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PONTOS DE
REFLEXÃO
I LEITURA – Actos
14,21b-27
No texto que nos é
proposto, transparecem os traços fundamentais que marcaram a vida e a
experiência dos primeiros grupos cristãos: o entusiasmo dos primeiros
missionários, que permite afrontar e vencer os perigos e as incomodidades para
levar a todos os homens a boa notícia dessa libertação que Cristo veio propor;
as palavras de consolação que fortalecem a fé e ajudam a enfrentar as
perseguições (vers. 22a); o apoio mútuo (vers. 23b); a oração (vers. 23b.c).
Sobretudo, este texto
acentua a ideia de que a missão não foi uma obra puramente humana, mas foi uma
obra de Deus. No início da aventura missionária já se havia sugerido que
o envio de Paulo e Barnabé não era apenas iniciativa da Igreja de
Antioquia, mas uma acção do Espírito (cf. Act 13,2-3); foi esse mesmo Espírito
que acompanhou e guiou os missionários a cada passo da sua viagem. E aqui
repete-se que o autêntico actor da conversão dos pagãos é Deus e não os homens
(cf. vers. 27).
Verdadeira novidade no contexto da missão é a instituição de
dirigentes ou res-ponsáveis (“anciãos” – em grego, “presbíteros”), que
aparecem aqui pela primeira vez fora da Igreja de Jerusalém. Correspondem,
provavelmente, aos “conselhos de anciãos” que estavam à frente das comunidades
judaicas. Os “Actos” não explicitam as funções exactas destes dirigentes e
animadores das Igrejas; mas o discurso de despedida que Paulo faz aos anciãos de
Éfeso parece confiar-lhes o cuidado de administrarem, de vigiarem e de
defenderem a comunidade face aos perigos internos e externos (cf. Act 20,28-31).
Em todo o caso, convém recordar que os ministérios eram algo subordinado dentro
da organização e da vida da primitiva comunidade; não eram valores absolutos em
si mesmo, mas só existiam e só tinham sentido em função da comunidade.
II LEITURA – Ap
21,1-5a
Neste primeiro quadro,
o profeta João chama a essa nova realidade nascida da vitória de Deus a
“Jerusalém que desce do céu”. Jerusalém é, no universo religioso e cultural do
povo bíblico, a cidade santa por excelência, o lugar onde Deus reside, o espaço
onde vai irromper e onde se manifestará em definitivo a salvação de Deus. A
“nova Jerusalém” é, portanto, o lugar da salvação definitiva, o lugar do
encontro definitivo entre Deus e o seu Povo.
No contexto
da teologia do Livro do Apocalipse, esta cidade nova, onde encontra
guarida o Povo vitorioso dos “santos”, designa a Igreja, vista como comunidade
escatológica, transformada e renovada pela acção salvadora e libertadora de Deus
na história. Dizer que ela “desce do céu” significa dizer que se trata de uma
realidade que vem de Deus e tem origem divina; ela é uma absoluta criação da
graça de Deus, dom definitivo de Deus ao seu Povo.
Esta nova realidade
instaura, consequentemente, uma nova ordem de coisas e exige que tudo o que é
velho seja transformado. O mar, símbolo e resíduo do caos primitivo e das
potências hostis a Deus, desaparecerá; a velha terra, cenário da
conduta pecadora do homem, vai ser transformada e recriada (vers.
1).A partir daí, tudo será novo, definitivo, acabado,
perfeito.
Quando esta realidade
irromper, celebrar-se-á o casamento definitivo entre Deus e a humanidade
transformada (a “noiva adornada para o esposo”). Na linguagem profética, o
casamento é um símbolo privilegiado da aliança. Realiza-se, assim, o ideal da
aliança (cf. Jer 31,33-38; Ez 37,27): Deus e o seu Povo consumam a sua história
de intimidade e de comunhão; Deus passará a residir de forma permanente e
estável no meio do seu Povo, como o noivo que se junta à sua amada e com ela
partilha a vida e o amor. A longa história de amor entre Deus e o seu Povo será
uma história de amor com um final feliz. Serão definitivamente banidos do
horizonte do homem a dor, as lágrimas, o sofrimento e a morte e restarão a
alegria, a harmonia e a felicidade sem fim.
EVANGELHO – Jo
13,31-33a.34-35
O texto divide-se em
duas partes. Na primeira parte (vers. 31-32), Jesus interpreta a saída de Judas,
que acabou de deixar a sala onde o grupo está reunido, para ir entregar o
“mestre” aos seus inimigos. A morte é, portanto, uma realidade bem próxima…
Jesus explica, na sequência, que a sua morte na cruz será a manifestação da sua
glória e da glória do Pai. O termo "doxa" aqui utilizado traduz o hebraico
“ka-bod” que pode entender-se como “riqueza”, “esplendor”. A “riqueza”, o
“esplendor” do Pai e de Jesus manifesta-se, portanto, no amor que se dá até ao
extremo, até ao dom total. É que a “glória” do Pai e de Jesus não se manifesta
no triunfo espectacular ou na violência que aniquila os maus, mas manifesta-se
na vida dada, no amor oferecido até ao extremo. A entrega de Jesus na cruz vai
manifestar a todos os homens a lógica de Deus e mostrar a todos como Deus é:
amor radical, que se faz dom até às últimas consequências.
Na segunda parte
(vers. 33a.34-35) temos, então, a apresentação do “mandamento novo”. Começa com
a expressão “meus filhos” (vers. 33a) – o que nos coloca num quadro de solene
emoção e nos leva ao “testamento” de um pai que, à beira da morte, transmite aos
seus filhos a sua sabedoria de vida e aquilo que é verdadeiramente fundamental.
Qual é, portanto, a
última palavra de Jesus aos seus, o seu ensinamento funda-mental?
“Amai-vos uns aos
outros. Como Eu vos amei, vós deveis também amar-vos uns aos outros”. O verbo
“agapaô” (“amar”) aqui utilizado define, em João, o amor que faz dom de si, o
amor até ao extremo, o amor que não guarda nada para si mas é entrega total e
absoluta. O ponto de referência no amor é o próprio Jesus (“como Eu vos amei”);
as duas cenas precedentes (lavagem dos pés aos discípulos e despedida de Judas)
definem a qualidade desse amor que Jesus pede aos seus: “amar” consiste em
acolher, em pôr-se ao serviço dos outros, em dar-lhes dignidade e liberdade pelo
amor (lavagem dos pés), e isso sem limites nem discriminação alguma, respeitando
absolutamente a liberdade do outro (episódio de Judas). Jesus é a norma, não com
palavras, mas com actos; mas agora traduz em palavras os seus actos precedentes,
para que os discípulos tenham uma referência.
O amor (igual ao de
Jesus) que os discípulos manifestam entre si será visível para
todos os homens
(vers. 35). Esse será o distintivo da comunidade de Jesus. Os
discípulos de Jesus não são os depositários de uma doutrina ou de uma ideologia,
ou os observantes de leis, ou os fiéis cumpridores de ritos; mas são aqueles
que, pelo amor que partilham, vão ser um sinal vivo do Deus que ama.
Pelo amor, eles serão no mundo sinal do Pai.
Padre José Barbosa Granja,
Reitor da Basílica dos Congregados, Braga. |