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Pontos de reflexão
LEITURA I
– Actos 15,1-2.22-29
Este texto começa por
pôr a questão e por apresentar os passos dados para a solucionar: Paulo, Barnabé
e alguns outros (também Tito, de acordo com Gal 2,1) são enviados a Jerusalém
para consultar os Apóstolos e os anciãos (vers. 1-2). A questão é de tal
importância que se organiza a reunião dos dirigentes e animadores das
comunidades, conhecida como “concílio apostólico” ou “concílio de Jerusalém”.
Essa assembleia vai, pois, discutir o que é essencial na proposta cristã (e que
devia ser incluído no núcleo fundamental da pregação) e o que é acessório (e que
podia ser dispensado, não constituindo uma verdade fundamental da fé cristã).
O texto que nos é
proposto hoje interrompe aqui a descrição dos acontecimentos. No entanto,
sabemos (pela descrição dos “Actos”) que nessa “assembleia eclesial” vão
enfrentar-se várias opiniões. Pedro reconhece a igualdade fundamental de todos –
judeus e pagãos – diante da proposta de salvação, que a Lei é um jugo que não
deve ser imposto aos pagãos e que é “pela graça do Senhor Jesus” que se chega à
salvação (cf. Act 15,7-12); mas Tiago (representante da ala “judaizante), sem se
opor à perspectiva de Pedro, procura salvar o possível das tradições judaicas e
propõe que sejam mantidas algumas tradições particularmente caras aos judeus
(cf. Act 15,13-21). Na realidade, há acordo quanto ao essencial. Embora o texto
de Lucas não seja totalmente explícito, percebe-se a decisão final: não se pode
impor aos gentios a lei judaica; só Cristo basta. Assim dá-se luz verde à missão
entre os pagãos. É a decisão mais importante da Igreja nascente: o cristianismo
cortou o cordão umbilical com o judaísmo e pode, agora, ser uma proposta
universal de salvação, aberta a todos os homens, de todas as raças e culturas.
O nosso texto retoma a
questão neste ponto. Nos vers. 22-29 da leitura de hoje apresenta-se o
“comunicado final” da “assembleia de Jerusalém”: a práxis judaica não pode ser
imposta, pois não é essencial para a salvação… No entanto, pede-se a abstenção
de alguns costumes particularmente repugnantes para os judeus.
É de destacar, ainda,
a referência ao Espírito Santo do vers. 28: a decisão é tomada por homens, mas
assistidos pelo Espírito. Manifesta-se, assim, a consciência da presença do
Espírito, que conduz e que assiste a Igreja na sua caminhada pela história.
LEITURA II
– Ap 21,10-14.22-23
É, ainda, a imagem da
“nova Jerusalém que desce do céu” que nos é apresentada. Já vimos na passada
semana que falar de Jerusalém é falar do lugar onde irá irromper a salvação
definitiva o lugar do encontro definitivo entre Deus e o seu Povo.
Na apresentação desta
“nova Jerusalém”, domina o número “doze”: na base da muralha há doze reforços
salientes e neles os doze nomes dos Apóstolos do “cordeiro”; a cidade tem,
igualmente, doze portas (três a nascente, três ao norte, três ao sul e três a
poente), nas quais estão gravados os nomes das doze tribos de Israel; há, ainda,
doze anjos junto das portas. O número “doze” indica a totalidade do Povo de Deus
(doze tribos + doze Apóstolos): ela está fundada sobre os doze Apóstolos –
testemunhas do “cordeiro” – mas integra a totalidade do Povo de Deus do Antigo e
do Novo Testamento, conduzido à vida plena pela acção salvadora e libertadora de
Cristo. As portas, viradas para os quatro pontos cardeais, indicam que todos os
povos (vindos do norte, do sul, de este e do oeste) podem entrar e encontrar
lugar nesse lugar de felicidade plena.
Num desenvolvimento
que a leitura de hoje não conservou (vers. 15-17), apresentam-se as dimensões
dessa “cidade”: 144 côvados (12 vezes doze), formando um quadrado perfeito.
Trata-se de mostrar que a cidade (perfeita, harmoniosa) está traçada segundo o
modelo bíblico do “santo dos santos” (cf. 1 Re 6,19-20): a cidade inteira
aparece, assim, como um Templo dedicado a Deus, onde Deus reside de forma
permanente no meio do seu Povo.
É por isso que a
última parte deste texto (vers. 22-23) diz que a cidade não tem Templo: nesse
lugar de vida plena, o homem não terá necessidade de mediações, pois viverá
sempre na presença de Deus e encontrará Deus face a face. Diz-se ainda que toda
a cidade estará banhada de luz: a luz indica a presença divina (cf. Is 2,5;
24,23; 60,19): Deus e o “cordeiro” serão a luz que ilumina esta comunidade de
vida plena.
Após a intervenção
definitiva de Deus na história nascerá, então, essa nova “cidade” construída
sobre o testemunho dos apóstolos; cidade de portas abertas, ela acolherá todos
os homens que aderirem ao “cordeiro”; nela, eles encontrarão Deus e viverão na
sua presença, recebendo a vida em plenitude.
EVANGELHO –
Jo 14,23-29
Para seguir esse
“caminho” é preciso amar Jesus e guardar a sua Palavra (cf. Jo 14,23). Quem
ama Jesus e O escuta, identifica-se com Ele, isto é, vive como Ele, na entrega
da própria vida em favor do homem… Ora, viver nesta dinâmica é estar
continuamente em comunhão com Jesus e com o Pai. O Pai e Jesus, que são um,
estabelecerão a sua morada no discípulo; viverão juntos, na intimidade de uma
nova família (vers. 23-24).
Para que os discípulos
possam continuar a percorrer esse “caminho” no tempo da Igreja, o
Pai enviará o “paráclito”, isto é, o Espírito Santo (vers. 25-26). A palavra
“paráclito” pode traduzir-se como “advogado”, “auxiliador”, “consolador”,
“interces-sor”. A função do “paráclito” é “ensinar” e “recordar” tudo o que
Jesus propôs. Trata-se, portanto, de uma presença dinâmica, que auxiliará os
discípulos trazendo-lhes continuamente à memória os ensinamentos de Jesus e
ajudando-os a ler as propostas de Jesus à luz dos novos desafios que
o mundo lhes colocar. Assim, os crentes poderão continuar a percorrer, na
história, o “caminho” de Jesus, numa fidelidade dinâmica às suas propostas. O
Espírito garante, dessa forma, que o crente possa continuar a percorrer esse
“caminho” de amor e de entrega, unido a Jesus e ao Pai. A comunidade cristã e
cada homem tornam-se a morada de Deus: na acção dos crentes revela-se o Deus
libertador, que reside na comunidade e no coração de cada crente e que tem um
projecto de salvação para o homem.
A última parte do
texto que nos é proposto contém a promessa da “paz” (vers. 27). Desejar a “paz”
(“shalom”) era a saudação habitual à chegada e à partida. No entanto, neste
contexto, a saudação não é uma despedida trivial (“não vo-la dou como a dá o
mundo”), pois Jesus não vai estar ausente. O que Jesus pretende é inculcar nos
discípulos apreensivos a serenidade e evitar-lhes o temor. São palavras
destinadas a tranquilizar os discípulos e a assegurar-lhes que os acontecimentos
que se aproximam não porão fim à relação entre Jesus e a sua comunidade. As
últimas palavras referidas por este texto (vers. 28-29) sublinham que a ausência
de Jesus não é definitiva, nem sequer prolongada. De resto, os discípulos devem
alegrar-se, pois a morte não é uma tragédia sem sentido, mas a manifestação
suprema do amor de Jesus pelo Pai e pelos homens. |