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PONTOS DE REFLEXÃO
I LEITURA – Act 10,34.37-43
Repare-se como a ressurreição de Jesus não é apresentada como um facto
isolado, mas como o culminar de uma vida vivida de um determinado jeito.
Depois de Jesus ter passado pelo mundo “fazendo o bem e libertando todos
os que eram oprimidos”; depois de Ele ter morrido na cruz como
consequência desse “caminho”, Deus ressuscitou-O. A radical
transformação e transfiguração da realidade terrestre de Jesus, a
plenitudização das suas possibilidades humanas e divinas, parece ser o
ponto de chegada de uma vida posta ao serviço do projecto salvador e
libertador de Deus. Por outro lado, esta vida, vivida na entrega e no
dom, é uma proposta transformadora que, uma vez acolhida, liberta da
escravidão do egoísmo e do pecado (vers. 43).
E os discípulos? Eles são
aqueles que aderiram a Jesus, acolheram a sua proposta libertadora e
estão a ressuscitar, à medida que a sua vida se identifica com a de
Jesus; mas, além disso, eles são as testemunhas de tudo isto: é
absolutamente necessário que esta proposta de ressurreição, de vida
plena, de vida transfigurada, chegue a todos os homens. É que essa
proposta de salvação é universal e deve atingir, através dos discípulos,
todos os povos da terra, sem distinção. Os acontecimentos do dia do
Pentecostes já haviam anunciado este projecto.
LEITURA II – Col 3,1-4
Neste texto, Paulo apresenta como ponto de partida e base da vida cristã
a união com Cristo ressuscitado, na qual o cristão é introduzido pelo
Baptismo. Ao ser baptizado, o cristão morreu para o pecado e renasceu
para uma vida nova, que terá a sua manifestação gloriosa quando
ultrapassarmos, pela morte, as fronteiras da nossa finitude. Enquanto
caminhamos ao encontro desse objectivo último, a nossa vida tem que
tender para Cristo. Em concreto, isso implica despojarmo-nos do “homem
velho” por uma conversão nunca acabada e revestirmo-nos cada dia mais
profundamente da imagem de Cristo, de forma que nos identifiquemos com
Ele pelo amor e pela entrega.
No texto de Paulo, está bem presente a
ideia de que temos que viver com os pés na terra, mas com a mente e o
coração no céu: é lá que estão os bens eternos e a nossa meta definitiva
(“afeiçoai-vos às coisas do alto e não às da terra”). Daqui resulta um
conjunto de exigências práticas que Paulo vai enumerar, de forma bem
concreta, nos versículos seguintes (cf. Col 3,5-4,1).
EVANGELHO – Jo 20,1-9
O texto começa com uma indicação aparentemente cronológica, mas que deve
ser entendida sobretudo em chave teológica: “no primeiro dia da semana”.
Significa que começou um novo ciclo – o da nova criação, o da Páscoa
definitiva. Aqui começa um novo tempo, o tempo do homem novo, que nasce
a partir da doação de Jesus. Maria Madalena representa a nova comunidade
que nasceu da acção criadora e vivificadora do Messias; essa nova
comunidade, testemunha da cruz, acredita, inicialmente, que a morte
triunfou e procura Jesus no sepulcro: é uma comunidade desorientada,
desamparada, que ainda não conseguiu descobrir que a morte não venceu;
mas, diante do sepulcro vazio, o verdadeiro discípulo descobre que Jesus
está vivo.
Para ilustrar esta dupla realidade, são-nos apresentadas duas
figuras de discípulo que correm ao túmulo, mostrando a sua adesão a
Jesus e o seu interesse pela notícia do túmulo vazio: Simão Pedro e um
“outro discípulo”, que parece poder identificar-se com esse “discípulo
amado” apresentado no Quarto Evangelho. João coloca estas duas figuras
lado a lado em várias circunstâncias (na última ceia, é o discípulo
amado que percebe quem está do lado de Jesus e quem O vai trair – cf. Jo
13,23-25; na paixão, é ele que consegue estar perto de Jesus no pátio do
sumo sacerdote, enquanto Pedro o trai – cf. Jo 18,15-18.25-27; é ele que
está junto da cruz quando Jesus morre – cf. Jo 19,25-27; é ele quem
reconhece Jesus ressuscitado nesse vulto que aparece aos discípulos no
lago de Tiberíades – cf. Jo 21,7). Nas outras vezes, o “discípulo amado”
levou vantagem sobre Pedro. Aqui, isso irá acontecer outra vez: o “outro
discípulo” correu mais e chegou ao túmulo primeiro que Pedro (o facto de
se dizer que ele não entrou logo, pode querer significar a sua
deferência e o seu amor, que resultam da sua sintonia com Jesus); e,
depois de ver, “acreditou” (o mesmo não se diz de Pedro).
Provavelmente,
o autor do Quarto Evangelho quis descrever, através destas figuras, o
impacto produzido nos discípulos pela morte de Jesus e as diferentes
disposições existentes entre os membros da comunidade cristã. Em geral,
Pedro representa, nos evangelhos, o discípulo obstinado, para quem a
morte significa fracasso e que se recusa a aceitar que a vida nova passe
pela humilhação da cruz (Jo 13,6-8.36-38; 18,16.17.18.25-27; cf. Mc
8,32-33; Mt 16,22-23); ao contrário, o “outro discípulo” é o discípulo
amado”, que está sempre próximo de Jesus, que faz a experiência do amor
de Jesus; por isso, corre ao seu encontro de forma mais decidida e
“percebe” – porque só quem ama muito percebe certas coisas que passam
despercebidas aos outros – que a morte não pôs fim à vida. Esse “outro
discípulo” é, portanto, a imagem do discípulo ideal, que está em
sintonia total com Jesus, que corre ao seu encontro com um total
empenho, que compreende os sinais e que descobre (porque o amor leva à
descoberta) que Jesus está vivo. Ele é o paradigma do “homem novo”, do
homem recriado por Jesus.
Padre José Barbosa Granja,
Reitor da Basílica dos Congregados, Braga. |