecadores, implicam um abandono não só sentido, mas real, por parte do Pai. Neste grito de abandono revela-se o total horror pelo pecado do homem».

Só o amor pode levar a desempenhar semelhante missão.

O Cristo sofredor não é apenas uma fulgurante manifestação da misericórdia divina, é também uma revelação não menos fulgurante da malícia do pecado e da espantosa catástrofe em que se precipitam os pecadores, precisamente porque se afastam d’Aquele sem o qual nada são e que é a nascente única de toda a vida e felicidade.

Todas estas verdades não vêm anunciadas explicitamente no Evangelho, mas são apresentadas por mestres nas ciências teológicas e, como experiência vivida, nas páginas do diário da Alexandrina, a mística, quase analfabeta segundo a cultura humana, e por outras almas místicas cristãs.

Justamente lhe dizia Jesus: «A crucifixão que tu tens é das mais dolorosas que a história regista».

Ao meditá-la, logra-se verdadeiramente aprofundar o nosso conhecimento sobre o amor de Cristo sofredor e redentor.

Dar-nos-emos conta também da acção desenvolvida na Redenção pela Mãe de Jesus e nossa Mãe, como também do valor salvífico do sofrimento de toda e qualquer alma que o saiba aceitar com amor, unida a Jesus.

3.º Os efeitos da experiência dos místicos

Uma garantia segura do autêntico carisma místico temo-la num vigoroso dinamismo eclesial e apostólico, em perfeita sintonia com o magistério da Igreja.

A obediência perfeita e heróica à autoridade eclesiástica, praticada pela Alexandrina, foi oficialmente reconhecida pelo Tribunal diocesano que se ocupou do processo sobre as suas virtudes excepcionais e aprovou, em primeira instância, os seus escritos.

Todos os escritos da Alexandrina já foram convalidados também pelo voto positivo dos peritos em dogma, moral e mística das Congregações romanas.

Isto convida-nos a reflectir sobre os principais efeitos que derivam da experiência mística da Serva de Deus:

a) Um conhecimento fora do comum e não fácil acerca dos factos, sentimentos e circunstâncias da Paixão de Cristo, que não aparecem nos Evangelhos, ou neles são apenas abordados.

b) Um conhecimento particularmente profundo e intenso dos sofrimentos íntimos e espirituais do Salvador, para além dos Seus sofrimentos físicos. Um verdadeiro contributo à compreensão da psicologia de Jesus.

c) A revelação do amor inefável, misterioso e quase «absurdo» de Cristo pelo homem. Amor que, na Paixão e Morte de Jesus, encontra a sua mais alta expressão.

«Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida pelos seus amigos» (Jo. 15, 13).

Obviamente, este é o aspecto mais impressionante, porque a alma é conduzida para o abismo daquela caridade de Cristo que, tal como S. Paulo, a Alexandrina sente aqui, de forma experimental, «como superior a qualquer conhecimento humano» (Ef. 3, 19).

Nesta experiência da única oblação redentora de Cristo, realizada de uma vez para sempre (Ef. 10, 10), a alma mística sente mais do que nunca que a Paixão «é a obra maior e mais maravilhosa do amor divino e que, ao mesmo tempo, é um mar de amor e de sofrimento».

S. João da Cruz, ao falar das grandes comunicações que o Senhor faz à alma nos altos graus da experiência mística, afirma que «lhe comunica especialmente os doces mistérios da Sua Encarnação e as formas e caminhos da redenção humana»; noutro passo, diz que “a alma reveste-se e transforma-se nos mesmos esplendores do Verbo encarnado e participa das alegrias mais puras do espírito, ainda que este itinerário espiritual seja acompanhado pelo puro padecer».

Motivações e origem deste trabalho

«O mundo não compreende o que Jesus sofreu» (Diário, 25-10-45).

«Quisera desenhar num quadro todos os sofrimentos de Jesus que sinto na minha alma e poder gravá-los em todos os corações a fim de que sintam e compreendam o que Jesus sofreu, e assim deixem de pecar, de O ofender, e só O amem, para que somente o amor divino seja o fogo que alimenta os corações de toda a humanidade» (Diário, 18-10-45).

Este desejo ardente da Alexandrina apoderou-se também de nós e sentimos a urgente necessidade de o satisfazer.

Particularmente próximos da Alexandrina (na qualidade de director espiritual), sentimos também o dever de tornar conhecidos os tesouros de que o Senhor a enriqueceu, para bem das almas.

No nosso volume «Cristo Gesù in Alexandrina», incluímos já a descrição de muitos momentos da Paixão, mas de forma tão fragmentária e desarticulada entre os vários trechos — visto termo-nos proposto elaborar uma autobiografia sumária —, que estes não reproduzem ao completo o quadro desejado por Alexandrina.

Penetrando em profundidade na abundante mina de material precioso em nosso poder , recolhemos os passos mais significativos e os ordenámos num todo, o mais orgânico que nos foi possível.

Apesar disso, o quadro elaborado não consegue certamente oferecer uma visão completa por dois motivos:

1.º — A experiência ensina como é difícil exprimir por palavras as emoções da alma, sobretudo quando a linguagem humana deve traduzir realidades e operações divinas.

Muitas vezes Alexandrina manifesta o seu sofrimento ao ter que ditar, por obediência, o que se passa na sua alma. Aparecem com frequência no seu Diário palavras como estas: «Se a minha ignorância soubesse exprimir...»; «Soube sentir, mas não sei dizer...».

2.º — Devido à grande abundância de material. Alexandrina reviveu a Paixão de Cristo, na segunda forma (desde 3 de Abril de 1942, até à morte), sofrendo semanalmente ora um aspecto, ora outro, do martírio de Jesus.

Escolhemos os trechos mais significativos para oferecer ao leitor um quadro sintético.

Confessamos que nos abalançámos a este não fácil trabalho, apesar das inevitáveis falhas, porque nos pesava que tão preciosas pérolas ficassem escondidas.

Que elas sejam, pois bem aproveitadas! E que despertem uma sementeira de bem em tantas almas!

Com tais auspícios dedicamos o nosso trabalho ao leitor, com um íntimo e caloroso voto de que, conhecendo mais, ele consiga amar melhor; e amando melhor, consiga conhecer cada vez mais profundamente a Cristo Jesus, para O deixar viver e crescer em si o mais possível.

A sua estrutura

O trabalho foi subdividido em sete «momentos»; cada um deles consta de vários quadros, coordenados entre si cronológica e psicologicamente; cada quadro é bastante completo em si mesmo e suficientemente avulso dos demais de forma a poder constituir assunto independente de meditação. O conteúdo de cada quadro está enunciado no respectivo subtítulo que lhe juntámos.

Cada quadro compõe-se de diversos fragmentos; ao lado de cada um deles há um número, que aparece no fim do livro juntamente com a data correspondente ao dia em que o trecho foi ditado.

Entre muitos fragmentos semelhantes escolhemos só um: aquele que nos pareceu mais expressivo e também mais apropriado ao contexto e o inseri­mos ao lado dos demais, de maneira a constituir como que um grande mosaico.

Procurámos evitar repetições, e nesse intuito cada fragmento é reportado uma só vez.

Em contrapartida, o leitor deparará com repetições substanciais de conceitos, de sentimentos, de padecimentos, sob formas sempre diversas e com novas cambiantes; esta «repetição» deu-se na realidade; por exemplo, alguns tormentos já são sentidos com antecipação na quinta-feira, depois também durante a agonia no Horto e por fim são vividos no cimo do Calvário. Aparece também com frequência a dolorosa amargura provocada por ver que muitos, demasiados, não beneficiam do Sacrifício. Volta, além disso, insistente, num crescendo contínuo, o motivo do entrelaçar-se da dor com o amor, da sua complementaridade e o triunfo do amor, custe o que custar.

São os temas fundamentais, essenciais do Cristianismo, nunca repetidos à saciedade: põem em evidência uma introspecção singular do doloroso Calvário sofrido por Cristo e revivido por Alexandrina.

É verdade que a conexão dos «fragmentos do mosaico» nem sempre é perfeita, mas optámos por este inconveniente, de preferência a introduzirmos frases não pertencentes ao texto de Alexandrina.

Agradecemos a alguns amigos muito queridos a colaboração que nos prestaram.

Leumann (Turim), 2 de Fevereiro de 1977.

Festa da Apresentação do Senhor.

Padre Humberto Maria Pasquale, Salesiano

TODA A VIDA DE CRISTO FOI CRUZ E MARTÍRIO

1. Ai, quanto custou a Jesus a Sua vida na Terra!

2. Não foi o Horto e o Calvário sofrimento dumas horas, mas sim de toda a vida de Jesus.

3. Ele crescia em idade e sabedoria, e n’Ele e com Ele crescia a cruz; Ele não se separou dela por um só momento. Nela crescia, nela sofria, mas sempre com sorriso e bondade, com os Seus olhares encantadores e atraentes. Assim O vi e senti dentro em mim a sofrer em mim e comigo.

4. Foi um ser humano que sofreu, uma vida divina que venceu.

“Pai, chegou a hora”

«Foi contado entre os malfeitores» (Lc. 22, 36)

5. Hoje (quinta-feira) de manhã cedo, era tal a dor que sentia em mim, era tal a repugnância e a vergonha que me causava o ver que todo o povo se preparava à espera de novos acontecimentos! Parecia-me ver grupos, aqui e acolá, fazendo comentações. Meu Deus, espera-me a sexta-feira! Que medo! Os meus olhos parecem penetrar no íntimo de toda a multidão que ocupa as ruas. A minha alma sente tudo. Ao lado de uma montanha, perto de entrar numa cidade, a figueira amaldiçoada por Jesus. Mais abaixo, alguém traz à cabeça uma bilha de água. Há encontros, falam...

6. Os olhos, mas não os do corpo, só os da alma é que vêem tudo isto: movimento de pessoas que caminham apressadas para um e outro lado a prepararem-me a traição, o laço para me prenderem.

7. Ai, como eu vejo a traição que me preparam, ou preparam-na a Cristo que está em mim!

8. Vem sobre mim o peso de todas as humilhações; nada há de mau que contra mim não digam.

9. Ao longe, muito ao longe, há comentações; o meu nome é falado, enxovalhado, envolto em lama como folha que nela apodrece. Estou envergonhada

A minha alma sente tudo e desfaz-se em dor.

10. Tudo isto que eu sinto e vejo, por Vós passou, meu Jesus. São sofrimentos Vossos, que tanto sofrestes por meu amor!

«Parto, mas fico convosco»

11. Cravaram-se na minha alma Jesus e os Seus apóstolos Jesus via aproximar-se a morte e, quase sem poder com aquela separação, dizia:

«É chegada a minha hora: vou morrer, parto, mas fico convosco»

E o Coração divino de Jesus ardia em amor.

Passavam-se as horas: o horror dos sofrimentos aumentava e o amor crescia também.

Eu sentia como se o meu peito fosse uma fornalha, o coração uma caldeira sempre a ferver sobre essa fornalha: quanto mais fervia, mais deitava fora: quanto mais transbordava, mais se enchia.

Jesus fitava a Mãezinha, voltava a fitar os apóstolos e, numa dor muito profunda, murmurava:

«Tenho que deixar-vos; não posso separar-me de vós; eu vou, mas fico: prende-me a vós o meu amor».

E os laços do amor de Jesus enleavam-se, mais e mais, no Coração santíssimo da Mãezinha e dos apóstolos.

«Tenho que dar o Céu ao mundo»

12. Corre para mim a morte, a sepultura está pronta.

13. A minha alma chora em silêncio, esconde os seus gemidos; vê as trevas negras da morte, vê como já todos se preparam para me prenderem e a todo o custo tirarem-me a vida.

Ó Horto, ó Calvário, ó morte, ó horror, ó pavor! Que rochedo mundial me escondeu o Céu!

14. O meu coração apavorado chora lágrimas de dor e de sangue. Sente as cordas que amanhã lhe vão atar o seu corpo. Sente nele as bofetadas e os escarros que ao rosto lhe hão-de ir cair. Anteciparam-se os sofrimentos: já hoje sinto tudo.

15. Vejo a grande coroa de espinhos em forma de capacete que há-de coroar a minha cabeça. Sinto-me a desfalecer ao ver a agonia do Horto e a morte.

16. A minha alma suspira e agoniza. Triste quinta-feira; oh! o que me espera! Sinto e vejo o meu sangue que em breve vai correr do meu corpo. Já vejo a cruz!

17. Sou escândalo no meio da multidão. A alma chora; o corpo estremece.

18. O meu espírito está no Senhor, os meus olhares n’Ele estão. E em silêncio vou exclamando:

«Meu Deus, meu Deus, meu Pai, meu Pai!

19. Fito os meus olhos no Céu:

«Venha o que vier! Tenho que dar o Céu ao mundo; tenho que comprá-lo com a moeda do meu sofrimento»

«A minha alma está numa tristeza de morte» (Mt. 26, 38)

20. Durante a tarde sentia-me a passar por entre ruas. Seguia o meu caminho e por todos quantos me viam era escarnecida e apontada como réu de todas as culpas e a maior criminosa.

21. Vi a terra do Horto, o lugar que havia de ser regado com o meu sangue. Num impulso de amor, queria beijar e abraçar essa terra.

22. Por mais que uma vez veio para o meu coração, grande como o céu, a montanha do Calvário. A minha alma via nela junto à cruz a Mãezinha lacrimosa, em grande agonia, acompanhada de mais algumas almas queridas. Vi a Madalena debulhada em lágrimas.

23. O meu coração dizia e repetia:

«A minha alma está triste até à morte».

24. Cuidava de todas as coisas e o meu pensamento estava sempre no Horto. Caminhava para toda a parte e o coração vivia sempre lá. Não valia a pena falar tão cedo daqueles sofrimentos: não era compreendida.

Dois mares imensos: um de dor, outro de amor

25. A dor, o pavor esmagavam o coração, destruíam-no; o amor formava-o novamente. E assim repetidas vezes.

26. O meu coração voava para o Horto a beber na fonte de toda a dor; levava consigo outra fonte superior ainda, era a do amor. Este obrigava a beber outra.

27. Senti dentro de mim dois mares imensos: um de dor, outro de amor. O do amor estava sobre o solo do Horto e dentro dele se despejava, mas sem se esgotar, o mar de dor. O amor tudo absorvia.

28. Um fogo devorador queimou todo o meu Interior, atingindo-me os lábios, que estavam secos e mirrados: este fogo era de amor, era de entrega total, era de vida.

29. O amor vibrava, o amor subia, vencia, encobria a dor. Que coração eu tinha, grande, grande como Deus! Oh, como é grande, grande, infinitamente grande o amor de Deus!

«Para destruir o pecado pelo sacrifício de si mesmo» (Hebr. 9, 26)

30. O mundo estava todo em trevas e em guerra: era um mar imenso de revolta contra mim. Eu sentia-me atacada e ferida por todos, mas o coração amava tanto que, para tirar das trevas a todos quantos me feriam, ia dar a vida.

31. Em todo o dia, não podia desviar do Horto o meu espírito. Mas uma vida em mim, suprema, suavizava-me a dor. Esta vida tinha em si a visão e a lembrança de ter descido à Terra enviada pelo Eterno Pai.

32. Ofereci-me por Seu amor para pagar toda a dívida da humanidade inteira. Só a Sua divina vontade era a minha, minha era a Sua vida, meu era o Seu amor.

33. A vontade firme e completa de cumprir a vontade do Altíssimo foi que suavizou a dor deste dia, que não me parecia ser de um dia, mas sim de muitos anos. Falava, caminhava, trabalhava com o mundo no coração.

«Jerusalém! Jerusalém! Tu que matas os profetas!» (Mt. 23, 37)

34. Do meu coração saíam para a Cidade os mais doces e ternos olhares; eram olhares de chamamento, olhares de compaixão. Mas oh! o que eu via sair dali, que revolta contra mim!

35. Chorei, chorei, ou melhor, chorou a minha alma. As minhas lágrimas eram lágrimas de pai. Eram um incessante convite ao arrependimento. Era a hora da graça, que não mais voltava!

36. Eu via o que a Cidade era e o que ia ser para mim. E chorava pelo que a esperava e por ela não se aproveitar da hora da graça que lhe era dada. Eu encobria a dor, mas ela (a minha alma) chorava e fitava a humanidade inteira. Penetrava tudo e em todos os corações que nela haviam de existir.

 “Judas foi falar com os sacerdotes e os oficiais sobre o modo de lhes entregar Jesus» (Lc. 22, 4)

37. Sofreu muito a minha alma com a visão de Judas de porta em porta a contratar a venda de Jesus. Os seus olhos e cabelos já pareciam do maldito do inferno. Dentro em mim estavam os olhos divinos de Jesus que o acompanhavam em todos os passos e cada um que ele dava, para tão cruel traição, eram punhais a cravarem-se no Coração divino de Jesus e duras e negras cordas a cingirem-No duramente.

38. Sentia-se desesperar. O desespero estava em mim, mas creio não ser meu, porque a minha alma estava resignada e sentia paz. Aquele desespero apavorador mexia com o mundo, envolvia o Céu; fez-me mostrar os sofrimentos do Horto, os sofrimentos de Jesus, tudo o que Ele sofreu por nosso amor. Nesta altura, fez-me o meu Jesus compreender claramente que aquele desespero era o de Judas e que avivou todos os sofrimentos da Sua sagrada Paixão.

«Para apagar os pecados de todos os homens» (Hebr. 9, 28)

39. Comecei a ver e a sentir uma luz brilhante, a vida do Céu; a manchar-se, a envolver-se com a Terra. Era Jesus que vinha a sofrer.

40. Parecia-me aparecer do Céu uns raios de sol, que davam vida à Terra, e a iluminavam de tanta treva que a submergia. Contra este sol vinham nuvens negras assustadoras a encobri-lo. Parecia que tinha Jesus dentro em mim a contemplar, a fitar este sol e as nuvens formadas de todas as maldades, que tentavam encobri-lo. Jesus lançava-se às nuvens para as abraçar, embora apavorado com elas; o Seu divino corpo cobria-se de suor e sofria sozinho.

41. Ele fitava O mundo, gemia, suspirava, sobre ele derramava as Suas lágrimas. Ele tinha que vir e queria vir para fora, ser a mesma massa, mergulhar no mesmo lodo, e tinha medo: era como atirar-se ao fogo para ser queimado. O Seu divino amor era tanto:

obrigou-O a unir-se a nós, a revestir-se das nossas maldades. Ai, não posso dizer, não sei dizer a união de Jesus, a união da Pureza suma ao lodo imundo!

42. De longe a longe fitava o Céu e bendizia a Seu Eterno Pai.

«Eu sou um verme e não um homem» (Salmo 21. 7)

43. Logo que caiu a tarde, senti como se me tirassem um formoso vestido, que me dava toda a graça e beleza, e me vestissem um vestido mundial , que me tornou o escândalo de toda a gente, tal era a podridão, de que ele era feito.

44. Senti como se assumisse a mim toda a maldade humana; Tudo entrou para mim, e eu era o mundo.

45. Parecia-me ter vindo do Céu e transformar-me num verme da terra. Nesta transformação eu era um verme nojento, apodrecido, carcomido, caminhando, minando sempre em toda a terra imunda.

46. Causou-me tal tormento que não sabia como resistir.

47. Principiou o meu coração a arder, e sobre este fogo abrasador caiu um mundo de misérias, trazia com ele toda a maldade e furor infernal. Sobre este mundo veio o Céu. Travou-se uma luta, uma grande guerra: o Céu contra a Terra , a Grandeza contra o nada, a Pureza contra a lama.

48. O Céu descia sobre a Terra, morta pelo pecado, morta por todos os vícios. Parecia que todo o firmamento se desfazia em fogo. O meu Deus, que revolta! Sentia que as almas não temiam a Deus.

“Ele é o mediador de uma Nova Aliança"
(entre Deus e os homens) (Hebr. 9,15)

49. Toda a justiça do Céu caiu sobre mim!

50. O Céu parecia repelir-me, não me querer fitar; mas dentro em mim ia uma força que não olhava ter que sofrer. Abria os braços para abraçar a imensidade daquela dor e, mergulhada nela, queria dar a vida à Terra, queria dar luz.

51. Principiei a sentir vivamente na minha alma a revolta do Céu contra a Terra. Eu tinha que reconciliar este com esta, eu tinha que ser reconciliado e ao mesmo tempo dar uma nova vida. Eu era podridão e tinha que com o meu sangue fazer apagar a mesma podridão. Eu era nada, e ao mesmo tempo estava nas alturas, tinha a mesma vida e era a mesma justiça de Deus.

52. A maldade do mundo foi subindo, subindo, chegou ao Céu, desafiou a justiça divina, rejeitou o amor!

53. Para mim tudo é desprezo, da Terra e do Céu.

«Tenho ardentemente desejado comer convosco esta ceia pascal» (Lc 22, 15)

54. A minha alma vê todo o meu sangue a correr por todo o mundo e é por ele todo desprezado e calcado aos pés. A minha carne é pela humanidade comida e por ela logo vomitada. Que grande horror! Melhor seria ser comida pelas feras.

55. Novo fogo se acende no coração. Tenho ânsias infinitas de me dar, de ser Hóstia para alimento e Sangue para bebida.

A Ceia Pascal

“Ide preparar-nos o necessário para comermos o cordeiro pascal”
(Lc. 22, 8)

1. Ao cair da tarde, a grande Ceia do amor. Amor que grande ingratidão recebeu.

2. Veio os ânimos e cuidados com que se prepara a Ceia: vejo que vai ser a Ceia do amor, das maravilhas, como outra jamais seria.

3. Sinto que Jesus vai dando aos seus as suas ordens e, parando de passos a passos, olha com os seus olhares divinos a Cidade ingrata, o Horto de tanta amargura, o Calvário que O espera.

“Pôs-se à mesa e os apóstolos com Ele” (Lc. 22, 14)

4. Subi com Jesus e com os apóstolos para a grande sala onde foi realizada a Ceia. Quando subia a escadaria, sentia que Jesus ia faminto por ir comer com os Seus discípulos aquela Ceia.

5. Mas antes de principiar a cerimónia via a Mãezinha louca de dor, lacrimosa, cabelos desgrenhados. Jesus fez-se compreender que poucas horas depois Ela iria, assim neste estado, ao Seu encontro nas ruas da amargura.

6. Foi grande a dor do Seu divino Coração com a visão das lágrimas da Mãezinha!

7. Vi Jesus sentar-se à mesa com os Seus apóstolos. E ao sentar-se, falou para si o Seu divino Coração: «Manjar divino: a Ceia do meu amor!» Todo o aposento se iluminou e todos os apóstolos ficaram embebidos naquele amor que Jesus irradiava pelos Seus divinos olhos, lábios e todo o Seu ser, porque todo Ele era amor.

8. Jesus era amor, amor, só amor; amor a enfrentar maldade e ingratidão. Judas, já não era Judas: já se via nele um verdadeiro demónio.

9. O olhar esgazeado do mau discípulo ficou gravado em meu coração.

10. Desesperado, com o demónio nele e o fogo infernal, já não recebeu o amor de Jesus.

“Vede, a mão daquele que Me vai entregar está comigo à mesa!”
(Lc. 22, 21)

11. Vi Judas à mesa, mas mais retirado um pouco. Queixo comprido, olhos esgazeados, cabelos esticados: todo ele já não parecia um homem: só se via nele um desespero infernal.

12. Foi doloroso e arrepiante o ler no coração de Judas os maus instintos, a falsidade que tinha para com Jesus e ser por seus olhares venenosos contemplado! Judas fitava Jesus com maldade e, sem querer fazê-lo, fazia-o para disfarçar. Jesus fazia-o com doçura e bondade para o convidar a Si.

13. Ele oferecia-lhe o Coração e queria abraçá-lo.

14. Que doces convites a um coração de pedra, a um rochedo que não se move!

15. Dois quadros tão diferentes: uma traição sem igual e um amor sem igual. Quantos convites cheios de doçura a essa traição! O traidor resiste, a nada se rende; não se sente bem ao pé do Cordeirinho vítima inocente.

16. Tinha dentro em mim, bem gravados na alma, dois olhares: o de Jesus e o de Judas. Que diferença! O de Jesus, terno e a espalhar amor. O de Judas, esgazeado, desesperador. Possuía também dois corações, os dos mesmos: o de Jesus, cheio de bondade e de santos convites; o de Judas, cheio de rancor e ódio.

17. Vem a traição, a venda do que há de mais belo e inocente, a entrega, a falsa entrega.

18. A amargura da minha alma não pode subir mais alto.

“Depois deitou água numa bacia e começou a lavar os pés aos discípulos”
(Jo. 13, 5)

19. Vi-O depois tomar em suas divinas mãos uma bacia grande, redonda; cingir o seu pescoço com uma toalha e seguir o lava-pés.

20. Senti que um a quem causava muita impressão lavar-lhe os pés, a um olhar e poucas palavras, até já se despia para, se preciso fosse, lavar-lhe todo o corpo.

21. No lava-pés, Jesus não só lhos lavava, mas o seu divino Coração baixava tanto que até lhos queria beijar. Eu sentia que Jesus com o seu espírito lhos beijava. Que lição para mim! Que humildade a de Jesus!

22. Fui aprender a ser pequenina. Jesus, o Senhor de tudo, fez-se o mais pequenino no meio dos apóstolos Ele amava tanto, tanto!

23. Ah! Se eu pudesse exprimir aqui todo o amor, toda a bondade e ternura de Jesus, que bem podia fazer às almas! Mas não sei melhor.

24. Jesus dava do seu divino Coração para cada um dos seus discípulos o seu divino amor, em raios luminosos como sol a aparecer no horizonte. Todos os discípulos o receberam e deixaram-se por ele iluminar. Apenas Judas se fechou e recusou o Seu brilho e luz.

“Tomai e comei: isto é o meu corpo…
Bebei dele todo. Porque este é o meu sangue...” (Mt. 26, 26-72)

25. Que noite, que santa noite! A maior de todas as noites. A noite do maior milagre, do maior amor de Jesus! O seu divino Coração estava preso àqueles que lhe eram tão queridos. Para poder partir, tinha que ficar entre eles; para subir ao Céu, tinha que ficar na Terra. Assim O obrigava o seu amor divino.

26. O sofrimento amado, quem te compreenderá?

27. Queria que todos conhecessem aquele mistério de pão e vinho transformados no Corpo e Sangue do Senhor! Que milagre prodigioso! Que abismo insondável de amor! Apesar de se sentir mergulhada nele, não o compreendia para o saber explicar; só o soube sentir, e só no Céu o compreenderei.

28. Vi o doce Jesus a abençoar o pão.

29. Queria saber dizer, poder mostrar, no memento da bênção, os olhares que Jesus levantou ao Céu.

30. De olhos fitos no Céu, em chamas de fogo, orou por tanto tempo a seu Eterno Pai.

31. Vi o seu rosto de tal forma inflamado, que mais parecia ter em Si só a vida do Céu, do que ser uma semelhança nossa: não perecia homem, mas sim só Deus: amor, só amor.

32. Que encanto! O seu santíssimo rosto era se luz, parecia que só fogo o rodeava; com os olhos encantadores fitos no Céu e um Sorriso doce abençoava o pão, que pouco depois por todos distribuía.

33. Foi tal a luz, foi tal o amor que a todos embebeu: Jesus, os apóstolos e eu!

34. E naquele momento de amor e maravilha sem igual, senti que o mundo era outro. Jesus dava-se a ele em alimento e partia para o Céu, e com ele ficava; aquele amor estendeu-se por toda a humanidade.

“Quem come a minha carne e bebe o meu sangue fica em Mim e Eu nele”
(Jo. 6, 56)

35. Que cena tão tocante, que cena só de amor, só de um Deus! E a Eucaristia, meu Deus, que maravilha, quando Jesus a instituiu!

36. Nunca senti tanto ao vivo as ternuras e o amor de Jesus com os seus discípulos. Todos os discípulos comungaram das mãos de Jesus, abrasados em amor. Hei-de dizer que Judas comungou também. Ele estava mais afastado: Jesus estendeu a Sua divina mão para o lado dele com o Manjar celeste.

37. Judas ficou logo como um condenado do inferno, tal era o seu desespero.

33. Jesus falava sempre com a mesma doçura e meigos sorrisos.

39. E os apóstolos, naquela hora mais que nunca, se encheram de Jesus , se inflamaram de amor e chegaram a compreender tudo quanto Ele lhes dizia.

40. na sala da Ceia experimentei, por alguns momentos, a grandeza do Seu amor, grande como o Céu e a Terra, grande como a mesma grandeza de Deus.

41. Como Ele amou; como Ele ama! Os Seus desejos, que vivêssemos d’Ele e para Ele.

42. A Mãezinha, retirada um pouco, mas pre­sente, compartilhava de tudo isto.

“Depois de Judas engolir o bocado… saiu imediatamente” (Jo. 13, 27-30)

43. Não sei como eu era o alimento, eu era a Hóstia.

44. O meu coração era o cálix, era o vinho, era o pão. Todos vinham comer e beber a este cálix. Dali em diante toda aquela cena seria renovada. Mas, oh! Que horror, o que eu vi: tantos Judas a comerem e a beberem indignamente! Que línguas tão sujas! Mas mais horror ainda: mãos tão indignas a distribuírem este Pão e este Vinho!, mãos indignas, corações cheios de demónios! Que horror, que horror de morte! Senti tanta dor, que de dor e horror parecia-me rasgar a alma e despedaçar o coração

45. Senti também em mim a língua de Judas, língua que ardia de fogo infernal, depois que comeu o Pão e bebeu o Vinho abençoado por Jesus.

46. Judas, quase logo, saiu com a saca do dinheiro , para O ir vender.

47. Fugiu desesperado a vomitar fora aquela Ceia celeste que por Jesus lhe tinha sido dada. E continuou a sua traição.

“Vós sereis meus amigos...
tudo quanto ouvi de meu Pai vo-lo dei a conhecer” (Jo. 15, 14-15)

48. Toda a assistência ficou em paz e amor.

49. Convívio de grande intimidade! As conversas são animadoras.

50. Que conversação de tanta sabedoria e paz!

51. Queria poder fazer sentir a todos os corações o que é o amor de Jesus para com a alma que verdadeiramente O ama.

52. Senti o amor com que João se inclinou ao Seu santíssimo peito e o amor que, naquele momento, Jesus lhe fez sentir.

53. Como se uniram tão docemente o Coração divino de Jesus ao coração do discípulo amado! Jesus consolava-Se no Seu discípulo e este no seu Mestre. Esta união suavizou a dor angustiosa de Jesus.

54. Senti que o doce Amor dava a gozar e sofria Ele amargamente. Naqueles momentos, muito concentrado, em profundo silêncio, viu todo o Horto e Calvário. E sobre Ele caiu como fera furiosa toda a humanidade.

Despede-Se da Mãe

55. Seguiu-se depois a despedida de Jesus da bendita Mãezinha: foi a despedida mais dolorosa. Ficaram esmagados de dor os seus santíssimos Corações.

56. Senti como se a Mãezinha beijasse e abraçasse pela última vez Jesus. Que doçura era a d’Ela! Que triste foi a despedida! Oh, como falavam um ao outro aqueles Corações!

57. Uniram-se os Seus rostos santíssimos e seus lábios. Mais unidos ficaram para a dor os seus inocentes Corações.

58. Uniram-se os Seus divinos Corações e rostos. Uniram-se os Seus amores para não mais se separarem. Choravam as Suas almas.

59. Jesus beijou-A; e aquele beijo foi de despedida. Deixou no Coração da Mãezinha raios de fogo: foram fios, foram prisões de amor que Os deixaram para sempre unidos. Jesus foi para Horto e ficou com a Mãezinha. A Mãezinha ficou foi com Jesus.

«Jesus saiu para o Monte das Oliveiras»
(Lc 22, 39)

Dois corações unidos no amor e no sofrimento

1. A minha alma viu Jesus descer e caminhar para o Horto.

2. Vi e senti a Mãezinha à descida da escadaria, envolta num manto, com os olhos lacrimosos a fitar Jesus que já ia ao longe.

3. Que triste separação! Que dor a de Jesus ao despedir-se da Mãezinha! Ele bem sabia que Ela, poucas horas mais tarde, queria abraçá-Lo, tomá-Lo para os Seus braços, curar-Lhe as feridas, e não havia de poder, nem ao menos, confortá-Lo um pouco com as Suas doces palavras de Mãe.

4. Jesus, um pouco já retirado, fitou-A novamente, como que a dar-Lhe um novo adeus. Ela fitava o Seu Jesus no cimo da escadaria. Ele desapareceu, mas ficaram sempre unidos.

Por Jesus vi os Seus olhares dolorosos, já sem O ver e o quanto o Seu santíssimo Coração O seguia e adivinhava o que Ele ia padecer. Que união de dor e de amor era a daqueles dois Corações!

Para a solidão, abraçando todo o sofrimento

6. Sinto que tudo me foge. E eu vou ficar sozinha no Horto, na minha grande agonia.

7. Fujo para a solidão, para, em silêncio, poder chorar. Oh! quantas lágrimas de perda!

8. A cada passo que dava eram montanhas que caíam sobre mim!

9. De passos a passos sentia como se parasse para descansar: a alma estava fatigada.

10. Todo o caminho foi espinhoso: grandes varas de espinhos entrelaçados feriram o meu corpo. As ânsias e sede de amor estendiam-se a todo o mundo; e a recompensa a esse amor foram espi­nhos tão vivos, tão penetrantes que, nesse grande enleio, me cercaram o coração. As chamas de amor que dele saíam avançavam aos espinhos, subiam às alturas.

11. Esforçada com esforços interiores, esforços da alma, caminhei para o Horto.

12. A minha alma caminhou para o Horto, arrastada pelo amor, naquele estreitado abraço do coração a todo o sofrimento.

“Vou morrer por ti”

13. Cheio de mansidão, Jesus, com os seus ‘olhares divinos, via ao longe, lá ao fundo, de casa em casa, Judas a contratar a venda; pendurada no braço trazia a saca com o dinheiro. Jesus tudo via, mas nada dizia aos seus apóstolos.

14. Chorava escondido, chorava de dor.

15. Caminhava à frente dos apóstolos, triste e silencioso. Eu vi também que os apóstolos não se preocupavam nem sofriam pelo que iria acontecer; iam cheios de cansaço.

16. Estes, mais cheios que nunca, com toda a tranquilidade seguiam seu Mestre.

17. Seguiam cansados pelas grandes maravilhas e coisas que tinham visto e ouvido de Jesus. A viagem foi silenciosa, mas, naquele silêncio, quantas coisas lhes dizia Jesus! Como os amava e lhes falava naquele silêncio aquele divino Coração, tão oprimido pela dor e também pelo cansaço!

18. E enquanto que Ele caminhava ofegante, por todo o Seu santíssimo corpo corriam gotas de água.

19. De longe a longe, olhava para trás, a fitar a Cidade que ficava ao fundo. Os Seus olhares divinos viam tudo, apesar do escuro. E do Coração saía este doce queixume: «Não olho à tua ingratidão; vou morrer por ti».

20. Ele abismou-se no sofrimento, recolheu ao seu divino Coração toda a ingratidão e maldade que ali viu. Aquele abismo de ódio e de dor conduziu-O ao Horto: e Ele conduziu-me a mi

A Alexandrina participa com Jesus nas dores da Virgem Santíssima

21. O Coração divino de Jesus sentia-se espezinhado pela humanidade. E junto ao d’Ele, no mesmo sofrimento, era o da Mãezinha. Eu sentia como se o Coração d’Ela voasse para Jesus e que a violência da dor com ele arrastava todas as veias do Seu corpo

22. Já a caminho do Horto passaram-me pelo coração os suspiros e as lágrimas da Mãezinha e via-A, não com os olhos do corpo mas com os da alma, no pátio do aposento da Ceia, com o Seu Santíssimo rosto entre as mãos a chorar amargurada de dor.

23. Sentia como se levasse a Mãezinha dolorosa dentro em meu coração como outrora em Seu ventre puríssimo Ela tinha trazido Jesus. O meu coração era o sacrário que a recebeu a Ela com todas as Suas dores, como Ela foi sacrário que recebeu a Jesus com toda a Sua vida divina e humana. Com que recolhimento eu A levava!

24. Jesus ia a chegar ao Horto e Ela ainda chorava. Jesus via bem e sentia as lágrimas de Sua bendita Mãe.

A agonia no Horto

“Caiu por terra e orou” (Mc. 14. 35)

1. Arrastada por correntes de amor, subi ao Horto

2. Via as oliveiras do Horto, o luar empalidecido e o brilho das estrelas triste, como triste estava o Coração divino de Jesus. Tudo aparecia por entre a folhagem das oliveiras, mas com tristeza que só convidava ao silêncio e ao retiro.

3. Por entre a escuridão das oliveiras, Jesus apressou o passo, foi para a gruta orar.

4. Vi as próprias oliveiras do Horto com a sua vasta folhagem muito verde como que a cobrir Jesus, a ser testemunha do Seu sofrimento e como que se d’Ele se compadecesse.

5. Os apóstolos adormeceram.

6. Na solidão sentia-se ajoelhar para orar.

Experimenta em si também os sofrimentos futuros

7. Ó Horto cheio de agonia, ó Horto cheio de tristeza!

8. Um Horto mundial ladrilhado de pedra dura, rochedo inquebrável.

9. Oh, quantos sofrimentos a minha alma vê para ela e para o corpo!

10. Sente a dor do beijo ingrato, que este rosto vai levar;

11. Sente a bofetada.

12. O meu rosto escarrado, os olhos vendados.

13. Sinto a negação de S. Pedro, vejo a lareira rodeada, ouço o galo. A dor é indizível, assim como a da tremenda bofetada.

14. Sinto-me escarnecida, de tribunal em tribunal na algazarra do povo!

15. Vejo a argola que está na coluna; sinto no coração as prisões que me vão prender a ela.

16. Vejo os açoites que em pouco hão-de açoitar meu corpo, e, nesses momentos; açoitam-me a alma: ouço o zunir das cordas e das varas, e a alma vê o rancor com que é açoitada.

17. Sofro como se fosse coroada de espinhos com o corpo despedaçado.

18. Pelos açoites, levada à varanda de Pilatos, com uma cana na mão.

19. Sobre os meus ombros tenho uma velha capa E eu, no maior abatimento, no meio de tantos algozes!

20. Vejo a multidão do povo, ouço as suas exclamações: tenho que ser condenada à morte!

21. Tenho uns momentos em que me parece morrer, sem poder resistir a tão grande dor.

Ao encontro de um Calvário de muitos séculos

22. Vem para o Horto o Calvário.

23. Vejo os caminhos por onde hei-de cair com o peso da cruz.

24. Apavoro-me com a vista da subida da encosta. Como vou eu subi-la! Cheia de maus-tratos. Principio a tremer, e todo o solo treme comigo.

25. Sinto a crueldade com que hei-de ser despida; sinto sair nos vestidos a pele e pedaços de carne.

26. Sinto como se me despissem não só no corpo, mas também na alma. A dor que na alma penetra é mortal.

27. Vejo os cravos e o martelo que me vão pregar.

28. A cruz ao alto! E vejo-me nela crucificada!

29. Todos os sofrimentos se antecipam!

30. Ai, ai, ai, o que é a dor! o que são os sofrimentos do Horto! O mundo não os conhece, não sabe o que sofreu Jesus! Mas eu sinto-O, sofredor dentro de mim. E em mim que a Sua sagrada Paixão é renovada.

31. Ó meu Jesus! Só sentindo se pode avaliar quanto Vós sofrestes! Que loucura de amor, o Vosso!

32. O coração é que recebe todos os maus-tratos. Parece-me que ele, desfeito em sangue, ras­teja pelo solo do Horto. Rasteja como se fosse uma serpente venenosa sobre a qual todos descarregam as maiores barbaridades para lhe tirarem a vida.

33. O coração amava mais do que foi ferido. O amor venceu.

34. O meu coração fez-se como uma nuvem que, em vez de absorver água, absorvia toda a dor e martírio; dor e martírio este que se transformava em sangue que ia regar todo o Calvário e, nele, a humanidade inteira.

35. Tinha a visão do sangue que ia derramar e ao mesmo tempo, das flores que nasciam desse sangue. Por entre estas flores estenderam-se sebes espinhosas, de espinhos agudíssimos e a maior parte deles banhados em sangue. Via o fruto e via a ingratidão; via a glória e via a maldade.

36. Senti no coração uma indiferença tão grande a estes sofrimentos, que não há palavras que descrevam a agonia que esta indiferença de tanto sofrimento me causou. Não havia compaixão para a minha alma, para a minha dor ou melhor, direi — para a dor de Jesus.

37. Jesus não ia ter o Calvário dum só dia, ia-o ter de muitos e muitos séculos.

O coração da Mãe já sente os sofrimentos do Filho

38. E àquela hora onde estava a Mãezinha?

39. Oh, como a minha alma A via e o coração A sentia tão ao longe, no pátio à descida das escadas, fitando os caminhos, o lugar onde Jesus estava! O seu santíssimo Coração, ligado ao de Jesus, adivinhava tudo o que Ele ia sofrer e em união com Ele sentia a mesma dor.

40 «Meu Filho, meu querido Filho, como Tu sofres!» murmurava o Seu santíssimo Coração. Profundos suspiros, copiosas lágrimas rolavam pelas suas santíssimas faces.

41. Passavam pelo meu coração lágrimas sem conta, derramadas por Ela.

42. Quanto sofria Ela com a Reparação e despedida de Jesus!

43. Tive a visão, que seria para horas mais tarde, duma grande multidão que seguia a Jesus e atrás dela caminhava a Mãezinha com ansiedade, em profundos suspiros e lágrimas. Era o caminho do Calvário e a Mãezinha queria ver e ir ao encontro do seu divino Filho.

44. Jesus sofria em grande agonia: sofria com os sofrimentos que O esperavam e sofria com os sofrimentos da Mãezinha.

45. Ele via onde Ela estava, via a distância que Os separava. Que dor sem igual!

46. A dor rasgava-me o coração e a alma.

Duas árvores: uma de morte e outra da Vida

47. Vi o grande aposento onde foi feita a venda de Jesus e depois onde Judas desesperado foi arremessar a saca do preço do sangue inocente.

48. Vi, ao longe, uma árvore na qual estava pendurado Judas. Dela o vi cair ao solo, rebentar e, no mesmo solo, se espalhar o que o corpo dele continha. Foi a venda, a entrega de Jesus, o beijo traiçoeiro que o levou àquele acto, àquele desespero.

49. Sentia-me a única e verdadeira árvore do mundo que se transformava em rebentos floridos e dava a estes uma nova vida, a vida do Céu. Mas para isso tinha que enfrentar todo o Horto, todo o Calvário e morrer na cruz. Não importava a morte: o que era necessário era dar novas vidas.

50. O amor obrigava-me à dor. De lábios mudos, olhos cerrados entreguei-me a tudo. Lá fui para a morte.

51. Eu em mim sentia ter que morrer e queria morrer: sem a morte não poderia terminar os trabalhos a que tinha vindo à Terra.

Abraça toda a ingratidão

51. Nesta altura, sentia Jesus a fitar o mundo. E com profunda tristeza dizia o seu divino Coração: «Tanta ingratidão para tanto amor!» Não eram bem aceites os Seus padecimentos, o Seu divino sangue, a Sua morte!

52. Lançou-se sobre mim o peso brutal da humanidade. O seu peso esmagou-me, abriu-me o peito, tirou-me a vida; mas outra vida superior, sublime, muito sublime, deu-lhe entrada no coração e abrasou toda a humanidade em amor, Triunfou da morte e abraçou toda a ingratidão. Foi tal a irradiação e loucura de amor que fez esquecer toda a crueldade humana.

53. Abracei o Horto, ou Alguém o abraçou dentro do meu coração. Mas este abraço foi eterno Jesus, com a Sua luz, fez-me ver e compreender que era o Seu abraço eterno com as almas, que era a Sua vida eterna de amor com elas.

Foi no Horto que chamei para mim o mundo

54. E no Horto que chamei a mim o mundo : revesti-me dele, assumi a mim toda a responsabilidade.

55. Sobre o solo do Horto, levantou-se um mar imenso, cujas ondas se debatiam contra mim.

56. Tudo à volta de mim era mar; batiam em mim as ondas furiosas como se eu fora o cais.

57. Derrubada por elas, caía na terra imunda e manchada; todas as manchas eram minhas! Tremia -de pavor e parecia-me que toda a Terra tremia.

58. Estava coberta de iniquidades que atraíam sobre mim a justiça do Eterno Pai.

59. Oh! quantas lágrimas de perda, quantas lágrimas de vergonha por me ver revestida de todas as maldades e estar assim na presença do Eterno Pai!

60. A vergonha de mim mesma e o peso da justiça divina obrigavam a terra a abrir-se e a eu esconder-me nela.

61. Abismei-me naquele solo duro.

62. Fiquei envolvida no solo do Horto como se fosse num manto .

63. E eu, toda mundo, toda podridão e pecado, tomei-me responsável para diante do Eterno Pai. Era só eu a pagar-Lhe esta inigualável divida. Para um mundo de pecado e de podridão um mundo de sangue e purificação.

64. Todo o meu ser ficou Horto. Todo o meu ser ficou sangue.

Grão de trigo moído; cacho de uvas esmagado

65. Fui posta naquele solo duro, para ser responsável por toda a gente e para duma grande parte ser escândalo: estes eram revoltosos, carrascos e assassinos para mim.

66. O meu brado ao Céu rompeu por entre a solidão, pelas trevas da noite, por entre a folhagem verdejante das oliveiras.

67. Bradava tanto ao Céu, mas este brado ficava como que perdido num bosque: nem o Céu me escutava e atendia.

68. Afastou-se tanto, tanto de mim o Céu, que fiquei como se da Terra não pudesse fitar o firmamento. Tudo tinha desaparecido: só o Horto ficou!

69. O Eterno Pai retirava-se, parecia não existir. Mas a Sua justiça descia como que em nuvens negras a esmagar-me.

70. O solo do Horto e a justiça divina eram para mim pedras de moinho que me desfaziam em dor e pó.

71. Eu era o grãozinho de trigo moído, transformado em farinha; mas essa farinha continuava a ser moída, até desaparecer. Eu era o cachinho de uvas apertado entre a prensa. E depois de ter dado todo o sumo, até esse tinha para ele novas prensas que o faziam dar tudo até extinguir-se.

72. O sangue escorria por entre essas suas pedras ; por entre elas estendia meus braços a oferecer ao Pai o cálix amargurado. A justiça do Eterno Pai caía sobre mim, mas abrandava-se para a Terra culpada.

Abandonado pela Terra e pelo Céu

73. A noite escura e serena, que não deixava mover uma só folha das oliveiras, a não ser quando a dor tudo obrigava a tremer, convidava-me à solidão e a ver todo o abandono, mesmo até do Eterno Pai.

74. Quando os apóstolos dormiam, Jesus manteve-se sentado por um pequeno espaço de tempo junto deles.

75. Quando Ele mais precisava dos apóstolos, os Seus amigos companheiros de tanto tempo, menos os tinha, maior era a sua despreocupação: dormiam sossegados, a bom dormir. Jesus sofria com este afastamento.

76. De olhos fitos no Céu, falava para Seu Eterno Pai. As estrelas cintilantes eram luzeiros que, por entre o olival, vinham iluminar o Horto escurecido. Para Jesus elas não cintilavam, não davam luz: a Ele não respondia o Eterno Pai! Contudo, a Sua alma divina amava infinitamente, e infinitamente o Seu Coração divino amava.

77. A minha dor chegava até Deus, mas o Seu abandono juntava-se ao da humanidade.

78. É terrível o abandono do Céu, quando da Terra me parece não ter ninguém por mim!

“Pai, se quiseres afasta de mim este cálice…” (Lc 22, 42)

79. Sentia-me de pé, com o cálix nas mãos trémulas, que nunca deixava de deitar fora: o que dentro dele caía era sofrimento que nunca tinha fim era como um copo a receber água duma fonte, sem nunca o retirar dela.

80. Jesus dentro em mim tomava o cálix da amargura e frequentes vezes o oferecia ao Eterno Pai. Eu era Jesus e Jesus era eu; nós os dois éramos a mesma oferta ao Céu.

81. Em meu coração sentia os Seus lábios a repetirem, uma e outra vez: «Pai, Pai, Pai! Afasta-me este cálix, se é possível; mas faça-se a Tua vontade. Eu quero morrer para dar a vida.»

82. Vi o rosto de Jesus belo, muito sereno, com os olhos fitos no Céu. Foi no momento da aceitação, quando pedia para o Pai lhe afastar os sofrimentos, mas no mesmo instante queria só a vontade d’Ele.

83. Os seus divinos olhos sentia-os na minha alma como dois sóis ao raiar.

84. Naquela dolorosa agonia , não eram os meus lábios, mas sim o Coração que dizia: «Jesus, se é possível, afastai de mim este sofrimento!» Mas logo me atirava para Ele, de braços abertos, como se fosse queimada pelas chamas a atirar-me ao mar de frescura e suavidade. «Não se faça a minha, mas a Vossa vontade. Ó meu Deus e meu Senhor, quero consolar-Vos e dar-Vos as almas.»

Ora apoiado sobre uma pedra dura

85. Vi uma estrada imensa, coberta de fortes enleios espinhosos: todos aqueles espinhos haviam de ferir-me. E O meu bom Jesus fez-me compreender e ver, com uma luz muito clara na alma, que aqueles espinhos haviam de ferir através dos tempos, enquanto que houver o mundo, não a mim, mas ao Coração divino do meu Jesus. Eu gostava de saber exprimir melhor a grandiosidade desta estrada espinhosa e a forma como Jesus era ferido. Mas não sei; soube apenas ver e compreender. Fiquei-me naquela dor e angústia pavorosa.

86. Vi a querida Mãezinha em cuidados, em amargura, em ânsias. Onde estava o seu Jesus? Que sofria Ele àquelas horas?

87. Ele orava com o seu santíssimo peito sobre uma pedra dura, e cercado de grandes varas de espinhos, que se enleavam umas nas outras. Era tal a Sua dor que causava espanto e admiração aos anjos, que do firmamento, como se fossem estrelas, O contemplavam. Só o Céu compreendia a dor de Jesus. Depois do Céu, era a Mãezinha a compreendê-la e vivê-la. Como Jesus e a Mãezinha se amavam e viam um através do outro! Toda a Terra ignorava, mesmo os discípulos de Jesus, a dor de tão amantes Corações!

“O suor tornou-se-Lhe como grossas gotas de sangue, que caíam na terra”
(Lc. 22. 44)

88. Como a agonia aumentasse, lancei-me com o rosto em terra.

89. No duro chão, numa escuridão aterradora, fortes tremuras me invadiram o corpo.

90. Em mais que um lugar me prostrei por terra. A um lugar mais ermo fui orar sozinha; e depois bus­quei a companhia daqueles que amava. Que sossego e descanso o deles!

91. E o cálix da minha amargura, na noite silenciosa do Horto, era oferecido ao Eterno Pai, enquanto que despreocupados dormiam os amados do meu coração.

92. Naquele solo duro e nu, tremi de pavor parecia que os meus sofrimentos faziam lume, formavam labaredas que faziam ferver meu sangue.

93. Eram tais os arrancos que o coração dava, que parecia obrigar o corpo a rolar pelo chão e a suar o sangue.

94. Lá senti que as minhas veias se entrelaçaram umas nas outras, como linhas em novelo. Com grande dor se abriram e verteram sangue, que ensopou a terra.

95. Senti como se tivesse a minha roupa colada ao corpo e banhada em sangue.

96. Ó Paixão, ó dor e amor de Jesus, que não és conhecida!

“Com o seu sangue nos lavou dos nossos pecados” (Apoc. 1, 5)

97. Com Jesus orei e suei sangue; com Ele dentro de mim a sentir o coração aberto, como se fosse o meu, dava a toda a humanidade passagem pelo coração e com Jesus dizia a todos: «Eu sou o caminho, a verdade e a vida.»

98. Vi Jesus com antecipado sofrimento, com o Seu Divino Coração aberto, a dar de beber às almas. Umas arrumavam-se d’Ele, com aborrecimento; desprezavam tudo, nem no sangue de Jesus queriam tocar. Outras bebiam-no friamente, com indiferença como se nada fosse. Vinham outras que o bebiam com maior amor. Iam outras que bebiam com loucura e não queriam deixar de beber. Veio outra que passou sobre todas, e, numa sede insaciável, bebeu, bebeu, entrou pela chaga do Coração Divino de Jesus, perdeu-se n’Ele, não apareceu mais.

99. O sangue regou a Terra: um orvalho fecundo, um orvalho de amor. Ia ser para as almas, no decorrer dos tempos, orvalho de vida e de salvação.

100. Sentia que o sangue que dava fazia desaparecer todas as manchas do pecado. Mas no mesmo momento sentia e via que novas manchas, novos vícios se divisavam ao longe, muito ao longe, porque não queriam aproveitar-se daquele mar de sangue, daquele mar de purificação.

A árvore da cruz florescia

101. Via-me a lavar o mundo com o meu sangue. E a árvore da cruz florescia à minha volta. Mas logo uma derrota do mal derrotava tudo, ia até ao tronco. As minhas veias eram as raízes desse tronco, e para que o trono não morresse e continuasse a dar a vida, tinha que continuar a sofrer e dar o meu sangue. A derrota, a destruição, que a minha alma viu, levou-me à agonia.

102. Sem eu querer, dentro em mim repetia: «A minha alma está triste até à morte!»

103. Após uns momentos, senti-me saída dum sepulcro: a pedra que o cobria ficou de lado. Saía gloriosa, a triunfar sobre todos os sofrimentos. Este sentimento e visão gloriosa, que senti ser também antecipada, nenhum alívio me deu.

104. Em minhas mãos tinha o cálix que oferecia ao Eterno Pai. E novos enleios de espinhos o vieram cercar. Esses espinhos deram luz que iluminava e deram brilho ao cálix. Toda a luz e todo o brilho subiam ao Céu. Só a alma ficava na noite escura, silenciosa e triste.

“Então, vindo do Céu, apareceu-Lhe um Anjo que O confortava”
(Lc. 22, 43)

105. Prostrada por terra, numa gruta retirada...

106. Veio um conforto do Céu.

107. Não vi ninguém, mas senti que do Céu desceu alguém que viesse fortificar a minha alma, levantar-me da terra nua, aliviar-me da minha agonia, para depressa continuar. Quem me aliviou a minha alma? Senti que foi um enviado do Eterno Pai. Mas o Seu abandono continuou.

108. O Calvário com a cruz não desapareceu. O mundo com a sua maldade continuou a agravar os sofrimentos.

109. Fiquei mais forte para o que me esperava.

110. Apavorada a minha alma, a lutar com todo o martírio, senti como se um canal descesse do Céu e dentro dele me introduzisse. Aquele canal tinha a vida divina. E toda a minha vida terrena, todo o meu ser de misérias foi por ela trespassado com raios de sol doirados e penetrantes. Que mistura, que mistura: a Terra com o Céu! Se eu soubesse exprimir-me como soube sentir, levava uma vida inteira só a falar disto, sem acabar.

“Levantai-vos! Vamos! Já se aproxima o que Me vai entregar” (Mc. 14, 42)

111. Lá, no Horto, com Jesus a agonizar, vi os apóstolos reunidos, a dormir despreocupados.

112. Os apóstolos dormiam. Judas aproximava-se.

113. Jesus, cheio de doçura e mansidão, chamou os apóstolos para o grande acontecimento, para a prisão. -

114. Ouvi-O exclamar: «Levantai-vos, vinde! É chegada a hora.»

115. À voz de Jesus vieram sobressaltados.

116. Era necessário que eles viessem ver e enfrentar tão grande amor, com tão grande ingratidão.

“Judas aproximou-se de Jesus e disse: Salve, Rabi! E beijou-O”
(Mt. 26. 49)

117. Eu ouço o barulho da gente, o tilintar das armas.

118. Vejo a grande multidão de soldados e mais homens que se aproximam para prender Jesus com varas nas mãos levantadas ao ar; trazem neles o furor do inferno.

119. Desfalecido, com os vestidos ensopados em sangue, numa profunda tristeza e quase sem vida, Jesus espera. Vê aproximar-se a soldadagem e o traidor.

120. Ouço uma voz que com toda a doçura diz: «Amigo meu, a que vens? É com um beijo que entregas o teu Senhor? Que mal te fiz Eu, a não ser amar-te? É assim que correspondes?» E logo aparece Judas que beija Jesus.

121. Recebo em meu rosto o beijo de Judas. Que beijo cruel! Mas que ainda mereceu dos lábios bondosíssimos de Jesus a palavra terna de «amigo». Que doçura a do Seu Coração Divino!

122. No mesmo momento vejo uma lança muito aguda, que vem espetar-se no Coração Divino de Jesus. Ele vai com ela para a prisão, no meio dos maus-tratos; não Lha tiraram mais.

123. Por aquela grande ferida saem raios doirados, a espalhar amor.

124. Fiquei a sentir, por muito tempo, que aquele beijo, ingratidão e traição se iam repetir, através de todos os tempos.

“Se Me buscais, aqui me tendes” (Jo. 18, 8)

125. «A quem buscais? Sou Eu, aqui Me tendes.”

126. Vejo os soldados cair por terra e ouço a voz de Jesus dizer: «Já vos disse que sou Eu. Se Me buscais, aqui Me tendes.”

127. Vêm os soldados; prendem-No. S. Pedro desembainha a sua espada, corta a orelha.

128. Vejo o troar de espadas, as armas dos soldados. Que grande combate, se Jesus com os Seus olhares divinos e o levantar da Sua mão, não acalmava e fazia tudo serenar!

129. Vejo Jesus colar a orelha.

130. Opera o milagre: cola-a, nenhum ferimento deixa! E com que doçura e bondade o faz o Senhor!

131. Jesus remedeia o mal de S. Pedro com tanta doçura. Com a mesma doçura Se deixa prender e entrega aos malfeitores. Se eu pudesse mostrar a ternura, a mansidão e o amor de Jesus para com todos os que O ofendiam! Não há nada na Terra que se possa comparar a Ele.

Da captura à condenação

“Cerca-me um bando de malfeitores” (Salmo 21, 17)

1. Vi, à saída do Horto, que O acompanhava uma grande multidão de soldados com armas e homens com paus.

2. Vi ir Jesus manietado no meio de numerosíssimo povo reles e soldados. Meu Deus! meu Deus! como eu vi o meu Jesus maltratado!

3. Ao deixar o Horto, Jesus caiu à força de pontapés, que Lhe foram dados, bateu com os Seus divinos lábios em pedras, já ficou muito ferido.

4. Debaixo daquela chuva de maus-tratos e de crueldades eu senti, dentro do meu peito, o Seu divino Coração palpitar tão aflito pela dor e pelo cansaço que já parecia dar ali a vida.

5. Oh! com que custo subimos a subida que se seguia ao Horto!

6. Caía repetidas vezes e tinha que levantar-se e subir sem ter quem me auxiliasse.

7. Suportei todos os tormentos daquela vil canalha.

8. Senti como que a garganta se apertasse e os lábios se colassem: era muda sem ser muda.

9. Jesus cerrou os lábios, não falou mais naquele trajecto, mas o Seu divino Coração falou sempre: era um livro eterno, o livro do amor. Não o lia, mas compreendia-o. O meu divino Mestre, naquele momento, fez-me compreender tudo, toda a grandeza o Seu infinito amor.

“Um dos guardas que ali estava deu uma bofetada a Jesus” (Jo 18, 22)

10. Acompanharam-nos à presença dos pontífices.

11. Eu sentia no meu corpo os vestidos colados com o sangue já seco. Na grande sala de Anás vi multidão que seguia a Jesus: eram homens, só homens com armas e paus.

12. Senti a cruel bofetada.

13. Vi o grande ingrato que se atreveu a esbofetear Jesus; vi o rancor com que Lhe deu a bofetada. Deu-Lha a Ele em meu coração. O grande ingrato era alto, magro, moreno, mal-encarado.

74 Foram tantas as gargalhadas e o bater das palmas, como se fosse praticada a mais bela das acções!

15. E Jesus recebeu a bofetada na maior serenidade e mansidão.

16. Como Jesus se fazia pequenino e estava humilhado! O príncipe, na sua vaidade, elevou-se às alturas; via-se como que adorado por quantos o rodeavam.

17. Em nada se assemelha a dor do rosto à dor do Coração. Ai, meu Deus, se eu pudesse mostrar a dor que Vos causaram!

“Levaram Jesus e O introduziram em casa do Sumo-sacerdote” (Lc 22, 54)

18. Subi, depois, um novo escadório, de mãos atadas, já quase de todo desfalecida. Subia coberta de bordoadas e de pontapés, com o rosto coberto de escarros.

19. Vi a braseira onde esteve S. Pedro e os que a ela se aqueciam.

20. Fui levada à presença de homens severos, de carácter mau, sentados em trono como reis.

21. Senti essa autoridade orgulhosa, ainda antes de lavrar a sentença contra o Cordeiro inocente, com um furor diabólico rasgaram de cima a baixo os seus vestidos.

22. Senti todo aquele orgulho e grandeza falsa.

O Senhor de tudo era, entre todos, o mais pequenino! Que confusão, a minha!

23. Vi tanto ao vivo os maus-tratos que deram ao meu Santíssimo Senhor, que me fez compreender: se não fosse a vida divina que tinha n’Ele, teria sido impossível conduzi-lo com vida até ao cárcere. Para maior confusão minha, compreendi bem que fiz parte do número dos algozes que maltrataram o Senhor.

“Filhos meus, estou aqui só por amor de vós”

24. Senti a alma ir ao cárcere, ao encontro de Jesus.

25. Estava de semblante tristíssimo, desfigurado e gelado; já quase parecia um cadáver.

26. Tremia de frio: tinha perdido tanto sangue! Oh! que desfalecimento era o Seu!

27. Eu senti a Sua tristeza, enfraquecimento e suores, que Lhe banhavam o corpo.

28. Associei-me à Sua dor e tristeza, e como Ele fiquei desfalecida.

29. Mesmo na prisão estava de mãos atadas!

30. Muito triste disse-me: «Vê, minha filha, não se contentaram só em Me prender, deixaram-me também algemado! Gomo é grande a ingratidão dos homens!»

31. E dizia, sob o peso da sua dor infinita: «Filhos meus, filhos meus, sou vosso Pai; tratais-Me assim? Estou aqui nesta prisão só por amor de vós.»

32. Vê-Lo assim, de mãos atadas, feito um cri­minoso, quanto custou ao meu duro coração!

33. Ouvi a voz de Jesus a dizer-me dentro em meu coração: «Minho filha, estou preso, manietado por teu amor; digo por teu amor, porque o que Eu fiz por todas as almas, fazia-o só por ti. Acompanha-Me na minha santa Paixão.»

“Seja o meu coração a Vossa prisão, mas só de amor”

34. Estava sozinho, sem ter quem O confortasse e fizesse um carinho e Lhe provasse amor.

35. Que pena eu tive! Por mais que Lhe quisesse dizer, quase nada disse, não pude consolá-Lo, não soube amá-Lo!

36. O meu pobre coração queria lançar-se a Seus pés para ser por Jesus calcado e humilhado. Queria aquecê-Lo com o meu amor, e não o tinha!

37. Jesus com muita doçura convidou-me a ficar com Ele: «Fica, minha filha, comigo presa por meu amor, que Eu por teu amor Me deixei prender; e preso estou também.»

38. Lembrei-me então d’Ele preso nos sacrários, pois agora na Terra outra prisão não tem.

39. O meu coração, da prisão voava às prisões dos sacrários. Inseparável união!

40. Abracei-O com ternura e disse-Lhe: «Sim, meu Jesus, vinde para o meu coração, seja ele a Vossa prisão, mas uma prisão de amor. Não permitais que eu Vos ofenda, nem consinta que outros Vos ofendam.»

41. Senti a união de Jesus.

42. Senti os meus pulsos algemados com as mesmas algemas de Jesus.

43. Parecia-me que os meus cabelos estavam ensopados em sangue, assim como a roupa que tinha, ensopada estava também e colada ao meu corpo.

44. Senti o corpo tão magoado e cansado.

45. De mãos atadas, olhos cerrados, na tristeza mais profunda, de lábios mudos.

46. Senti-me sozinha na prisão, enquanto que tudo descansava.

47. Sentia a dor de abandono em que me tinham deixado aqueles que me eram mais queridos. Onde estavam as palavras afirmativas de não me deixarem?

48. O silêncio era profundo. Reinavam as trevas. Só a dor murmurava no coração.

49. Sentia a dor de alguém que chorava ao ver quanto eu sofria: esse alguém era amor de Mãe. Em silêncio uni a minha dor a essa dor.

Vai morrer, ao mesmo tempo que é a Vida

50. Pareceu-me que despertei dum sono profundo. Despertei num sobressalto:

51 Vi a cruz, a coroa de espinhos, os açoites, a lança, os martelos e os cravos!

52. Vi a montanha do Calvário e no cimo dela a cruz levantada ao alto. Não estava nela ninguém. Jesus fez-me compreender que era minha, que eu fosse para ela de boa vontade.

56. Com Jesus rompi por entre todos os sofrimentos.

“Quando se fez dia... Levaram Jesus ao tribunal hebraico” (Lc 22, 66)

57. Foram buscar-me à prisão.

58. Senti que foram abertas as portas da minha prisão e conduziram-me dela para fora.

59. Esperavam-me grandes multidões de gente: meu Deus, o que ouvia de gargalhadas!

60. A dor da minha alma era tão grande que não a sei dizer; apenas a soube sentir.

61. Descia das escadas da prisão; que cansaço o meu! Ao fundo delas, já tropecei e caí: não podia levantar-me.

62. Caíram sobre mim os algozes: que raiva infernal! Que desgraça de bofetões e pontapés!

63. Fui levada logo por umas grandes escadarias à presença dos juízes. Como eu sofri ao sentir Jesus, grandeza sem igual, diante deles ser tão pequenino, ser mesmo um nada! E eles, os verdadeiros nadas, cheios de orgulho e vaidade, cheios de grandeza sem nenhum poder! Abateu-se o Pode­roso e elevaram-se, no seu orgulho, aqueles que nada tinham.

“Pedro negou outra vez, e neste momento um galo cantou” (Jo 18, 27)

64. Vi a lareira onde se aqueciam os inimigos de Jesus e uma falsa e provocadora mulher que fazia o lugar de correio.

65. Senti, retirado um pouco, que estava alguém aterrado e tímido, mas ia-se aproximando: S. Pedro.

66. Era por eles interrogado e trocavam uns para os outros seus olhares maliciosos.

67. Que cara maliciosa era a da mulher que como policia investigava S. Pedro!

68. Vi 5. Pedro a negar Jesus, mas sentia que aquela negação foi feita só por temor.

69. O galo cantou. Na alma senti o seu canto e tive a visão do abrir e fechar do seu bico. Reti­rou-se S. Pedro para chorar. As lágrimas corriam em meu coração como dois regatos.

70. Oh! Como foi grande o seu arrependimento!

71. Se eu tivesse a mesma dor de arrependimento dos meus pecados!

72. O galo cantou no meu coração repetidas vezes. Jesus sofria horrorosamente, mas em silêncio.

73. Sentia sobretudo a dor infinita de Jesus e o Seu amor e mansidão para com todos. Quanta amargura, quantas mágoas em Seu Coração, naquele Cordeirinho inocente!

“Depois levaram Jesus da casa de Caifás ao Pretório” (Jo. 18, 28)

74. A minha alma acompanhou Jesus novamente aos tribunais.

75. O meu coração e a minha alma com Ele correram as ruas de tribunal em tribunal, à voz de ódios, de calúnias, desgraças, escárnios.

76. Sai da prisão, prisão que eram trevas, e as ruas que passeava, trevas eram.

77. Vinha de mãos atadas, mas mais atado vinha o meu coração: nem podia palpitar, nem os lábios abrirem-se para pronunciar palavra.

78. Sentia o sofrimento da traição e todos os que pela traição foram causados. No meio dos maus-tratos, ao barulho e vozearias que me faziam, o coração sentia um amor louco, um afecto indizível pelo mesmo traidor. Oh! se ele quisesse vir de novo a este coração! Se ele quisesse reconciliar-se!

79. E o coração segredava-lhe, ao receber estes sofrimentos: «Tenho sede das vossas almas, quero possuí-las.»

“Pilatos enviou Jesus a Herodes,
que também estava em Jerusalém nesses dias” (Lc. 23, 7)

80. Fui interrogada por senhores absolutos, cheios de soberba, convencidos de que tudo podiam fazer. Em frente de tanta grandeza, oh, como eu era pequenina!

81. Acompanhei Jesus a casa de Herodes com grande nojo.

82. Enfrentei toda aquela malícia, a sua falsa presunção, soberba e autoridade.

83. Vi e compreendi bem toda a malícia dos Herodes.

84. Senti-me diante de Herodes de olhos baixos, lábios mudos, coberta com uma velha capa e a ouvir os escárnios e algazarra do povo.

85. Sentia tanta dor de ser tratada como louca. Essa loucura era amor, era a loucura das almas.

86. Voltei a Pilatos

87. Senti a grande soberba, indizível soberba dos que se julgavam senhores. Senti a humildade e a pequenez de Jesus.

“Então Pilatos mandou que levassem Jesus e O açoitassem” (Jo. 19, 1)

88. Fui para a flagelação.

89. Com que modos bruscos O despojavam dos Seus vestidos, até à cinta!

90. Vi a coluna e Jesus preso a ela com grossas cadeias de ferro.

91. Senti-me ajoelhada e presa à coluna. Uma chuva de açoites caiu sobre o meu corpo e outra chuva de pedaços da minha carne e gotas do meu sangue caíam à minha volta, deixando manchado de sangue o solo e os que me rodeavam.

92. O meu corpo foi despedaçado por bolas de ferro, ou coisa semelhante.

93. Pareceu-me ficar os ombros, as costas e o peito descarnados: todo o corpo numa ferida em sangue.

94. Caí desfalecida ao pé da coluna e vi Jesus, dentro em mim, no mesmo sofrimento.

95. Senti os olhares divinos de Jesus levantarem-se para o Seu Eterno Pai, num amor indizível.

96. Senti que Jesus inclinava a cabeça sobre o peito; cerrou os olhos e ia a expirar. Esta cena repetiu-se mais que uma vez.

“Os soldados, depois de tecerem uma coroa com espinhos,
puseram-Lha na cabeça” (Jo. 19, 2)

97. Vi a sacrossanta cabeça de Jesus coroada de espinhos que davam ao divino corpo um banho de sangue. Eu via e era em mim: eu era com Ele açoitada e coroada com a mesma coroa de espinhos.

98. Senti o grande capacete de agudos espinhos violentamente cravado na minha cabeça: e alguém com varas batia-lhes para eles penetrarem ainda mais fundo.

99. A coroa não me cingia só a frente: não tive lugar nenhum na cabeça que não fosse por eles ferido. As dores eram insuportáveis!

100. Que chuva de sangue caiu da minha cabeça da coroa de espinhos!

101. Não via com o sangue que, em grande abundância, me corria pelo rosto. Não podia mover-me com as minhas carnes despedaçadas.

102. Vestida com vestes de rei, mas vestida por escárnio, puseram-me na mão uma cana. Que barbaridade contra mim! Era tão grande o número dos que procuravam inventar maior proeza nos sofrimentos tratando-me mais cruelmente!

“Saiu, pois, Jesus fora levando a coroa de espinhos e o manto de púrpura.
Pilatos disse: Eis aqui o homem!” (Jo. 19, 5)

103. A seguir vi as escadas pelas quais Jesus subiu depois de ser açoitado e nas quais deixou marcados selos do Seu divino sangue.

104. Senti-me levada por alguém, que me deu a mão, à varanda de Pilatos,

105. na figura dolorosíssima do «ecce homo»:

106. a cabeça ia cheia de espinhos, o rosto coberto de sangue, todo o corpo ferido e despedaçado. Vi e ouvi a grande multidão que, a uma só voz, sem se condoer de mim, bradava a minha crucifixão.

107. A minha alma sentiu e o meu corpo também que me levaram presa e alguns por escárnio a ouvirem a opinião duma multidão de grande ralé e vil canalha que me condenavam à morte. Os meus ouvidos ouviam, a uma voz só, a palavra de «morra, condene-se!» Oh, que gritos, os da multidão!

108. Recebi a sentença de morte.

109. Vi a cruz que, pouco depois, senti a meus ombros para seguir para o Calvário.

“Disse Pilatos: Tomai-o vós e crucificai-O,
que eu não encontro n’Ele culpa alguma” (Jo. 19, 6)

110. Esperava o povo ver Jesus, em grande multidão, como para um festejo: queriam ouvir a sentença e regozijarem-se ao ouvir condená-Lo.

111. Senti a dureza de todos os corações: não se moveram ao ver Jesus açoitado, coroado de espinhos e condenado à morte!

112. E Jesus, inocentíssimo, não tinha uma palavra para o povo. Sofria em silêncio. Tudo aceitava e ainda mais loucamente os amava o Seu divino Coração.

113. Uns fitavam a Jesus com compaixão, outros com ódio. Além apareceu-Lhe a Mãezinha; doutro lado a Verónica e depois ainda algumas mulheres.

114. Viu a minha alma a grande montanha do Calvário e no cimo a cruz ao alto, onde eu havia de estar crucificada. Esta cruz chegava ao Céu e fazia-se abrir e resplandecer.

A subida para o Monte Calvário

“Os guardas levaram-No para fora da cidade
e obrigaram-No a carregar às costas a cruz” (Jo. 19, 17)

1. Recebi a cruz.

2. Não a coloquei eu, mas senti que ma colocaram aos meus ombros.

3. Esmagada, curvada com o seu peso, caí debaixo dela no mesmo lugar.

4. Foi tal o peso que me fez sentir que me infundia no solo.

5. Fez-me lembrar as minhas crucificações: senti o mesmo peso que me fazia desfalecer.

6. Caminhei sobrecarregada com o seu peso esmagador. E como caminhei eu? Como se fosse um vermezinho da terra, escondido sob ela.

7. Segui as ruas tristes do Calvário. Tristes, sim, não tinham luz: eram sombrias. Só nelas se ouvia a zombaria e algazarra do povo.

8. Aqueles caminhos, toda a humanidade os preenchia! A cruz — Jesus e eu envolvíamo-nos nela: era como um rolo sempre a enrolar.

9. Caminhei morta para o Calvário. E sobre a minha morte levei a morte de toda a humanidade. Que peso, sobre mim!

10. Não foi a cruz que levei em meus ombros, foi o mundo inteiro: senti-o bem!

A Mãe rompia por entre as multidões

11. Ouvia o burburinho do povo.

12. Tudo eram gritos e vozearias atrás de mim. Não eram gritos de dor, mas de ódio e afronta.

13. Via a multidão que me acompanhava: poucos amigos, quase só inimigos. Os amigos enterne­ciam-se; os inimigos descarregavam sobre o meu corpo, sem dó nem piedade, grandes chicotadas.

14. O coração sentia as gargalhadas vindas de longe, dadas por escárnio e alegria.

15. Junto a Jesus caminhavam os dois ladrões com as suas cruzes.

16. A alma viu a Mãezinha, quase de rosto coberto, a caminhar, lacrimosa, muito apressada à procura de Jesus.

17. Rompia por entre as multidões a ver onde O poderia encontrar.

18. O meu coração adivinhava o quanto sofria o Coração da Mãezinha e com que ansiedade Ela andava à procura.

19. O Seu santíssimo Coração estalava, desfazia-se em dor e fazia estalar e desfazer o de Jesus.

20. Mesmo sem Eles se verem, eu sentia a união, a dor, amargura de um e outro Coração.

“Umas mulheres lamentavam-se e choravam por Ele” (Lc. 23, 27)

21. Quase no princípio, Jesus caiu: feriu gravemente o seu santíssimo rosto e peito.

22. Todo o desfalecimento, tristeza e feridas do Seu santíssimo corpo se reproduziam no meu.

23. Caiu outra vez, e eu caí também.

24. Os espinhos, ao eu cair, penetravam cada vez mais fundo: a cabeça era uma dor só; o rosto, pisado e em sangue, manchava as pedras onde batia repetidas vezes.

25. O sangue que corria — ou, antes, que eu sentia como se ele corresse — passava-me aos lá­bios, sufocava-me; por vezes perdia a respiração.

26. Sobrecarregada, caminhava curvada, com o ombro em ferida, a qual se avivava com o peso da cruz. Como ia muito curvada, sentia e via cair dos meus olhos para o chão repetidas lágrimas de sangue.

27. Seguiam-me algumas mulheres: choravam amargamente, à vista de tantos sofrimentos. Caminhava e fitava-as com olhar de compaixão. O coração murmurava-lhes: «Não choreis por mim, mas por vós. Chorai as vossas culpas: são a causa das minhas dores.»

Jesus convida-nos a segui-Lo e a levarmos por Ele a nossa cruz

28. À minha frente caminhava Jesus, com a cruz aos ombros. De vez em quando voltava para trás o Seu santíssimo rosto: fitava em mim os Seus olhares, cheios de ternura, que me convidavam a segui-Lo e a levar por Ele a minha cruz.

29. Que olhares que tão docemente convidam e atraem a si as almas! Eu não podia suportar em mim aquele convite de Jesus; não podia sentir aquela dor.

30. Eu percorri muitos caminhos, abraçando fortemente a minha cruz: amava com todo o amor os espinhos que cercavam toda a minha cabeça.

31. Sentia como se fosse eu que conduzia ao cimo da montanha toda aquela tralha, todos aqueles instrumentos de martírio. Levava-os com tanto amor, apertava-os a mim, guardava-os como se fosse o maior tesouro: eram as chaves do Céu.

32. A cruz pesava sobre mim. Mas Jesus não me deixou sozinha: acompanhou-me, a levá-la.

O amor obriga-O a subir

33. Caí tantas vezes com o peso da cruz!

34. Fui arrastada por cordas, com o rosto em terra, a distância de metros. Grandes covas me ficavam nas faces com as falhas da carne que junto às pedras ficava, e essas mesmas ensanguentadas.

35. Numa queda, o desfalecimento era tanto que não fui capaz de levantar-me. Um furor infernal puxou-me com tanta crueldade!

36. Com cordas fui arrastada para trás a tanta distância!

37. Sentia as cordas na cintura e no pescoço: cortavam-me, feriam-me.

38. Eu era como que uma bola que rolava de cima a baixo e de baixo a cima pelo meio dos sofrimentos. Era a bola de entretenimento dos algozes! Descia, quando pelo furor era arrastada; subia, quando a violência me fazia subir, e sobretudo o amor, sim!

39. Os meus olhos não queriam ver os horrores das misérias que sentia.

40. Ia cega para a dor, mas tinha vista clara para o amor: era ele que me obrigava a caminhar e a vencer.

41. Subia a encosta com todo o sofrimento, mas com todo o amor para dar a vida.

42. Maior, muito maior que a fúria dos algozes, era a força do amor que me arrastava.

Encontra a Mãe

43. Saiu-me ao encontro a Mãezinha. Fitou-me, eu fitei-a a Ela. Uniram-se os nossos corações na mesma dor.

44. Quantas coisas um ao outro disseram os nossos corações!

45. As trocas dos nossos olhares não se demoraram: tive que caminhar à frente, maltratada, empurrada, arrastada!

46. Que olhar de dor e de amor! Sem tempo para o poder contemplar, devido à pressa que levava, ficou-me o coração preso a Ela; e ia caminhando sempre. Ela caminhava, guiada pelo olhar que Lhe tinha ferido e atraído o coração e a alma.

47. Em todo o percurso não perdi mais a união com Ela: eu não arrastava só a cruz, arrastava-A também a Ela, ou melhor, arrastava a Sua dor.

48. A dor dos nossos corações não se separou: era como que dois fios eléctricos que dão ligação um para o outro.

49. Acompanhou-me, longe na aparência, mas unidos na realidade. Os nossos corações sofriam num só coração; as nossas lágrimas tinham a mesma amargura, a mesma dor e sentimentos.

50. Os nossos corações falaram sempre.

Beija a terra na qual se fere

51. Caminhava silenciosa: a alma chorava, enquanto que o coração sangrava.

52. Sobre mim pesava a montanha medonha de toda a humanidade.

53. Sentia como se, a cada passo que dava ofegante a dar a vida, desse uma cavadela no rochedo mais duro, que tinha que amolecer com o meu sangue.

54. A meado do caminho, foi tão grande a queda e a descarga de açoites que sobre o meu corpo caíram!...

55. Fiquei com um joelho em terra e outro no ar: a um puxão brutal pelas cordas, que mais parecia do inferno que da terra, caí para a frente. Os espinhos da cabeça enterraram-se profundamente; o meu rosto foi ferido até mostrar os ossos. Os lábios abriram-se-me em sangue e beijavam a terra na qual me feria.

56. Os olhos da minha alma estenderam-se pela humanidade. Que olhares, que tantas coisas lhe segredavam e a tantas a convidavam!

O gesto corajoso da Verónica

56. Todo o meu corpo vai chagado. Os meus olhos escorrem sangue, os ouvidos também. A minha cabeça são só espinhos banhados em sangue. A cada arranco pelas cordas, arrancos furiosos, os meus ossos pareciam desligar-se.

57. Vem ao meu encontro a mulher, a mulher querida, compadecida da minha dor. Com que ternura e amor limpa do meu rosto o suor, o sangue e o pó! Os laços da mais estreita amizade prendem os nossos corações. E indizível o que queria dela, os louvores que queria dar-lhe. Oh! como queria que ela fosse falada por este acto tão heróico!

58. Eu sinto como se o meu rosto e o amor do meu coração — que não é o meu amor — ficassem no pano imprimidos.

59. Ela aperta-o ao coração como o maior tesouro; e, na verdade, o é!

60. Aquele retrato sem igual havia de ser visto enquanto o mundo existir.

61. Jesus não só deixou o Seu santíssimo rosto retratado, mas junto lhe deu como prémio o Seu santíssimo Coração abrasado de amor. Que agradecimento, o d’Ele!

62. Que grande foi a recompensa que ela d’Ele recebeu!

63. Se eu soubesse amar a Jesus como a Verónica O amou!

Numa queda, desmaia sob o peso da cruz

64. Caí com a cruz: ela pesava sobre mim. Um braço dela caiu-me sobre o peito e feriu-me o coração. Por uns momentos fiquei desfalecida, como se não tivesse vida. Os algozes fitaram-me curiosos, pensando eu ter morrido. Um novo furor me arrastou fortemente e fez bater nas lajes: novas fontes de sangue se abriram dos espinhos da minha cabeça. Mas, mesmo assim, do meu coração só caía amor e compaixão por eles. A marcha tornou-se cada vez mais acelerada; a raiva dos algozes ansiava ver-me no cimo do Calvário, para completarem seus maus in­tentos. «Para que me feris assim, se vou morrer por vós?» Segredava-me Jesus no coração.

65. A Mãezinha, de mãos cruzadas, seguia Jesus, trespassada de dor.

66. Seguia-O em doloroso pranto. Mais duas mulheres A acompanhavam.

67. Jesus caminhava com a cruz aos ombros e, na maior parte do caminho, ia como de rosto voltado a fitar Sua bendita Mãe, que caminhava atrás.

68. Que dor a d’Ela! não poder aproximar-se de Jesus e levantá-Lo das Suas quedas! Ela queria beijá-Lo, limpá-Lo, lavar-Lhe as feridas, mesmo com as lágrimas dos Seus santíssimos olhos.

69. Atrás d’Ele caminhava uma mulher; não lhe vi o rosto, vi-lhe uma farta cabeleira estendida.

“Lançaram mão de um certo Simão de Cirene;
carregaram-no com a cruz para a levar atrás de Jesus” (Lc. 23, 26)

70. Ia a cada passo a expirar. Caí, e sobre mim ficou a cruz. Não por dó, mas por receio queriam alguém que a levasse. Houve quem caminhasse com ela: não por amor, mas por ser mandado.

71. Esse auxílio não foi voluntário, não recebi dele consolação.

72. Mas mesmo assim, quanto amor senti o meu coração dispensar-lhe!

73. Só perto da montanha me foi tirada a cruz, mas eu sentia-me como se sempre levasse o seu peso.

74. Ia quase sem vida e como se levasse a cruz. O sangue que vertia tornava-se em prisões que me uniam a ela.

75. Os lábios iam cerrados, mas o coração parecia falar a todos e a todos mostrar o seu amor.

76. Amava aqueles que na viagem me confortavam e davam provas de amor; amava a todos que me maltratavam e desprezavam.

77. O meu coração parecia cobrir toda a Terra.

78. Amava tanto, tanto! Não me cabia no peito coração tão amoroso. Este amor parecia queimar todo o meu ser.

A sede ardente que levava no coração é a força do seu caminhar

79. Uma vida do alto sustentava meu corpo já cadavérico,

80. Pior ainda do que o de um leproso desfeito. O coração ia sequioso; havia de vencer pelas almas, havia de morrer por elas.

81. A sede do coração, a sede de morrer, a sede de abrir o Céu, para fazer aparecer e brilhar o sol nas almas, subia, aumentava, vivia mais, quanto mais se aproximava o Calvário e o momento de dar a vida. Sede insuportável, sede indizível: sede que não era minha.

82. Os meus lábios moribundos tinham sede ardente, mas o coração mais sequioso estava: quer beber a amargura até à última gota; tudo quer sofrer porque a todos ama; tudo quer dar para tudo receber.

83. A sede ardente que no coração levava era a força do meu caminhar.

Montanha de morte para Jesus montanha de vida para a humanidade

84. A vida fugia! O Calvário não chegava!

85. A montanha subia, subia.

86. Parecia subir às nuvens!

87. Era tão alta: chegava da terra ao céu! E eu sem forças para subir!

88. Quanto mais caminhava, mais desfalecia e mais alta, difícil e dolorosa eu via a montanha.

89. Quanto mais se aproximava o fim da mon­tanha, mais difícil se tornou a subida: mais agonia, mais sangue, mais abandono e mais dor!

90. Desfalecida, não podia dar um passo sem sentir as carnes a desfazerem-se, os nervos a des­truírem-se.

91. As golfadas de sangue eram quase contí­nuas e o desfalecimento levava-me à terra.

92. Todos os sofrimentos à minha frente ani­quilavam-me o coração: era um aperto que o sufo­cava e lhe tirava a vida.

93. Um amor irresistível saído do coração pren­dia-me mais e mais à cruz. O amor ultrapassava todas as dores.

94. Nesta loucura de amor foi-se aproximando a montanha, que, sendo para mim — ou para Jesus que em mim subia — montanha de morte, ia ser para a humanidade montanha de vida. A dor aumen­tava em união com o amor.

A alma compreende os mistérios da dor

95. Todo o meu viver se mergulhava na Pai­xão dolorosa de Cristo: todo Ele, todas as Suas chagas e feridas se estamparam em mim como ver­dadeira realidade. O meu coração a arder de amor ia preso ao Pai celeste: era a Ele que eu amava, era por Ele que eu amava as almas.

96. Eu fui, ou pareceu-me que ia, por um outro mundo superior a este, enquanto que o coração cá em baixo sofria a dor mais triste e profunda. Era tão pequenino para tanto sofrer!

97. O coração amava e lá, no cimo chegava ao céu, a alma via nele a cruz de Jesus e Ele nela crucificado. Eu tinha que juntar-me a Ele.

98. A cruz de Jesus era um farol que entrava dentro em meu peito a iluminar tudo: Sentia-me atraída para ela. Para a abraçar, para a possuir, ia caminhando.

99. Era cruz de triunfo que brilhava mais que o sol.

100. O meu caminho é cheio de espinhos e de sangue; e Jesus, todo ferido, era cruz, dor e amor.

101. Que segredos indizíveis a alma via em tão grandes sofrimentos, em tão dolorosa viagem! E, por último, no Calvário! As trevas negras da noite não impediram que a alma pudesse pers­crutar todos aqueles segredos, segredos que só a sabedoria dum Deus pode e sabe revelar.

102. Eram segredos, mistérios de Redenção.

103. Foi unida a essa sabedoria, de quem eu nada sei dizer, que eu me senti obrigada a sofrer e a agonizar.

“Caminha, que Eu te ajudarei”

104. Seguia para o Calvário triste, humilhada, sempre o mesmo verme a abrir caminho, sem perder a vida do Céu.

105. Eram tais e em tão grande número os sofrimentos que eu não podia: sentia-me desfalecer.

106. Desfaleceu o corpo; desfaleceu a alma.

107. No meu caminho apareceu-me o Coração divino de Jesus, não sofredor, mas formoso e cheio de glória a saírem do Seu santíssimo corpo, de cima a baixo, mas com maior abundância do Seu lado aberto, da chaga do Seu sagrado Coração, raios brilhantes de fogo que vinham todos para mim. Levantou a mão, com um dedo apontou para o Céu, e disse-me: «Caminha, que Eu te ajudarei».

108. Caminhava com muitas lágrimas que fazia cair sobre Jesus e a Sua cruz, como orvalho só de amor. Eu segui, mas não levava a cruz; nem levava nada. Alguém a sustentava e levava por mim. Era Jesus o Cireneu de todos os meus dias, o Cire­neu de cada momento da minha vida.

109. O meu coração não se desprendia de Je­sus: só d’Ele esperava a força. Os meus olhos não podiam desligar-se do Céu. Caminhava, mas sempre com eles bem fixos lá. O Céu, o Céu, o fim de todo o meu sofrer! Dar honra e glória ao meu Deus e salvar as almas. Aceitar e fazer a vontade do Pai.

110. Bendita a cruz! Bendito Jesus que assim ma dá!

O amor vence apesar de tudo

111. O coração ofegante parecia estalar com as ânsias de ver novos mundos de pureza e amor para entregar a Jesus.

112. O amor vencia, apesar de me parecer que comigo arrastava o mundo.

113. Não era eu que caminhava: era uma outra Vida que o meu ser tinha. Essa ida abria um novo caminho nos caminhos da amargura. No entanto, estes ficavam amolecidos, regados com o meu sangue.

114. O meu corpo dava sangue, como um cha­fariz: regava os caminhos por onde passava.

115. Parecia que era eu que derramava o san­gue no caminho do Calvário, e ao mesmo tempo era o sangue de Jesus que me regava a mim e me abriu com ele uma estrada nova, que me condu­zia ao Seu divino Coração. Era estrada única, era estrada de salvação.

116. Senti que Jesus me levava com Ele. Ele era o caminhante e o condenado. Ele era o que sofria. Mas transmitia para o meu coração a dor que sentia no d’Ele.

117. A estrada continuava aberta em Seu divino Coração. Todos tinham licença de por ela caminharem. Parecia romper por entre um rochedo, deixando-o aberto em pedras, das quais podia fazer lindas obras. Para isso era preciso serem regadas com o sangue de Jesus: e eram-no na verdade. Do Seu divino corpo ele corria em abundância, assim como a chuva de gotas de suor. Não bastava ainda: era necessário dar a vida e eram essas as ânsias de Jesus!

Que cansaço mortal ao terminar a montanha!

118. Já perto do fim da montanha, sentia Jesus a morrer. Ele já não podia dar um passo: passava mais caminho arrastado cruelmente do que a caminhar pelo Seu pé. Ele não via, com os olhos colados pelo sangue. Seu santíssimo corpo já gelava, sem estar na cruz.

119. Ao terminar da viagem, senti que Jesus caiu no meu coração; queria levantar-se e não podia: os vestidos prendiam-se; o desfalecimento não o deixava. Os algozes pelas cordas arrastaram-No a metros de distância.

120. Vi-O e senti-O no meu coração levantar os olhos para o Céu, em sinal de socorro.

121. Os Seus divinos olhos, para o mundo cerrados, iam abertos para Seu Eterno Pai.

122. Eu sentia em mim o desfalecimento de Jesus. Eu queria subir e não podia. Eu queria ajudá-Lo, mas, terra como era, não me foi possível!

123. Que cansaço mortal ao terminar a mon­tanha!

124. Que dor, a minha, deixar Jesus tão so­zinho!

125. A tudo me associei a Ele, e com Ele que­ria morrer, apesar de ver que era morte pavorosa.

126. A tudo me sujeitei, vencendo a minha repugnância por amor a Jesus.

127. Foi tão longa a viagem! Não me pareceu uma viagem de umas horas, mas sim de anos, de muitos anos.

No cimo do Calvário

Entrega-se à morte

1. Cheguei ao Calvário, e desfalecida, sem vida. Levava no coração um peso imenso.

2. Caí desfalecida, com o rosto em terra, junto à cova, que já estava aberta para ser levantada a cruz.

3. Senti como se viesse sobre mim um mundo de feras. Que raiva e que peso imenso elas descarregaram sobre mim! O coração ficou sempre esmagado e a bater em grande aflição: parecia expirar a cada momento, e expirar em trevas e medonha cegueira!

4. Que desespero sinto em mim! E desespero de amor. Tudo me causa horror: a morte, o abandono, ó meu Deus! De joelhos, levanto os olhos para o Eterno Pai: dou-Lhe o meu sinal de aceitação a tudo. Entrego-me à morte. Baixo os olhos, entro em mim e num abraço mais íntimo estreito tudo ao meu coração.

5. Abraçar aquilo que me causa tédio e nojo!

É despido

6. Tiraram-me as cordas que me cercavam o pescoço e a cinta: que enormes dores! Elas estavam enterradas na carne, ensopadas em sangue. Ao serem arrancadas, deixavam-me no corpo marcas com grandes feridas.

7. Ao serem-me tirados os vestidos, foram tira­dos com tanta pressa que chegaram a rasgar-se. Que dores violentas ao irem com eles pedaços de carne!

8. Os olhos, com o sangue, não podiam abrir-se, mas a vergonha obrigava-me a conservá-los mais pro­fundamente fechados: ser despida em público!

9. Só a mesma graça divina me podia segurar de pé. Quero exprimir-me melhor: não a mim, mas a Jesus.

10. Senti logo que a Mãezinha queria com o Seu manto cobrir Jesus, revestido em mim.

11. Senti a vergonha de Jesus: que coisa tão profunda! Não sei o nome que hei-de dar àquela vergonha.

12. Meu Deus, que nudez a de Jesus, que pudor sem igual! Com a vergonha todo o Seu san­tíssimo corpo estremeceu.

13. O Seu rosto divino ficou como que incen­diado.

14. Foram tantas as risadas de escárnio, que ecoavam em todo o Calvário!

15. De longe Jesus levantava para o Céu os Seus olhares; baixava-os de novo, para mais intimamente sofrer no Seu Coração.

“Trespassaram as minhas mãos e os meus pés.
Cerca-me um bando de malfeitores” (Salmo 21, 17)

16. Estenderam-me na cruz.

17. Senti como se fosse eu mesma a deitar-me sobre o madeiro e a estender as mãos e os pés para ser crucificada. Era um abraço eterno à cruz, a obra da redenção.

18. Os membros de Jesus estavam nos meus, o Seu divino Coração no meu estava. Éramos os dois num só corpo a sofrer. Foi violentíssima a crucifixão. Sentia quase como que se me arrancassem os braços e pernas fora, tal era a força com que eram puxados para chegarem ao ponto marcado da cruz.

19. Que brado tão doloroso de socorro saiu de dentro de mim para o Eterno Pai! Que olhares tão enternecidos saíam dos meus olhos a fitarem o firmamento, a movê-lo à compaixão!

20. Vi o soldado que com grande crueldade dava as marteladas: era destemido, de olhar cruel e aterrador.

21. Via-o levantar o martelo ao alto e com toda a força o deixava cair no cravo.

22. Ecoava dentro em meu peito o som estrondoso do bater dos cravos. Fiquei com os meus pulsos e pés abertos como se fossem por eles trespassados:

23. Sentia que das feridas dos cravos corriam fontes de sangue.

24. Sentia como se outro cravo, mais duro e doloroso, me cravassem no coração.

As marteladas ecoam ao longe mas não movem os corações

25. Foi dolorosíssima a abertura das chagas.

26. Senti como se os cravos me trespassas­sem todos os nervos.

27. Não senti só os pés e as mãos rasgadas: todo o peito o foi também. Parecia nada ter dentro: tudo tinha sido esgotado.

28. A dor aumentou, e o último momento da vida, se não fosse um milagre, era no mesmo instante.

29. Ao ser a cruz voltada para revirar os cra­vos, foi meu rosto no solo muito ferido e uma golfada de sangue me veio aos lábios.

30. Que doloroso foi o retirar dos cravos!

31. Todas as dores das feridas e fúria dos sol­dados vinham bater no meu coração; e sentia como se os soldados mo despedaçassem e esmigalhassem a dentada, tal era a sua raiva.

32. Via as línguas blasfemadoras que blasfemavam contra mim.

33. O meu Calvário, o meu Calvário!

34. Foi Jesus, não fui eu, que assim foi ferido. Mas não sei exprimir-me doutra forma.

35. As pancadas que apertavam os cravos não eram só para o Calvário: pareciam ecoar no mundo inteiro.

36. Nem o som das fortes marteladas sobre os cravos que entoavam ao longe, nem a vista de tanto padecer, moviam os corações!

«Com Ele crucificaram mais dois, um de cada lado» (Jo. 19, 18)

37. Crucificada, fui levantada ao alto.

38. Que grandes dores eu senti em todas as chagas ao deixar a cruz cair na cova com tanta força! Pareceu cair num poço.

39. Com o estremecer da cruz, avivaram-se mais as feridas dos espinhos. E uma chuva de sangue caía deles, banhava-me o rosto.

40. Todo o meu corpo restava coberto de espi­nhos como um ouriço: tudo era dor, tudo era sangue.

41. Não cessei mais o meu brado ao Céu: “Socorro, socorro!”.

42. Fiquei com Jesus tão presa à Sua dor e agonia, que nada havia que nos separasse.

43. Ao lado de Jesus foram crucificados os dois ladrões. Eu sentia que os sofrimentos, as cru­zes deles sobrecarregavam sobre mim, sobre a cruz de Jesus que em mim estava. Sentia sair do Coração divino de Jesus o mesmo amor, as mesmas graças: um aceitava-as, o outro repelia-as.

«Junto da cruz estavam algumas mulheres: a Mãe de Jesus...
e o discípulo que Ele amava» (Jo. 19, 25-26)

44. Que corações aflitíssimos rodeavam a cruz!

45. 5. João, as três Marias .

46. Mas o coração da Mãezinha em nada se parecia com os outros.

47. A Mãezinha com os olhos fitos em Jesus, com duas fontes de lágrimas a correrem-lhe pelo seu santíssimo rosto, agonizava com Ele.

48. Jesus não via com os Seus santíssimos olhos o pranto da querida Mãezinha, porque os tinha ora fechados, ora levantados ao Céu; mas tudo via e ouvia com os seus ouvidos e olhares divinos.

49. Estes iam penetrar toda a dor que no mais íntimo do coração A faziam agonizar.

50. Do alto da cruz murmurava: «Mãe, minha Mãe, até Tu serves para meu martírio! A tua dor aumenta-mo: nem ao menos Tu podes aliviar-me!»

51. Ela murmurava: «Tu és meu Filho, eu sou Tua agonia».

52. A Mãezinha, quanto sofreu com Jesus! Na cruz, no Calvário, era Ele com Ela um só coração, uma só alma, uma só dor, um só amor.

53. Como Ele, eu queria enxugar as lágrimas da Mãezinha, consolá-La na sua dor, fazer-Lhe o que Ela bem depressa ia fazer a Jesus, mas com Ele já morto.

54. A todos os momentos eu tinha que abraçar-me a mim mesma, para mais em mim estreitar o Coração da Mãezinha. Quanto mais Ela sofria, mais eu A amava, mais Ela era mais a minha Mãe.

55. No cimo da cruz, continuámos os três na mesma dor.

«Repartem entre si as minhas vestes,
e lançam sortes sobre a minha túnica» (Salmo 21, 19)

56. Vi amontoados os vestidos de Jesus, depois retalhados e leiloados.

57. Senti como se fosse dado no coração um grande corte com a espada numa capa roxa: não feriu o pano, mas feriu-me a mim.

58. Feriu-me a maldade e crueldade com que o fizeram.

59. Que doloroso foi: os Seus vestidos retalhalhados e alguns pedaços tão ensopados em sangue que se colavam à minha alma como se fossem sinapismos! Que dor, como os senti tão ao vivo! O sangue, as carnes do inocente Jesus nos pedaços do Seus vestidos!

60. Com o peso do corpo, as chagas abriam-se cada vez mais;

61. O sangue caía das mãos e pés com abun­dância.

62. Oprimida pela violência da dor produzida pelo rasgar das chagas, senti como se uma veia junto do coração se rasgasse também: e dele saiu muito sangue que se espalhou pelo corpo, para romper por todas as feridas.

63. Sentia todas as chagas, mas mais vivamente a do ombro; e a cinta ainda parecia ser cor­tada pelas cordas.

64. Os nervos estremeciam: pareciam encolher-se.

65. A dor atingia o seu auge.

Que ânsias de O ver desaparecer custasse o que custasse!

66. Cingiram à minha cabeça o capacete dos espinhos que me causaram tanta dor e quase me faziam desnortear. E o coração quase deixava de palpitar. Não eram mãos que no alto da cruz apertavam esse capacete, mas era o rancor mais que infernal de tantos corações.

67. Sentia como se me escarrassem e açoitassem mesmo no alto da cruz! Sentia os açoites na alma, como se me fossem dados no corpo.

68. Ao ouvir as maiores injúrias, sentia correr no meu corpo bagadas do suor da morte.

69. Parecia-me que todo o corpo e alma se rasgavam de dor, à semelhança de pano, fio a fio.

70. Custou-me tanto a crueldade e ingratidão daqueles que desdenhosos ocupavam o Calvário!

71. Senti que em muitos corações aumentava o ódio, o aborrecimento contra Jesus — um desejo de O ver desaparecer dos seus olhares venenosos, fosse como fosse, custasse o que custasse.

72. O inocentíssimo Jesus estava num gemido contínuo.

A Paixão de Cristo renova-se continuamente através dos tempos

73. Ondas de insultos, tormentos e maldades caíam sobre mim.

74. Não sentia ali só os maus-tratos do Calvário, mas sim os de todo o mundo.

75. Os meus olhos mergulhados nas trevas nada podiam ver; neles tinham outros olhos que viam tudo, tudo através dos tempos, todo o sofrimento que até ao fim do mundo havia de ferir um Coração que junto ao meu estava.

76. Da cruz fiquei a ver em todo o mundo todos os sofrimentos que, no decorrer dos tempos, a cada momento, iam renovar a Paixão de Cristo, que de mim se tinha revestido.

77. Sentia os golpes de toda a humanidade, pessoa por pessoa: uns com toda a crueldade e maldade, outros forçados e até inconscientes do mal que faziam.

78. Tudo sentia, tudo me estava presente: o passado, o presente, a ingratidão e maldade do futuro.

79. Eu queria poder chorar as minhas cul­pas e as de todo o mundo. Se eu tivesse a dor e o arrependimento da Madalena! Mas não, não tinha! Só tinha as ânsias de me abraçar à cruz por amor de Jesus.

80. Sentia-me abraçada à cruz: queria sofrer, queria morrer.

81. O meu calvário morto tinha lágrimas; estas mergulhavam nelas a humanidade inteira. Esta morte bradava, e junto a ela havia a dor infinita e as ânsias infinitas de ao mundo dar a vida.

Do amor da cruz nascem árvores de vida

82. Na cruz crucificada, continuei a sentir que o meu corpo não era mais que um cadáver. Jesus é que era a vida. Eu morta, mas com Ele ia viver.

O Seu divino Coração em agonia bebia sofregamente todo o sofrimento, na ânsia de me comuni­car a sua vida e dela me fazer viver:

83. Via muito bem que a Sua dor era um maná, o bálsamo fecundo, a vida das almas.

84. Pareceu-me que o meu coração se transformou todo no de Jesus: todo ele era amor. Tinha uma sede devoradora dos sofrimentos, porque via que só estes, com a morte, podiam dar a vida e abrir o Céu. Dei-me, dei-me toda ao martírio.

85. Fiquei na cruz e fui a cruz. Do coração saíram umas prisões que enlearam a cruz: eram prisões de amor. Este amor da cruz lançou raízes para a Terra e delas nasciam árvores de vida, árvores florescentes. Eu fui tudo isto, e de tudo isto fugi.

86. O Coração divino de Jesus não deixava em mim de amar. Era dentro do meu coração que Ele amava a humanidade inteira. E eu não podia deixar de amar a cruz: via e sentia que só ela era a vida.

87. De braços abertos e olhos no Céu, ofe­recia-me ao Pai como vítima e à humanidade oferecia o coração e o amor.

O coração, primeiro que pela lança, foi aberto pelo amor

88. O sangue regou todo o Calvário. Era como se regasse o mundo inteiro, todo ali presente.

89. Via o mundo a fugir àquele sangue, e eu queria salvá-lo: doutra forma não pode.

90. Eram tantos os que o desprezavam e fugiam dele a passos de gigante! E Jesus louquinho de amor, sem poder desprender os braços da cruz, chamava-os e convidava-os a entrarem no Seu divino Coração aberto.

91. Queria desprender os braços para apontar o Seu divino Coração ao mundo e dizer-lhe: «Antes de ser aberto pela lança, está aberto pelo amor: é para te receber!»

92. O Coração estava aberto num abismo infinito de amor e de perdão.

93. Jesus amou, Jesus ama; Jesus perdoou, Je­sus perdoa. Ó bondade incomparável!

94. A Sua resposta a tudo era amar, amar com amor infinito.

95. A estrada ao Seu divino Coração, sempre aberta, ia sendo sempre a estrada luminosa que dava passagem a todos quantos queriam ir a Jesus. Oh! Se a minha alma, na sua ignorância soubesse mostrar a beleza infinita desta estrada que ao mesmo tempo era para Jesus motivo da maior agonia, ao ver que tão pequenino número ia ao Seu divino Coração ansioso e tão grande (número) se desviava d’Ele e fugia por caminhos errados!

«Recebe, meu Pai, o incenso deste amor!»

96. Eles rejeitavam a entrada no divino Cora­ção! Oh, que agonia! Jesus queria-os oferecer ao Eterno Pai e eu queria-os oferecer a Jesus. Que confusão! Que vergonha! De nada valiam os sofrimentos de Jesus e o Seu sangue derramado! E de nada valia o meu martírio! Jesus envergonhava-me diante de Seu Pai e eu envergonhava-me diante de Jesus. A minha agonia subia, subia às alturas. Jesus, tomando o cálix do meu coração, levantou-o, ofereceu-o repetidas vezes ao Eterno Pai e dizia-lhe: «Recebe, meu Pai, o tributo deste martírio, o incenso deste amor.» De verdade eu queria ter sempre um turíbulo de incenso de amor para oferecer a Jesus.

97. Num martírio dolorosíssimo de alma e corpo, nas três horas de agonia, fitei o Coração divino do meu Jesus.

98. Tanto queria em vez d’Ele sofrer só eu; e nada conseguiu. Sofri com Ele, com Ele agonizei.

99. Com os olhos da alma no Céu, o coração em Deus, aceitei tudo: amava e, porque amava, sofria.

«Perdoa-lhes, ó Pai, porque não sabem o que fazem!» (Lc. 23, 34)

100. A santíssima alma de Jesus chorava, eu sentia as suas lágrimas. «Meus filhos por que me feris? Por que procedeis assim?» Eu ouvia este murmúrio do Seu divino Coração.

101. O Coração suspirava silenciosamente e murmurava, ao receber os insultos e maus-tratos: «É assim que me amais? É assim que retribuís amor para o meu amor?» Mas logo acrescentava: «Pai, perdoai-lhes, que não sabem o que fazem!»

102. O coração amava tanto, parecia que ia lançar-se aos pés de todas as criaturas, a pedir-lhes para a todas possuir.

103. Senti na alma uma chuvada de açoites: não porque os algozes o fizessem naquele momento, mas sim porque o desejavam fazer. Jesus, dentro do meu peito, levantou os olhos ao Eterno Pai, já quase moribundo com a dor angustiosa que aqueles maus intentos Lhe causavam, e murmurou: «Meu Pai, cus­ta-me a ingratidão, mas perdoai-lhes, que desconhecem que sou Teu Filho!»

104. Senti que Jesus estendeu os Seus olhares divinos pelo Calvário por toda a humanidade,

105. Palpitava de amor pelo mundo endurecido e culpado; e palpitava de dor, quando ao Pai pedia compaixão.

«A hora» de Jesus e de Maria

106. E a Mãezinha, junto à cruz, unia às de Jesus as Suas lágrimas também.

107. Vi as Suas lágrimas e a firmeza como Ela se mantinha com os olhos fixos no Seu Jesus.

108. Contemplava as Suas chagas, via o sangue correr por todas as carnes despedaçadas!

109. Ela queria abraçá-Lo, limpar-Lhe o rosto cheio de escarros e pó, todo ensanguentado e reco­lher em si todas as gotas do precioso sangue de Jesus, que também era Seu.

110. Ela queria fazer em vida o que ia fazer depois d’Ele morto.

111. Ela queria que os seus santíssimos braços fossem asas que pudessem levantar voo para a cruz do Seu Jesus, para O abraçar e mais unir a si. Que união sem igual! Que loucura de dor e amor naqueles dois Corações num só Coração!

112. Havia nos Seus Corações santíssimos a mesma dor, as mesmas ânsias: as ânsias de darem lugar, de resguardarem para sempre n’Eles o mundo inteiro, tão revoltoso e cruel. Como Jesus amava! Como amava a Mãezinha! Eram dois mantos de fogo num só manto a cobrirem, a amarem o mundo inteiro. Que amor infinito! Compartilhei do mesmo amor, da mesma dor, da mesma alegria. Dor de um Deus feito Homem. Amemo-Lo, amemo-Lo sem cessar! Amemo-Lo noite a dia! O meu coração anda como a avezinha perdida a mendigar amor, sem­pre amor para Jesus.

Jesus invoca o Pai

113. Jesus mal podia mover Seus lábios para bradar ao Eterno Pai, mas o Seu divino Coração estava num brado contínuo.

114. O brado ia para o Eterno Pai, mas era para o mundo; mas este, duro e surdo, não o ouvia, não se comovia.

115. No Calvário, tudo passava despercebido: o brado moribundo já não passava pelos ouvidos nem penetrava nos corações.

116. Poucas vezes Jesus levantou os Seus olhares divinos ao Eterno Pai, mas os olhos da Sua alma santíssima estavam n’Ele sempre fixos.

117. Com Jesus suspirava, com Ele gemia, com Ele me condoía da pobre humanidade. Juntava aos Seus divinos olhos os meus, já quase moribundos, levantávamo-los ao Céu em grande agonia, a pedir socorro ao Eterno Pai.

118. Ó agonia tristíssima, ó trevas angustiosas!

119. O mundo, ó almas! Como Jesus nos amou! Amemo-Lo também! Não chega a ser nada a nossa dor, em comparação da Sua. Foi dor infinita, foi dor de um Deus feito homem. Amemo-Lo, amemo-Lo sem cessar! Amemo-Lo noite e de noite! O meu coração anda como a avezinha perdida a mendigar amor, sempre amor para Jesus.

O Pai exige reparação

120. O meu coração amou tanto, tanto que não se poupou a revestir-se de todo o lodo imundo para em si o consumir e fazer desaparecer. Amou tanto, tanto que se entregou ao Pai como réu de toda a culpa, para repará-la. Amou loucamente, até dar a vida para que nós possuíssemos a eterna vida do Céu.

121. Era abandonada pelo Eterno Pai! Bradei, mas sem ser ouvida.

122. Senti a Jesus no alto da cruz, na cruz que era eu. E em mim era Ele também. Era preciso uma escora, era necessário um conforto. Em vez dessa escora e conforto senti como que o Céu baixasse com todo o seu peso de justiça a esma­gar-me fortemente no grande madeiro da cruz. A agonia aumentou e com ela o abandono. O Eterno Pai não queria dar conforto. Só exigia a reparação. Era o Juiz a pedir-me contas de todos os males da humidade. «Meu Pai, meu Pai! Dei-Te tudo; já perdi todo o meu sangue!»

123. O peso da justiça divina sobre mim era tão grande, tão infinito: parecia arrancar-me dos braços da cruz, a infundir-me na terra, a ser a mesma terra!

«Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?» (Mc. 15, 34)

124. Era noite, noite tremenda.

125. Ó agonia, ó abandono, ó escuridão!

126. Clamei, clamei sem cessar: «Pai, ó meu Pai! Até Tu me deixas; até Tu me abandonas!»

127. Não era eu que bradava: era o meu coração; não era eu que o queria fazer, mas a força da dor e da agonia me obrigava.

128. Com os olhos no Céu, aterrada de trevas e abandono, ouvia sair do coração este brado muitas e muitas vezes: “Pai, Pai, Pai! Não desvies de mim Tua face! Não afastes de mim Teus olhares!»

129. O meu brado doloroso e moribundo ecoava ao fundo da montanha;

130. ecoava como a dinamite na rocha. Mas o Céu, sim, o Céu para mim parecia fechado.

131. Fiquei na cruz com Ele e Ele comigo, à espera de dar a vida para novas vidas. «Pai, Pai, meu Pai!» bradava em extrema agonia Jesus dentro em mim. O mundo, em resposta a este brado agonioso, dava crueldades, mais crueldades: ingratidão, mais ingratidão.

«Meus filhos, tenho sede de vós!»

132. Sentia uma sede abrasadora e o maior dos abandonos. Ouvi do meu coração sair este brado: «Tenho sede, tenho sede!» Compreendi que era Je­sus e lembrei-me que Ele tinha sede das almas.

133. Ao receber insultos, ao sentir a sede devo­radora do meu divino Coração, segredava o amorosíssimo Jesus, cheio de meiguice: «Meus filhos, tenho sede de vós! É assim que me saciais?»

134. No mesmo instante senti passar nos meus lábios uma esponja uma e outra vez. A sede dos lábios ficou a mesma; e a do coração aumentou.

135. Era uma sede tão ardente, que só o amor dos corações de todo o mundo podia saciá-la.

136. O brado continuava: – Não é a sede dos lábios que quero saciada, mas sim a sede do coração: a sede das almas! –

137. E foi esta sede, até ao último momento, a vida de todo o meu sofrer.

O amor unido à graça triunfa na dor

138. No alto do Calvário, não perdi a união com o Eterno Pai.

139. Sentia em mim duas vidas, ou fossem duas naturezas: lima que não resistia a tanta dor, outra que tudo vencia.

140. A minha alma possuidora daquela vida que não era dela, via no Céu o triunfo e a vitória da cruz. Mas outra visão levava-me a agonizar: a visão de todos os crimes, ingratidões e maldades de toda a humanidade.

141. E nessas horas de agonia foi a mesma vida divina que venceu no meu corpo chagado, cadavérico. O amor, unido à graça e à vida divina, triunfou na dor, triunfou na morte.

142. Eu dava ao mundo a mesma Vida que eu era, que do Pai recebia.

143. Ainda sem ter expirado, senti que me rasgaram o coração; essa dor antecipou-se, porque depois de morrer não a podia sentir.

144. Senti abrir-se-me o lado e ir a lança lá dentro atravessar-me o coração: foi como uma espada finíssima aquele corte. Ficou sempre vivíssimo em todo o tempo de agonia, assim como o amargor do fel.

145. Quando assim sentia o coração, lancei um olhar ao mundo e disse-lhe: «É por ti que estou assim!»

146. Bradei ao Pai, mas sempre resignada.

«Toda a multidão que tinha assistido àquele espectáculo,
regressava batendo no peito» (Lc. 23, 48)

147. Faz-se noite no Calvário.

148. Desciam apavorados um grande número dos que me tinham feito sofrer. Iam uns atrás dos outros a esconderem-se como formigas no seu celeiro;

149. e já a temerem qualquer acontecimento. Era o temor e não o amor a causa desse pavor.

150. A pouco e pouco, todo o Calvário ficou em silêncio; só os suspiros de Jesus se ouviam. Só a dor reinava, aumentada com o rancor de muito? corações que, abafados não sei pelo quê, já não falavam.

151. Depois dos maus-tratos, blasfémias e calúnias fiquei a sentir o silêncio do Calvário:

152. um silêncio cheio de remorsos. Só dois Corações, muito unidos como se fora um só, falavam um ao outro: eram só dor, só amor.

153. A Mãezinha, ao pé da cruz, firme como uma estátua, de dor quase morria com o Seu Jesus

154. Eu sentia que do Coração divino de Jesus caíam para o Coração santíssimo da Mãezinha mui­tas graças, muita vida e muito amor. E tudo isto Lhe suavizava a Sua indizível dor e Lhe dava Vida para que se mantivesse firme, Sem cair junto do Seu divino Filho, até que Ele expirasse.

155. Só com a graça divina Ela resistiu sem desmaiar.

«Não posso fazer mais»

156. No meu peito sentia o arquejar de Jesus.

157. Unido ao meu, palpitava o Seu divino Coração também.

158. Palpitava com tal força e desembaraço, que uma palpitaçã0 não dava lugar a Outra Os Seus lábios divinos gravaram-se em mim como que um gravador a dizer: «Tenho sede!» Quando o meu coração sentiu isto e compreendida a sede de Jesus disse-Lhe. «Quem me dera poder saciar Vos meu Amor!»

159. Sentia como que os Seus divinos olhos agonizantes estivessem em minha alma e ficassem por um pouco entreabertos como que a fitar o Calvário a humanidade.

160. Cerrou os Seus divinos Olhos e dizia: «Vou morrer. Aproveitai-vos do meu divino sangue da minha morte, se quereis salvar-vos; morro para dar-vos o Céu.»

161. Jesus já não podia mais: ansiava morrer para dar luz e fazer viver.

162. O Seu divino Coração murmurava: «Filhos meus, filhos meus! Amo-vos tanto, até morrer por vós.

163. É chegada a hora do amor: morro por vós, não posso fazer mais».

«Minha Mãe, aceita o mundo»

164. Sentia que o meu coração estava colado, enraizado com raízes de amor a todos os corações humanos.

165. E a ingratidão dos homens sempre a ferir-me, sempre a levar-me à morte!

166. Pude segredar a todo o mundo: «Pode a tua ingratidão exigir mais de mim?»

167. E à Mãezinha segredei: «Minha Mãe, aceita o mundo que é Teu! É filho do meu sangue; é filho da Tua dor. Para o salvar, tens que cooperar comigo». Neste segredo íntimo, com os olhos fitos no Céu, acrescentei: «Está tudo consumado!»

168. A Mãezinha ficou sempre como que na mesma cruz a compartilhar da mesma dor, do mesmo martírio, e louca de amor, no mesmo fim da salvação.

169. D’Ela para mim havia um canal de salvação. Tudo passava do meu coração para o d’Ela, ou antes, do Coração de Jesus que estava em mim. Por Ela todas as almas recebiam as graças e os frutos da redenção.

170. Muito profundamente e ao vivo, senti a união das dores de Jesus com a Mãezinha e o quanto Ela com Ele cooperava na nossa salvação. De quanto Lhe somos devedores!

«Pai, nas Tuas mãos entrego a minha vida» (Lc. 23. 46)

171. Senti Jesus a dar as últimas gotas de sangue. Sentia que elas ferviam: era o amor em que Ele ardia que as fazia ferver.

172. Ele dizia: «Por ti fiz tudo: dei todo o meu sangue e amei-te a mais não poder-te amar».

173. Agonizava e repetia muitas vezes: «Pai, Pai, Pai aceita a minha agonia!»

174. «Nas Tuas mãos entrego o meu espírito. É para Ti o meu último suspiro!».

175. Nem um brado, nem um gemido era ouvido e aceite ao Eterno Pai. Até a entrega do espírito parecia não ser aceite!

176. Que aflitiva agonia! Eu murmurava continuamente: «Jesus, Jesus!» E dentro em mim outra voz repetia: «Pai, a Ti, nas Tuas mãos, entrego o meu espírito».

177. Com Jesus ia desfalecendo; com Ele me sentia morrer:

178. o meu corpo e a minha alma toda a desfazer-se em lepra!

179. A alma tremia com dor e com medo, como o corpo treme de frio.

180. Estava entregue ao abandono. Era com­pleto: não tinha mais que esperar, nem ao menos o Eterno Pai!

Esgotam-se-Lhe as forças, mas não se esgota o Seu amor

181. Dentro em mim Jesus ia expirando.

182. Só de longe a longe dava um suspiro; e nesse intervalo de tempo estava como se não tivesse vida.

183. Mal podia bradar ao Seu Eterno Pai.

184. Eram os últimos arrancos.

185. Perto de dar o Seu último suspiro, a um impulso do coração, vieram-Lhe ainda aos lábios algumas golfadas de sangue. E correram no Seu santíssimo rosto as últimas lágrimas.

186. Vi-O levantar para o Céu, pela última vez, os Seus olhares e inclinar em seguida a Sua sacrossanta cabeça.

187. Senti como se Ele os não desviasse da Mãezinha.

188. Saíram do Seu divino Coração uns raios doirados para o Coração Imaculado da Mãezinha Dolorosa, junto à cruz: foi como se fossem de Jesus para Ela o Seu adeus.

189. Senti no coração os Seus últimos olhares e a doçura e o amor que Ele, ao expirar, deixou cair sobre mim.

190. As ternuras do Coração espalhavam-se para os que estavam crucificados ao lado: para a direita eram aceites; para a esquerda, recusadas. Sentia a revolta do que as recusava e o amor do que as recebia.

191. Esgotavam-se-Lhe as forças, fugia-Lhe a vida; mas não se esgotava, nem d’Ele fugia, o Seu divino amor: estendeu-se pelo Calvário, e do Calvário ao mundo, como sopro de ar, como perfume delicioso.

A Vida que O tinha trazido à Terra avizinha-se novamente do Céu

192. Na ânsia de me dar inteiramente, no amor mais puro e louco, chegou o momento de dar a vida.

193. Parecia-me não ter mãos e pés para tão grandes chagas. Já não tinha coração para ser mais ferido: Já toda a dor o tinha atingido.

194. Eu era vítima e hóstia. Antes de expirar, senti como se fosse ligada à cruz da cabeça aos pés com medonhas serpentes: eram como cadeias que me prendiam ao madeiro. Causavam-me pavor.

195. No cimo da montanha, tremenda montanha, voltei a bradar; mas a violência da dor, à semelhança da água que toca a roda do moinho, fez rolar a montanha. E esta ficou sobre mim.

196. Todo o meu ser era coração para amar e se entregar ao Pai.

197. O coração ia morrendo lentamente. E aquela vida que me tinha trazido à Terra, ia-se avi­zinhando novamente do Céu.

«O sol eclipsou-se e o grande véu do templo rasgou-se ao meio»
(Lc. 23, 45)

198. A agonia era tão grande: fazia que todo o meu ser se escangalhasse até às próprias entranhas.

199. Senti como se me corressem pelo rosto e todo o corpo os suores frios da morte.

200. Um brado doloroso, sumido, passou pelo meu coração: foi Jesus a agonizar.

201. Foi tal o esforço e a violência da dor que parecia desprender-se da cruz.

202. O brado dolorosíssimo e agonizante ecoou em todo o Calvário, ou melhor, eu senti como ele ecoasse no mundo inteiro; e este todo estremecesse.

203. Mexia e remexia a Terra.

204. O Céu parecia abrir-se em fendas de fogo.

Ouvi como que um eco estrondoso de trovão.

205. O véu do Templo rasgou-se e caiu.

206. Toda a terra tremia. Era um poder supremo que a fazia estremecer.

207. Senti como se o pé da cruz se enterrasse mais para o fundo.

208. Que medo, que medo, que pavor vindo da terra; que pavor vindo do Céu!

209. Era noite no Calvário. A terra abriu-se, abriram-se grandes fendas. Todos fugiram. Só as almas amigas de Jesus ficaram a fazer-Lhe companhia.

210. Os olhos da minha alma estiveram sem­pre fixos no Céu a pedirem perdão e misericórdia para a Terra.

O Céu reconciliado com a Terra

211. Senti, primeiro no coração e depois passou-se ao corpo, um frio gelador: foi a morte a avizinhar-se. Jesus expirou.

212. No mesmo momento o segredo da morte reinou no Calvário e na minha alma.

213. O Céu abriu-se quando Jesus expirou. Já todos, do Calvário, podíamos passar ao Céu.

214. Reconciliou-se a Terra com o Céu: já todos podíamos viver a mesma Vida:

215. Uniu-se de tal forma o Céu com a Terra que me fez sentir e lembrar o que em pequenina tinha visto: a massa do padeiro no cilindro; aquela roda que misturava tudo. Que movimento! A mesma massa, o Céu e a Terra!

216. Ficou o Céu reconciliado com a Terra.

217. Um som harmonioso encheu o Céu e a Terra.

Liberta as almas em ânsias

218. O Calvário estava em trevas. E eu fui descer a um lugar de trevas e eu mesma fui a luz que tudo iluminei. Digo «eu», mas não fui eu, porque eu mesma sou trevas e morte. Mas foi aquela vida que viveu em mim, que triunfou no Calvário e na cruz.

219. Desci como que a um inferno, mas não a um inferno de fogo, de maldição e tormentos, mas a um inferno só de tremenda escuridão, onde não entrava luz nem alegria: era um inferno de cegueira e ansiedade. Senti como que Nosso Senhor estivesse em mim, contente, de braços abertos, como quem se sustenta no ar entre aquela multidão, como uma pomba batendo asas, transmitindo a mesma alegria e fazendo com que voasse essa multidão toda. Mas como, meu Deus! Vivo e não vivo, sou eu e não sou; estou no mundo e parti. Senti que desci a esse inferno, mas, de novo, saí, e que, atrás de mim, levava um bando sem número de pombas brancas que voavam atrás de mim; não digo bem, voavam esses seres que não eram corpos atrás desse corpo glorioso.

220. Eu senti a alegria do Céu e muitas almas.

221. Eu senti e vi tudo e fiquei sempre mer­gulhada na dor, na cegueira, e na morte.

A Sua vida divina separara-se de mim

222. Voara a Sua alma santíssima e eu fiquei na mesma dor, a sentir a mesma perda da Mãezinha.

223. A Sua vida divina separara-se de mim.

224. Fiquei como se a alma me tivesse deixado e eu não tivesse vida.

225. A mesma vida divina tinha sido sempre a força de tanta dor.

226. Jesus tinha expirado; e eu fiquei neste arrebatamento, sem pertencer a Deus sem pertencer à Terra.

227. A morte de Jesus escureceu o Calvário da minha alma.

228. O silêncio da morte reinou no Calvário da minha alma.

229. Pouco depois vi dar a lançada em Seu divino lado.

230. Foi dentro em mim que Ele foi alanceado.

231. O Coração foi aberto: deu as últimas gotas de sangue,

232. o resto do Seu preciosíssimo sangue e, por fim, gotas de água.

233. Ficaram raios do Coração a iluminar a Terra; enquanto que o sol, como que envergonhado, se escondia entre as nuvens que estremeciam, juntamente com o solo do Calvário.

234. De todas as Suas chagas saíam raios de luz, como sol por frestas.

A Mãe chora tantos filhos mortos pelo pecado

235. A minha alma viu Jesus a ser descido da cruz: a santíssima cabeça pendurada, um braço já estendido e a Mãezinha já sentada ao pé da cruz, de braços abertos para O receber. Mas ai, quanto isto me custou! Estremeci, parecia-me sentir o corpo de Jesus sem vida, frio e gelado.

236. Senti como se Ele estivesse morto em mim e eu, com Ele, nos braços da Mãezinha: éramos um só corpo, um só cadáver.

237. Senti a Mãezinha estreitá-Lo ao Coração e a fazer-Lhe tudo aquilo que pouco antes ansiava fazer-Lhe no alto da cruz.

238. As lágrimas da querida Mãezinha caíam sobre o meu rosto.

239. Eu era Jesus e Ela era minha Mãe; eu era o mundo e Ela era a Mãe do mundo.

240. Queria consolá-La e abraçá-La e não podia. E então Jesus, sem estar morto em mim, mas vivo ao meu lado, disse-me: «Minha filha, as lágrimas de minha Mãe santíssima são semelhantes àque­las que Ela derramou outrora sobre mim no Calvário. Ela bole não chora por ver o seu filho Jesus morto em seus braços, mas chora por ver tantos filhos, a maior parte dos seus filhos, mortos pelo pecado, em toda a humanidade. Que dor, a do seu santíssimo Coração e que dor a do meu divino Coração com a visão desta perda, desta morte quase total! Dá-me a tua dor, repara os nossos Corações tão feridos. Tem coragem!» Foi tal a dor que senti, que me parecia morrer.

241. Foi o amor que levou Jesus a dar a vida. E a Mãezinha continua a mesma missão do amor: a amar-nos como a Jesus.

«Cristo morreu e ressuscitou para ser Senhor dos mortos e dos vivos»
(Rom. 14, 9)

242. Por entre aquelas nuvens negras da morte, rompeu Jesus; sobressaiu, foi brilhar mais além. Venceu tudo e de tudo triunfou. Mas eu não O acompanhei naquele vencimento, naquele triunfo, naquela luz: fiquei sempre na minha dor, amargura e agonia. Ele foi, mas ficou sempre comigo, no meio do gozo, da luz triunfal; unido a mim transformado em mim sofria. Queria saber falar desta separação de Jesus, para o gozo, e ao mesmo tempo, da união dolorosa dentro em meu corpo. Mas não sei. O que sei, é que a agonia continuou.

243. Jesus morreu e viveu sempre. Senti que Ele morreu e sentia que Ele vivia. Ó vida, ó vida celeste!

«Chamo-vos com amor de Pai»

244. De repente iluminou-se toda a minha alma, com uma luz que iluminava o mundo.

245. Senti como se de cima a baixo, se ras­gasse um véu: Jesus apareceu-me com a Sua luz e deu-me a Sua vida.

246. Ressuscitou e fez ressuscitar a minha alma. Com mais luz e dor mais suavizada, no meu coração ouvi que Ele me dizia: «‘Ouvi, filhos meus, a voz de Jesus que vos chama! Chama-vos porque vos quer, Ouvi e estai atentos: é a hora da graça que passa! Recebei-a, reparai-a, aceitai-a! Bato com insistência e peço com todo o ardor do meu divino Coração:– Vinde a mim, chamo-vos com amor de Pai – ».

Creio, Jesus, creio!

247. Numa angústia lancinante repeti os meus actos de fé: «Creio, Jesus, creio que foi para mim o vosso Nascimento, o vosso Horto, o vosso Calvário. Creio, Jesus, creio!» Os meus abismos eram tão negros e profundos que só um Deus podia penetrar neles: Foi assim que Jesus fez. Desceu à minha profundeza, trouxe à superfície e iluminou o meu pobre ser, com uns raiozinhos da Sua luz.

Cronologia
da vida e da evolução mística da Serva de Deus

ALEXANDRINA MARIA DA COSTA nasceu a 30 de Março de 1904 na freguesia de Balasar, conce­lho da Póvoa de Varzim, arquidiocese de Braga, e aí morreu no dia 13 de Outubro de 1955.

Desde a infância denota robustez física, tempera­mento vivo e brincalhão: “Os fidalgos – dizia a mãe – têm um bobo para os fazer rir, e eu não sou fidalga, mas também tenho aqui quem esteja a fazer festa!”.

1911-1912: Frequenta a primeira classe na Póvoa de Varzim, pois em Balasar só havia escola primária masculina; a feminina só foi introduzida em 1931. É na Póvoa de Varzim que, preparada pelo P.e Álvaro Matos, recebe a primeira Comunhão:

«... Fitei a Sagrada Hóstia que ia receber de tal maneira que me ficou tão gravada na alma, parecendo-me unir a Jesus para nunca mais me separar dEle. Parece-me que me prendeu o coração. A alegria que eu sentia era inexplicável».

1913-1917: Pelos nove anos de idade, começa a trabalhar nos campos; mais tarde, é obrigada àquelas fadigas como serviçal, para ganhar o seu pão.

1918: No Sábado Santo daquele ano, salta de uma janela, da altura de mais de três metros, para escapar à paixão de um homem que se infiltrara em sua casa. Em consequência da queda, começou a sofrer de mielite comprimida na espinha dorsal, doença que só mais tarde virá a ser descoberta através de exames clínicos, e da qual resultará uma parálise progressiva (relatório clínico do Dr. Manuel Dias de Azevedo).

Passam-se mais seis anos de doença, ora a pé, ora de cama.

1924: Em Junho, com muito sacrifício, toma parte no Congresso Eucarístico de Braga: a partir de então não voltará a sair de casa a não ser de maca!

1925: Em 14 de Abri, acama definitivamente. Sua irmã, Deolinda, torna-se a sua enfermeira, pois a mãe tem de tratar dos trabalhos do campo. Deo­linda trabalha como costureira em casa.

1928: Por ocasião de uma peregrinação paroquial a Fátima, volta a acalentar a esperança da cura, mas a graça não lhe é concedida. Lemos na Autobiografia: «Morreram os meus desejos de ser curada, e para sempre, sentindo cada vez mais ânsias do amor ao sofrimento e de só pensar em Jesus».

1930: No mês de Maio, escreve na capa de um livrinho: «Ó minha querida Mãe do Céu, vinde apre­sentar ao Vosso e meu querido Jesus, nos vossos sacrários, as minhas orações, e fazer mais valiosos os meus pedidos... Dizei-Lhe também que quero muitos sofrimentos, mas que não me deixe sozinha nem um momento».

Nessa altura, todas as manhãs repete, entre outras, a seguinte oração: «Uno-me em espírito, neste momento, e desde este momento para sempre, a todas as Santas Missas que de dia e de noite se celebram na terra. Jesus, imolai-me conVosco a cada momento no altar do sacrifício; oferecei-me conVosco ao Eterno Pai pelas mesmas intenções por que Vós mesmo Vos ofereceis».

1931-1932: Durante as suas orações e ofertas a Jesus, começa a sentir um calor intenso que parece queimar-lhe o coração; sente-se como que arroubada. Num desses momentos ouve no seu íntimo a seguinte inspiração: sofrer, amar, reparar.

Não percebe o que essas palavras exijam dela: «Ó meu Jesus, que quereis que eu faça?», pergunta uma e mais vezes, mas em resposta não sente senão aquelas três palavras.

1933: Em 16 de Agosto, vem a Balasar pregar um tríduo ao S. Coração de Jesus o P.e Mariano Pinho, S. J.. Nessa ocasião, a Alexandrina obtém que ele seja o seu director espiritual. Aquele sacerdote inspira-lhe muita confiança: gradualmente ela lhe irá expor os problemas da sua alma.

1934: «Foi em Setembro de 1934 que eu compreendi que era a voz de Nosso Senhor e não uma exigência, como julgava. Foi então que Ele me pediu e falou assim: “Dá-me as tuas mãos, que as quero crucificar; dá-me os teus pés, que os quero cravar comigo; dá-me a tua cabeça, que a quero trespassar com a lança, como Me trespassaram a Mim. Consagra-me todo o teu corpo; oferece-te toda a mim!..”»

A frase «compreendi que era a voz de Nosso Senhor» é muito significativa. Com efeito, a verdadeira experiência mística é caracterizada pela iniciativa de Deus, particularmente forte: de uma força tal, que a alma possa reconhecê-la não como vinda de si própria, mas de Deus.

No princípio de Outubro, escreve ao seu director: «Diz-me Jesus que se serve de mim para que, por mim, vão a Ele muitas almas e, por mim, sejam excitadas a amá-Lo na SS. Eucaristia» (Cartas ao P.e Pinho: 4-X-34).

A 14 de Outubro, a Alexandrina, com o sangue feito sair por meio de um alfinete, escreve no verso de uma estampa: «Com o meu sangue Vos juro amar-Vos muito, meu Jesus, e seja tal o meu amor, que morra abraçada à cruz! Amo-Vos e morra por Vós, meu querido Jesus, e nos Vossos sacrários quero habitar, meu Jesus».

Numa carta ao P.e Pinho, escrita em 1 de Novembro, lê-se: «(Jesus) exige de mim que, assim como Ele me era fiel em habitar em mim para me consolar, queria que eu Lhe fosse fiel em habitar em espírito em todos os sacrários para o consolar e amar».

1935: Jesus diz-lhe: «Dá-me o teu sangue pelos pecados do mundo. Aluda-me no meu resgate. Sem mim não podes nada; comigo terás poder para tudo, para acudires aos pecadores e a muitas, muitas coisas» (Cartas ao P.e Pinho: 3-1-35).

Em 30 de Julho, depois da Comunhão Jesus ordena-lhe: «Manda dizer ao teu director espiritual que, em prova do amor que dedicas à minha Mãe Santíssima, quero que se/a feito todos os anos um Acto de Consagração do mundo inteiro... Assim como pedi a S. Margarida Maria para ser o mundo consagrado ao meu Divino Coração». (Cartas ao P.e Pinho: 1-8-35).

A Alexandrina responde: «Sou a Vossa vítima, a vítima da Eucaristia a lampadazinha das vossas prisões de amor, a sentinela dos vossos sacrários! O Jesus, eu quero ser vítima dos sacerdotes a vítima dos pecadores a vítima do mundo inteiro, vítima da paz, vítima da Consagração do mundo à Mãezinha».

1936: A 7 de Junho, festa da SS. Trindade, a Alexandrina experimenta pela primeira vez a morte mística, que exteriormente se apresenta como uma morte aparente; fenómeno misterioso que tem sido comparado pela teologia cristã à transformação da lagarta em borboleta, na medida em que Deus, atra­vés dele, purifica as almas e as torna cada vez mais sublimes. (Santa Teresa, S. João da Cruz).

No dia 11 de Setembro, o P.e Pinho envia ao Card. Pacelli o pedido para o mundo ser consa­grado ao Coração Imaculado de Maria.

 

1937: A 2 de Fevereiro, a Santa Sé encarrega o Arcebispo de Braga de estudar o caso da Alexandrina e de fornecer informações claras acerca do pedido da consagração do mundo a Maria. (Cfr. Cristo Gesù in Alexandrina, pág. 707).

No êxtase de 31 de Outubro, diz-lhe Jesus: «Minha filha, Eu escolhi-te para coisas mais sublimes! Servi-me de ti para comunicar ao Papa o desejo que tenho que seja consagrado o mundo à minha Mãe Santíssima» (Cartas ao P.e Pinho: 1-11-37).

1938: Depois de um retiro espiritual iniciado em 30 de Setembro, no seu quartinho, sob a orientação do P.e Pinho, Jesus prediz-lhe, no êxtase de 2 de Outubro, que ela iria sofrer toda a Sua santa Paixão pela primeira vez em 3 de Outubro, e em seguida todas as sextas-feiras, das 12 horas às 15.

«Não disse que não a Nosso Senhor. Preveni o meu director espiritual de tudo o que Nosso Senhor me disse. Esperava o dia e a hora com grande aflição, pois nem eu nem o meu director fazíamos ideia do que se ia passar. Na noite de 2 para 3 de Outubro, se era grande a agonia da alma, também foi grande todo o sofrimento do meu corpo... Foi neste sofrimento que eu fui para a primeira crucifixão. Que horror eu sentia em mim! Que medo e até pavor!».

A experiência da Paixão revivi-a, conforme nos surge através da narração da Alexandrina, não nasce, propriamente, do sentimento, da emotividade, da meditação e reflexão dela, ainda que as suas disposições tenham podido ser, sob certos aspectos, um elemento útil para abrir caminho ao carisma divino.

1939: A 20 de Janeiro, durante o êxtase, Jesus confia-lhe que continuará a reviver a Paixão daquela maneira até o mundo ser consagrado à Mãe Imaculada. (Carta ao P.e Pinho).

A 20 de Março, pouco tempo depois da elei­ção de Pio XII, Jesus prediz-lhe que será esse Papa a consagrar o mundo a Maria.

A 28 de Junho, prediz-lhe a guerra, em castigo dos graves pecados cometidos pelo mundo; e então ela oferece-se vítima pela paz. (Carta ao P.e Pinho).

1940: A 4 de Julho oferece-se vítima com outras almas em união com Nossa Senhora, para obter que ao menos Portugal seja poupado aos horrores da guerra. Jesus aceita a oferta e afirma categoricamente: «Portugal será poupado à guerra». (Carta ao P.e Pinho). Assim aconteceu.

Em Dezembro, Jesus assegura-lhe que também o Santo Padre seria poupado aos horrores da guerra, mas que haveria de sofrer muito, moralmente. (Carta ao P.e Pinho: 6-12-1940).

1941: Encontra-se pela primeira vez com o Dr. Manuel Dias de Azevedo. Daí em diante, aquele médico prestar-lhe-á assistência com todo o carinho e dedicação até à morte.

No dia 29 de Agosto, o P.e José Alves Terças, da Congregação dos Missionários do Espírito Santo, assiste à Paixão; seguidamente publicará um relato do que viu e ouviu no nº 10 da revista «Vida de Cristo, a Paixão dolorosa», vol. V, Lisboa, 1941.

1942: É-lhe tirado o seu director espiritual. No dia 27 de Março, sofre pela última vez a Paixão na sua forma de participação física (cfr. Apresentação).

Na sexta-feira seguinte, 3 de Abril, Sexta-feira Santa, não volta a sofrer a Paixão na referida forma, mas revive no seu íntimo as várias fases dela (participação interior; cfr. Apresentação). No mesmo dia, Jesus diz-lhe: «Não temas, minha filha, que não és mais crucificada. A crucifixão que tens é a mais dolorosa que se pode ima­ginar na história». (Diário, 3-4-1942). Quer dizer que, desde então, ela participaria mais intensamente ainda em todos os sofrimentos morais e espirituais se Jesus, na Sua Paixão, sem manifestações externas.

Neste período, as suas condições físicas agravam-se muito; chegam a tal ponto que, em certo dia, parece estar prestes a exalar o último suspiro e recebe a Santa Unção; dita as suas últimas disposições.

Contrariamente ao que se esperava, não morre fisicamente, mas começa para ela uma segunda morte mística, que irá durar perto de dois anos.

Nesse mesmo período, começam também o jejum e a anúria completos, que vão durar até à morte. Alimentar-se-á apenas da Hóstia consagrada, durante mais de 13 anos!

No dia 31 de Outubro o Santo Padre faz a consagração oficial do mundo ao Imaculado Coração de Maria. (Cfr. Cristo Gesù in Alexandrina pág. 117).

1943: De 10 de Junho a 20 de Julho, é internada na clínica «Refúgio da paralisia infantil» da Foz do Douro, sob a observação do Dr. Gomes de Araújo. A autoridade eclesiástica dispusera que se procedesse a um rigoroso controle acerca do jejum e da anúria, em que muitos não acreditavam; também os médicos desejavam verificar o fenómeno com o máximo rigor. O relatório elaborado pelo Dr. Gomes de Araújo conclui com estas palavras: «E absolutamente certo que durante 40 dias em que a Alexandrina esteve internada no “Refúgio» não comeu nem bebeu, nem urinou, nem defecou .

1944: Apesar do referido teste, continuam a espalhar-se dúvidas e falatórios sobre o seu jejum e a sua vida cheia de carismas; para ela, isto e motivo de indizíveis sofrimentos, tanto mais que se encontra privada de um guia espiritual. A Providência divina vem ao seu encontro deparando-lhe um Sacerdote salesiano a cuja direcção se confia. Este, ao dar-se conta de que na Alexandrina há o dedo de Deus, impõe-lhe que dite o seu diário até à morte.

Faz-lhe de secretária heróica sua irmã Deolinda, «aquele anjo que Deus pusera ao seu lado como enfermeira».

No dia 1 de Dezembro, dá-se o matrimónio místico, ou seja o estado de união amorosa entre Deus e a sua alma. Jesus diz-lhe: «Tu és esposa e és mãe, mãe que não deixa de ser virgem. És mãe dos pecadores…».

No dia seguinte, sábado, Nossa Senhora confirma-lhe as palavras do Filho e acrescenta: «Aceita o meu santíssimo manto, aceita-o... Podes cobrir com o meu manto o mundo inteiro, chega para todos. Aceita a minha coroa... és rainha». 

1945: Sofre por ter a impressão de que é causa de pecado e de que ela é o próprio pecado personificado, e repara pelas várias categorias de pecados.

Acentuam-se, tornando-se mais frequentes e violentos, os assaltos do demónio.

Ao mesmo tempo, experimenta diversos graus da transformação da sua alma em Cristo: «Quero, minha filha, dilatar-te o coração, quero fazê-lo grande, grande como o meu divino amor... Envolve-o no mundo que nele depositei». (Diário, 3-3-45).

E, passados alguns meses: «Tomou em Suas divinas mãos o meu coração e fez dele uma grande bola que momentos depois colocou no lugar do coração. E disse-me: «Minha filha, o teu coração é uma bola de amor...». (Diário, 22-6-45). «Minha esposa, minha rainha, vives de Mim, a tua vida é a minha, estou transformado em ti, eis porque a tua vida é divina... Tu és a fonte e Eu a água que corre nela, que lava e purifica...». (Diário, 1-9-45).

1946: As articulações dos braços e das vérte­bras desconjuntam-se; o Dr. Azevedo resolve enfaixar-lhe o corpo todo e colocá-la em cima de tábuas; assim ficara até à morte. (Diário, 4-10-46).

Novos exames de teólogos e médicos deixam-na num estado lastimoso. (Diário, 26-11-46).

1947: Sente-se muito mal de saúde e escreve por seu próprio punho, com indizível sacrifício, a sua carta-testamento aos pecadores: “Levei a minha vida a sofrer, e levarei o meu Céu a amar e a pedir a Jesus por vós, ó pecadores. Convertei-vos e amai a Jesus; amai a Mãezinha Vinde, vamos todos para o Céu! Se sentísseis, por algum tempo, os martírios que por vós sofri, estou convencida que não pecaríeis mais; e, se conhecêsseis o amor de Jesus, então morreríeis de dor por O terdes ofen­dido. Não pequeis! Não pequeis! Jesus criou-nos Jesus e Pai!». (Diário, 25-7-1947).

1948: Cheia a transbordar da caridade de Cristo, intensifica o seu apostolado paroquial e o auxílio aos pobres que a ela recorrem cada vez mais nume­rosos; auxilia as vocações, o Seminário e as Casas Religiosos de formação.

Aumenta sempre mais o número das pessoas que a vão visitar para se aconselharem. Jesus diz-lhe: «Acodes com a tua dor. Confia que a tua dor é para as almas mais do que a água é para os peixes; a tua dor é para as almas mais que o sol é para a terra». (Diário, 6-2-48).

A 14 de Julho, escreve por sua mão o epitáfio a ser gravado na própria campa: «Pecadores, se as cinzas do meu corpo vos têm utilidade para vos salvardes, aproximai-vos, passai por cima delas, calcai-as até que desapareçam, mas não pequeis mais, não ofendais mais vezes o nosso Jesus. Pecadores, tantas coisas queria dizer-vos! Não me chegava este grande cemitério para as escrever!... Convertei-vos! Não ofendais a Jesus, não queirais perdê-Lo eternamente. Ele é tão bom! Basta de pecar! Amai-O! Amai-O!»

A 23 de Setembro, recebe a última visita do seu segundo director, obrigado a voltar para a Itália. Ela continuará, no entanto, a enviar-lhe as páginas do seu diário até à morte.

Depois de lhe ter sido tirado também o segundo director, Jesus diz-lhe: «... Eu sou o Artista divino e faço no teu nada a arte mais maravilhosa... E com a tua cegueira que Eu dou luz às almas». (Diário, 1-10-48).

1949: Jesus promete-lhe que chamará junto da sua campa muitos pecadores e que os há-de converter. (Diário, 2-9-49).

A Virgem do Rosário aparece-lhe com o terço nas mãos e diz-lhe. «O mundo agoniza e morre no pecado. Quero oração, quero penitência. Enrola, minha filha, neste meu rosário os que amas... enrola o mundo». (Diário, 1-10-49).

1950: No êxtase de 28 de Julho, Jesus diz-lhe: «Dá-me a tua reparação, e escuta a minha urgente mensagem. Eu quero que Sua Santidade o Papa, o meu querido representante na terra, faça ao mundo o seu último apelo... Oração, oração e penitência, renovação de vida, vida nova, vida pura...».

Mais tarde, em 1 de Setembro, acrescenta: «Minha filha, une à minha angústia a tua angústia, à minha agonia a tua agonia e ao meu o teu calvário: é Calvário de dor, é Calvário de salvação». (Diário, 1-9-50).

A Alexandrina participa nos sofrimentos de Cristo e recebe até os estigmas, que ficarão sempre invisíveis, mas dolorosíssimos. Jesus diz-lhe:

«Minha filha, tiro bálsamo das Minhas chagas para as tuas, ocultas, mas dolorosas, bem profundas, para que as tuas mãos semeiem pelas chagas dolorosas a minha semente divina e para que os teus pés não caminhantes, pela chagas abertas arranquem dos caminhos errados as almas que correm para a perdição... Tiro bálsamo das feridas da minha sacrossanta cabeça para a tua, para suavizar a dor dos teus espinhos, para mais forte poderes com este sofrimento arrancar dos espíritos as más inclinações e pensamentos criminosos... Do meu Divino Coração tiro bálsamo amoroso, bálsamo de fogo, para que me ames e faças amado, para que ateies este fogo, este amor, para que possuas sempre a ternura e a doçura do meu». (Diário, 1-9-50).

1951: No êxtase de 19 de Janeiro, Jesus solicita: «Depressa, depressa, mais orações, mais penitência!... Depressa, depressa a renovar a vida e os costumes... Depressa, filhos meus». A Alexandrina responde: «Depressa, dizeis Vós; agora digo eu: Esperai Vós... Vós dizeis «depressa» para que se convertam; e eu digo: «esperai, dai-lhes tempo, Jesus... Sou a vossa vítima, Jesus, sou a vossa vítima, e quero perdão para o mundo». (Diário, 19-1-51).

A alma vítima torna-se cada vez mais semelhante à Vítima divina. A identificação da Alexandrina com Cristo vem a realizar-se desde há anos:

«Tu vives com a minha vida, sofres com a minha dor, amas com o meu amor. Vives com a minha vida, porque com ela te faço viver; sofres a minha dor, porque ta faço sentir, porque és vítima para Me repararem. Amas com o meu amor porque to infundi em teu coração para com ele me amares e fazeres que Eu seja amado». (Diário, 23-11-51).

1952: A 18 de Janeiro, lemos no Diário: «Não sei que sinto a mais no coração. Parece que dentro dele tem alguém que, à semelhança dos pescadores, deita redes e mais redes para apanhar este mundo imenso de almas. Quantas mais redes saem para fora do coração, mais redes tem para deitar. E que ânsias infinitamente grandes de as possuir todas, todas cheiinhas! Que tarefa, que canseira incessante!”.

A partir desse ano, aumenta muitíssimo o número das pessoas que vão vê-la e pedir-lhe conselho; as conversões não têm conta.

Apesar de tudo isso, sente muito acerbamente outro sofrimento: a impressão de que toda a sua vida e o seu martírio tenham sido inúteis: «Tornou-se por completo inútil todo o meu viver». (Diário 16-5-52).

1953: Porém, a 9 de Janeiro, diz: «Só a esperança e a confiança são o bálsamo do meu sofrer. Não sinto que confio, mas confio... A vida sem dor seria para mim insuportável... Não há nada que se compare com a doçura da cruz, quando a aceitamos e levamos por amor». (Diário, 9-1-53).

A propósito da agonia no Calvário, diz: «Eram segredos e mistérios divinos.., eram segredos, mistérios de redenção». (Diário, 1-5-53).

A Alexandrina compreendeu o grande valor salvífico do sofrimento. E Jesus diz-lhe: «Sou o Sol, a Vida, o amor do teu coração... É sol, vida e amor divino. Dou-me, comunico-me por ti às almas... Estás na vida pública de Jesus». (Diário, 15-5-53).

No êxtase de 20 de Novembro, Jesus diz-lhe também: «Escolhi este calvário por amor dos pecadores, por amor da humanidade inteira... Sou Eu, Jesus, a dar-lhe o título «Calvário dos pecadores»». (Diário, 20-11-53).

A 25 de Dezembro tem o último êxtase público, êxtase que sucedia normalmente à Paixão vivida no seu íntimo.

1954: Ao comemorar neste ano o 12º aniversário do início do seu jejum e anúria completos, Jesus confia-lhe: «Pus-te no mundo, faço que vivas só de Mim para mostrar ao mundo o valor da Eucaristia e o que é a minha vida nas almas. És luz e salvação para a humanidade». (Diário, 9-4-54).

Em Maio, escreve ao P.e Pinho: «Oh! Como eu precisava do meu Padre junto de mim para lhe abrir a minha alma, para lhe mostrar um livro de páginas sem fim que tenho no coração. Livro este que só à luz da eternidade se pode compreender e ler todo. Nele estão escritas as ânsias de me dar, de me consumir no amor de Jesus e de a Ele conduzir todas as almas, todas, mesmo todas. Não posso consentir na perda de uma só... Ai, quanto fala este livro!». (Cartas ao P.e Pinho, 2-5-54).

Este livro vivo é o próprio Jesus crucificado com quem a Alexandrina se sente identificada.

No mês de Setembro, Jesus diz-lhe: «A tua vida é a minha Paixão contínua.., é paixão mística, mas de tal forma que nela encerra toda a minha santa Paixão». (Diário, 24-9-54).

Poucos dias volvidos, lê-se no Diário: «Neste momento, pela chaga do Seu Divino Coração saiu um clarão tão grande e uns raios tão luminosos que irradiavam tudo. Pouco depois, de todas as Suas chagas divinas saíam raios que me vinham trespassar os pés e as mãos. Da Sua sacrossanta cabeça para a minha passava-se também um «sol» que me trespassava todo o cérebro. Falando do primeiro clarão e raios que saíam do Seu Divino Coração, disse Jesus com toda a clareza: «Minha filha, à semelhança de Santa Margarida Maria, Eu quero que incendeies no mundo este amor tão apagado nos corações dos homens. Incendeia-o, incendeia-o. Eu quero dar, Eu quero dar o meu amor aos homens, Eu quero ser por eles amado. Eles não mo aceitam e não Me amam. Por ti quero que este amor seja incendiado em toda a humanidade, assim como por ti foi consagrado o mundo à Minha Bendita Mãe. Faze, esposa querida, que se espalhe no mundo todo o amor dos Nossos Corações». (Diário, 1-10-54).

Apesar de tudo isto, sofre terríveis crises de fé e sente-se em trevas. Lemos no Diário: «Repeti o meu creio com muito custo; dizia a Jesus o meu creio, espero e confio, mas a parecer uma mentira constante». (Diário, 8-1 0-54).

1955: A 7 de Janeiro, Jesus prediz-lhe a morte:

«Estás no teu ano! estás no teu ano! Confia, tem confiança em Mim!».

A 11 de Fevereiro, Jesus conforta-a: “Coragem, minha filha; o teu quarto, a tua vida, quantos ensinamentos dão ao mundo! É a escola divina a ensinar os humanos. É luz de Deus a iluminá-los nas trevas». (Diário).

No dia 13 de Outubro, aniversário da última aparição de Nossa Senhora em Fátima, a Alexandrina vai para o Céu: o seu coração, consumido pelo amor, cessa de pulsar às 20 horas e 29 minutos.

Por sua expressa vontade foi sepultada de rosto voltado para o Sacrário da sua igreja, como sinal do seu amor a Jesus Eucarístico.

Em 18 de Julho de 1978, obtidas todas as licenças precisas, o caixão contendo o corpo da Serva de Deus foi trazido do cemitério para a igreja paroquial de Balasar e colocado em local previamente preparado, do lado esquerdo do altar-mor (para quem olha de frente), cumprindo-se assim, mais à letra o que ela escrevera na Autobiografia e se lê esculpido numa placa de mármore fixada na parede por cima da nova campa:

«Quero ser enterrada, se puder ser, de rosto virado para o sacrário da nossa igreja. Assim como na vida anseio estar junto de Jesus Sacramentado e voltar-me para o sacrário as mais vezes possíveis, quero depois da minha morte continuar a velar o meu sacrário e manter-me voltada para ele. Sei que com os olhos do meu corpo não vejo o meu Jesus, mas quero ficar assim para melhor provar o amor que tenho à Divina Eucaristia».

ÍNDICE DAS DATAS DO DIÁRIO

 I. «PAI, CHEGOU A HORA»

1. (19-11-48)
2. (12-11-48)
3. 11-6-48)
4. (27-2-53]
5. (7-12-44)
6. (11-10-45)
7. (19-7-45)
8. (1-3-45)
9. (14-12-44)
10. (7-12-44)
11. (8-8-47)

12. (1-3-45)
13. (24-5-45)
14. (10-5-45)
15. (26-7-45)
16. (22-3-45]
17. (13-9)45)
18. (21-12-44)
19. (17-5-45)
20. (15-2-45)
21. (4-7-47)
22. (28-7-50)

23. (14-7-50)
24. (26-5-50)
25. (7-6-46)
26. (22-8-47)
27. (18-6-48)
28. (4-4-52)
29. (2-7-48)
30. (18-5-51)
31. (2-6-50)
32. (21-12-51)
33. (2-6-50)

34. (8-3-45)
35. (28- 3.52)
36. (11-4-52)
37. (20-12-46)
38. (10-9-48)
39 (7-11-47)
40. (5-12-47)
41. (30-4-48)
42. (5-12-47)
43. (13-6-47)
44. (25-2-49)

45. (17-8-51)
46. (25-2-49)
47. (5-9-47)
48. (30-8-46)
49. (22-7-49)
50. (19-12-47)
51. (1-9-50)
52. (6-8-48)
53. (14-6-45)
54. (13-12-46)
55. (9-3-51)

II. A CEIA PASCAL

1. (5-4-5)
2. (4-7-47)
3. (25-10-45)
4. (22-11-46)
5. (3-2-50)
6. (14-11-47)
7. (25-7-47)
8. (8-8-47)
9. (8-3-45)
10. (25-7-47)
11. (19-7-46)
12. (31-10-47)

13. (27-2-48)
14. (15-3-45)
15. (25-1-45)
16. (15-11-46)
17. (15-3-45)
18. (8-3-45)
19. (5-12-47)
20. (15-2-45)
21. (26-3-48)
22. (27-2-48)
23. (15-2-45)
24. (28-11-47)

25. (8-3-45)
26. (22-2-45)
27. (15-11-46)
28. (2-8-46)
29. (15-11-46)
30. (7-4-50)
31. (30- 4-48)
32. (--)
33. (15-11-46)
34. (2-8-46)
35. (23-3-51)
36. (7-4-50)

37. (6-6-47)
38. (11-4-47)
39. (22-11-46)
40. (16-7-48)
41. (20-5-49)
42. (23-3-51)
43. (27-1-50)
44. (12-4-45)
45. (15-11-46)
46. (6-6-47)
47. (20-12-46)
48. (7-4-50)

49. ((25-1-45)
50. (23-1-48)
51. (5-12-47)
52. (11-7-47)
53. (5-12-47)
54. (17-12-48)
55. (6-6-47)
56. (20-6-47)
57. (26-3-48)
58. (22-8-47)
59. (18-4-47)

 III. JESUS SAIU PARA O MONTE DAS OLIVEIRAS

1. (6-2-48)
2. (28-5-48)
3. (20-9-46]
4. (5-12-47)
5. (26-9-47)

6. (11-10-45)
7. (8-2-45)
8. (27-9-46)
9. (12-7-46)
10. (14-6-46)

11. (12-7-46)
12. (29-3-46)

13. (11-10-46)
14. (17-1-47)
15. (26-9-47)

16. (22-11-46)
17. (27-6-47)
18. (22-11-46)
19. (3- 5-46)
20. (30-6-50)

21. (7-5-48)
22. (25-11-49)
23. (18-8-50)
24. (23-1-48)

IV — A AGONIA NO HORTO

1. (18-10-46)
2. (19-4-45)
3. (27-6-47)
4. (10-6-49)
5. (27-6-47)

6. (16-8-45)
7. (18-10-45)
8. (31-1-47)
9. (28-12-44)
10. (18-10-45)

11. (6-5-49)
12. (28-3-47)

13. (14-6-46)
14. (27-3-53)
15. (30-8-45)

16. (8-11-46)
17. (14-2-47)
18. (27-3-53)
19. (28-3-47)
20. (14-2-47)

21. (14-6-46)
22. (28-2-47)
23. (1-11-45)
24. (12-4-46)

V. DA CAPTURA À CONDENAÇÃO

1. (4-4-47)
2. (2-3-51)
3. (26-3-48)
4. (7- 2-47)
5. ( 8-11-45)
6. (28-6-46)
7. (10-1-52)
8. (18-11-49)
9. (17-6-49)
10. (20-6-47)
11. (23-5-47)
12. (13-10-50)
13. (2-11-45)
14. (23-5-47)
15. (2-11-45)
16. (23-5-47)
17. (31-5-45)
18. (20-9-46)
19. (20-2-48)
20. (20-9-46)
21. (2-2-45)
22. (29-7-49)
23. (17-9-48)

24. (23-5-47)
25. (2-4-48)
26. (26-9-47)
27. (20-6-47)
28. (26-9-47)
29. (19-12-47)
30. (17-12-48)
31. (8-8-52)
32. (17-12-48)
33. (29-6-51)
34. (14-11-47)
35. (5-12-47)
36. (28-11-47)
37. (14-10-49)
38. (23-5-47)
40. (11-3-49)
41. (14-10-49)
42. 115-10-48)
43. (9- 2-45)
44. (23-2-45)
45. (12-1-45)
46. (22-12-44)
47. (9-2-45)

48. (30-1-48)
49. (15-12-44)
50. (23-1-53)
51. ( 6-12-46)
52. (26-1-51)
53. (6-12-46)
54. (23-1-53)
55. (21-1-49)
56. (3-10-47)
57. (2-3-45)
58. (20-7-45)
59. (2-3-45)
60. (31-8-45)
61. (5-10-45)
62. (20-7-45)
63. (17-1-47)
64. (7-2-47)
65. (26-4-45)
66. ( 7-2-47)
67. (29-10-48)
68. (4-4-47)
69. (7-2-47)
70. (4-4-47)

71. (7-2-47)
72. (23-4-48)
73. (26-4-45)
74. (24-6-49)
75. ( 5-5-50)
76. (21-9-45)
77. (16-3-45)
78. (23-3-45)
79. (21-9-45)
80. (2-3-45)
81. (1-4-49)
82. (14-12-51)
83. (12-8-49)
84. (10-5-46)
85. (23-2-45)
86. (1-4-49)
87. (2-1-48)
88. (5-10-45)
89. (1-8-47)
90. (10-6-49)
91. (15-6-45)
92. (6-7-45)
93. (15-3-46)

94. (13-6-47)
95. (7-10-49)
96. (26-7-46)
97. (10-6-49)
98. (17-5-46)
99. (31-8-45)
100. (11-2-49)
101. (5-10-45)
102. (16-3-45)
103. (18-7-47)
104. (4-7-47)
105. (9-3-5l)
106. (4-7-47)
107. (30-3-45)
108. (11-4-52)
109. (4-7-47)
110. (7-11-47)
111. (29-10-48)
112. (20-2-48)
113. (24-3-50)

VI. A SUBIDA PARA O MONTE CALVÁRIO

1. (5-10-45)
2. (26-10-45)
3. (5-10-45)
4. (8-3-46)
5. (5-10-45)
6. (25-5-45)
7. (25-10-46)
8. (9-1-48)
9. (9-11-45)
10. (6-5-49)
11 (1-12-44)
12. (16-3-45)
13. (31-8-45)
14. (4-5-45)
15. (26-9-47)
16. (3-5-46)
17. (6-4-45)
18. (15-2-52)
19. (6-4-45)
20. (10-5-46)
21. (16-5-47)
22. (2-1-48)
23. (16-5-47)
24. (27-7-45)
25. (23-2-45)
26. (9-8-46)

27. (13-12-46)
28. (1-2-46)
29. (21-9-45)
30. (6-4-45)
31. (6-12-46)
32. (5-3-48)
36. (9-2-45)
37. (25-4-47)
38. (7-12-45)
39. (8-6-45)
40. (15-6-45)
41. ( 8-6-45)
43. (16-2-4)
44. (15-2-5)
45. (16-2-45
46. (13-7-45
47. (13-6-47
48. (16-2-45
33. (19-2-45)
34. (14-6-46)
35. (25-11-49)
49. (28-3-5)
50. (11-4-52
51. (18-5-51)
52. (6-7-51)
53. (10-7-5)

54. (20-6-47)
55. (13-9-46)
56. (3-8-45)
57. (19-1-45)
58. (22-8-47)
59. (3-6-47)
60. (7-9-45)
61. (1-11-48)
62. (7-9-45)
63. (13-6-47)
64. (24-5-46)
65. (13-2-48)
66. (23-4-48)
67. (1-11-48
68. (12-10-45)
69. (21-9-45)
70. (30-3-45)
71. (14-9-45)
72. (30-3-45)
73. (27-6-47)
74. (25-10-48)
75. (7-7-50)
76. (5-5-50)
77. (26-8-41)
78. (14-7-50)
79. (19-4-41)

80. (1-6-45)
81. (14.3-47)
82. (22-6-45)
83. (14-9-45)
84. (12-9-47)
85. (18-6-48)
86. (21-12-45)
87. (14-6-46)
88. (21-9-51)
89. (12-1-51)
90. (21-12-45)
91. (17-1-47)
92. (9-2-45)
93. (13-4-45)
94. (4-7.47)
95. (27-4-51)
96. (16-2-51)
97. (21-9-51)
98. (2-3-45)
99. (7-11-52)
100. (22-8-47)
101. (17-1-47)
102. (1-5-53)
103. (17-1-47)

104. (17-8-51)
105. (8-7-49)
106. (5-10-45)
107. ( 8-7-49)
108. (5-10-51)
109. (26-10-51)
110. (23-6-50)
111. (25-1-46)
112. (4-6-48)
113. (24-7-53)
114. (11-4-52)
115. (27-10-50)
116. (30-11-51)
117. (4.3-49)
118. (11-10-46)
119. (22-10-48)
120. (4-2-49)
121. (7-3-47)
122. (25-6-48)
123. (11-3-49)
124. (25-6-48)
125. (1-10-48)
126. (26-5-50)
127. (5-3-48)

VII. NO CIMO DO CALVÁRIO

1. (7-4-50)
2.
(18-7-47)
3. 18-3-46)
4. (19-1-45)
5. (2-7-54)
6. (4-5-45)
7. (28-9-45)
8. (12-10-45)
9. (10-5-46)
10. (12-10-45)
l1. (14-1-49)
12. (29-4-49)
13. (25-4-47)
14. (20-9-46)
15. (29-4-49)
16. (2-3-45)
17. (24-2-50)
18. (18-2-49)
19. (1-3-46)
20. (6-7-45)
21. (9-1-48)
22. (7-2-47)
23. (2-3-45)
24. (22-3-46)
25. (23-12-49]
26. (2-6-50)
27. (22-11-46)
28. (20-9-46)
29. (6-6-47)
30. 12-8-46)
31. (22-3-46)
32. (19-10-45)
33. (1-3-46)
34. (6-6-47)
35. (1-9-50)
36. (29-3-46)
37. (27-6-47)
38. (24-1-47)
39. (22-12-44)
40. (13-9-46)
41. ( 8-6-45)
42. (19-12-47)
43. (26-9-47)
44. (9-11-45)
45. (10-7-53)
46. (9-11-45)
47. (23-3-45)
48. (5-10-45)
49. (9-7-48)
50. 814-5-45)

51. (12-9-52)
52. (16-3-45)
53. (14-11-47)
54. (15-4-49)
55. (25-7-47)
56. (28-7-50)
57. (5-10-45)
58. (10-3-50)
59. 12-8-46)
60. (18-10-46)
61. (22-12-44)
62. (8-11-46)
63. (10-1-47)
64. (27-4-45)
65. (13-4-45)
66. (30-8-46)
67. (6-7-51)
68. (9-2-45)
69. (14-5-48)
70. (6-7-51)
71. 19-5-47)
72. (19-9-47)
73. (29-3-46)
74. (7-2-47)
75. (4-5.45)
76. (26-5-50)
77. (4-10-46)
78. (11-6-48)
79. (17-6-49)
80. (24-10-47)
81. (31-7-53)
82. (2-2-51)
83. (30-5-47)
84. (9-2-51)
85. (4-2-49)
86. (10-1-52)
87. (27-3-53)
88. (10-1-52)
89. (11-1-46)
90. (27-7-45)
91. (2-11-45)
92. (29-8-52)
93. (20-2-48)
94. (12-8-49)
95. (27-10-50)
96. (27-7-45)
97. (4-6-48)
98. (12-8-49)
99. (16-2-51)
100. (11-7-47)

101. (30-11-51)
102. (31-3-50)
103. 1 6-9-46)
104. ( 6-6-47)
105. (31-10-47)
106. (14-10-49)
107. (21-1-49)
108. (8-4-49)
109. (29-4-49)
110. (1-6-45)
111. (8-4-49)
112. (14-10-49)
113. (20-4-45)
114. (22-3-46)
115. (21-3-47)
116. (4-3-49)
117. (23-1-48)
118. (22-3-46)
119. (3-4-53)
120. (25-1-52)
121. (5-10-45)
122. (28-9-45)
123. (16-2-51)
124. (31-10-47)

125. (21-12-45)
126. (2-2-45)
127. (2-3-45)
128. (4-5-45)
129. (15-8-47)
130. (18-1-52)
131. (2-1-48)
132. (27-4-45)
133. (8-11-46)
134. (27-4-45)
135 (17-5-46)
136. (27-4-45)
137. (14-3-47)
138. (8-6-51)
139. (12-10-45)
140. (17-11-50)
141. (27-2-53)
142. ( 9-10-50)
143 (16-2-45)
144. (12-9-47)
145. (16-2.45)
146. (9-3-51)
147. 23-5-47)
148. (28-9-45)
149. (23-5-47)

150. (10-1-47)
151. (29-8-47)
152. (13-12-46)
153. ( 6-9-46)
154. (16-4-48)
155. (21-5-48)
156. (29-8-47)
157. ( 4-7)47)
158. 16-5-49)
159. (18-7-47)
160. (25-7-47)
161. (23-7-48)
162. (11-10-46)
163. [19-9-47)
164. (15-3-46)
165. (18-1-52)
166. (15-3-46)
167. (18-1-52)
168. (10-9-48)
169. (28-3-52)
170. (13-8-48)
171. (5-11-48)
172. (25-6-48)
173. (10-8-45)
174. (24-10-47)
175. (24-8-45)
176. (18-10-46)
177. (6-2-48)
178. (19-1-45)
179. (2-2-45)
180. (24-8-45)
181. (2-11-45)
182. (30-3-45)
183. (14-1-49)
184. (27-2-48)
185. (24-1-47)
186. (5-11-8)
187. (17-3-50)
188. (30-4-48)
189. (17-12-48)
190. (1-6-45)
191. (28-3-47)
192. (24-2-50)
1 93. (16-4-48)
1 94. (18-11-49)
1 95. (8-4-55)
196. (8-2-52)
197. (14-11-47)
198. (18-5-51)

199. (16-4-48)
200. (22-11-46)
201. (20-8-48)
202. (10-6-49)
203. (23-8-46)
204. (25-11-49)
205. (13-5-49)
206. (6-3-53)
207. (20-1-50)
208. (6-3-53)
209. (26-3-48)
210. (25-11-49)
211. (15-7-49)
212. (1-5-53)
213. (3-10-47)
214. (23-1-53)
215. (23-7-54)
216. (20-5-49)
217. (11-10-46)
218. (13-4-51)
219. (4-4-45)
220. (8-10-48)
221. (4-4-47)
222. (11-3-49)
223. 20-4-51)
224. (13-4-45)
225. (19-4-46)
226. (6-11-53)
227. (26-11-48
228. (7-3-52)
229. (5-11-48)
230. (22-4-49)
231. (13-4-45)
232. (16-3-45)
233. (20-4-45)
234. (25-4-47)
235. (21-12-45)
236. (22-9-50)
237. (29-4-49)
238. (22-9-50)
239. (30-1-53)
240. (22-9-50)
241. (3-6-49)
242. (9-11-45)
243. (23-12-49)
244. (31-10-47)
245. (22-2-52)
246. (24-11-50)
247. (2-9-55)

 

Pour toute demande de renseignements, pour tout témoignage ou toute suggestion,
veuillez adresser vos courriers à
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alexandrina.balasar@free.fr