Santo Cristo dos Milagres
A população do arquipélago
dos Açores cultua, há mais de três séculos, com ardor, a imagem
admirável de Cristo padecente - "Ecce Homo" – por intermédio da qual
se têm operado, de modo contínuo, esplêndidos milagres.
Uma das devoções mais ricas
em significado, e que se manifesta com pujança extraordinária nos
nossos dias, é a do Senhor Santo Cristo dos Milagres. O centro da
sua veneração é o Mosteiro da Esperança em Ponta Delgada, na ilha de
São Miguel, no arquipélago dos Açores.
O Senhor Santo Cristo é
representado nesta devoção por uma imagem de tamanho superior à de
um homem, apresentando Jesus no Pretório de Pilatos, depois de ter
sido açoitado, com a face repleta de feridas pelos golpes e pelas
bofetadas, a cabeça coroada de espinhos; o seu rosto adorável e o
peito aberto pela lança. Como rei de comédia, está sentado, tendo na
mão uma cana, em vez de um ceptro; e um manto de púrpura para
escárnio.

O tesouro da Imagem do
Senhor Santo Cristo dos Milagres
Fruto dos mistérios da Fé,
sinal da gratidão dos mortais pelos milagres que os ajudam a
caminhar pela vida, o Tesouro da imagem é impressionante.
O Resplendor, em platina
cromada de ouro, pesa 4, 850 gramas e está repleto de 6.842 pedras
preciosas de todas as qualidades: topázios, rubis, ametistas,
safiras, etc.
Além do valor artístico, esta
jóia está carregada de elementos simbólicos ligados à teologia. O
primeiro é o da Santíssima Trindade, representada por um triângulo
no centro que contém três caracteres com o seguinte significado:
"Sou o que Sou" e também "Pai, Filho e Espírito Santo".
Deste triângulo irradiam os
resplendores para as extremidades da peça.
O segundo elemento é a
Redenção de Cristo, representada pelo cordeiro sobre a cruz e pelo
livro dos Sete Selos do Apocalipse.
Um terceiro é a Eucaristia,
simbolizada por uma ave, o pelicano e pelo cálice.
O último elemento simbólico
do Resplendor é a Paixão de Cristo, com especial destaque para a
coroa representada em pormenor. Desde a túnica ao galo da Paixão,
passando pela coroa de espinhos integralmente feita de esmeraldas,
tudo lembra a paixão dolorosa e o sofrimento do Redentor.
Se o Resplendor é a jóia mais
rica do Tesouro, a coroa é a sua peça mais delicada. Em ouro,
pesando apenas 800 gramas, possui 1.082 pedras preciosas, todas elas
trabalhadas com minúcia, onde os próprios espinhos são pequeníssimas
pedras que diminuem de tamanho nas extremidades.
O relicário é, por outro
lado, a peça mais enigmática do Tesouro. É a única que está
permanentemente colocada no peito da imagem e serve para guardar o
Santo Lenho, que é uma relíquia da verdadeira cruz em que Jesus foi
crucificado.
O Ceptro, a quarta peça do
Tesouro, é constituído por duas mil pérolas que formam uma maçaroca
de cana, 993 pedras preciosas ao longo do tronco e no conjunto de
brilhantes com renda de ouro na base, onde está colocada a Cruz de
Cristo.
Finalmente, as Cordas, com
5,20 metros de comprimento, constituem a quinta peça do corpo
principal do Tesouro. São duas voltas de pérolas e pedras preciosas
enroladas em fio de ouro.
As Jóias do Senhor Santo
Cristo dos Milagres, como também a selecção de capas usadas pela
imagem, podem ser admiradas no Convento de Nossa Senhora da
Esperança.
Na origem da devoção,
uma religiosa Clarissa
A custodiar a imagem do
Senhor Santo Cristo estão as Irmãs Clarissas, que começaram as suas
actividades apostólicas naquela ilha em 1541 (o arquipélago fora
descoberto em 1427).
Essa Congregação tem-se
dedicado ininterruptamente às obras religiosas e mais especialmente
ao culto do Senhor Santo Cristo, mesmo durante a era pombalina, em
que as Ordens Religiosas foram proibidas e perseguidas por força das
leis da época.
Tal devoção começou a tomar o
brilho que hoje possui a partir de 1683, quando fez os votos
solenes, em 23 de Julho, a Madre Teresa d' Anunciada, conhecida como
a freira do Senhor Santo Cristo.
Esta madre, falecida com fama
de santidade em 16 de Maio de 1738, dedicou a sua vida a Nosso
Senhor Jesus Cristo, honrando de maneira única a Sua imagem de "Ecce
Homo", por cujo culto se bateu a vida toda com um amor abrasador e
uma dedicação absoluta.
Na sua autobiografia, escrita
por ordem do seu confessor, lê-se: "Para Deus, por mais que se faça,
não é nada. Para o que Sua Majestade merece, tudo o que Ele quiser,
estou pronta".
O amor desta alma a Nosso
Senhor levou-a a honrar de maneira única a Sua imagem do "Ecce
Homo", que encontrou pobre, quase abandonada e escondida havia mais
de cem anos numa dependência do Convento.
Tal imagem havia sido doada a
duas religiosas que tinham ido a Roma especialmente com o objectivo
de pedir autorização para fundarem um convento em Ponta Delgada,
Açores.
Dizia Madre Teresa: “Todo
o meu cuidado era solicitar coisas muito ricas para adorno do meu
Senhor e tratá-Lo com aquele culto e decência que merece a Sua
Pessoa: De tudo o que necessitava o Senhor, fui sempre impertinente
em procurar; e quando alcançava os objectivos, dizia: “Tudo seja
para a Sua maior glória”.
Retribuindo tal dedicação,
Jesus operava prodígios para atender às suas orações e, como Ele
próprio lhe revelou, “tu és o meu nada, e Eu sou o teu tudo".
Os milagres, que se obtêm por
intermédio de orações ao Senhor Santo Cristo, são numerosíssimos. Na
vida de Madre Teresa d' Anunciada foram contínuos, estando, ainda
hoje, na Ermida de Nossa Senhora da Paz, consignados os relatos de
esplêndidos feitos miraculosos.
Tremores de Terra e
manifestação de Nosso Senhor estão na origem da procissão
No ano de 1700, a Ilha de S.
Miguel foi abalada por fortes e repetidos tremores de terra. Duravam
estes já há vários dias quando a Mesa da Misericórdia e grande parte
da nobreza da cidade, vendo que os terramotos não cessavam,
resolveram ir à portaria do Mosteiro da Esperança para levarem em
procissão a Imagem do Senhor Santo Cristo.
Ao princípio da tarde desse
dia 13 de Abril de 1700, juntaram-se as confrarias e comunidades
religiosas. Concorreu igualmente toda a nobreza e inumerável
multidão que, com viva fé, acreditava que se aplacaria a indignação
divina graças à santa Imagem.
Caminhava já a procissão em
que todos iam descalços; e logo que a veneranda Imagem se deixou ver
na portaria, foi tão grande a comoção em todos que a traduziram em
lágrimas e suspiros, testemunhos irrefragáveis da contrição dos
corações.
Levaram o andor do Senhor
Santo Cristo as pessoas mais qualificadas em nobreza. Andando a
procissão, ia a veneranda Imagem entrando em todas as igrejas onde,
em bem concertados coros, Lhe cantavam os salmos "Miserere mei
Deus".
Saindo da Igreja dos
Jesuítas, e caminhando para a das Religiosas de Santo André, não
obstante toda a boa segurança e a cautela com que levavam a santa
Imagem, com assombro e admiração de todos, saiu esta para fora do
andor e caiu ao chão. Foi esta queda misteriosa, porque não caiu a
Imagem por algum dos lados do andor, como era natural, mas pela
parte superior do mesmo.
O povo ficou aflito com
acontecimento tão estranho. Uns feriam o peito com as pedras;
outros, pondo a boca em terra, que julgavam santificada com o
contacto da santa Imagem, pediam a Deus misericórdia; estes, tomando
os instrumentos de penitência, davam sobre si rígidos e desapiedados
golpes, regando a terra com o sangue das veias; aqueles publicavam
em alta voz as suas culpas, como causas da indignação do Senhor; e
todos, com clamores e enternecidos suspiros, pediam a Deus que
suspendesse as demonstrações da sua justa vingança.
Verificaram, então, que a
santa Imagem não experimentara com a queda dano considerável, pois
somente se observou no braço direito uma contusão. A Imagem foi
lavada e limpa no Convento de Santo André e, colocada outra vez no
andor com a maior segurança, continuou a procissão, na qual as
lágrimas e soluços do povo aflito embargavam as preces, até que, bem
de noite, se recolheu no Mosteiro da Esperança.
E a cólera divina aplacou-se…
Na procissão,
resplandece majestade real
O jogo de expressões
fisionómicas da Imagem, que toca a todos individualmente, conforme
as disposições interiores de cada um, tem todavia uma característica
central e predominante: o olhar.
Este olhar convida a todos
que retribuam àquele imenso e divino amor com uma total dedicação e
entusiasmo na implantação do Reino de Nosso Senhor Jesus Cristo aqui
na Terra.
A face marcada pelos dramas
da Paixão não tira o aspecto de majestade que se desprende daquela
imagem. Ele próprio revelou à Madre Teresa o desejo de que fosse
glorificado como Rei, o soberano Senhor, tanto no convento como fora
dele.
É por isso que é realizada a
procissão do Senhor Santo Cristo pela cidade, no domingo
imediatamente anterior à festa da Ascensão, tendo esta devoção
começado por volta do ano de 1700.
Nessa procissão e a quantos
dela participam, Ele aparece ao povo da ilha, através da imagem,
como o "Senhor”, o "Rei Absoluto". As manifestações da população e
das Forças Armadas, os tapetes de flores, todo o brilho dado à
celebração constituem-se como sinceras, fervorosas e muito piedosas
homenagens a essa realeza, por parte do povo açoriano e de todos os
muitos que chegam à ilha nessa altura, vindos de todas as partes do
mundo.
Não é pois de admirar o que
escreve a Madre Teresa na sua autobiografia, sobre o que o Senhor
lhe ordenou: “Teresa, manda-Me buscar as insígnias reais: coroa de
espinhos, resplendor e cana. Eu quero que ele (o rei D. João V de
Portugal) Me mande fazer as três insígnias reais de ouro e
diamantes e pedras preciosas, como de rei para rei”.
Compreende-se assim o culto
prestado ao Senhor Santo Cristo, ornado de jóias preciosas
deslumbrantes e de tal magnitude que ultrapassa a de coroas dos mais
poderosos reis deste mundo. Mas o grande e valioso relicário está no
peito da imagem, que encerra uma relíquia da verdadeira Cruz de
Cristo, o Santo Lenho.
É facto digno de nota que a
primeira aparição de Nossa Senhora de Fátima, a 13 de Maio de 1917,
se deu no mesmo dia em que se realizava, em Ponta Delgada, a
procissão do Senhor Santo Cristo.
Afluência popular,
milagres e graças
Muito se poderia dizer sobre
os milagres que continuamente se operam por intermédio da devoção ao
Senhor Santo Cristo.
Todos os dias os fiéis, em
grande número, ajoelham-se perto das grades que no Santuário separam
a igreja do coro de baixo, onde está a capela do Senhor Santo
Cristo, construída pela Madre Teresa, segundo desenho arquitectónico
inspirado por Nosso Senhor Jesus Cristo.
Ali rezam e louvam o Senhor;
ali pedem graças, curas de doenças, a solução de problemas difíceis
nas suas vidas; ali fazem os seus votos, as suas promessas; ali
agradecem ao Senhor as graças obtidas; ali fazem as suas ofertas,
por vezes muito generosas.
É impressionante a afluência
de centenas de fiéis às sextas-feiras, durante todo o ano. Não há
uma única sexta-feira em que a igreja não esteja repleta, e muitas
vezes os fiéis ficam nas dependências, ou mesmo fora delas, por
falta de espaço.
A festa do Senhor Santo
Cristo dos Milagres celebra-se no quinto domingo depois da Páscoa.
Teresa
Moreno
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