Anás
enviou-o preso ao sumo-sacerdote Caifás. (Jo 18, 24)
TESTEMUNHAS FALSAS CONTRA JESUS – JESUS SILÊNCIA.
É
que o zelo de vossa casa me consumiu, e os insultos dos que vos
ultrajam caíram sobre mim. (Sal 68, 10)
Fiz-me como um homem que não ouve, e que não tem na boca réplicas a
dar. Porque é em vós, Senhor, que eu espero; vós me
atendereis... (Sal 37, 15-16)
Enquanto isso, os príncipes dos sacerdotes e todo o conselho
procuravam um falso testemunho contra Jesus, a fim de o levarem à
morte. (Mt 26, 59)
Muitos diziam falsos testemunhos contra ele, mas seus depoimentos
não concordavam. (Mc 14, 56)
Mas
Jesus se calava e nada respondia... (Mc 14, 61)
Levantaram-se, então, alguns e deram esse falso testemunho contra
ele: Ouvimo-lo dizer: Eu destruirei este templo, feito por mãos de
homens, e em três dias edificarei outro, que não será feito por mãos
de homens. Mas nem neste ponto eram coerentes os seus testemunhos. O
sumo-sacerdote levantou-se no meio da assembleia e perguntou a
Jesus: Não respondes nada? O que é isto que dizem contra ti? Mas
Jesus se calava e nada respondia. (Mc 14, 57-61)
JESUS SE DECLARA O CRISTO, O FILHO DE DEUS
Vi
um ser, semelhante ao FILHO do Homem, vir sobre as nuvens do céu:
... A Ele foram dados império, glória e realeza, e todos os povos,
todas as nações e os povos de todas as línguas serviram-no. Seu
domínio será eterno... (Dn 7, 13-14)
És o
Cristo, o Filho de Deus? - Eu vos declaro que vereis doravante o
Filho do Homem sentar-se à direita do TODO-PODEROSO... (Mt 26,
63-64)
O
sumo-sacerdote tornou a perguntar-lhe: És tu o Cristo, o Filho de
Deus bendito? Jesus respondeu: Eu o sou. E vereis o Filho do Homem
sentado à direita do poder de Deus, vindo sobre as nuvens do céu. O
sumo-sacerdote rasgou então as suas vestes. Para que desejamos ainda
testemunhas?! exclamou ele. Ouvistes a blasfémia!... (Mc 14, 64-64)
O
INJURIAVAM
...
Não desviei o rosto dos ultrajes e dos escarros. (Is 50, 6)
Cuspiram-lhe então na face, bateram-lhe com os punhos e deram-lhe
tapas, dizendo: Adivinha, ó Cristo: quem te bateu? (Mt 26, 67-68)
O
JULGARAM RÉU DE MORTE
Senhor, ouvi a minha oração; pela vossa fidelidade, escutai a minha
súplica... O inimigo trama contra a minha vida... (Sal 142, 1. 3)
Qual
o vosso parecer? Eles responderam: Merece a morte! (Mt 26, 66)
Pai
Nosso..., Ave Maria..., Glória ao Pai...
Pela
sua dolorosa Paixão; tende Misericórdia de nós e do mundo inteiro.
Meu
Jesus, perdão e Misericórdia, pelos méritos de Vossas santas Chagas.
Segundo
as Visões
de Ana Catarina Emmerich
Jesus é conduzido de Anás a Caifás
Ao ser
conduzido à casa de Anás, Jesus passara já pelo lado da casa de
Caifás; reconduziram-no depois para lá, descrevendo um ângulo. Da
casa de Anás à de Caifás haveria talvez a distância de trezentos
passos. O caminho, que passa entre muros e pequenos edifícios
pertencentes ao tribunal de Caifás, era iluminado por braseiros,
colocados em cima de paus e estava cheio de uma multidão clamorosa
de frenéticos judeus. Mal podiam os soldados reter a multidão.
Aqueles
que tinham ultrajado a Jesus na casa de Anás, repetiram então a seu
modo as palavras afrontosas desse último diante do povo e Jesus foi
maltratado e injuriado em todo o percurso do caminho. Vi criados
armados do tribunal afastarem pequenos grupos de pessoas que
choravam, lastimando a Jesus, enquanto que deixavam entrar no pátio
da casa de Caifás e davam dinheiro a outros que se distinguiam
acusando e insultando o Divino Mestre.
O
Tribunal de Caifás
Para
chegar ao tribunal de Caifás, passa-se primeiro por um portão a um
vasto pátio exterior, depois por outro portão a outro pátio que, com
os outros muros, cerca toda a casa. (Nos trechos seguintes daremos a
este pátio o nome de “pátio interior”).
A casa
tem de comprimento mais de duas vezes a largura; a parte dianteira
consta de uma sala, chamada vestíbulo ou átrio, lajeada, aberta, no
meio, sem tecto, cercada por três lados de colunatas cobertas, nas
quais se acham também as entradas para o átrio. A entrada principal
do átrio é no lado comprido da casa. Entrando ali, vê-se, à
esquerda, uma fossa revestida de alvenaria, onde é mantida uma
fogueira; dirigindo-se à direita, avista-se, atrás de algumas
colunas mais altas e num plano alguns degraus mais acima uma sala
coberta, que forma o quarto lado do átrio e tem mais ou menos a
metade do tamanho desse. Nessa sala, no espaço alguns degraus mais
alto, estão os assentos dos membros do conselho, dispostos num
semicírculo. O assento do Sumo Pontífice está no meio da sala.
O lugar
do acusado, com os guardas, achasse no centro do semicírculo; em
ambos os lados e atrás dele, até o átrio, o lugar dos acusadores e
das testemunhas. A esse estrado semicircular dos juízes, conduzem,
no fundo, três entradas que dão para uma sala maior, de forma
semicircular, ao longo de cujas paredes há também assentos. Ali têm
lugar as sessões secretas. A direita e à esquerda da entrada, vindo
do tribunal, há nessa sala portas e escadas, que dão para fora, para
o pátio interior, que, seguindo a forma da casa, também é de forma
semicircular. Saindo pela porta da sala, à direita e virando-se no
pátio à esquerda do edifício, chega-se à porta de uma cadeia
subterrânea, que se estende sob a sala posterior, que está num plano
mais alto do que o átrio e assim dá lugar para adegas subterrâneas.
Há diversos cárceres nesse pátio circular; num deles vi S. Pedro e
S. João presos por uma noite, depois de Pentecostes, quando Pedro
curou o paralítico na Porta Bela do Templo.
No
edifício e em redor havia inúmeras lanternas e fachos; estava claro
como dia. Além disso concorria também para a iluminação a fossa da
fogueira, no centro do átrio; era como um fogão colocado dentro do
chão, aberto em cima, onde se lançava o combustível, que me pareceu
ser carvão de pedra. Nos lados sobressaiam, à altura de um homem,
tubos parecidos com chifres, para deixarem sair a fumaça; no meio,
porém, se via o fogo. Soldados, soldados, muita gente de populacho e
falsas testemunhas subornadas apinhavam-se em roda do fogo. Também
se achavam ali mulheres e raparigas de má vida, que ofereciam aos
soldados uma bebida vermelha e coziam-lhes bolos por dinheiro. Era
um movimento como nos dias de carnaval.
A maior
parte dos conselheiros convocados já estavam reunidos em torno do
Sumo-sacerdote, no semicírculo elevado do tribunal; de vez em quando
chegavam ainda alguns. Os acusadores e testemunhas falsas quase
enchiam o átrio. Muita gente quis entrar à força, mas era repelida
pelos soldados.
Pouco
antes da chegada do cortejo de Jesus, vieram. Também Pedro e João,
revestidos dos mantos dos mensageiros do tribunal e entraram no
pátio exterior.
João,
com auxílio do empregado, conhecido seu, pôde mesmo entrar pela
porta do pátio interior, a qual, porém, foi fechada atrás dele, por
causa do povo impetuoso. Pedro, atrasado pela multidão, já encontrou
fechada a porta do pátio interior e a porteira não quis deixá-lo
entrar. João disse-lhe que lhe abrisse; mas mesmo Pedro não poderia
ter entrado, se não tivessem chegado nesse momento Nicodemos e José
de Arimateia, fazendo-o entrar com eles. No pátio interior
entregaram os mantos aos tais criados e colocaram-se silenciosos no
meio da multidão, à direita, de onde se podiam avistar os assentos
dos Juízes.
Caifás
já estava sentado no meio do semicírculo graduado, em roda se lhe
sentavam cerca de setenta membros do Conselho Supremo. Muitos
deputados comunais, anciãos e escribas estavam em pé ou sentados aos
dois lados e em torno deles, muitas testemunhas e patifes. Do pé do
tribunal, sob as colunatas, pelo átrio, até à porta pela qual se
esperava a entrada de Jesus, forma dispostos soldados; aquela porta
não era a que ficava em frente às cadeiras dos juízes, mas uma
outra, à esquerda do átrio.
Caifás
era um homem de aspecto sério, olhar colérico e ameaçador; estava
vestido de um longo manto vermelho, ornado de florões e orlas de
ouro, atado sobre os ombros, o peito e na frente, por muitas placas
brilhantes. Na cabeça trazia um barrete, que na parte superior tinha
semelhança com uma mira; entre as partes anterior e posterior desse,
havia aberturas, dos lados, das quais pendiam pequenas faixas de
pano, que caiam sobre os ombros. Caifás já convocara havia muito
tempo os partidários, entre os membros do Sinédrio; muitos estavam
reunidos desde que Judas saíra com a tropa de soldados. Cresceu a
tal ponto a impaciência e raiva de Caifás, que desceu do alto
assento, correndo, com todo o seu aparatoso ornato, ao átrio e
perguntou furioso se Jesus ainda não estava chegando; nesse momento
o cortejo vinha se aproximando e Caifás voltou para o assento.
Jesus diante de Caifás.
Entre
frenéticos gritos de insulto, com empurrões e arrancos, foi Jesus
conduzido pelo átrio, onde a desenfreada fúria do populacho se
moderou, reduzindo-se a um sussurro e murmúrio surdo de raiva
contida. Da entrada dirigiu-se o cortejo à direita, para o tribunal.
Passando por Pedro e João, o querido Salvador, olhou-os, mas sem
virar a cabeça para eles, para não os trair. Mal Jesus tinha
chegado, por entre as colunas, em frente do tribunal, Caifás já lhe
gritou: “Então chegaste, blasfemador de Deus, que nos tens profanado
esta santa noite”.
Tiraram
então o ceptro irrisório de Jesus, a cabeça, na qual se achavam as
acusações escritas por Anás; depois de ler as acusações, Caifás
lançou uma torrente de insultos e acusações contra Jesus, enquanto
os esbirros e soldados em roda puxavam e empurravam Nosso Senhor;
tinham nas mãos curtos bastões de ferro, em cuja extremidade havia
um castão munido de muitas pontas; com esses bastões empurravam a
Jesus, gritando: “Responde, abre a boca. Não sabes falar?”
Fizeram
tudo isso enquanto Caifás, ainda mais assanhado do que Anás, dirigiu
um sem número de perguntas a Jesus, que, silencioso e paciente,
olhava para baixo sem levantar os olhos para Caifás. Os soldados
quiseram forçá-Lo a falar, davam-Lhe murros na nuca e nos lados,
batiam-Lhe nas mãos e picavam-no com sovelas; houve até um vil
patife que lhe apertou o polegar o lábio inferior sobre os dentes,
dizendo: “Agora morde!”
Seguiu-se a audição das testemunhas. Mas em parte era só uma
gritaria confusa do populacho subornado ou então depoimentos de
vários grupos dos mais assanhados inimigos de Jesus, entre os
fariseus e saduceus do todo o país, reunidos por ocasião da festa.
Proferiram de novo tudo o que Ele mil vezes tinha refutado;
disseram: “Ele cura e expulsa os demónios pelo próprio demónio; não
guarda o sábado; quebra o jejum; os seus discípulos não lavam as
mãos; Ele seduz o povo; chama os fariseus de raça de víboras, de
adúlteros; prediz a destruição de Jerusalém; tem relações com
pagãos, publicanos, pecadores e mulheres de má vida; percorre o
país, seguindo de grande multidão de povo; faz-se chamar rei,
profeta, até Filho de Deus, fala sempre do seu reino; contesta o
direito do divórcio; proferiu ameaças sobre Jerusalém; chama-se pão
da vida, ensina coisas inauditas, dizendo que quem não Lhe comer a
carne e não Lhe beber o sangue, não poderá ser salvo”.
Desse
modo eram torcidas e viradas ao contrário todas as palavras,
doutrina e parábolas de Jesus, para servirem de acusações, sempre
interrompidas por insultos e brutalidades. Mas todos contradiziam e
se confundiam uns aos outros. Um disse: “Ele se faz passar por rei”;
outro: “Não, Ele se deixa apenas chamar assim e quando O quiseram
proclamar rei, fugiu”. Então gritou um: “Mas Ele diz que é Filho de
Deus”; outro, porém, replicou: “Não, Ele não disse isso, chama-se
Filho só por fazer a vontade do Pai”. Alguns exclamaram que Ele os
tinha curado, mas que depois recaíram; as curas eram apenas
feitiço”.
Quase
todas as acusações consistiam essencialmente em acusá-lo de
feitiçaria. Algumas falsas testemunhas depuseram também sobre a cura
do homem na piscina de Betesda, mas mentiram e confundiram-se. Os
fariseus de Seforis, com os quais tinha discutido sobre o divórcio,
acusaram-no de falsa doutrina e até aquele jovem de Nazaré a quem
Ele não quisera aceitar como discípulo, teve a vileza de comparecer
ali, para dar testemunho contra Ele. Acusaram-no também de ter
absolvido a adúltera no Templo e ter acusado os fariseus.
Contudo
não eram capazes de encontrar qualquer acusação solidamente provada.
Os grupos de testemunhas que entravam e saiam, começaram a insultar
Jesus, em lugar de depor contra Ele. Discutiam veemente uns com os
outros e nos intervalos Caifás e alguns dos conselheiros continuavam
incessantemente a insultar Jesus, gritando-Lhe, entre as várias
acusações: “Que rei és tu? Mostra teu poder. Manda vir as legiões de
Anjos, das quais falaste no horto das Oliveiras. Que fizeste do
dinheiro das viúvas e das pessoas que se deixaram enganar? Tantas
riquezas que desperdiçaste, que foi feito dela? Responde, fala!
Agora que devias falar, diante do juiz, ficas calado; mas onde
terias feito melhor em calar-te, diante do populacho e mulherio, aí
te abundavam as palavras, etc.”.
Todas
essas perguntas eram acompanhadas de incessantes crueldades dos
soldados, que, com pancadas e murros, queriam forçar Jesus a
responder. Só por milagre de Deus pôde Jesus aguentar tudo isso,
para expiar os pecados do mundo. Algumas testemunhas infames
afirmaram que Jesus era filho ilegítimo, mas imediatamente
replicaram outros: “É mentira; pois sua mãe era uma moça piedosa do
Templo e nós assistimos à cerimónia do seu casamento com um homem
muito religioso”. Essas testemunhas começaram a discutir.
Acusaram também Jesus e os discípulos de não oferecerem sacrifícios
no Templo. Eu também nunca vi Jesus ou os Apóstolos, desde que O
seguiam, levarem animais de sacrifício ao Templo, a não ser os
cordeiros de Páscoa. Essa acusação não era justa; pois também os
Essénios não ofereciam sacrifícios, sem por isso merecerem castigo.
A acusação de feitiçaria repetiu-se muitas vezes e o próprio Caifás
afirmou diversas vezes que a confusão das testemunhas era efeito da
arte mágica.
Alguns
acusaram então Jesus de ter comido o cordeiro pascal já de véspera,
contrariamente ao costume e de ter alterado a ordem dessa cerimónia
já no ano anterior; por isso começaram de novo a injuriar e insultar
Jesus. Mas os depoimentos das testemunhas eram tão confusos e
contraditórios, que Caifás e todo o Sinédrio ficaram envergonhados e
furiosos, porque não podiam encontrar nada que de qualquer modo
pudessem provar.
Nicodemos e José de Arimateia foram também convidados a se
justificarem de ter Jesus comido a Páscoa no Cenáculo deles, em
Sião. Compareceram diante de Caifás e provaram, com antigos
documentos, que os galileus podiam comer o cordeiro pascal um dia
antes, conforme um direito imemorial; além disso, acrescentaram,
foram observados as cerimónias prescritas, pois estiveram presentes
homens empregados do Templo. Com essa afirmação ficaram as
testemunhas muito embaraçadas e o que vexava os inimigos de Jesus,
era ter Nicodemos mandado trazer os rolos de lei e provado com estes
o direito dos galileus.
Além de
diversos motivos para esse direito dos galileus, os quais esqueci,
foi alegado que seria impossível, com a afluência do povo, acabar as
cerimónias no tempo prescrito pela lei do sábado; também haveria
inconveniências na volta, pela multidão do povo nos caminhos. Apesar
dos galileus nem sempre usarem desse direito, ficara, porém,
perfeitamente provado pelos documentos alegados por Nicodemos.
A ira
dos fariseus cresceu ainda mais, quando Nicodemos terminou o
discurso pela observação de que todo o Sinédrio se devia sentir
ultrajado, diante do povo reunido, por um processo feito com tal
precipitação e preconceito, na noite de um dia tão santo e com a
confusão e contradição tão aberta de todas as testemunhas, com
precipitação e imprudência ainda maior.
Depois
de muitos depoimentos falsos, vis e mentirosos, se apresentaram mais
duas testemunhas, dizendo: Jesus disse que queria destruir o
Templo feito pelas mãos de homens e construir em três dias outro,
que não seria feito por mãos de homens. Mas também esses dois
não estavam de acordo; um disse que Jesus queria construir um templo
novo; por isso teria celebrado a Páscoa num outro edifício, porque
queria destruir o antigo Templo, o outro, porém, disse que aquele
edifício também fora construído por mãos de homens e que portanto
não se referia a ele.
Caifás
chegou então ao auge da cólera; pois as crueldades praticadas para
com Jesus, as afirmações contraditórias das testemunhas, a inefável
paciência e o silêncio do Salvador, causaram impressão desfavorável
a muitos dos presentes. Algumas vezes foram as testemunhas até
vaiadas. Muitos ficaram inquietos no coração, vendo o silêncio de
Jesus e cerca de dez soldados afastaram-se, sob pretexto de se
sentirem indispostos. Esses, passando diante de Pedro e João, lhes
disseram: “Este silêncio do galileu, num processo tão infame, dói
no coração, é como se a terra se fosse abrir e tragar-nos; dizei-nos
aonde nos devemos dirigir”.
Caifás,
furioso pelos depoimentos contraditórios e a confusão das duas
últimas testemunhas, levantou-se do assento, desceu alguns degraus,
até onde estava Jesus e disse: “Não respondes nada a esta acusação?”
Indignou-se, porém, de Jesus não o fitar; os soldados puxaram então,
pelos cabelos, a cabeça de Nosso Senhor, para trás e bateram-lhe com
os punhos por baixo do queixo. Mas o Senhor não levantou os olhos.
Caifás, porém, estendeu com veemência as mãos e disse em tom
furioso: “Conjuro-Te pelo Deus vivo, que nos diga se és o Cristo, o
Messias, o Filho de Deus e Bendito!”
Acalmaram-se a vozeria e seguiu-se um silêncio solene em todo o
átrio; Jesus, fortalecido por Deus, disse, com uma voz cheia de
inefável majestade, que fazia estremecer a todos, com a voz do Verbo
Eterno: “Eu o sou, disseste-o bem. E eu vos digo que em breve
vereis o Filho do homem assentado à mão direita da majestade de
Deus, vindo sobre as nuvens do céu”.
Durante
essas palavras vi Jesus como que luminoso e sobre Ele, no céu
aberto, Deus Pai Todo-poderoso, numa visão inexprimível; vi os Anjos
e as orações dos justos, suplicando e orando em favor de Jesus. Vi,
porém, como se a divindade de Jesus falasse simultaneamente do Pai e
do Filho: “Se eu pudesse sofrer; mas porque sou misericordioso,
aceitei a natureza humana no Filho, para que nela sofresse o Filho
do Homem; pois sou justo e ei-Lo que toma sobre si os pecados de
todos estes homens, os pecados de todo o mundo”.
Por
baixo de Caifás, porém, vi aberto todo o inferno, um círculo lúgubre
de fogo, cheio de figuras hediondas e ele por cima desse círculo,
sustentado apenas como por um crepe fino. Vi-o penetrado pela fúria
do inferno. Toda a casa me parecia um inferno agitado por baixo.
Quando o Senhor Declarou que era o Filho de Deus, o Cristo foi como
se o inferno tremesse diante dele e fizesse subir a essa casa toda a
sua fúria contra o Salvador.
Mas
como tudo me é mostrado em imagens e figuras (cuja
linguagem é para mim também mais verdadeira, curta e clara do que
outras explicações, pois os homens também são formas corporais e
sensíveis e não somente palavras abstractas), vi o medo e o ódio
do inferno manifestar-se sob inúmeras figuras horríveis, que subiam
em muitos lugares, como saindo da terra.
Entre
outras me lembro ainda de bandos de pequenas figuras escuras,
semelhantes a cães, que andavam nas patas traseiras, curtas e com
garras compridas, mas não me lembro mais que espécie de vício
representavam essas figuras; sabia-o naquele tempo, mas agora só me
lembro da forma. Tais figuras horrendas vi entrar na maior parte dos
assistentes, ou sentar-se nos ombros ou sobre a cabeça deles. A
assembleia estava cheia dessas figuras e a fúria aumentava cada vez
mais em todos os maus.
Nesse
momento vi também muitas figuras hediondas, saindo dos sepulcros,
além de Sião; creio que eram espíritos maus. Vi também, perto do
Templo, saírem da terra muitas aparições e entre essas, diversas que
pareciam arrastar-se com cadeias, como presos; não sei mais se essas
últimas aparições eram espíritos maus ou almas condenadas a
habitarem certos lugares da terra e que talvez se dirigissem ao
limbo, que o Senhor abriu pela sua própria condenação à morte.
– Não
se podem exprimir exactamente essas coisas, nem quero escandalizar
aos que as ignoram, mas ao vê-las, sente-se um arrepio. Esse momento
tinha algo de horrível. Creio que também João deve ter visto alguma
coisa, pois ouvi-o falar disso mais tarde; pelo menos todos os que
não eram ainda inteiramente maus, sentiram, com um medo profundo, o
horror desse momento; os maus, porém, sentiram-se numa violenta
erupção de ódio.
Caifás,
como inspirado pelo inferno, apanhou a orla do mando oficial,
cortou-a com uma faca e rasgou o manto, com um ruído sibilante,
gritando: “Ele blasfemou! Para que precisamos de testemunhas? Vós
mesmos ouvistes a blasfémia; que julgais?” Então se levantaram todos
quantos ainda estavam presentes e gritaram, com voz terrível: “É réu
de morte. É réu de morte”.
A esse
grito, a fúria do inferno tornou-se naquela casa verdadeiramente
terrível: os inimigos de Jesus estavam como embriagados por Satanás
e do mesmo modo os servos aduladores e abjectos. Era como se as
trevas proclamassem o seu triunfo sobre a luz. Causou tal horror aos
que ainda conservavam um pouco de bom sentimento, que muitos destes
saíram furtivamente, envolvidos nos mantos.
Também
as testemunhas mais notáveis, como não lhes fosse mais necessária a
presença, saíram do tribunal, sentindo remorsos da consciência.
Outros, mais vis, vadiavam pelo átrio e em redor da fogueira, onde,
depois de recebido dinheiro, começaram a comer e beber.
O
Sumo-sacerdote disse, porém, aos soldados: “Entrego-vos este rei;
prestai a este blasfemo a devida honra”. Depois se retirou com os
membros do Conselho, à sala circular, situada atrás do tribunal,
cujo interior não se podia ver do átrio.
João,
cheio de profunda tristeza, lembrou-se então da pobre Mãe de Jesus.
Receou que a terrível notícia, comunicada por um inimigo, pudesse
feri-la ainda mais e por isso lançando mais um olhar ao Santo dos
santos, disse no seu coração: “Mestre, bem sabeis porque me vou
embora” e saiu apressadamente do tribunal, indo à SS. Virgem,
como se fosse enviado por Jesus mesmo. Pedro, porém, todo abalado
pela angústia e pela dor e sentido, devido à fadiga, ainda mais o
frio penetrante da manhã, ocultava a tristeza e o desespero o mais
que podia e aproximou-se timidamente da fogueira no átrio, rodeada
pelo populacho, que ali se aquecia. Não sabia o que estava fazendo,
mas não podia separar-se do Mestre.
Jesus é escarnecido e maltratado em casa de Caifás
Quando
Caifás saiu, com todo o conselho do tribunal, deixando Jesus
entregue aos soldados, lançou-se o bando de todos os malvados
patifes aí presentes, como um enxame de vespas irritadas, sobre
Nosso Senhor, que até então estava seguro com cordas por dois dos
quatro primeiros soldados; os outros tinham se afastado antes do
interrogatório, para se revezarem com outros. Já durante a audição
os soldados e outros malvados arrancaram tufos inteiros do cabelo e
da barba do Senhor. Alguns homens bons apanharam parte do cabelo do
chão e afastaram-se furtivamente com ele; mas depois lhes
desapareceu.
O bando
vil dos soldados também já tinha cuspido em Jesus, durante o
interrogatório que lhe tinham dado inúmeros murros, batido com paus
que terminavam em bolbos munidos de pontas e picado com alfinetes;
mas depois descarregaram a raiva de um modo insensato sobre o pobre
Jesus. Punham-Lhe na cabeça várias coroas, trançadas de palha e
cortiça, de formas ridículas e tiravam-nas novamente, com palavras
maldosas e escárnio. Ora diziam: “Ei-Lo, o Filho de Davi, com a
coroa de seu Pai!” ora: “Eis aqui está quem é mais do que Salomão!”
ou: “Este é o rei que prepara as núpcias do filho” e assim
escarneciam nele toda a verdade eterna que tinha proferido em
ensinamentos e parábolas, para a salvação dos homens... Batiam-Lhe
com punhos e paus, empurravam-no, cuspindo nele de um modo nojento.
Trançaram ainda uma coroa de palha grossa de trigo, que ali
cultivavam, puseram-Lhe na cabeça um boné alto, parecido com uma
mitra de um bispo de hoje e em cima a grinalda de palha; já antes O
tinham despido da túnica tecida. Lá estava o pobre Jesus, vestido
apenas de tanga e escapulário sobre peito e costas; mas também esse
último, ainda lho arrancaram e não Lhe foi mais restituído.
Jogaram-Lhe sobre os ombros um manto velho, esfarrapado, cuja parte
anterior nem Lhe cobria os joelhos e em redor do pescoço lhe puseram
uma cadeia de ferro, que, como uma estola, lhe pendia sobre o peito,
até os joelhos; essa cadeia terminava em duas argolas largas e
pesadas, munidas de pontas agudas, que lhe feriam dolorosamente os
joelhos, quando andava ou caia.
Amarraram-Lhe de novo as mãos sobre o peito, pondo nelas um caniço e
cobriram-Lhe o rosto divino com o escarro nojento das suas bocas
imundas. O cabelo de Jesus, a barba, o peito e a parte superior do
manto estavam cobertas de imundícies nauseabundas; venderam-Lhe com
um farrapo sujo os olhos, batiam-Lhe com punhos e bastões, gritando:
“Grande profeta! Profetiza, quem te bateu”. Ele, porém, nada dizia: gemia
e orava no íntimo do coração por eles, que continuavam a bater-Lhe.
Assim
maltratado, disfarçado e sujo, arrastaram-no pela corrente à sala
atrás do tribunal. Empurraram-no diante de si, a pontapés e
pauladas, com risadas de escárnio, gritando: “Vamos com o rei de
palha; ele deve apresentar-se também ao Conselho, com as honras que
Lhe temos prestado”. Entrando na sala, onde ainda se achavam Caifás
e muitos membros do Conselho, começaram de novo a escarnecer do
Divino Salvador, com vis gracejos e alusões sacrílegas a santos usos
e cerimónias.
Assim
como no átrio, cuspiram-Lhe e sujaram-no, gritando: “Eis aqui tua
unção de profeta e rei!” Aludiram também à unção de Madalena e ao
baptismo: “Como, gritaram, queres comparecer tão sujo diante do
Supremo Conselho? Querias sempre purificar os outros e não estás
limpo; mas vamos limpar-Te agora”. Trouxeram então uma bacia com
água suja e fétida, na qual havia um farrapo grosso e nojento e
entre murros, escárnio e insultos, interrompidos apenas por
cumprimentos e inclinações derrisórias, uns mostrando-Lhe a língua,
outros virando-lhes as costas em posições indecentes, passaram-Lhe o
farrapo sujo pelo rosto e os ombros, fingindo limpá-Lo, mas
sujando-O ainda mais; depois Lhe entornaram todo o conteúdo nojento
da bacia sobre a cabeça e o rosto, gritando: “Aí tens o teu baptismo
da piscina de Betsaida”.
Com
essa última palavra escarnecedora compararam-no, sem premeditação,
ao cordeiro pascal; pois os cordeiros que nesse dia eram imolados,
eram antes lavados no tanque perto da Porta das Ovelhas e depois
levados à piscina de Betsaida, onde recebiam uma aspersão
cerimonial, antes de serem imolados no Templo. Os soldados, porém,
aludiam ao doente de 38 anos, que fora curado na piscina de
Betsaida; pois vi-o ali baptizar ou lavar; digo, baptizar ou lavar”
porque não tenho recordação clara disso neste momento.
Depois
arrastaram e empurraram Jesus, com murros e pancadas, por toda a
sala, passando em frente dos membros do Conselho, ainda reunidos,
que todos O insultavam e escarneciam. Vi tudo cheio de figuras
diabólicas; era um movimento sinistro, confuso e horrível. Mas em
redor de Jesus maltratado vi muitas vezes um esplendor luminoso,
desde que dissera que era o Filho de Deus. Muitos dos presentes
pareciam senti-Lo também mais ou menos, vendo com certa inquietação
que todos os insultos e maus-tratos não Lhe podiam tirar a majestade
inexprimível.
Os
inimigos obcecados pareciam sentir esse esplendor somente pela
erupção mais forte de sua ira e de seu ódio; a mim, porém, parecia
esse esplendor tão manifesto, que não podia deixar de pensar que
velavam o rosto de Jesus, só porque o Sumo-sacerdote, desde que
ouvira a palavra: “Eu o sou”, não podia mais suportar o olhar
do Salvador. |