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PONTODE REFLEXÃO
I LEITURA Dt
26,4-10
No trecho
encontramos uma sole profissão de fé inserida numa liturgia de ação de graças
pelos dons da terra, que prevê a oferta das primícias dos frutos das colheitas.
A profissão de fé tem a forma de uma narração que parte de Abraão, para chegar
até à instalação na terra da promessa. A narração está na primeira pessoa do
plural: aquele que professa a fé pertence á história que conta. Mas a história
está unida à Criação com os seus frutos, também eles dons de Deus.
A fé do povo de
Israel nasce da História: um conjunto de acontecimentos, iluminados por palavras
que lhe declaram o sentido. E porque intervém na história, o Senhor revela-se
como o Deus vivo: um Deus que tem olhos para ver, coração para reagir, braço
poderoso para intervir; um Deus que tem um projeto e que o persegue com uma
fidelidade que compreende e ultrapassa os séculos. Por isso, a relação do crente
com o Senhor acontece na continuidade de uma história que é, também, história de
Deus, das gerações passadas e da geração presente. Por isso, ainda, a fé de
Israel não se exprime com uma doutrina, mas com uma narração.
A respeito do
passado interveio uma mudança profunda: Israel já não é um conjunto de tribos de
pastores nómadas, mas um povo sedentário que vive da agricultura na terra em que
se instalou. A tentação de abandonar o Senhor do passado para adorar as
divindades da Natureza, que asseguram a abundância dos frutos, é constante. No
rito descrito pela leitura, o israelita vive na mesma fé no único Deus, quer a
memória reconhecida pela História, quer a oferta das primícias da terra. Vence
assim a tentação idolátrica.
II LEITURA Rm
10,8-13
São três os temas
postos em relação entre si: a fé, a salvação (chamada também “jus-tiça”, que se
deve entender como justificação), e a universalidade da oferta da salva-ção. A
fé tem a sua sede no coração e manifesta-se na profissão proferida com a boca.
Consiste em entregar-se totalmente àquele Deus que Se revelou confiável
ressus-citando Jesus, constituído “Senhor”. Esta é a condição de uma salvação
oferecida a todos indistintamente.
A fé cristã também
se exprime com uma narração que conta as ações de Deus em nosso favor: Jesus,
que se tinha apresentado em nome de Deus, foi crucificado pelos homens, mas o
Pai ressuscitou-O, demonstrando com os factos que “todo aquele que acreditar no
Senhor não será confundido”.
A fé é uma resposta
à manifestação da fidelidade de Deus: é dar crédito a Deus e abandonar-se
completamente a Ele. A profissão de fé com os lábios é um testemunho público,
cheio de gratidão, tributado ao Senhor, para que Ele seja conhecido como fiel
por todos. Mas a fé acontece sobretudo no coração, que é o centro profundo pelo
qual toda a nossa existência é orientada: esse centro é composto pelas nossas
convic-ções, pelos nossos desejos e exprime-se nas nossas decisões e ações.
Confiar a Deus a
própria vida significa viver segundo a sua Palavra: professar que “Jesus é o
Senhor” significa viver sob o Seu influxo. Nisto consiste a justificação, a
“salvação” que é oferecida a todos.
EVANGELHO Lc
4,1-13
A história do povo
de Israel é também o drama de uma contínua tentação : procurar a salvação só em
Deus ou nas próprias astúcias políticas e recursos económicos? Deixar-se guiar
pela Palavra de Deus ou fazer dos ídolos da natureza a sua referência? Deixar-se
possuir por Deus, num abandono confiante, ou tentar apropriar-se das forças
divinas, sobre humanas, para as colocar ao seu serviço? Jesus escolhe confiar-Se
a Deus, como uma decisão que não deixa dúvidas, uma decisão definitiva.
Na oração que se
seguiu ao Batismo, Jesus recebe juntamente o Espírito Santo e a missão da parte
de Deus, que Lhe chama “Filho”. Ora o Filho abandona-Se total-mente ao Pai (o
“jejum”), deixando que seja o Espírito Santo a guiá-Lo, numa oração que faz do
relacionamento com Deus o Seu tudo (“no deserto”) e da Palavra de Deus a Sua
luz.
Mas o deserto é
também o lugar da tentação. O chamamento de Deus dirige-se a uma liberdade
humana que vive o drama de uma decisão radical, da qual depende a orientação da
inteira existência. As tentações são três, mas têm um alvo único: a relação
entre Jesus e Deus. Elas referem-se, por isso, ao facto de ser Filho e chegam à
instrumentalização da Escritura. A tentação diz respeito ao rosto de Deus: há
alguém que permanece lá no fundo da existência, e por isso devemos preocupar-nos
por nós próprios para termos o necessário, podemos deixar-nos dominar por
outras “divindades”, podemos “usá-lo” segundo os nossos planos? Ou então é um
Deus a cuja vontade nos abandonamos sem limites e sem hesitações, em adoração e
confiança totais?
Padre José Barbosa
Granja,
Reitor da Basílica dos Congregados, Braga. |