Falando desta
“transfusão” de Sangue divino para o coração da Alexandrina, Eugénia
Signorile, depois de explicar os fenómenos eucarísticos de que beneficiou a
Bem-aventurada de Balasar, escreve :
« Mas a Alexandrina recebe ainda um outro alimento para o
corpo e para a alma : um conjunto de sangue, vida, amor, sob forma de verdadeira
transfusão para o sangue e de efusão para o amor. É a primeira alma mística para
quem se efectua tal fenómeno ».
Uma das primeiras,
senão a primeira alusão a esta “transfusão” de Sangue divino, encontramo-la no
Diário da Alexandrina de 25 de Junho de 1944 :
« Nova prova de amor de Jesus : veio Ele levantar-me do
abismo das trevas e da morte. Toma-me em seus divinos braços, inclina-me ao seu
divino lado, dá-me a beber o seu Sangue do seu divino Coração. Que maravilha!
Que bondade infinita! Sentia o Sangue do Coração de Jesus passar para mim com
toda a abundância. E Jesus, cheio de doçura, ia dizendo-me:
— “Coragem, minha filha, toma conforto. O meu divino Sangue,
a minha carne são o teu ,alimento e a tua vida”.
Jesus encheu-me, ressuscitou-me, raiou o dia, brilhou o sol e
aqueceu-me com os seus raios. Já o mundo nada podia contra mim. Oh! Como é bom
Jesus, e que ingrata sou eu para com Ele! ».
“Dá-me a beber o
seu Sangue” escreve a “Vítima do Calvário de
Balasar”, porque o Sangue de Jesus é, como Ele mesmo o disse,
“uma verdadeira bebida”
e ainda, porque quem “bebe o seu sangue tem a vida eterna”.
A
Alexandrina “sentia o Sangue do Coração
de Jesus passar para ela com toda a abundância”, e
com a mesma abundância iria passar para a humanidade que o esperava sequiosa.
Poder-se-ia dizer que “chegou o momento das núpcias do Cordeiro ; e que
a sua esposa já está ataviada”.
A “Doentinha de
Balasar” não está bem : a mais dos sofrimentos físicos, os sofrimentos morais ou
espirituais são contínuos, “horrorosos”, como ela o confessa muitas vezes... Ela
está exausta ; já não pode mais ; grita então a Jesus :
« Ó meu Deus, que estado o da minha alma ! »
Jesus sempre lhe
dissera que nunca a abandonaria e, para confortá-la, para lhe incutir coragem,
mostra-se a ela rapidamente :
« De repente, vi Jesus à minha frente, pregado na cruz, e
logo desapareceu. Se morta me sentia, morta continuei : a vida parecia não
existir para mim ».
Então Jesus volta e
desta vez mostra-se ainda mais carinhoso, mais “cheio de encantos”. Eis o
que ela escreve :
« De novo veio o meu Amado, mas desta vez cheio de encantos.
É o Coração santíssimo de Jesus. O seu divino Rosto era tão belo ! Tudo era
brilho, tudo era luz ! Aproximou-se de mim e segredou-me ao mesmo tempo que me
entregava o seu divino Coração com uma grande chaga da qual saía uma enorme
chama doirada que podia incendiar e queimar todo o mundo:
— Guarda, minha filha, em ti o meu divino Coração para que os
pecadores não possam mais feri-lo.
Não sei como o Coração do meu Jesus infundiu-se em mim.
Perde-se em mim e eu nele. Oh ! Como é grande o amor de Jesus !... Que
transformação a da minha alma ! Já tinha vida, coragem e força para caminhar ».
A visão é de carácter
a confortá-la, a infundir-lhe nova coragem, porque depois de louvar o Senhor
cujo “Rosto era tão belo” e de constatar quão “grande é o amor de
Jesus”, ela sente que a sua alma é transformada e que agora “já tinha
vida, coragem e força para caminhar”.
Mas importante é o
“depósito” que Jesus lhe faz : confia-lhe o seu “divino Coração para
que os pecadores não possam mais feri-lo”. Grande e grave responsabilidade a
da Alexandrina !
E, ao terminar a sua
relação desse mesmo dia, quando já está perdida no Coração divino, ela
confessa humildemente :
« Ó sofrimento, como és doce quando és levado por amor de
Jesus. Mas ai, quanto custa querer consolar e não poder, guardar o seu divino
Coração para satisfazer os seus santíssimos desejos e não saber como. Pobre
Jesus, a quem entregais o Vosso Coração para guardar?! Aonde, Jesus, o poderei
esconder para não ser mais ferido? Eu sou miséria e podridão. Transformai-me,
purificai-me e depois entrai em mim. Amo-vos e sou Vossa ».
A missão da
Alexandrina está bem presente no seu coração : dar almas a Jesus, custe o que
custe, mesmo quando o pobre corpo já não pode mais, mas o espírito é forte e
sempre vencerá.
« Que ânsias ― escreve ela ―,
que ânsias, meu Jesus, de tudo possuir, para tudo dar. Estou louca, estou louca,
Jesus, quero amar-vos, quero dar-vos almas (...) Lançai para mim os Vossos
divinos olhares que quero fitar para sempre os meus em Vós. ».
Alexandrina perdera há
pouco o seu primeiro Director espiritual e, mesmo se esta perca foi compensada
pela chegada do salesiano Padre Humberto Pasquale (21 de Junho), ela continua
inconsolável, não só pela perda do “consolador” da sua alma, mas também porque
na aldeia ― e mesmo mais longe ― o povo fala da “Doentinha de Balasar” e, nem
sempre de maneira caridosa. Tudo isto é motivo de grandes sofrimentos. Ela
queixa-se a Jesus, mais do que alívio, ela confirma a sua aceitação
incondicional à vontade soberana de Deus.
« Escutai, Jesus ― queixa-se ela ―,
a minha dor quase moribunda. Duro golpe lhe foi dado. Ó dor, ó dor que matas a
dor, ó dor que só por Jesus podes ser conhecida. Com os olhos em Vós, Jesus, as
calúnias, as humilhações, os desprezos, os ódios, o esquecimento têm a doçura do
Vosso Amor. Venha tudo, ó Jesus, venha tudo o que Vos aprouver. Morra o meu nome
como sinto que morreu o meu corpo e a minha alma, para que viva o Vosso divino
Amor nos corações e a Vossa graça nas almas. Eis, meu Amado, porque me deixo
imolar. Mas como resistir a tanto? Ó Jesus, olhai este coração que rebenta,
desfaz-se em dor, não pode com tanto aperto se não vindes em meu auxílio. Vinde,
vinde, ó Jesus, socorro, socorro, Jesus. Querem privar-me de tudo, até me
ameaçam de eu ficar sem Vos receber, proibindo o Senhor Abade de vir junto de
mim a não ser em perigo de vida, isto no caso de eu não obedecer. Obedeço,
obedeço, meu Jesus, com a Vossa divina graça! Ó santa obediência, como eu te amo
por Jesus e pelas almas ».
Que coragem nesta
última exclamação : “Ó santa obediência, como eu te amo por Jesus e pelas
almas” !
Mas Alexandrina
continua ainda no meio daquele imenso cemitério de que acima falámos e, quando
clama ao Céu, quando ora, pensa que as suas preces não chegam ao seu destino,
que ficam prisioneiras daquelas cinzas que se amontoam incessantemente.
Ouçamo-la :
« Nada valiam as minhas ânsias, tudo perdido. Sentia-me num
cemitério imenso e a minha dor quase sem vida, mesmo como se ela já não
estivesse a mexer-se, apenas coberta de cinzas, lembrando-me aqueles bichos que
nos pinhais fazem a sua casa sob os montõezinhos de terra... e da madeira moída.
No meio disto, é sempre a minha oferta a Jesus como vítima e receio sempre de O
ofender. É um combate tremendo quase contínuo. Vivo sem viver ― amo sem amar ».
Não que a Alexandrina
fosse uma especialista dos paradoxos, mas porque assim era inspirada, esta
última frase “paradoxal” é de grande beleza e de grande significado espiritual e
místico : “Vivo sem viver ― amo sem amar”. Que tema para uma longa e útil
meditação !
Como se os sofrimentos
“habituais” não fossem suficientes, outro vem juntar-se a estes ; um sofrimento
dos mais delicados : os ataques do demónio. Alexandrina conta :
« O demónio provocava-me continuamente, ameaçava-me com
palavras feias e aterradoras. Eu era um monstro encaixado noutro monstro maior
ainda. Com os olhos no crucifixo dezenas e dezenas de vezes repetia : “Jesus,
sou a Vossa vítima”. Enraivecido, escarrava no chão e dizia-me :
― Pior te é ainda. Dizes que não queres pecar, mas olha como
pecas ».
Alexandrina ora,
serve-se do seu crucifixo, chama por Jesus : ela não quer de maneira nenhuma
ofender o seu querido Esposo, mas o diabo é velhaco e por um pouco conseguiria
semear a dúvida na mente da Vitima de Balasar :
« A fúria do demónio era aterradora. Parecia-me estar
envolvida num nevoeiro de trevas que quase não me deixava ver. Ó meu Jesus, e as
dúvidas de ter pecado ?! Não podia recordar-me que estava na presença de Deus,
que O tinha dentro de mim, a minha vida íntima com Ele. Que confusão Ele ter
visto tudo, ter assistido a tão feia cena ! Terminada a luta, não podia ver nem
ouvir nada, sentia-me morta, à porta da eternidade. Era já noite ; veio Jesus :
― Minha filha, entre ti e o demónio há uma grande distância ;
no meio de vós estou Eu. São manhas dele, não é nada do que ele te pinta et te
faz passar ; está preso por Mim. Não o deixo aproximar-se de ti. Coragem, minha
amada, minha pomba bela. És minha, toda minha. O teu corpo é puro, é inocente, é
imaculado para Mim ».
Do Coração de Jesus
Alexandrina não receberá só Amor e Sangue ; ela receberá igualmente abrigo e
protecção, como ela nos explica, depois de ter sido atormentada uma vez mais
pelo “maldito” :
« Continuou a luta e eu já sem forças, parecia que o demónio
fazia de mim o que queria, conseguindo tudo quanto desejava e me afirmava. Ouvi
uma voz que me dizia :
― Basta, basta, Satanás : retira-te para o inferno com tuas
artes manhosas e infernais. Vem, minha filha, para os meus braços, descansa em
meu Coração.
Senti-me nos braços de Jesus e senti que Ele me fazia entrar
no seu divino Coração ao mesmo tempo que ouvia ao longe o demónio uivar e gritar
desesperado. E numa grande paz adormeci fechada no Coração divino ».
“Senti-me nos braços de Jesus e senti que Ele me fazia entrar
no seu divino Coração (...) e numa grande paz adormeci fechada no Coração
divino”.
Sentir-se “nos
braços de Jesus” é em si, uma grande graça ; “entrar no seu divino
Coração” e já mais excelente ainda, mas adormecer “fechada no Coração
divino” é simplesmente extraordinário e demonstra, se isso ainda fosse
necessário, quanto o Senhor amava aquela alma pura e simples que em tudo
procurava desagravá-lo, oferecendo-se a Ele continuamente e sem restrições.
Mas os ataques
contínuos e sagazes do demónio deixavam na alma da Alexandrina certas dúvidas
que ele exprime como numa confissão, confissão em forma de prece e mesmo de
súplica : terá ela pecado ?
« Atormentava-me a ideia de ter pecado ― escreve
ela ― e receava de não poder receber Jesus. (...) Meu Deus, que vida de dor e
de amargura ! Ai de mim ! Não sei como posso viver sem ter vida ! Ó meu Jesus,
não permitais que eu deixe de Vos receber, não consintais que eu Vos perca pelo
pecado ».
Este medo de pecar, de
ofender a Jesus, é continuo, sobretudo neste período em que é mais atacada pelo
rei da mentira. De maneira nenhuma ela quer desagradar a Deus, de maneira
nenhuma ela quer cometer a mais pequenina falta, falta esta que a privaria do
seu Amado. Por isso, muitas vezes grita ao Céu e pede ajuda. De vez em quando,
quando as lutas são mais ásperas, mais terríveis, Jesus não deixa de a serenar,
dizendo-lhe como aqui :
― « Não pecas, não pecas, minha filha, dás-me uma grande
prova do teu amor. Anima-te com as palavras de quem tem direito de te animar.
Confia, confia ».
Aqui está também uma
referência clara aos conselhos judiciosos que lhe dava então o bom Padre
Humberto Pasquale : “Anima-te com as palavras de quem tem direito de te
animar”.
E, para que
Alexandrina não possa ter a mínima dúvida da protecção divina, no dia seguinte
Jesus diz-lhe de novo :
― « Minha filha, a pureza e a candura das virgens encanta o
meu divino Coração. Sinto-me bem à sombra da tua graça, da tua pureza. Anima-te,
minha pomba bela. Só duma virgem casta e pura Eu posso tirar tal reparação.
Coragem, querida, coragem, amada, tu não pecas, não desgostas o teu Jesus ;
estou contigo a amparar-te, está contigo a tua Mãezinha ».
E, como Maria está
igualmente presente, Ela a conforta igualmente :
― « Coragem, coragem, minha filha querida e do meu Jesus ».
Tiranizada pelo
espírito das trevas, Alexandrina ora, eleva para o Céu as suas mão e com grande
fervor grita ao seu Amado, depois de um desses ataques e oferece mesmo aquilo
que recebe : o sangue.
— « Sou a Vossa vítima, Jesus, quero sofrer tudo e não pecar.
Quero amar-Vos, quero louvar-Vos. Sou vítima, Jesus, sou vítima das almas.
Dou-Vos o meu sangue, dou-Vos tudo, tudo ».
Alguns dias depois,
após ter vivido a Paixão dolorosa, Jesus volta a falar-lhe e a confortá-la :
« Senti que Jesus me desprendeu da cruz ― explica
ele ―, via-a separada de mim : era grande. E eu então sentia-me nos braços de
Jesus, estreitada por Ele ao seu divino Coração. Ao ouvir que Ele me dizia :
― “Sacia a tua fome, sacia a tua sede, recebe o meu Sangue
que é a tua vida, o teu alimento. Estou em ti como Rei no palácio do teu
coração. Venho a ti como esposo fiel e cheio de amor. Venho a ti como Pau cheio
de doçura, ternura e compaixão” ».
“Sacia a tua sede”
diz-lhe Jesus e, de facto, ela vai saciar a sua sede de amor, a sua sede de
martírio, a sua sede de salvar almas.
No Diário desse mesmo
dia podemos ler ainda :
« Chegou aos meus lábios o seu Sangue divino, deu-mo a beber
por algum tempo. Depois senti o meu coração e peito aberto, e dentro em mim caía
uma chuva de sangue. Jesus dizia-me :
― “Recebe, é o Sangue das minhas veias. Toma coragem,
enche-te de mim para levares a tua cruz. Se soubesses o bem que estás aqui a
fazer às almas, morrerias de pasmo” ».
Como já dissemos,
aquele sangue que a Alexandrina recebe do Coração de Jesus, não é unicamente
para ela, mas também e, provavelmente sobretudo, para as almas pecadoras, que
nele encontram alimento e força necessária para arrepiarem caminho. Podemos
deduzi-lo desta bela imagem que encontramos no seu Diário :
« Durante a noite com o coração a sangrar de dor via correr
dum lado e do outro muitos regatozinhos de sangue. Sobre eles poisavam bandos de
pombinhas sem conta bebendo o sangue e de contentes batiam às asas ».
Dois dias depois, na
festa de Cristo Rei, Alexandrina volta de novo a esta mesma imagem dos
“regatozinhos de sangue” :
« Voltei aos mesmos regatozinhos de sangue : tantos, tantos
bandos de pombinhas alegres, satisfeitas bebendo, levantando-se aqui e
poisando-se acolá. O sangue corria e eu sem saber de onde. Terminou a visão e eu
sem saber o que significava, mas nem por isso me preocupava. A agonia da minha
alma não me deixava pensar em nada disso ».
Ela não compreendia o
significado desta visão, “mas nem por isso se preocupava”, visto que,
primeiramente a “agonia da sua alma não a deixava pensar em nada disso”,
e depois, porque ela estava certamente persuadida que o Senhor se encarregaria
de lhe explicar, se isso fosse necessário.
Efectivamente, o
significado vai-lhe ser dado pouco depois, nesse mesmo dia, aquando da
intervenção amorosa de Jesus :
― « Este sangue ― explica o
Senhor ― é o sangue da tua dor, do teu martírio. As pombinhas que nele bebem
são as almas que nele se lavam e purificam. Alegra-te querida, alegra-te, amada,
és minha, só minha. Não pecas, amas-me, reparas, desagravas o meu divino
Coração. Amo-te, amo-te, minha loucura.
E de onde vem aquele
sangue ? Do coração da Alexandrina, pois é sangue da sua dor, do seu martírio.
Mas é também e sobretudo o Sangue do Cordeiro, o Sangue daquele “que tira os
pecados do mundo”, o Sangue da Redenção que o coração simples e humilde da
Alexandrina tinha recebido.
Jesus tem por
Alexandrina um amor exclusivo, um amor infinito. Este amor nem sempre é
compreendido por todos e mesmo, algumas vezes, por aqueles que deveriam ser os
primeiros a estudá-lo atentamente. Jesus queixa-se algumas vezes deste
desinteresse e desta falta de santa humildade que mostram certos teólogos.
Ouçamos uma dessas “queixas” e meditemos sobre as outras palavras que Jesus
dirige à sua esposa de Balasar :
― « “Se o mundo conhecesse esta vida de amor, esta união
conjugal de Jesus com a alma virgem, com a alma que escolhe para sua esposa !
Mas não conhece, e porque não conhece, calunia-a, despreza-a, persegue-a. Ó
minha pomba bela, tu és esposa e és mãe, mãe que não deixa de ser virgem ; és
mãe dos pecadores, são filhos da tua dor, filhos do teu sangue que vais perdendo
gota a gota, filhos do teu amor. Minha filha, lá do Céu muitas vezes ouvirás da
terra muitos pecadores chamarem-te, aclamarem-te pelo doce nome de mãe.
Aclamar-te-ão aqueles que se virem livres das garras do demónio e conhecerem que
foram livres por ti, aproximando-se assim do meu divino Coração. Grande amor,
ditosa dor que te levou a mereceres de Jesus tão honrosos e elevados
títulos !” »
“Tu és esposa e és
mãe”. Poderia parecer estranho a alguns esta
afirmação do Senhor, porque esta mesma frase se aplica a Maria. Todavia, se
reflectirmos bem, qualquer objecção cai imediatamente. Vejamos :
Alexandrina é esposa
de Jesus ; disto ninguém duvidará. Jesus e o Pai são Um, por isso mesmo nos
somos todos filhos de Deus e por conseguinte também de Jesus que é igualmente
nosso irmão, segundo a carne. Se a Alexandrina é esposa de Jesus e que nós somos
todos filhos de Deus, somos também filhos da Alexandrina segundo as núpcias
espirituais festejadas entre Jesus e a “Vítima de Balasar”.
Jesus diz ainda :
“mãe que não deixa de ser virgem”. Porque, na verdade, o desposório é
espiritual e que entre o Coração de Jesus e o da Alexandrina, a união é total e
totalmente espiritual, mas em nada simbólica : é uma união concreta entre um
Deus todo poderoso e a criatura, obra das Suas mãos divinas ; é uma união de
misericórdia cujo fim é aquele de salvar as almas confiadas à “esposa e mãe”
da humanidade, humanidade esta que vai ser depositada e selada no coração da
Alexandrina por Jesus e Maria.
E, como para confirmar
esta maternidade espiritual, Jesus diz ainda : “És mãe dos pecadores, são
filhos da tua dor, filhos do teu sangue que vais perdendo gota a gota, filhos do
teu amor”.
Ora os pecadores ― a
humanidade inteira ― vão ser confiados à Alexandrina e deles deverá ela dar
contas, por isso mesmo eles “são filhos do seu sangue”, aquele sangue que
ela vai perdendo e que vê como “regatozinhos” onde muitas “pombinhas”
vão beber. E, se dele bebem é porque se querem alimentar, alimentar-se das
coisas espirituais, alimentar-se da palavra e dos dons divinos que contém aquele
sangue redentor, o que torna compreensível as palavras que a seguir Jesus diz
ainda : “Minha filha, lá do Céu muitas vezes ouvirás da terra muitos
pecadores chamarem-te, aclamarem-te pelo doce nome de mãe. Aclamar-te-ão aqueles
que se virem livres das garras do demónio e conhecerem que foram livres por ti,
aproximando-se assim do meu divino Coração”.
Estas confidências e
explicações divinas perturbam a própria Alexandrina que não se sente digna de
tão grandes graças, de tão extraordinária missão e, ela queixa-se ao Amado :
— « Meu Jesus, meu Jesus, que envergonhada e confundida
estou. Se eu pudesse ocultar tudo isto ! Se fosse só para Vós e para mim !
Confunde-me ouvir isto e ver a minha miséria ! »
Prova brilhante da
humildade que sempre habitou o seu coração simples e delicado.
A resposta de Jesus
não é menos interessante ! Ela esclarece-nos sobre a pertinência de tudo quanto
é feito por Ele no coração da sua amada :
— « “Já sabes que necessito da tua miséria para esconder em
ti as minhas grandezas e omnipotência. Escreve tudo, escreve, minha filha. Se o
que te digo ficasse oculto, de nada valia ao mundo” ».
E para que não hajam
dúvidas, Jesus insiste, nessa mesma sexta-feira :
― « “Minha filha, livro onde estão escritas com dor e sangue
letras de oiro e pedras preciosas todas, todas as ciências divinas !” »
Como um professor
paciente, Jesus ensina, Jesus insiste e explica :
― « “Esse mar imenso de sangue que continuamente derramas do
teu coração, é onde são mergulhados os pecadores. É nesse sangue da tua dor que
eles são purificados, é sangue da nova redenção” ».
Situa-se neste período
aquela entrega da humanidade de que acima falámos.
No dia 8 de Dezembro
de 1944, festa da Imaculada Conceição, Jesus e Maria visitam Alexandrina. Mas,
deixemos que ela mesma no-lo conte :
« Jesus à esquerda, a Mãezinha, à direita, tomou-me para o
seu regaço, apertou-me fortemente contra o seu santíssimo Coração, cobriu-me de
carícias e disse-me :
— “Minha filha, venho com meu divino Filho fazer-te a entrega
da humanidade e fechá-la em teu coração ; ficam as chaves na posse do teu Jesus
e da tua querida Mãezinha. Deite o meu santíssimo Manto e a minha coroa de
Rainha ; foste escolhida por mim. És rainha dos pecadores, és rainha do mundo,
escolhida por Jesus e Maria. Hoje, dia da minha Imaculada Conceição fazemos-te a
entrega do teu reinado ; principia desde hoje, é teu, governa-o, guarda-o.
Guarda-o na terra assim como o guardarás e governarás depois no Céu. Escolhi
este dia que em minha honra é guardado para que em união comigo seja festejado o
dia em que te foi entregue o reinado da humanidade. Quando o mundo disto tiver
conhecimento, comigo serás louvada” ».
É a Virgem Maria quem
fala, pois é dia da sua festa, festa da sua Imaculada Conceição. Maria lembra à
Alexandrina que lhe oferecera já o seu Manto e a sua Coroa de Rainha do Céu e da
terra e que agora lhe entregava “o reinado”, dizendo-lhe que será, a
partir de agora, “rainha dos pecadores, e rainha do mundo, escolhida por
Jesus e Maria”.
Alexandrina explica
depois como tal entrega se passou :
« Senti como se me abrissem o peito e dentro o coração ; foi
aberto por Jesus e pela Mãezinha. Depois de depositarem nele alguma coisa,
fecharam-no novamente. Fechou-o à chave a Mãezinha e depois Jesus. Bafejaram-no
e acalentaram-no docemente. Depois fiquei entre Jesus e a Mãezinha como no meio
de uma prensa. De tanto que me estreitavam entre os seus corações divinos,
parecia-me não poder resistir a tanto amor, ir morrer naquelas chamas divinas.
Uma vez a Mãezinha, outra vez Jesus, uniam seus lábios aos meus, bafejam-me e
davam-me a sua vida divina. E a Mãezinha continuou :
— “Filhinha amada, querida do meu Jesus, recebe a vida de que
vives, recebe a vida do Céu, recebe-a e dá-as às almas” ».
Alexandrina é humilde,
sabe que é frágil, e que, a qualquer momento poderá vacilar, sobretudo neste
período em que Satanás é mais violento, tentando-a de todas as formas,
procurando levá-la ao desespero, ao pecado, à insubmissão à vontade divina.
Julgando-se portanto
indigna desta dádiva, pensa que o melhor é confiá-la a Jesus e a Maria, mesmo se
o depósito continua no seu frágil coração. Sem hesitar, ela pede, implora, mas
aceita...
— « Mãezinha, faço-Vos eu entrega da humanidade, guardai-a
que é Vossa, salvai-a, só Vós podeis. Envergonho-me por ter recebido de Vós a
entrega do mundo. Que pode esta miséria sem a Vossa protecção ? Ó Jesus, ó
Mãezinha, a Vós me entrego como o soldado que quer combater e defender o Vosso
reinado. Quero lutar, quero obedecer : mandai ; eu com a Vossa graça tudo
cumprirei, serei forte. Com a graça e força do Alto será salvo o mundo ».
E, ao concluir o seu
Diário desse dia 8 de Dezembro, ela confessa :
« Desprendi-me de Jesus e da Mãezinha com grande custo. Unida
a Eles, vencia o mundo, nada temia. Agora tudo temo, nada posso. Ai que saudades
tenho do Céu. Quando irei para lá ? »
Tomando muito a sério
a responsabilidade da humanidade pecadora, Alexandrina não passará um só
instante sem pensar no mundo e nos pecadores. Por eles aceitará todos os
sofrimentos, todas as missões delicadas e difíceis que o Senhor lhe proporá. Uma
só coisa conta, agora mais do que nunca : a salvação das almas, de todas as
almas.
Penetrada por este
sentimento redentor, ela escreve, a 11 de Dezembro desse mesmo ano, no seu
Diário :
« Eu queria ir de joelhos ou de rastos por toda a parte do
mundo deixar bem vivas estas palavras escritas por mim e com o meu sangue. Nem
um palmo de terra queria que ficasse sem estas letras : “Convertei-vos,
convertei-vos, pecadores”. Não sei o que mais hei-de fazer, meu Jesus, por Vós e
pelas almas ».
Sublinhamos, porque
estas palavras mostram até que ponto, é grande o seu desejo, não só de agradar a
Jesus, de pôr em prática o que lhe pedia, mas também quão grande é o seu amor
para com os pecadores e o seu desejo sincero de os trazer para o bom redil, de
maneira que todos se salvem.
Nesse mesmo dia,
escreve ainda para o seu Diário :
« Não quero estar na terra senão para as salvar ― as
almas, entenda-se ― e amar Aquele que não é amado ».
Tanto este
carisma ― porque é um ! ― como todos os outros de que beneficiou a “Doentinha de
Balasar”, não mereceram, quando isso foi necessário, um estudo aprofundado pela
parte de teólogos competentes, o que motivou, infelizmente para ela e para
aqueles que de perto com ela lidavam, um “mar de incompreenções”, de
perseguições e de dissabores sem conta.
Terá sido por isso que
o Senhor, em algumas das suas intervenções fala desse problema crucial, dessa
falta de estudo :
― « “Minha filha, onde está escrito tudo o que é divino. Em
ti aprenderão a amar, em ti aprenderão a sofrer, em ti aprenderão a conhecer
como Eu me comunico às almas. Não o sabem, não o estudam” ».
Alguns dias depois,
Jesus voltará a frisar esta carência de estudos. Ouçamo-lo :
― « “É preciso estudar, aprofundar, para compreender a vida
de Cristo nas almas” ».
Tudo quanto Jesus faz
na Alexandrina é para ela motivo de humildade, motivo para confessar quanto se
sente pequenina e incapaz, apoderando-se mesmo dela a vergonha da sua miséria. É
o que ela mesma explica no Diário desse mesmo dia :
« Ó meu Jesus ― diz ela
humildemente ―, o que hei-de eu dizer-Vos ? Quanto mais falais, mais se
apodera de mim a minha pequenez. Humilho-me, humilho-me, Jesus, tenho vergonha
da minha miséria, tenho vergonha de Vos utilizardes de mim para tão altos fins.
Trabalhai Vós, falai Vós, tudo Vos pertence e falais das Vossas grandezas ».
Este ano de 1944 vai
terminar. Alexandrina, que agradecer tudo quanto recebeu do Senhor, tudo quanto
o Senhor, nos seus desígnios divinos, permitiu. Ela escreve, na última pagina
desse ano estes dois parágrafos :
« À meia noite agradeci a Jesus todos os benefícios recebidos
durante o ano e tudo o que me tinha feito sofrer. Pedi para que rezassem comigo
um “Te Deum” em acção de graças. Terminado ele, acrescentei :
— Obrigada por tudo, meu Jesus, por toda a dor e por toda a
alegria. Perdoai as minhas ingratidões para convosco. Que me espera agora no
novo ano ? Mandai-me o que quiserdes, Jesus, que tudo aceito, mas não me falteis
com a graça precisa e dai-me todo o Vosso amor ».
Obrigados,
Alexandrina, por tudo quanto nos ensinas, por tudo quanto pediste e pedes ao
Senhor, por nós, teus irmãos e filhos pecadores.
|