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Depois de
explicar a Nicodemos que o Messias tem de “ser levantado ao alto”, como “Moisés
levantou a serpente” no deserto (a referência evoca o episódio da caminhada pelo
deserto em que os hebreus, mordidos pelas serpentes, olhavam uma serpente de
bronze levantada num estandarte por Moisés e se curavam – cf. Nm 21,8-9), a fim
de que “todo aquele que n’Ele acredita tenha vida definitiva” (Jo 3,14-15),
Jesus explica como é que a cruz se insere no projecto de Deus. A explicação vem
em três passos…
O primeiro (vers. 16) refere-se ao significado último da cruz. Esse Homem que
vai ser levantado na cruz veio ao mundo, incarnou na nossa história humana,
correu o risco de assumir a nossa fragilidade, partilhou a nossa humanidade; e,
como consequência de uma vida gasta a lutar contra as forças das trevas e da
morte que escravizavam os homens, foi preso, torturado e morto numa cruz. A cruz
é o último acto de uma vida vivida no amor, na doação, na entrega.
Ora, esse
Homem é o “Filho único” de Deus. A expressão evoca, provavelmente, o “sacrifício
de Isaac” (cf. Gn 22,16): Deus comporta-Se como Abraão, que foi capaz de
desprender-se do próprio filho por amor (no caso de Abraão, amor a Deus; no caso
de Deus, amor aos homens)… A cruz é, portanto, a expressão suprema do amor de
Deus pelos homens. O quadro dá-nos a dimensão do incomensurável amor de Deus por
essa humanidade a quem Ele quer oferecer a salvação.
Qual é o
objectivo de Deus ao enviar o seu Filho único ao encontro dos homens? É libertá-los
do egoísmo, da escravidão, da alienação, da morte, e dar-lhes a vida eterna. Com
Jesus – o Filho único que morreu na cruz – os homens aprendem que a vida
definitiva está na obediência aos planos do Pai e no dom da vida aos homens, por
amor.
O segundo
(vers. 17) deixa claro que a intenção de Deus, ao enviar ao mundo o seu Filho
único, não era uma intenção negativa. Jesus veio ao mundo porque o Pai ama os
homens e quer salvá-los. O Messias não veio com uma missão judicial, nem veio
excluir ninguém da salvação. Pelo contrário, Ele veio oferecer aos homens – a
todos os homens – a vida definitiva, ensinando-os a amar sem medida e dando-lhes
o Espírito que os transforma em Homens Novos.
Reparemos
neste facto notável: Deus não enviou o seu Filho único ao encontro de homens
perfeitos e santos; mas enviou o seu Filho único ao encontro de homens pecadores,
egoístas, auto-suficientes, a fim de lhes apresentar uma nova proposta de vida…
E foi o amor de Jesus – bem como o Espírito que Jesus deixou – que transformou
esses homens egoístas, orgulhosos, auto-suficientes e os inseriu numa dinâmica
de vida nova e plena.
O terceiro
(vers. 18) descreve as duas atitudes que o homem pode tomar, diante da oferta de
salvação que Jesus faz: quem aceita a proposta de Jesus, adere a Ele, recebe o
Espírito, vive no amor e na doação, escolhe a vida definitiva; mas quem prefere
continuar escravo de esquemas de egoísmo e de auto-suficiência, auto-exclui-se
da salvação. A salvação ou a condenação não são, nesta perspectiva, um prémio ou
um castigo que Deus dá ao homem pelo seu bom ou mau comportamento; mas são o
resultado da escolha livre do homem, face à oferta incondicional de salvação que
Deus lhe faz. A responsabilidade pela vida definitiva ou pela morte eterna não
recai assim sobre Deus, mas sobre o homem.
De acordo
com a perspectiva de João, também não existe um julgamento futuro, no final dos
tempos, no qual Deus pesa na sua balança os pecados dos homens, para ver se os
há-de salvar ou condenar: o juízo realiza-se aqui e agora e depende da atitude
que o homem assume diante da proposta de Jesus.
Em resumo:
porque amava a humanidade, Deus enviou o seu Filho único ao mundo com uma
proposta de salvação. Essa oferta nunca foi retirada; continua aberta e à espera
de resposta. Diante da oferta de Deus, o homem pode escolher a vida eterna, ou
pode excluir-se da salvação.
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