A
IGREJA
DE SANTO ILDEFONSO
Depois de termos
visitado esta bela igreja, não resistimos ao prazer de a apresentar, não só
àqueles que já a conhecem, mas também e sobretudo àqueles que não sendo da
região do Porto, nunca tiveram ocasião de visitar este monumento exemplar que
faz parte integrante — e tanto melhor! — do património arquitectural da “Cidade
Invicta” e da muito antiga e quase “primaz” diocese do Porto.
Como o nosso sítio
Internet é poliglota, iremos também traduzir o texto a seguir em francês, tal
como habitualmente o fazemos para os outros trechos, de maneira a suscitar um
maior número de visitantes a esta igreja “cuja data de edificação se
desconhece”.
Utilizamos aqui a
síntese histórica que o actual pároco de Santo Ildefonso publicou na brochura
dedicada a esta “figura ilustre” do património nacional.
Esperamos que a
nossa iniciativa possa contribuir a um melhor conhecimento da igreja de Santo
Ildefonso, cujo pároco, Cónego Doutor Alfredo Leite Soares saudamos filialmente.
Afonso Rocha, Webmaster

A ermida de tempos
imemoriais
A anterior igreja
paroquial de Santo Ildefonso era a ermida de Santo Alifon, cuja data de
edificação se desconhece. Essa ermida fazia parte do
testamento
do Bispo do Porto, D. Vicente Mendes, datado de 1296, no qual se lê: "... a
ermida do Orago do Sancto Ildafonso que está em hum campo".
De 1514 há a
memória do primeiro emprazamento do adro e, em 1519, a existência da Confraria
do Senhor Jesus.
Numa provisão
municipal, de 30 de Maio de 1560, alude-se a uma antiga ermida de "Sant'llafon",
que existia desde tempos imemoriais no lugar onde hoje está a Igreja do mesmo
Orago.
O local onde se
encontrava a ermida era, pela sua elevação e pelo souto de carvalhos aí
existente, um dos locais aprazíveis para os habitantes do burgo portucalense aí
passearem. Também por aí faziam passar a tradicional procissão do Corpo de Deus,
saída da Sé, atravessando as muralhas fernandinas. Era nesse local que, sob um
dos mais frondosos carvalhos, os fiéis levantavam um altar para aí colocar o
Santíssimo Sacramento, enquanto o povo descansava e comia, antes do regresso da
Procissão à Sé.
Junto à Ermida,
erguia-se uma Albergaria para peregrinos e, em 1521, também o Hospício dos
Entrevados, tendo a Confraria de Santo Ildefonso assumido o compromisso de
sepultar no adro da Igreja os falecidos desse Hospício.
Em 1561, fala-se da
existência da freguesia de Santo Ildefonso, arrabalde da cidade. Em 1634, é
erecta a Confraria do Santíssimo Sacramento, unida para sempre à do Senhor
Jesus.
Vestígios do passado
Para além do pouco
conhecimento, via documental, que mais poderemos saber das origens da comunidade
cristã de Santo Ildefonso com o seu lugar de culto?
Prospecções no
terreno, iniciadas em Julho do ano 2000, sob a orientação do Pároco, Cónego
Doutor Alfredo Soares e do Arquitecto Jofre
Bispo,
demonstraram, pelo levantamento de todo o soalho da Igreja, estarmos perante um
cemitério térreo dentro da Igreja (o que era habitual) com os taburnos
respectivos, permitindo, assim, a participação dos fiéis nos actos de culto.
Dois caixões ainda permaneciam intactos, apenas com ossadas, um deles, junto ao
arco-cruzeiro, com 1,95 metros de comprimento.
Na Capela-mor,
removidas que foram pedras irregulares e toscas, encontrámos pedras de alicerce,
situadas em fecho junto ao primeiro degrau do presbitério, e que corresponderiam
à dita antiga Ermida.
Em cada um dos dois
corredores de acesso às torres pusemos a descoberto duas pedras de tecto, uma
com uma inscrição, outra com a gravação de uma cruz dos Templários.
Na sala contígua ao
lado esquerdo da Capela-mor e que fora a primitiva sacristia da Igreja, removido
que foi todo o pavimento, encontrámos um cemitério rudimentar e tosco, em que os
tampos das sepulturas eram pedras irregulares na face inferior e lisas na face
superior. Havia pequenos caminhos por entre as sepulturas, dispostas em planta
curva.
De referir que a
impressionante Cruz que, actualmente, expomos à adoração dos fiéis na Quaresma e
nas cerimónias de Sexta-feira Santa é citada nos antigos inventários da Igreja
como uma "Cruz antiquíssima", o que nos leva a supor ter pertencido à antiga
Ermida.
O
nascimento da actual Igreja
No início do século
XVIII, a ermida de Santo Ildefonso corria perigo de ruína total pelo
desmoronamento das paredes e da armação do tecto. Já há algum tempo, o sacrário
tinha sido transferido para o altar-mor da Capela de Nossa Senhora da
Batalha (sita na
agora Praça da Batalha e demolida nos princípios do século XX).
A ermida de Santo
Ildefonso acabou por ser demolida em 1709. Nesse mesmo ano, começou a edificação
da actual Igreja de Santo Ildefonso. Durante os 30 anos da sua construção
(1709-1739), o culto e as imagens da antiga ermida passaram para a Capela de
Nossa Senhora da Batalha, junto da porta de Cima de Vila.
No dia 18 de Julho
de 1739, é inaugurada e benzida a nova Igreja de Santo Ildefonso e, no dia 19 de
Julho, foram trasladados, com toda a pompa, para a nova Igreja, o Santíssimo
Sacramento e as imagens sacras.
No tímpano da porta
principal da Igreja está a data de M DCCXXX (1730), mas isso significa apenas a
data da sua colocação. É que a construção da Igreja obedece a duas fases: uma
engloba a capela-mor e o corpo da igreja; a outra tem a ver com a fachada, o
nartex e as torres sineiras. Esta fase foi certamente posterior abrangendo
aquilo que era o adro da antiga ermida e onde se faziam sepultamentos,
seguramente já no século XVI. De resto, uma dupla cruz cimeira no edifício, bem
visível do Largo de Santo Ildefonso e da Praça da Batalha, disso parece ser
sinal, bem como o facto de no nartex da Igreja se ter encontrado uma área
tumular com estruturas em granito.
Os obreiros desta Igreja
multissecular
Desconhecem-se o
arquitecto e o nome dos primeiros construtores. No entanto, dos acabamentos das
obras da Igreja, por uma escritura datada de
23
de Março de 1739, sabe-se que os carpinteiros foram Manuel Ferreira Machado e
João Ferreira Pinto, moradores em Santo Ildefonso, Caetano Lopes, morador em
Guilhabreu, e Manuel da Cruz, de Vilar do Pinheiro.
Os pedreiros foram
António Pereira, morador em Santo Ildefonso, e José Fernandes, de Santa Marinha,
Gaia. O serralheiro foi Manuel da Rocha, morador na Rua Direita de Santo André,
da freguesia de Santo Ildefonso.
O retábulo é
desenho de Nicolau Nasoni e a execução da obra foi outorgada a Miguel Francisco
da Silva, em 11 de Julho de 1745. Demorou um ano a execução do retábulo.
A escadaria
principal da Igreja terá sido nessa ocasião construída, cercada por um murete de
pedra com aberturas circulares e ainda sem o gradeamento superior. Debaixo do
degrau cimeiro da escadaria, junto ao patamar que dá acesso à porta principal da
Igreja, foi encontrada, pelo Pároco, Cónego Dr. Alfredo Soares, em 19.01.2001,
uma moeda com a data de 1744.
Havia uma outra
entrada de acesso, ao fundo da escadaria que terminava no lado nascente. Esta
escadaria sofreu um corte sensível em 1843 porque era embaraçosa a larga curva
que a escadaria formava na sua extremidade oriental (entenda-se, voltada para a
Rua de Santo Ildefonso). Assim se manteve desde 1843 até ao dia 18 de Setembro
de 2001, data do começo das obras de ampliação da escadaria.
Enriquecimento do património
Para dar ingresso à
porta principal, construiu-se nos finais do século XVIII, uma elegante e
espaçosa escadaria que se estendia por três séries de patamares, até à
embocadura da Rua de Santa
Catarina. Para o
lado nascente, devido ao declive do terreno, havia apenas um lanço de degraus.
Na parte central, havia dois. Na parte de baixo, em frente à Rua de Santo
António (actual Rua 31 de Janeiro) eram três os lanços de degraus. Na patamar
intermédio destes três lanços, abria-se um espaço quadrangular, no meio do qual,
com certa elegância se elevava um alto obelisco (pedra única), assente sobre
quatro esferas de granito pousadas nos quatro cantos de um pedestal que lhe
servia de base. Actualmente, o obelisco está no terreno do lado esquerdo da
Igreja.
Autores
há que afirmam ser o contraponto à Torre dos Clérigos, entretanto, acabada de
construir, a razão de ser deste obelisco, pelo seu alinhamento com a referida
Igreja, posicionada na outra colina. Esta escadaria foi desmontada em 1924, para
dar lugar a espaços comerciais.
Em 1843, são
colocados um gradeamento e os portões de ferro nas três
entradas de acesso
à Igreja. Este gradeamento é substituído em Junho de 2002, eliminando-se os
muretes de pedra e assentando o novo gradeamento, mais alto e elegante, num
rodapé feito a partir da pedra desses muretes. O portão principal é também
substituído e, igualmente, implantado o novo portão na nova escadaria do lado
nascente, em Junho de 2002.
No logradouro
envolvente das traseiras e do lado esquerdo da Igreja encontram-se 14 cruzes,
algumas ainda com a figura de Cristo, a cores, esbatida. Estas cruzes foram
retiradas, no final do século XIX, por ordem da Câmara, da colina do Bonjardim,
ante os protestos das pessoas devotas, pois, durante dois séculos, serviram para
a Via-Sacra da população do burgo tripeiro. Nos documentos de registo de
propriedade, lê-se que, nos inícios do século XX, estes "catorze cruzeiros de
pedra eram forrados de madeira com caixilhos de vidro e com pintura a óleo, cada
um com a sua galeria de madeira e zinco e cada dois com uma lâmpada de ferro,
tendo cada cruzeiro um letreiro oval com a invocação do santo".
Em 1908 começam a
ser construídos, contíguos à Igreja, do lado nascente, o cartório e a residência
paroquial.
Vicissitudes
da história
Em 1819, um furacão
arranca a cruz de pedra sobre o telhado do altar-mor que destruiu a abóbada da
capela-mor da Igreja, arrasando-a.
Em 21 de Julho de
1833, a Confraria, em acta, dá conta dos estragos causados na Igreja pelas lutas
liberais no cerco do Porto. As balas e as bombas arruinaram o adro e a frente da
Igreja de Santo Ildefonso.
Na noite de 23 para
24 de Janeiro de 1838, a Igreja é assaltada e roubada. Desapareceram vários
paramentos e muitas peças de prata, além de 152$125 réis. Já, em 1809, havia
sido assaltada e saqueada pelas tropas francesas, comandadas pelo General Soult.
Conhecendo a Igreja de Santo
Ildefonso
A Igreja de Santo
Ildefonso, de planta poligonal (octógono alongado) é uma Igreja do século XVIII,
estilo declinante da Renascença. Tem uma
fachada
regular, flanqueada por duas torres sineiras com dentilhões nas cornijas,
rematadas em cada face por esferas e frontões de fantasia.
No interior, a nave
é poligonal rematada com um tecto de estuques ornamentais.
A capela-mor, que
remata num elevado lanternim, vedado por um vitral, tem o tecto executado em
estuque decorativo e apresenta uma rica decoração ao nível dos
trabalhos de
tradição barroca. Dividido em dois níveis, o tecto apresenta um conjunto
figurativo em alto relevo, ladeados por ornatos executados em médio relevo,
mostrando elementos vegetalistas que, aplicados sobre a superfície, acrescentam,
pelo seu trabalho delicado, harmonia e leveza a toda a composição. Foi, no
passado, um rico trabalho cromático a ouro puro, mais tarde coberto por cal.
Conjunto apelativo
são as seis grandes imagens em estuque, na capela-mor, representando, do lado
esquerdo, o Apóstolo S. Pedro (com as chaves), os Evangelistas S. Marcos (com a
cabeça de leão aos pés), S. Mateus (com a figura de criança aos pés) e, do lado
direito, o Apóstolo S. Paulo (com a espada), os Evangelistas S. Lucas (com a
cabeça de touro aos pés) e S. João (com a figura de águia aos pés).
O arco cruzeiro
está encimado por um conjunto de talha recente (ano 1950) e uma imagem de Jesus
Cristo, de braços abertos e acolhedores. Lateralmente colocadas, nos quatro
cantos da nave da Igreja, estão quatro estátuas de Apóstolos que substituíram,
nos inícios do século XX, painéis pintados com as figuras de quatro Doutores da
Igreja.
No seu corpo e na
capela-mor, a Igreja apresenta quatro grandes portas laterais encimadas com
sanefas de talha dourada. Os púlpitos, um de cada lado entre as portas laterais
da nave, são em talha dourada. No coro da Igreja existe um órgão de tubos,
ibérico e do século XIX, à espera de restauro. No centro da Igreja, nas paredes
laterais, duas grandes telas com molduras notáveis recamadas a ouro puro e, nos
princípios do século XX, pintadas a castanho, esperam a hora do seu restauro e a
devolução das molduras ao ouro primitivo que lá se encontra.
O
altar-mor e os seus ornamentos notáveis estão voltados para o seu sentido
sacramental, a Eucaristia. Reforça esta intenção a tela do Padroeiro, um santo
exemplar no apelo a este sacramento. A imagem do Santo Ildefonso está, como se
impõe, no nicho do lado direito do sacrário, enquanto do lado esquerdo está a
imagem de S. Sebastião.
Os altares laterais
são seis, todos com belas imagens ou conjuntos escultóricos em madeira, de rara
beleza: S. Francisco Xavier, Sagrado Coração de Jesus, Imaculada Conceição (do
lado direito), Nossa Senhora de Fátima, Senhora da Soledade e Senhora da Piedade
(do lado esquerdo). Há ainda as imagens de Santo António e S. Francisco de Sales
em nichos destacados e, anexas a altares laterais, imagens mais pequenas de
Santa Rita, Santa Teresinha do Menino Jesus, Santa Isabel, Santa Inês, Menino
Jesus e S. José, além dos nichos da Senhora da boa morte, Senhor Morto e Senhor
dos Passos.
A pia baptismal é
um belíssimo bloco de mármore de Carrara.
Os azulejos da
fachada da Igreja, em número de 11.000, têm a data de 23 de Novembro de 1932,
com a assinatura de Jorge Colaço e representam cenas da vida de Santo Ildefonso
e do Evangelho.
Os vitrais têm a
data de 1967 e a autoria é do mestre Isolino Vaz. Contrastados pelo sol ou, à
noite, iluminados a partir das galerias exteriores, dão-nos conta da sua beleza
polícroma e da sua mensagem serena e contemplativa. O vitral, ao nível do coro,
sobre a entrada da Igreja, é alusivo à Transfiguração. Por cima, é alusivo à
Ascensão.
Na parede lateral
da esquerda de quem entra, o primeiro vitral alude à última Ceia; o seguinte,
junto ao arco cruzeiro, representa a Apresentação do Menino no Templo. Do lado
direito de
quem entra, o
primeiro vitral visualiza a Ressurreição de Cristo e o que está perto do
arco-cruzeiro retrata a cena de Jesus entre os doutores da Lei, no templo de
Jerusalém. Na capela-mor, mais dois vitrais: o da esquerda lembra a Anunciação
do Anjo a Maria e o da direita, o Nascimento de Jesus.
Uma
era de renovação
Em 1975, a Igreja
de Santo Ildefonso é classificada como imóvel de interesse público.
A 4 de Novembro de
1996, nas obras de renovação do nartex da Igreja, são descobertas 19 sepulturas
em granito (14 de adultos e 5 de crianças) e que correspondem ao adro da antiga
ermida de Santo Ildefonso. São repostas na sua versão original. Verificou-se,
então, que o corpo da Igreja é cemitério térreo. No decorrer das obras,
consolidou-se a torre sul que ameaçava ruína e remodelou-se totalmente o
pavimento do coro que estava apodrecido,
criando-se uma
bancada para os coralistas. A 23 de Março de 1997, as obras são inauguradas com
uma solene cerimónia da inumação das ossadas removidas.
Em Julho de 1997,
são implantadas uma nova instalação sonora e catorze novas caixas de esmolas com
as memórias hagiográficas junto aos respectivos altares. Em Novembro de 1998,
dá-se início às obras de implantação de nova electrificação, de uma moderna
iluminação e de um sistema de segurança da Igreja, obras essas que terminam em
Abril do ano seguinte.
Em Dezembro de
1999, a sacristia da Igreja é sujeita a profunda remodelação. Em Abril do ano
2000, inicia-se uma intervenção na área da capela-mor e do altar-mor: retirada
de dois falsos degraus, criação de um patamar de acesso ao sacrário, retirada
das pedras irregulares na zona laterais da capela-mor e colocação de novo
lajedo, reposição do altar-mor no seu lugar primitivo.
Em Julho do ano
2000, procede-se a mais um significativo melhoramento da Igreja de Santo
Ildefonso. Trata-se da substituição total do soalho da Igreja, com rebaixamento
da parte dianteira da nave, colocação de um novo degrau de pedra no início da
capela-mor e de um degrau de pedra em cada porta lateral de acesso aos
corredores para as torres, substituição total do velho travejamento do soalho da
Igreja, colocação de novas vigas e meios-fios em pinho tratado para travejamento
do soalho e aplicação de 202 metros de riga nova como soalho da Igreja.
Em Janeiro de 2001,
é restaurada a tela do Padroeiro, sobre o retábulo do altar-mor e mecanizado o
seu levantamento.
Em Junho de 2002, é
restaurado o muro lateral direito do logradouro da Igreja e completado com uma
nova pilastra.
Padre Alfredo Soares, pároco de
Santo Ildefonso
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