O seu
nascimento, a par das suas oito irmãs gémeas, em 120, na cidade de
Bracara Augusta, trouxe-lhe o repúdio maternal no assombro do
considerado acto de terrifico macabro que a mente humana por não
saber explicar assim julgou.
Cálcia
Lúcia, a mulher do governador romano Lúcio Caío Atílio Severo, que
administrava o convento romano da Lusitânia correspondente à actual
zona norte de Portugal e da Galiza, estando de esperanças entrou em
trabalho de parto. Surpreendendo a parteira e as assistentes do
parto deu à luz, não uma ou duas crianças, como seria comum, mas
nove, sendo todas elas perfeitas e do sexo feminino. Número que não
lhe inspirou bons augúrios neste fenómeno que natureza considerou no
seu ventre, e, que a seu ver, era aberrante. Cheia de temor e
superstição, receando ter colocado no mundo alguma monstruosidade,
pelas consequências invariáveis que esta gesta lhe pudesse vir
causar, sobretudo pelo rigor do seu marido, incube a parteira que
lhe assistiu de com a maior descrição matar as crianças, afogando-as
num rio não muito distante. A parteira, de nome Cilía, mulher boa e
cristã, com um olhar de maior simplicidade não vê nas meninas mais
do que bebés desprotegidos. Comiserada e incapaz de prosseguir com a
obrigação, entrega secretamente as meninas ao cuidado de Ovídio, o
lendário Bispo de Braga.
As nove
meninas enjeitadas, apressadamente baptizadas com a graça e nomes
cristãos, passaram a ficar sob a protecção deste santo homem, que as
entregando ao cuidado de diversas famílias cristãs da sua confiança,
para melhor as educarem e guardarem, as vigiou sempre de perto com
grande paternidade e o melhor zelo. Com a idade de 10 anos, as
meninas, agora unidas e inspiradas na fé cristã, decidem viver num
espaço patrocinado por Ovídio, onde levariam um vida dedicada à
causa cristã.
Lúcio
Caío Atílio Severo, desconhecedor de todo o assunto, encontrando-se
na altura do parto acompanhando o Imperador Romano, Adriano, em
viagem pelas Espanhas, só anos mais tarde viria a tomar conhecimento
do ocorrido quando por uma invectiva imperial contra os cristãos as
meninas, agora com 15 anos, vieram à sua presença como prisioneiras.
Conhecedoras da sua origem, colocando-se à mercê do destino, contam
ao governador a história do seu malogrado nascimento. Perplexo, e
uma vez certo da veracidade da narração, acolhe-as, dignificando-as
com o seu nome e as regalias de nobres da sua condição. Porém, um
único requisito para a salvação oferecida: renunciar à vida e à
causa cristã, prestando doravante tributo aos Deuses romanos.
A
Quitéria, Severo, propõe-lhe um imediato casamento com um tal de
Germano, um nobre e cortesão da sua casa. Quitéria, tal como as
irmãs, pedem tempo para ponderarem as suas decisões. Uma vez
sozinhas difundem-se, fugindo por montes e vales. Quando Severo se
apercebe do engodo, ordena ás suas hostes uma perseguição em demanda
das meninas. Quitéria, sem a sorte das irmãs, é capturada. De novo
na presença do pai, este ainda com largo benefício, pede-lhe que
pense melhor, sobretudo nas promessas de casamento, aliciando-a com
o garboso e rico noivo. Ganhando tempo, foge novamente, desta em
conjunto com 38 prisioneiras da invectiva imperial.
Refugiadas no monte Pombeiro, na zona de Felgueiras, este indiscreto
grupo de cristãs foragidas em pouco tempo vêm-se novamente
capturadas e prisioneiras no seu próprio refúgio. No monte, as
jovens impressionam os sentinelas pelas suas convicções maiores
levando alguns à conversão. Por fim, e uma vez mais interrogada,
agora por emissário de Severo, Quitéria, avança dizendo, ser noiva
mística de Jesus Cristo, e por essa ligação não pode aceitar um
outro compromisso nupcial. Então, Severo, inclemente por esta
recusa, em sinal do seu poder, dita a sua morte e para se certificar
da execução ordena que seja o próprio Germano a perpetra-la.
Sem que
conste na sua hagiografia que tivesse sido torturada, mais do que a
pressão psicológica já narrada, em oposição aos procedimentos
físicos que antecedem o martírio de tantas jovens ou virgens de
convicção cristã inabalável, consta apenas que não ofereceu qualquer
resistência.
Subindo
ao monte de espada erguida, Germano, acompanhado por um bando de
carrascos acercam as jovens desferindo-as de morte. Uma vez
decepada, numa sentença que acusa a sua nobreza, e, jorrada pela cor
do martírio, Quitéria, levantou-se perante o pasmo de todos. Pegando
na sua cabeça, numa pantomina espectacular de maravilhoso macabro,
atenta pelos olhares incrédulos e alvos de horror, encenou uma
caminhada até à vila mais próxima enquanto os carrascos, perplexos,
sentenciados pela injustiça cometida, caíam por terra com a vista
turva e cheia de escuridão.
Chegada
ás portas do tal lugar, Quitéria, desfalecendo sem vida ou qualquer
outro impulso, foi acolhida e sepultada com grande dignidade e
sentimento de piedade.
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