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“Não
façais da casa de meu Pai casa de comércio”
Os profetas de
Israel tinham, em diversas situações, criticado o culto sacrificial que Israel
oferecia a Deus, considerando-o como um conjunto de ritos estéreis, vazios e sem
significado, uma vez que não eram expressão verdadeira de amor a Jahwéh; tinham,
inclusive, denunciado a relação do culto com a injustiça e a exploração dos
pobres (cf. Am 4,4-5; 5,21-25; Os 5,6-7; 8,13; Is 1,11-17; Jer 7,21-26). As
considerações proféticas tinham, de alguma forma, consolidado a ideia de que a
chegada dos tempos messiânicos implicaria a purificação e a moralização do culto
prestado a Jahwéh no Templo. O profeta Zacarias liga explicitamente o “dia do
Senhor” (o dia em que Deus vai intervir na história e construir um mundo novo,
através do Messias) com a purificação do culto e a eliminação dos comerciantes
que estão “no Templo do Senhor do universo” – Zac 14,21).
O gesto que o
Evangelho deste domingo nos relata deve entender-se neste enquadramento. Quando
Jesus pega no chicote de cordas, expulsa do Templo os vendedores de ovelhas, de
bois e de pombas, deita por terra os trocos dos banqueiros e derruba as mesas
dos cambistas (vers. 14-16), está a revelar-Se como “o messias” e a anunciar que
chegaram os novos tempos, os tempos messiânicos.
No entanto, Jesus
vai bem mais longe do que os profetas vétero-testamentários. Ao expulsar do
Templo também as ovelhas e os bois que serviam para os ritos sacrificiais que
Israel oferecia a Jahwéh (João é o único dos evangelistas a referir este
pormenor), Jesus mostra que não propõe apenas uma reforma, mas a abolição do
próprio culto. O culto prestado a Deus no Templo de Jerusalém era, antes de
mais, algo sem sentido: ao transformar a casa de Deus num mercado, os líderes
judaicos tinham suprimido a presença de Deus… Mas, além disso, o culto celebrado
no Templo era algo de nefasto: em nome de Deus esse culto criava exploração,
miséria, injustiça e, por isso, em lugar de potenciar a relação do homem com
Deus, afastava o homem de Deus. Jesus, o Filho, com a autoridade que Lhe vem do
Pai, diz um claro “basta” a uma mentira com a qual Deus não pode continuar a
pactuar: “não façais da casa de meu Pai casa de comércio” (vers. 16).
Os líderes judaicos
ficam indignados. Quais são as credenciais de Jesus para assumir uma atitude tão
radical e grave? Com que legitimidade é que Ele se arroga o direito de abolir o
culto oficial prestado a Jahwéh?
A resposta de Jesus
é, à primeira vista, estranha: “destruí este Templo e Eu o reconstruirei em três
dias” (vers. 19). Recorrendo à figura literária do “mal-entendido” (propõe-se
uma afirmação; os interlocutores entendem-na de forma errada; aparece, então, a
explicação final, que dá o significado exacto do que se quer afirmar), João
deixa claro que Jesus não Se referia ao Templo de pedra onde Israel celebrava os
seus ritos litúrgicos (vers. 20), mas a um outro “Templo” que é o próprio Jesus
(“Jesus, porém, falava do Templo do seu corpo” – vers. 21). O que é que isto
significa? Jesus desafia os líderes que O questionaram a suprimir o Templo que é
Ele próprio, mas deixa claro que, três dias depois, esse Templo estará outra vez
erigido no meio dos homens. Jesus alude, evidentemente, à sua ressurreição. A
prova de que Jesus tem autoridade para “proceder deste modo” é que os líderes
não conseguirão suprimi-l’O. A ressurreição garante que Jesus vem de Deus e que
a sua actuação tem o selo de garantia de Deus.
No entanto, o mais
notável, aqui, é que Jesus Se apresenta como o “novo Templo”. O Templo
representava, no universo religioso judaico, a residência de Deus, o lugar onde
Deus Se revelava e onde Se tornava presente no meio do seu Povo. Jesus é, agora,
o lugar onde Deus reside, onde Se encontra com os homens e onde Se manifesta ao
mundo. É através de Jesus que o Pai oferece aos homens o seu amor e a sua vida.
Aquilo que a antiga Lei já não conseguia fazer – estabelecer relação entre Deus
e os homens – é Jesus que, a partir de agora, o faz. |