O CORDEIRO SUJO
«Foi
na noite do dia 1 para o dia 2 [de Fevereiro de 1951] que eu tive
uma visão, mas, temerosa de que fosse sonho, nada disse na
sexta-feira. Agora que sei que não foi, vou descrevê-la
– escreveu a Alexandrina no seu Diário de 3 de Fevereiro do mesmo
ano. Vi junto de mim um cordeiro branco, todo sujo, caído na
lama, ou melhor, enterrado nela, mal se conhecia a cor e todo
enlameado em silvas espinhosas, ia morrer. Senti-me obrigada a
salvá-lo, a livrá-lo da morte. Levantei-o, principiei a limpá-lo, a
tirar-lhe as cadeias de espinhos que o prendiam, tomei-o para os
meus braços, estreitei-o a mim, principiou a viver com mais
formosura. Em seguida, divisei mais ao longe, por uma larga estrada,
um rebanho de ovelhas brancas tão grande que não fui capaz de
contar. Jesus caminhava entre elas de cajado na mão. Ele era belo, e
belo, belo fazia todo o rebanho. Compreendi que todas aquelas
ovelhas se nutriam de Jesus. Oh! como elas eram belas e gordas,
faziam-me encantar.»
Esta
visão deixou a Alexandrina um tanto ou quanto perplexa. Ela mesma o
confessa: “temerosa de que fosse sonho, nada disse na
sexta-feira”.
Todavia, ela sabia que no momento oportuno, Jesus lhe explicaria o
significado desta mesma visão. Não esperou muito, porque no sábado
seguinte, dia 3, depois da sagrada Comunhão, Jesus apresentou-se a
ela sob a forma dum mendigo a pedir o abrigo do seu coração e
disse-lhe:
— «Minha filha, bate à porta do teu coração o teu mendigo Jesus.
Deixa-me entrar, dá-me abrigo, aquece-me ao fogo do teu amor, venho
a tiritar de frio.»
Como
sempre, num transporte de amor, onde a humildade sempre sobressai, a
Alexandrina acolhe o Esposo divino:
— Entrai, Jesus, e aquecei-Vos, não ao calor do meu amor, mas no
Vosso fogo divino, que Vos peço aceiteis como se fosse meu.»
— «Ó
minha filha, oferece-me todos os teus sofrimentos para que as almas
se convertam, se afervorem e me amem.»
A
Alexandrina sentia-se certamente feliz com a vinda do Senhor e diz
humildemente, como desculpando-se:
— Não
pode ser melhor, Jesus. Que poderei eu fazer mais?
No
mesmo Diário ela escreveu como se passou a sequência deste colóquio.
«E,
mostrando-se em tom de censura, disse-me»:
— «Reparaste naquele cordeiro tão manchado, já perdido e naquelas
ovelhas que te mostrei a caminharem comigo e de que não falaste? O
cordeiro era uma alma na flor da vida prestes a cair no inferno e
que foi salva pelos teus sofrimentos, pela tua vida. Não a
esqueças.»
No
mesmo “tom de censura”, Jesus continuou:
— «As ovelhas em grande número, que não pudeste contar também foram
salvas por ti. Mas essas sempre nutridas pelo meu alimento já não
correm risco de se perderem. Anima-te, toma coragem para tanta dor.»
E, como
habitualmente, a Alexandrina oferece-se e implora. Ouçamo-la:
— Não
estejais triste, Jesus, que eu nada disse por temor. Perdoai-me, sou
a Vossa vítima.
Cessou
o “tom de censura”. O Coração divino enterneceu-se por tanta
humildade e disponibilidade. Como para a recompensar, chamou por
Maria, sua divina Mãe e pediu-lhe que viesse confortar a vítima do
Calvário da Balasar.
«Veio a
Mãezinha — escreveu a Alexandrina —; cobria-a manto azul escuro de
cima a baixo. Como eu estava pregada na cruz, Ela não me tomou para
os seus braços, curvou-se para mim, beijou-me, encheu-me de
carícias, bafejou-me os lábios e em seguida todas as chagas e
disse-me»:
— «Minha filha, tem coragem na tua cruz! Dá a Jesus tudo quanto Ele
te pede, faz a Sua vontade que é também a minha. Ele sofre tanto e
eu com Ele, com os crimes do mundo! É igual a nossa dor.»
Depois,
como para lhe provar a dor que Lhe enchia o Coração, a Virgem Mãe
«abriu para o lado o seu manto; no centro do peito mostrou-lhe o seu
santíssimo Coração ferido por setas, cercado de espinhos.» A reacção
da doentinha foi como habitualmente.
— Ó
Mãezinha, ó Mãezinha, isso não é para a Mãe do meu Senhor. Não quero
ver Jesus sofrer e não Vos quero ver a Vós. Passai para o meu
coração todas essas setas e espinhos.
E assim
aconteceu.
(Dos “Sentimentos da Alma”
de 3 de Fevereiro de 1951)
Afonso
Rocha |