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SENTIMENTOS DA ALMA

1944

DEZEMBRO

1º de Dezembro de 1944 – Sexta-feira

Durante a noite fui assaltada pelas manhas do demónio. Aflige-me muito ; aterrou-me ; a sua linguagem foi vergonhosa, assim como as acções e conselhos. Lutei, lutei com as suas artes. Ele afirmou-me bem eu que pequei. E eu durante a luta dizia para Jesus :

— Como posso estar eu em tão grande fogo sem ser queimada ? Pecar não quero, meu Jesus.

Quis de novo expulsar o demónio, mas não foi para mim ; nem uma só palavra pude dizer. Ele estava raivoso, com a maior fúria ; não sabia como libertar-me dele. Jesus não veio, ou antes, não o sentia nem o via. O que sei é que ele de repente retirou-se enquanto que eu fiquei a dizer :

— Jesus, pecar, não !

Este brado moribundo penetrou tanto em meu coração e ecoou em meus ouvidos, que já lá vão quase 24 horas e ainda ouço e sinto no coração a dor que me causou. A cada momento passa pelos meus ouvidos esta voz dorida : — “Jesus, pecar, não !”

Fiquei num grande desalento, num profundo pesar a parecer-me que tinha ofendido o meu Jesus. E nesta amargura passei o dia de hoje. Juntou-se mais a dor de ser sexta-feira. Ó meu Deus, não posso recordar-me : que medo eu tenho ! Veio a madrugada. Sentia-me numa prisão, triste, cansada, cheia de medo e vergonha. Mais tarde, de mãos presas e a cabeça a parecer que sangrava com a dor e ferimentos dos espinhos, parecia-me que era levada a correr ruas. Grande multidão de curiosos olhavam-me, uns com dó, outros com desdém. Ouvia a burburinho do povo ; ruídos enormes. Sentia-me sozinha. Olhei a Jesus crucificado, julguei-me abraçada à Cruz e disse-lhe :

— Meu Jesus, que importa que todos me deixem, se me ficais Vós ? Se Vos possuo e estais comigo, não estou sozinha.

Já de tarde sentia-me na Cruz ; a alma cravada com o corpo, ambos na mesma dor e agonia. A alma levantava os olhos ao Céu, nada via a não ser dor e morte, nada podia dizer a Jesus. Ele veio, e veio cheio de amor.

— “Vem, minha filha, louca de dor e amor, ao meu encontro. É dor que salva as almas, é loucura de amor por mim. Se o mundo conhecesse esta vida de amor, esta união conjugal de Jesus com a alma virgem, com a alma que escolhe para sua esposa ! Mas não conhece, e porque não conhece, calunia-a, despreza-a, persegue-a. Ó minha pomba bela, tu és esposa e és mãe, mãe que não deixa de ser virgem ; és mãe dos pecadores, são filhos da tua dor, filhos do teu sangue que vais perdendo gota a gota, filhos do teu amor. Minha filha, lá do Céu muitas vezes ouvirás da terra muitos pecadores chamarem-te, aclamarem-te pelo doce nome de mãe. Aclamar-te-ão aqueles que se virem livres das garras do demónio e conhecerem que foram livres por ti, aproximando-se assim do meu divino Coração. Grande amor, ditosa dor que te levou a mereceres de Jesus tão honrosos e elevados títulos !”

— Meu Jesus, meu Jesus, que envergonhada e confundida estou. Se eu pudesse ocultar tudo isto ! Se fosse só para Vós e para mim ! Confunde-me ouvir isto e ver a minha miséria !

— “Já sabes que necessito da tua miséria para esconder em ti as minhas grandezas e omnipotência. Escreve tudo, escreve, minha filha. Se o que te digo ficasse oculto, de nada valia ao mundo. Mãe dos pecadores, nova redentora, salva-os, salva-os. És a nova redentora escolhida por Cristo. Nunca houve nem voltará a haver no mundo sofrimento que se iguale ao teu. Nunca houve nem voltará a haver vítima desta forma imolada, porque nunca houve tanta necessidade como hoje, nunca o mundo pecou assim. Dezanove séculos são passados que Eu vim ao mundo e trouxe agora a nova redentora escolhida por mim para relembrar ao mundo o que Cristo sofreu, o que é a dor, o que é o amor e loucura pelas almas. És a nova redentora que vens salvá-los, és a nova redentora que incendeias na humanidade o amor de Jesus. Nova redentora que serás falada enquanto o mundo for mundo. Minha filha, livro onde estão escritas com dor e sangue letras de oiro e pedras preciosas todas, todas as ciências divinas ! Coragem, amada, não temas as tempestades, não temas o estrondo do trovão que traz consigo nuvem que orvalha graças, amor e maná celeste. Enche-te, minha filha ; é de amor e maná que vives ; enche-te para dares às almas”.

— Obrigada, meu Jesus !

Senti-me mergulhada no amor de Jesus e com tanta intensidade que terminado o colóquio pensei não aguentar o fogo que me devorava o coração. Pensei e cheguei a falar numa toalha molhada em água para apagar o fogo que tanto me abrasava. Receosa que me fizesse mal, não o usei. Por vezes parece apagar-se e perder todo o calor ; de novo volta a incendiar-se, mas com tal viveza que parece destruir-me. Além do fogo que recebi de Jesus, recebi também um nevoeiro brilhante que caiu sobre mim em grande abundância. Era doce, era suave, deu-me vida, senti-me viver, senti-me forte para sofrer.

— Ó meu Jesus, que doçuras e encantos tem a Vossa vida divina !

2 de Dezembro de 1944 – Primeiro sábado

Noite de dor, noite de tristeza e trevas. Veio o demónio desempenhar o seu papel infernal. A luta mais violenta durou nada menos duma hora. Apareceu-me em forma de serpente medonha ; era da grossura de qualquer uma pessoa, coberta de escama, comprida e feia. Enrolava-se de tal forma que parecia um monte delas e não uma só. Cheguei a assustar-me. Com as suas palavras feias, gestos maus, calcava aos pés as cabeças das pessoas com quem ele diz que eu peco. Fingia esmagar tudo.

— Estás condenada ao inferno. Diz que queres o prazer, diz que queres pecar. Ou desistes da tua oferta de vítima ou te esmago esse corpo e engulo-te como se fosse um leão.

E fazia tentativas para me chegar a engolir. Nos momentos mais aflitivos foi que eu recorri ao Céu ; atormentada com o susto de pecar, chamei por Jesus aflitivamente. O que se passou, só em confissão o direi. Como Jesus vela e ampara quem não quer ofendê-lo ! Fiquei libertada, apesar das ameaças serem do combate durar toda a noite. Não sei se foi Jesus que o mandou retirar ou se foi ele que assim o quis. Eu ouvia a afirmação que era eu que não queria por já estar cansada. Apesar da noite estar luminosa, eu fiquei na maior escuridão e num tristeza de morte. Uma palavra ou outra a desabafar com e meu Jesus e com a Mãezinha querida ; pouco podia dizer-lhes, a vergonha não me deixava. Meu Deus, como posso eu amar-Vos e consolar-Vos desta forma ? Ó Mãezinha, ao o primeiro sábado, que comunhão a minha ! Passou-me pela ideia pedir a Jesus que não me falasse. Que horror, que timidez eu tenho aos êxtases. Tive medo de com estes pensamentos desgostar o meu Jesus. Veio a hora de eu comungar. Momentos depois principiou Ele a falar-me com a sua costumada doçura e amor :

— “Minha filha, pomba querida, branco lírio, açucena cândida e pura, vem cá e escuta-me. O Esposo que ama e é fiel desabafa com a sua esposa as suas dores e mágoas. Olha, Eu estou tão magoado, está tão ferido o meu divino Coração ! Os pecadores não cessam com os seus crimes, cada vez me ofendem mais com as suas desonestidades e impurezas. O goz, a carne, a maldita carne. E pelos sacerdotes sou também tão ofendido ! E há tantos que não me ofendem na impureza, mas ofendem-me noutros pontos ; dão tantos estragos, escandalizam tanto ! Tem coragem ! Desagrava-me com as lutas do demónio. Dá-me, dz-me esta reparação. Tem coragem, anima-te, dá-me tudo, sofre tudo. A tua pureza não se mancha, a sua auréola e candura encantam a Majestade divina, alegram o Céu. Coragem, amada minha, não temas a guerra desarmada contra ti, não temas porque estou contigo. Não temas porque é certo o triunfo da minha divina causa. Diz ao teu Paizinho que lhe dou a afirmação do meu divino amor. Os homens retiraram-no de ti, mas eu não o retirei ; cada vez vos uno mais dentro em meu divino Coração. Ele foi e será sempre o teu verdadeiro director. Os meus breves são sempre assim ; tudo neste mundo é breve em comparação à eternidade. A afirmação das minhas divinas palavras para que ele saiba que está na verdade, que as minhas promessas hão-de cumprir-se. Que o criei para as almas para ele se dar inteiramente a elas. Dá ao teu médico novos agradecimentos. Diz-lhe que me alegro ao ver a sua firmeza na minha divina causa. São assim os amigos do Senhor, combatem sem temor. Diz-lhe que ele em união comigo estamos a operar milagres em ti conservando-te a tua vida aqui na terra. Diz ao teu querido P. Humberto que o trouxe aqui para defender a minha divina causa ; não foi ele que veio. Coragem, e toda a firmeza. E o meu querido P. Alberto que seja assíduo a teu lado até que cesse a perseguição e os maus juízos. A dor é filha do amor. É com dor e amor que dás a vida aos filhos meus. Só esta dor e este amor podiam ser dados a uma vítima a quem foi dado desempenhar na terra a mais alta e sublime missão. Os amigos da minha divina causa ostentam em suas mãos o pendão do triunfo e do reinado divino. Coragem, minha filha, é Jesus que te pede, coragem, coragem. Assemelho-te a mim. Eu também fui perseguido. Em todos os tempos a minha Igreja e tudo aquilo que é meu foram perseguidos também. Como não há-de ser perseguida agora a minha causa mais rica, a missão mais dificílima ? Coragem, coragem, amada, amada ! É a raiva de Satanás”.

No mesmo tempo veio para o meu lado direito a Mãezinha tomando-me para os seus braços. Pediu-me coragem em nome do seu divino Filho.

— “Anima-te, minha filha, anima)te, peço-te em nome do meu amor e do teu e meu Jesus. Aceita, sofre tudo, consola o seu divino Coração ferido com os pecados do mundo. Olha, filhinha, venho confirmar as palavras do meu divino Filho. És rainha dos pecadores, és rainha do mundo. Aceita o meu santíssimo Manto, é teu, faz o meu lugar. Envolve nele, põe à tua volta os que te são queridos e mais de perto partilham a tua dor. Os que partilham dela e cuidam da causa do eu Jesus são queridos do teu coração, do meu e do de meu bendito Filho. Aqueles que mais associamos ao teu sofrimento são aqueles a quem mais de perto queremos purificar. Coloca depois em volta todos os pecadores. Podes cobrir com o meu Manto o mundo inteiro, chega para todos. Aceita a minha coroa, és coroada por mim ; és rainha”.

Meu Deus, que vergonha a minha ! Como eu era pequenina, mesquinha ao pé da Mãezinha. Que vergonha ao sentir Ela colocar sobre os meus ombros o seu santíssimo Manto e sobre a minha cabeça uma coroa de rainha que da sua santíssima cabeça tirou para colocar na minha. Mãezinha, Mãezinha, que vergonha tenho de Vós e de Jesus. Eu não sou digna de tal. Oh ! que miséria a minha !

— “Coragem, filhinha, não te envergonhes. Estás purificada pelo sofrimento e pelo Sangue do teu Jesus, que purificou tudo ; tens a alvura do arminho. O brilho da tua pureza e das tuas virtudes iluminam o mundo, irradia-o o teu perfume. Enche-te, recebe amor, é meu, é de Jesus. O amor, carinho e carícias que recebes de nós atraiem a ti as almas. Dá tudo em nosso nome aos que te são queridos. Enche-te para salvares o mundo inteiro. Enche-te, é teu, pertence-te, salva-o”.

A Mãezinha e Jesus inundaram-me de amor e depois das suas ternas carícias retiram-se. Fiquei com mais vida e mais alegre.

Á medida que o tempo vai passando, a alegria foge, a vida vai falhando. Contudo, grito e gritarei sempre : — “Amo Jesus e a Mãezinha ; quero o que Eles quiserem !”

4 de Dezembro de 1944

O tempo não passa, a eternidade não chega. Não poderei, Jesus, ver ainda uns raiozinhos de luz, viver ainda entre os meus uns momentos de alegria ?

Vontade santíssima do meu Deus, quero-te, amo-te com todo o coração e com toda a minha alma. Ando como um ladrão fugitivo a esconder-me de tudo e de todos. Mas mesmo assim, mal posso aguentar a dor que me causa ver a distância que me separa de Jesus : Ele no Céu e eu na terra. Meu Deus, quando poderei ver-Vos e amar-Vos ? Secou em mim aquela fonte da qual nasciam em mim ânsias de Vos amar e possuir. Tudo desaparece, tudo morre, só a dor não. Essa ocupa-me todas as horas do dia e da noite. Amar não sei ; amor não possuo. A dor sim, a dor existe com toda a força e agudez. Para onde foi a vida da minha dor ? Ó meu Deus, como convencer-me da morte da minha alma ? Horas há que ela vive e sinto-a despedaçar-se uma e milhares de vezes ; é mais custosa a dor dela do que a do corpo. Tenho tido fortes tentações contra a fé : não há Céu, não há inferno, não há santos, não há anjos e Deus não existe. E se Ele não existe, como posso eu temê-lo ? Sempre a esforçar-me por viver na sua divina presença e sempre a esconder-me d’Ele. Nem por um só momento quero separar-me d’Ele, e sempre cheia de vergonha e confundida por Ele lançar sobre mim os seus olhares divinos. A minha vida são ilusões. Não vi o Céu, não vi o inferno, não ouvi a Jesus. Isto são momentos de tribulações aterradoras ; é o demónio que me faz sugerir tudo isto. Meu Deus, creio em Vós e confesso-me a mais miserável de todas as criaturas, mas confio na Vossa misericórdia, no Vosso perdão.  XE "Inferno: vi-o tantas vezes" Sei que existe o Céu e o inferno, vi-o, vi-o, meu Jesus, por tantas vezes. Confio que centenas e centenas de vezes tenho ouvido a Vossa terna e doce voz. Creio, creio, confio em tudo, meu Jesus.

Estas duas noites passadas Jesus poupou-me aos ataques violentos do demónio. Hoje fui assaltada por ele fortemente. De dentes descarnados, em forma de leão, descia uma montanha do meio de negros arvoredos, a uivar desesperadamente. Ao chegar perto de mim, abriu a boca para me engolir. A minha alma apavorou-se, sentiu mais ainda do que o corpo. O corpo mesmo ficou sem poder fazer nem consentir que me fizessem qualquer movimento ; julgava-me mesmo às portas da eternidade. Os gestos eram feíssimos assim como os nomes que me chamava e às pessoas cúmplices do crime, como ele diz. Lançava as patas sobre as mesmas pessoas, amarrava-as com a sua grande boca pela cabeça como se fosse para as tragar e engolir. Tremenda tragédia ! O meu coração, de tanto que palpitou, quase perdia a vida de cansado. Chamei por Jesus e pela Mãezinha tantas, tantas vezes ! Mas ele, com a sua voz aterradora abafava tudo, dizendo-me :

— Pecaste, pecaste, estás cansada de pecares.

Fiquei tão desanimada ! Que triste vida ! Triste com o receio de ofender o meu Jesus. Que horror ! Que horror ! Só vejo lama e sou lama, lama que todos calcam com nojo e aborrecimento ; lama que nenhuns olhos querem ver, caminhos que ninguém por aborrecimento quer trilhar. Jesus, quero seguir-Vos, quero tudo por amor de Vós. Aceitai o meu desfalecimento e a minha desconsolação para só Vós serdes consolado, para só Vós serdes amado !

7 de Dezembro de 1944

Grande sofrimento, triste e doloroso. Ai, meu Jesus, não sei exprimir quanto sofro, não compreendo tal dor. Choro, choro sempre a perda do meu corpo, a morte da minha alma. A cada passo sinto em mim como que uma bomba que vai explodir tudo. Tremo apavorada. Prenderam-me os voos ; estou como a pombinha na escuridão, sem ver caminho, batendo as asas no ar sem poder descer, sem poder subir, de asas presas, temerosa de cair desastradamente.

— Ó meu Jesus, que será de mim ? Vede bem o meu sofrimento, tende compaixão, compadecei-Vos de quem só confia em Vós.

Hoje de manhã cedo era tal a dor que sentia em mim, era tal a repugnância e a vergonha que me causava o ver que todo o povo se preparava e esperava novos acontecimentos. Parecia-me ver grupos aqui e acolá fazendo comentários. Meu Deus, espera-me a sexta-feira ! Que medo ! Tudo isto que eu sinto vejo, por Vós passou, meu Jesus. São sofrimentos Vossos, que tanto sofrestes por meu amor. Os meus olhos parecem penetrar no íntimo de toda a multidão que ocupa as ruas. A minha alma sente tudo. Ao lado de uma montanha, perto de entrar numa cidade, a figueira amaldiçoada por Jesus. Mais abaixo alguém traz à cabeça uma bilha de água. Há encontros, falam, preparam-se para novos acontecimentos. Vi tudo, senti tudo. Oh ! quanto sofria em silêncio. A figueira de que acima falei, tive o conhecimento que a vi verde, florescida ; e hoje já seca, como lenha velha para o lume. Eu não pensava em nada disto, antes pelo contrário ; quando principiava a sentir estes sentimentos de alma, esforçava-me por me distrair e fazer de conta que nada sentia. O meu esforço era inútil, de cada vez se avivavam mais estes sentimentos de alma. Este meu esforço de nada querer sentir não é para fugir ) dor nem à vontade do meu Jesus, mas sim o receio de ser confusão minha ou ilusão. Estou convencida que não é. Nosso Senhor, ao ver tal receio e medo de engano não podia deixar-me enganar. Ninguém como Ele sabe que não quero enganar ninguém. As manhas do maldito continuam cada vez mais, parece que a sua malícia refina. Diz-me o que há de pior. Ai, meu Deus, que coisas tão feias ! Blasfema contra Nosso Senhor, acusa-o como réu de culpa e faz que eu diga tudo, ou parece-me que digo e depois afirma-me que sou eu e deixa-me quase nessa persuasão. Só com Nosso Senhor a alma e o pobre corpo pode resistir a tanto. O coração de aflito faz ruído enorme, com a receio de pecar e dizer tantas coisas contra o meu Jesus. Na última luta fiquei quase sem vida. Murmurava :

— Ó meu Jesus, ó minha querida Mãezinha ! Meu Deus, que triste vida a minha ! Que será de mim ?

Não podia mover-me e necessitava de alívio. Veio Jesus com as suas santíssimas mãos, colocou-me na posição que eu desejava, cobriu-me de carócoas e como a mãe que se deita ao pé do filhinho para o adormecer, disse-me :

— “Descansa comigo. Não é triste a tua vida, filhinha, é vida de reparação e sacrifício. Alegra-te comigo, com a consolação que me dás. Não pecas, não, minha amada”.

Senti  logo paz na minha alma. Muito chegadinha a Jesus, depressa pude adormecer, coberta com as suas carícias, abrasada no seu amor.

8 de Dezembro de 1944 – Sexta-feira

Longe de raiar o dia — dia que para mim não raiou — principiei a fazer as minhas orações e a preparar-me para a visita do meu Jesus. Não podia rezar, cheia de pavor, sobrecarregada de vergonha; dor e humilhações. Era levada de casa em casa, de rua em rua ; sofria no mais íntimo da minha alma. Chorava para dentro ; para dentro suspirava. Os meus lábios não podiam ter uma palavra de queixume. Esmagava-me o peso das humilhações. Meu Deus, que dor tão íntima e tão profunda ! Era uma dor sem fim. Não era capaz de ver onde ela podia parar. Jesus, como poderei suportar tão grande martírio ? Se me faltais, não resisto, morro, morro depressa. Com esta dor não pude ter um momento de alegria, nem podia lembrar-me que era o dia da Mãezinha, dia tão predilecto para mim, dia da Imaculada Conceição. Nem ao menos podia respirar. Jesus, pobre de mim, não posso estar aqui ! Veio Jesus. Aqueceu-me logo com o calor do seu Amor divino ; acariciou-me e disse-me :

— A tua dor, minha filha, é dor de salvação. Esse mar imenso de sangue que continuamente derramas do teu coração, é onde são mergulhados os pecadores. É nesse sangue da tua dor que eles são purificados, é sangue da nova redenção. Tu és a segunda arca de Noé. Em ti guardo os pecadores ; em ti, como nessa arca, guardo tudo para a vida de novo mundo. A tua dor, a tua imolação é dor e imolação de vida mais para as almas do que para os corpos. Coragem, filhinha, nada temas. A chuva que sobre a nova arca cai não é condenação, é de salvação. É chuva de humilhações, desprezos e sacrifícios. A arca não tem perigo, navega nas alturas. Uma vez que baixem as águas da perseguição, verá o mundo a riqueza que continha, que era de salvação. Filhinha, amada querida, Eu não estou sozinho, está comigo minha bendita Mãe. Escuta o que ela te diz”.

Jesus à esquerda, a Mãezinha, à direita, tomou-me para o seu regaço, apertou-me fortemente contra o seu santíssimo Coração, cobriu-me de carícias e disse-me :

— “Minha filha, venho com meu divino Filho fazer-te a entrega da humanidade e fechá-la em teu coração ; ficam as chaves na posse do teu Jesus e da tua querida Mãezinha. Deite o meu santíssimo Manto e a minha coroa de Rainha ; foste escolhida por mim. És rainha dos pecadores, és rainha do mundo, escolhida por Jesus e Maria. Hoje, dia da minha Imaculada Conceição fazemos-te a entrega do teu reinado ; principia desde hoje, é teu, governa)o, guarda-o. Guarda-o na terra assim como o guardarás e governarás depois no Céu. Escolhi este dia que em minha honra é guardado para que em união comigo seja festejado o dia em que te foi entregue o reinado da humanidade. Quando o mundo disto tiver conhecimento, comigo serás louvada”.

Senti como se me abrissem o peito e dentro o coração ; foi aberto por Jesus e pela Mãezinha. Depois de depositarem nele alguma coisa, fecharam-no novamente. Fechou-o à chave a Mãezinha e depois Jesus. Bafejaram-no e acalentaram-no docemente. Depois fiquei entre Jesus e a Mãezinha como no meio de uma prensa. De tanto que me estreitavam entre os seus corações divinos, parecia-me não poder resistir a tanto amor, ir morrer naquelas chamas divinas. Uma vez a Mãezinha, outra vez Jesus, uniam seus lábios aos meus, bafejam-me e davam-me a sua vida divina. E a Mãezinha continuou :

— “Filhinha amada, querida do meu Jesus, recebe a vida de que vives, recebe a vida do Céu, recebe-a e dá-as às almas”.

E continuou Jesus :

— “Minha pomba bela, branco lírio, pura açucena, estrela cintilante que cintilarás noite e dia para luz e guia dos pecadores, para luz e guia de quantos me quiserem seguir e amar com o amor mais puro e mais forte. Coragem filhinha, coragem, amada, não temas a guerra do mundo ! Espera-te o Céu para te abraçar, espera-te o Céu para nele guardar o maior tesouro que tenho na terra. És de Jesus, és da Mãezinha. Espera-te toda a corte celeste”.

Ó Conceição pura, ó Mãe de Jesus
Guarda o meu corpo cravado na Cruz
Cravado na Cruz, à Cruz abraçado
Guarda-o, Mãezinha, ó Conceição pura,
Mãe do meu Esposo amado !

Recebi novas carícias de Jesus e da Mãezinha, fiz-lhe a entrega de mim mesma e de todos os que me são queridos e por fim do mundo inteiro, incluindo também os que mais me fazem sofrer.

— Mãezinha, faço-Vos eu entrega da humanidade, guardai-a que é Vossa, salvai-a, só Vós podeis. Envergonho-me por ter recebido de Vós a entrega do mundo. Que pode esta miséria sem a Vossa protecção ? Ó Jesus, ó Mãezinha, a Vós me entrego como o soldado que quer combater e defender o Vosso reinado. Quero lutar, quero obedecer : mandai ; eu com a Vossa graça tudo cumprirei, serei forte. Com a graça e força do Alto será salvo o mundo.

Desprendi-me de Jesus e da Mãezinha com grande custo. Unida a Eles, vencia o mundo, nada temi. Agora tudo temo, nada posso. Ai que saudades tenho do Céu. Quando irei para lá ?

9 de Dezembro de 1944

Na manhãzinha de hoje não podia fazer as minhas orações nem preparar-me como devia para receber o meu Jesus. É indizível a minha dor. As lágrimas por vezes tentaram deslizarem-me nas faces. Parava de orar e dizia :

— Ó meu Deus, ó meu Deus ! A alma rasgava-se como um trapo velho, fio por fio, esmigalhava-se, derretia-se. Jesus, como hei-de viver assim ? Veio a hora de comungar. Nem a visita de Jesus me deu alívio nem alegria ; fiquei no mesmo estado de alma. Dei-lhe graças o melhor que me foi possível. Pus-me depois a ler a correspondência que me entregaram. A segunda carta que li fez brilhar uns raiozinhos de luz na minha alma. Levantou-se de mim o peso esmagador que despedaçava todo o meu ser. Sem faltar a santa obediência, já o Sr. P. Humberto podia escrever-me para assim aliviar um pouco a minha dor e dar-me luz no meio de tantas trevas. Sem saber como, a um impulso de amor, pude ajoelhar-me na minha cama, levantar as mãos, rezar o Magnificat, coisa que costume rezar sempre quando recebo miminhos de Jesus, quer venham ferie-me, quer suavizar o meu sofrer. Entoei louvores a Jesus Sacramentado e ao seu santíssimo Coração testemunhando-lhe a minha confiança n’Ele assim como à Mãezinha, a quem com minha irmã e primas entoei um cântico de amor. Depois dum muito obrigada ao Céu, caí sobre a minha cama, ficando logo na minha tão amada cruz. A minha alegria logo morreu. Eu não costumo entregar-me a ela, aceito tudo como Jesus quer, mas se me entregasse à alegria, bem pouco tempo me alegrava. Depressa nasce, depressa morre. Até os êxtases com o meu Jesus morrem como se por mim não passassem. Passei o resto do dia mergulhada no sofrimento a sentir na minha alma a grande humilhação que os Rev.mos Senhores Padres Salesianos passaram por minha causa, coitadinhos ! Por fazerem bem e aliviarem uma pobre alma, sofrem também. Oh ! como é doce o sofrimento levado por amor de Jesus e das almas ! Ofereci a Jesus e à Mãezinha a consolação que eu podia sentir com esta boa nova. Disse-lhes que era para os seus santíssimos Corações a consolação que eu devia sentir assim como a alegria. Tirai, Jesus, de tudo isto proveito para as almas. São elas e o Vosso amor o único fim da minha vida.

11 de Dezembro de 1944

A minha alma espera novas provas, o meu coração novos golpes que o venham ferir. Estou cheia de medo. O que me espera ! Que mais virá, meu Jesus ? Estou cansada de tanto sofrer. O corpo desfalece, mas a vontade está pronta, suspira e só quer a Vossa vontade divina, Senhor.

Ontem principiei a sentir e hoje ainda mais posso dizer que me parecem mais insuportáveis, as ânsias de salvar o mundo. É tal a loucura e o amor que sinto pelas almas, que me queria dar toda a elas. Quero todo o sacrifício e de boa vontade me deixo imolar para as salvar. Queria um punhal em minha mão para com ele abrir o coração numa chaga tão profunda que me desse sangue para escrever por toda a terra : “Convertei-vos, pecadores, não ofendais mais a Jesus ! O Céu é tão lindo ! E Ele a todos criou para lá”.

Eu queria ir de joelhos ou de rastos por toda a parte do mundo deixar bem vivas estas palavras escritas por mim e com o meu sangue. Nem um palmo de terra queria que ficasse sem estas letras : “Convertei-vos, convertei-vos, pecadores”. Não sei o que mais hei-de fazer, meu Jesus, por Vós e pelas almas.

Durante a noite fui assaltada pelas manhas do manquinho. Ouvia os seus assobios desesperados, ranger de dentes e uivos. Depois gestos, palavras feias e maliciosas. A meu lado e até debaixo de mim, abriram-se grandes barreiras, abismos sem fim. Nuns escombros feíssimos estavam grandes serpentes e enormes crocodilos que serviam de tormento e terror para uma massa que penso ser a almas que neles estavam. Cansada da luta e a parecer-me que caía naqueles abismos, não podia chamar por Jesus. E o maldito dizia-me :

― Chama por mim, diz-me que é a mim que me queres, que não queres Deus, que queres o pecado, que queres gozar.

E procurava instruir-me com as suas feias lições. Nos momentos mais tremendos, ao terminar a luta, foi que eu pude recorrer ao Céu, chamar por Jesus. E já a chorar, dizia-lhe : ― Que é isto, meu Jesus ? Enquanto que o maldito em forma de leão dizia-me :

― Pecaste ! Pecaste !

O mais que se passou tenho necessidade de o dizer, mas só em confissão e com muito custo.

A minha dor e lágrimas pareciam-me ser duradoiras, mas não foram. No mesmo lugar onde estavam os abismos, apareceu-me um formoso jardim cheio de flores. Lírios, açucenas e mais variedades. Que lindas, que belas ! Por entre elas sobressaiam raios, muitos raios mais brilhantes que o oiro. Contemplei tudo sem saber o seu significado. No mesmo instante disse-me Jesus :

― “As flores deste formoso jardim são as tuas heróicas virtudes. As suas pétalas são tenras, finas, delicadas ; o seu aroma é atraente. Os raios são do meu divino Amor. Não chores, filhinha, a tua pureza não se mancha nos combates do demónio. Sais deles cada vez mais pura, mais encantadora. É a reparação que de ti exijo. Se não fosse esta reparação, caiam nos abismos que agora viste tantas e tantas almas, ficando lá eternamente”.

Ao deixar de ouvir Jesus, vi de novo o demónio em forma de leão, de dentes descarnados, lá de longe, mas fazia tentativas para me engolir, e insultava-me ao mesmo tempo. Eu já não chorava e estava em paz, naquela paz que só de Jesus vem. Com a sua força divina, nesta ocasião não temi o demónio. Compadecida das almas que podiam cair em tão tremendos abismos, aceitava e sofria tudo o que Jesus quisesse. As minhas lágrimas eram de dor, receosa de ter pecado. Depois de ouvir a Jesus, sosseguei e fiquei em paz, sequiosa do seu Amor, ansiosa por lhe dar almas.  XE "Amar Aquele que não é amado" Não quero estar na terra senão para as salvar e amar Aquele que não é amado.

14 de Dezembro de 1944

O meu corpo e o meu espírito são assados em grelhas vivas ; não sei dizer a minha dor, dor que sinto sem saber de que é, nem a quem pertence. Que fogo consumidor ! Parece-me enlouquecer com a dor que ele me causa. Ouço ao longe grandes ruídos, faz-me lembrar um tremor de terra quando se faz ouvir ainda sem se sentir. Mas a minha alma ouve e sente. Foi tempestade que passou e deixou tantos estragos que muito tempo serão lembrados e falados. Ao longe, muito ao longe, há comentações, o meu nome é falado, enxovalhado, envolto em lama como folha que nela apodrece. Estou envergonhada ; a minha alma sente tudo e desfaz-se em dor.

― Ó meu Jesus, eu quero que estas manchas, esta lama que sobre o meu nome cai, sirvam para lavar as almas dos pecadores para que delas desapareçam os crimes com que Vos ofenderam para se poderem salvar. Quero sofrer inocente e não culpada, Jesus. Ó Jesus, que vida a minha, envergonho-me dos homens, envergonho-me de Vós. Por graça Vossa, dos homens sou vítima inocente ; por minha culpa e miséria, de Vós, meu Jesus, sou vítima culpada. Devo sofrer, quero sofrer porque Vos ofendi. Perdoai-me, perdoai-me, Jesus, valei-me, valei-me, só de Vós posso esperar, só em Vós posso confiar. Dos homens já vejo que nada posso receber. Tudo me roubam, todo o alívio humano desaparece como o fumo, leva o seu caminho. Caiu sobre mim a guerra do mundo e a guerra do inferno. O demónio apareceu-me na figura de um grande cão. Lembrei-me dos cães que se atiram para morderem sem darem sinal. Ele queria morder-me, ou melhor, engolir-me. Quando não me ataca violentamente, atormenta-me sempre :

― Pecas quando queres. Não pecaste hoje, nem pecas agora porque estás cansada.

Na noite passada veio fortemente acompanhado de muitos demónios em forma de negros esqueletos. Formaram à minha frente bancadas e camas pretas. ― “São bancadas e camas de delícias”, dizia ele, enquanto que os outros, junto delas, se entretinham. Dizia-me coisas feíssimas e parecia-me que me obrigava a repeti-las.

― Não chamas por Deus.

E parece-me que muitas vezes não chamava, que obedecia às suas ordens. De novo voltei a passar pelo que aqui não digo. Nos momentos de maior transe sei que fiquei como que moribunda repetindo só com o pensamento muitas vezes : “Ó meu Deus, ó meu Deus, ó meu Deus !”

Debaixo de mim estavam esses medonhos abismos de que já tenho falado ; e eu suspensa sem estar amarrada a nada, a ver quando caia neles. À voz de Jesus, os demónios fugiram e os abismos desapareceram. Jesus mudou-me de posição e disse-me :

― “Minha filha, sobre estes abismos estão as almas ; o que as sustém de caírem neles para sempre é a tua reparação nunca sentida, nunca experimentada, nunca vista. Dor, imolação sem igual. Diz-me, minha filha, pombinha amada, diz-me, desabafa comigo ; confias que não me ofendes ?”

― Ai, meu Jesus, meu Jesus, quero confiar e confio, mas custa-me tanto convencer-me de que não peco, que não Vos ofendo no meio de tão grande perigo !

― “Sossega, sossega, meu anjo, só me dás consolação, reparação e provas a grandeza do teu amor ao meu divino Coração”.

Fiquei por algum tempo unida a Jesus, cheia de mimo como a criancinha junto de sua mãe, dorida apenas da dor que tinha sentido.

Novo tormento para a minha alma, tormento que deveras me faz sofrer e não me deixa sossegar. Queria esconder-me dentro dum cofre do qual ninguém pudesse nem soubesse abri-lo. Quero abraçar o meu peito num abraço que ninguém pudesse arrancar. Quero guardar não sei o quê que me foi entregue e tenho que velar e vigiar. Não sei como, meu Deus, conseguir guardar, guardar bem, guardar tudo. Fujo, Jesus, fujo para o Vosso divino Coração : seja Ele o cofre bendito que me guarde para sempre a mim e a esta entrega que me foi feita, a que tantos cuidados me sujeita. Aí estou bem, aí estou segura, não corro perigo eu nem aquilo que tenho que olhar e vigiar. Guardai-me, sim ? Guardai-me para sempre.

É quinta-feira, é já noite. Grande tormento ! Ó meu Deus, cada sexta-feira que se aproxima é uma morte para mim. Sinto como se estivesse num convívio de alegria e eu falasse com os que falavam e sorrisse com os que sorriam. E a minha alma em grande agonia deixa a terra, sobe ao Céu para só exclamar : ― “Meu Deus, meu Deus, o que me espera !” Enquanto que esse convívio de alegria dura, o coração lá fora é esmagado, maltratado, escarnecido e desprezado. Todos sorriem de escárnio, á espera de novos acontecimentos. Jesus, sou a Vossa vítima e nada mais !

15 de Dezembro de 1944

Cedo, ainda sem raiar o dia, despertei dum leve sono. Ó meu Deus, é sexta-feira ! Caiu sobre mim uma noite escura. Jesus, a cada momento que passa parece-me caminhar para a morte, não como quem caminha por amor e alegria, mas como quem tem à morte o maior horror e repugnância. Sepultada nesta dor, chegou a hora de receber o meu Jesus. Fiz-lhe os meus pedidos. Ao fazer-lhos recordei-lhe algumas coisas.

― Confio, confio, meu Jesus ! Para não confiar nisto tinha que não acreditar em nada.

Disse isto para desabafar e ao mesmo tempo mostrar a Jesus a minha confiança, longe de pensar obter d’Ele uma resposta. Mas Ele deu-ma.

― “Assim é, minha filha, é mesmo assim. Confia, são palavras de um Deus, são palavras do teu Esposo Jesus que te ama e não permite, não consente que te enganes”.

Animei-me mais, ganhei mais força para resistir à dor e aguentar com os empurrões, gracejos e escárneos que recebia. Tinha que sofrer tudo em silêncio, de lábios cerrados. Sentia a dor de alguém que chorava ao ver quanto eu sofria e esse alguém era amor de mãe. Em silêncio uni a minha dor a essa dor. Veio Jesus com a sua terna e doce voz e disse-me :

― “Minha filha, une a tua dor à minha, suaviza-a no amor do meu divino Coração : Eu suavizo a minha no teu. Ama-me, és por mim amada, és cofre de riqueza, depositária dos dons divinos. Minha filha, anjo querido, a tua dor foi adornar o manto e a coroa que a tua Mãezinha te entregou. Que brilho, que brilho com ela foi dado. É dor de glória, é dor de salvação. É mar de martírio, é mar de imolação. Minha filha, jardim celeste de flores divinas, prado mimoso que apascentas os pecadores. Apascenta-los de graça, pureza e amor ; guarda-os, guia-os, pastorinha divina, pastorinha escolhida por Jesus. Purifica-os, purifica-os para mim ; guia-os, encaminha-os ao meu divino Coração. Minha filha, mestra das ciências divinas, guarda o que há oito dias em teu coração foi depositado por mim e minha bendita Mãe : é o mundo, são os pecadores. É valor infinito, é o meu divino Sangue. São almas salvas pela tua dor. Esse anseio de quereres guardar e não saberes como, é tormento que vai consumir-te até à tua morte ; dia a dia aumentará mais. Minha filha, onde está escrito tudo o que é divino. Em ti aprenderão a amar, em ti aprenderão a sofrer, em ti aprenderão a conhecer como Eu me comunico às almas. Não o sabem, não o estudam. Fazem com isto sofrer tanto o meu divino Coração ! Tem coragem ! Quem comigo sofre, comigo vence. Quantas lágrimas de arrependimento chorarão ao verem que o teu nome agora tão manchado é comigo e minha bendita Mãe na terra e no Céu glorificado ! Vem, minha bendita Mãe, vem confortar a minha e tua filhinha, vem cobri-la das tuas carícias”.

Veio logo a Mãezinha, tomou-me para o seu regaço, apertou-me com ternura de amor, beijou-me, acariciou-me e disse-me :

― “Minha filhinha, rainha escolhida por mim e meu divino Filho, estarás no Céu a meu lado e do meu divino Filho em trono de rainha, Eu como Rainha do Céu e tu como rainha da terra”.

― “Minha Mãe ― disse Jesus ― alimenta-a, dá-lhe a tua vida, a vida da alma de que viveu sempre e vive, a vida do corpo de que necessita”.

Principiou a Mãezinha a bafejar com os seus santíssimos Lábios unidos aos meus. Senti-me forte na alma e no corpo. Jesus fez o mesmo, bafejou-me, acariciou-me. E continuou Ele :

— “Estou, minha filha, com minha bendita Mãe a dar-te aquele conforto que dos homens devias receber. Quando há anos te dizia que seria Eu o teu director, referia-me a estes tempos, não era para pôr de parte o teu director. Sim, precisava dele em união comigo para te guiar e lavar às alturas que o meu divino Amor exige. Eu já via a crueldade e perseguição dos homens. Coragem ! O teu nome que sentes enxovalhado, em breve será falado com respeito e comigo louvado”.

— Obrigada para sempre, meu Jesus. Quantas mais coisas me dizeis, mais miserável e mesquinha me sinto diante de Vós.

O teu caminho, Mãe de Jesus,
Dá-me conforto para levar a Cruz.
Para levar a Cruz nesta amargura
Por entre trevas, em tanta secura.
Ó Mãe de Jesus, dá-me o teu amor
Para amar com ele o teu e meu Senhor !

18 de Dezembro de 1944

Valei-me, Jesus, da terra não posso esperar auxílio. Sinto-me de todos abandonada e como se todos se revoltassem contra mim. Ai de mim sem Vós um momento só ! Sempre, sempre rumores de tempestade, sempre, sempre uma dor quase insuportável, uma dor sem fim. Não posso estar aqui, meu Jesus, consomem-me as saudades do Céu. Não posso ver e sentir a distância que me separa de Vós. Um fogo por vezes insuportável abrasa o meu coração, vem-me à boca, parece queimar-me os lábios. De nada vale a água com que os refresco por algum tempo para depois deitar fora. É fogo, fogo, sempre fogo. E sinto que não Vos amo e que não conheço o amor. Pobre de mim, não sei viver. Estou cansada de tanto esforço fazer para guardar em mim o que Jesus e a Mãezinha me entregou. Sinto como se estivesse sempre de braços cruzados sobre o peito com toda a força possível a defender, a guardar em mim. Outras vezes vou louca a fugir dum grande assalto. Vem sobre mim não sei quem, uma multidão sem conta, quer roubar-me o que tenho em meu coração e eu fujo numa corrida doida para esconder tudo. Quero enrolar à volta de mim cadeias, fortes cadeias, prisões, grossas prisões para nada me poder ser roubado. Duro tormento para a minha alma, nada consigo. Nas horas que assim sofria, tive um terrível assalto do demónio. Senti então como se ele me roubasse tudo ; fiquei sem coração, sem peito, sem nada. Era uma simples casca de ovo que dentro em si nada tem. Sentia que o roubo me foi levado tanto para longe ! Obrigava-me a dizer : — “Não quero guardar dentro de mim nada, quero pecar, quero gozar”. Afirmava-me que eu pecava com muitos demónios, com certas pessoas e nomeava-as, dizendo delas e de mim as coisas mais feias. Estava desesperado. Blasfemava contra Jesus e acusava-O réu de crimes, fazia-me tremer de medo ao ouvir o que ele dizia a Jesus. Raras vezes consegui pedir socorro ao Céu. Estava num banho de suor, num cansaço que não sei explicar. Sempre disse, sem querer dizer : — “Meu Jesus, não posso mais”. Cessou o ataque e eu sem poder mover-me. Tristíssima por me ver privada daquele tesouro imenso que dentro em mim possuía e com o receio de ter pecado, murmurava sozinha :

— Meu Deus, meu Deus, eu sem luz, sem guia, sem um sacerdote com quem possa desabafar tudo isto. Ó Céu, ó Céu, ó Jesus, ó Mãezinha. Os abismos tinham desaparecido, mas os meus ouvidos ainda ouviam ao longe os ruídos do demónio. Sentia fortemente a sua raiva. Nesta amargura, em posição violenta passou-se um bom pedaço. Se Jesus não me acode, quem poderá valer-me ? Ó meu Deus, por Vosso amor e pelas almas. Ouvi então Jesus :

— Não pecaste, minha filha, não pecaste, confia, deste-me a maior das consolações, deste-me toda a reparação possível. Olha, filhinha, o teu Anjo da Guarda, encarregado de te guardar, recebe agora missão de velar mais por ti mudando-te de posição quando necessitares nestes combates. Anima-te, Eu estou contigo”.

Fiquei logo na posição do costume. E após uns momentos, principiei a sentir que ainda tinha em mim aquele rico tesouro que o demónio me tinha feito desaparecer. A minha alma sentiu tanta alegria ao ver que possuía aquela riqueza e eu queria abraçar o rico tesouro, queria beijá-lo. Senti a alegria de uma mãe que tendo perdido o seu filho, de novo voltou a encontrá-lo. Não sei dizer a alegria da minha alma. Não sei dizer os cuidados que isto me dá, estou sempre receosa que alguém possa roubar-mo. Tudo quero fazer, tudo quero sofrer para que não corra perigo. Ontem, sem reflectir, disse uma palavra que me pareceu desgostar a Jesus. Fiquei tristíssima. Humilhei-me diante de Nosso Senhor, estava envergonhada.

— Perdoai, meu Jesus. O que sou eu sem Vós ?

Esta dor acompanhou-me o resto do dia e a maior parte da noite. Na madrugada, ao fazer a minha preparação para a vinda de Jesus, não pude resistir à dor. Chorei, chorei ; que pena eu tinha de ter magoado o Coração divino de Jesus. Queria um sacerdote que com a santa absolvição purificasse a minha alma.

— Purificai-me, Jesus, purificai-me Vós. Vede a dor que tenho de Vos ter desgostado. Estou sozinha, sem nenhum conforto da terra. Não me falteis Vós. Perdoai-me, perdoai-me ! Aceitai a dor que tenho de Vos desgostar por todos os que pecam gravemente e não a têm.

Esta dor continuou no decorrer do dia e sempre a vigiar o que tenho guardado em meu coração. Umas ânsias destruidoras de possuir mundos, milhares deles e bradar-lhes sempre : “Amai, amai Jesus !”

— Meu Deus, não sei se vencerei, não sei se resisto a tanto sofrimento. Quero ver-Vos por todos amado e não quero saber-Vos ofendido. Não posso sentir a Vossa dor. Ó pecado, triste pecado, que tanto feres a Jesus. Ó Amor, ó meu Amor, que espécie de miminhos tendes próximo para me dardes. Eu espero-os, eu pressinto-os. Tenho medo. Se me ferirem muito, amo-Vos. Quanto maior for a dor, com a Vossa graça, maior será o meu amor. Ó Céu, vale-me, acode-me.

21 de Dezembro de 1944

O tempo não passa, tenho já neste mundo a eternidade. Quando verei a Deus ? Quando sairei da morte para ressuscitar para a vida ? Ó meu Deus, que pavor estar aqui ! Só ruídos de grande vendaval se fazem sentir na minha alma. Que peso esmagador de humilhações, calúnias e desprezos. Ó Jesus, aceitai este abandono que sinto, para Vos consolardes do abandono em que Vos deixam os homens. Aceitai toda a prova, todo o meu penoso calvário para vos salvar almas, para Vos ama como mereceis e sois digno. Ó meu Jesus, para onde hei-de fugir eu ? Onde posso esconder-me para não poderem roubar a riqueza que dentro em mim depositastes ? Jesus, vede o meu cansaço. Queria guardar em muitas casas de ferro nas quais não houvesse entrada, queria viver debaixo do chão para não poder ser assaltada. Parece que o inferno vem sobre mim, não sei como defender-me ; dai-me abrigo no Vosso divino Coração, guardai-me nele e guardai o que em mim depositastes. Sinto que tudo me querem roubar ; e depois, Jesus, que contas poderei eu dar ? Ó vida, ó vida minha ! Que medo eu tenho da minha vida que não é vida, é só morte, tremenda morte. Parace que não posso respirar ; que grande é o meu desfalecimento. Que tremendas trevas e securas. Desejava o meu confessor para meu conforto e purificação da minha alma. Ele veio, usou para mim de muita caridade, esforçou-se por me animar, mas em vão : Sinto-me pior ainda. Da terra não me vem conforto. Ó meu Deus, que será de mim ? Estou parada na encosta da subida, não posso nem sei caminhar. Nem um passo para a frente, não vejo. O demónio cai sobre mim, se não é ele são as suas malditas manhas. Pega por todas as coisas. Num ataque mais violento tentou fazer-me como me fez Jesus e a Mãezinha, entregar-me o mundo, mas um mundo de gozos e de prazeres. Gozar, gozar, pecar.

— Pecas com todo o inferno, pecas com toda a terra.

E fazia-me sentir como se assim fosse, queria convencer-me disso. Tantas vezes quero recorrer ao Céu e não posso. Depressa cedo às suas ordens. Ouço os insultos de palavras criminosas e parece-me repetir com ele e muitas vezes eu sozinha aquilo que ele quer. Ao terminar o maior perigo é que do fundo da alma posso bradar ao Céu para assim depois ser maior o meu tormento ; para ele mais e melhor poder dizer-me que pequei. Jesus não veio dizer-me nada ; senti apenas como uma aragem suave que me levou à minha posição do costume. A minha tristeza era de morte e um desânimo sem igual. Meu Jesus, se eu não pecasse ! E eu Vos amasse por mim e por todos ! Se eu Vos salvasse as almas ! Se Vos desse toda a consolação ! Não sei falar-Vos, meu Amor. Vede o que me vai na alma, nada sei dizer-Vos. Tenho desejos de dizer-Vos tudo, para Vos dar tudo, tudo sofria. Tenha tanto que Vos agradecer ! Gosto tanto de Vos dizer : “Doce Coração de Jesus, sede o meu Amor”. Só o consentires-me de poder dizer-Vos que sois o meu Amor e a Mãezinha que é a minha salvação, sinto que não me chega a eternidade para dizer-Vos : “Muito obrigada”.

Recebi ontem muitos miminhos Vossos, uns doces, outros espinhosos, fizeram-me sangrar o coração. Foram mais humilhações que recebi para mim e para os meus. A minha alma sentiu a sua chegada ; já os esperava assim, como ainda espero mais. Oh ! como é bom sofrer, ser pequenina, desaparecer por Vosso amor ! Morra o meu nome para reinar o Vosso, meu Jesus. Desapareça eu esmagada pela dor, para só Vós aparecerdes nas almas louvado e glorificado com amor. Obrigada, meu Jesus, por tufo o que me alegra e faz sofrer. Obrigada, meu Jesus, pelo santo médico que me destes. O que seria de mim neste caminho tão espinhoso do Calvário ? Vejo que sois Vós a confortar-me, a animar-me em seus lábios. Quantas horas gastas junto de mim ! E apesar de tudo, quando está ausente, tenho dele um medo atormentador ; medo que não tem razões de ser. É assim com todas as pessoas que eu mais estimo : apesar da sua estima, sinto-me separada delas. Estou sozinha, tenho que estar sozinha. Ó meu Jesus, quando me dais o meu Paizinho ? Que ânsias eu tenho que ele me seja dado ! Que necessidade tem dele a minha alma ! E mesmo assim, temo vê-lo, tenho medo, horroroso medo. Meu Jesus, é quinta-feira, caminho morta para a morte. O meu coração está tão ferido, é tão maltratado ! A minha alma vê todos os sofrimentos que a esperam. O meu espírito está no Senhor, os meus olhares n’Ele estão. E em silêncio vou exclamando : “Meu Deus, meu Deus, meu Pai, meu Pai !”

22 de Dezembro de 1944

O demónio desempenha o papel de um grande ladrão ; faz tremendos assaltos ao meu coração. Quer entrar mesmo dentro dele, roubar-lhe a riqueza que lhe foi depositada. Como não pode conseguir roubar-ma, enraivecido, tenta estrangular-me. Parece-me que estou em sua boca de leão retalhada entre os dentes. Mas não é só a raiva do demónio, não são só os seus assaltos, sinto-me assaltada pelo mundo. Ó meu Deus, o mundo a roubar o mesmo mundo ! Sinto um cansaço tal que me deixa prostrada. Quero guardá-lo, quero escondê-lo. Tenho uns desejos mais do que imensos de purificar este mundo como a mim mesma. Quero ser pura, pura, e quero que ele seja puto. Quero amar a Jesus com um amor louco, apaixonado, e quero-o a ele também no mesmo amor. Quero banhar-me no Sangue de Jesus para transformar-me no mesmo Jesus, e quero o mundo em igual banho, na mesma transformação. Quero-lhe como a mim mesma ; não o posso amar mais. Que fazer para ele, meu Jesus ? Fazei Vós o que eu não posso nem sei.

Nesta manhã, ainda cedo, ao lembrar-me o dia que era, exclamei : “Meu Deus, é sexta-feira ! Silêncio e dor profunda ! Se existisse o meu querer e eu pudesse fazer desaparecer do mundo este dia !” Jesus, perdoai-me, nas Vossas mãos me entrego ; a Vossa divina vontade, só ela se faça. Não é para fugir à dor, bem o sabeis ; é o medo de mim mesma, de me enganar.

Senti-me sozinha na prisão, enquanto que tudo descansava. Que dor de alma e lágrimas silenciosas ! Recebi grande lição de Jesus. Ele, que via e sabia tudo, enquanto que a alma chorava de dor e amargura, pedia para todos perdão. O seu divino Coração compadecido, a todos queria possuir ; parecia esquecer-se da sua dor, para só nos amar. Depois, senti-me na cruz, e o sangue a cair das mãos e pés com abundância. Com o estremecer da cruz, avivaram-se mais as feridas dos espinhos, e uma chuva de sangue caia deles, banhavam-me o rosto. Ó Jesus, tudo por vosso amor ; nem força tenho para respirar. A pouco e pouco, perdi todo o sangue : parecia-me estar moribunda. Principiei a sentir na minha alma uma paz suave e doce ; era paz celeste. Parecia-me deixar o mundo, ir gozar o Céu. Fiquei por muito tempo como que a dormir um sono terno, aquecida por um calor, que me queimava o coração e irradiava todo o peito. Principiou Jesus a falar-me :

— “Minha filha, não vives a vida do mundo, desprendeste-te de tudo o que é dele. Vives no Céu, vives do que é divino. Os teus caminhos são caminhos de Cristo ; é por isto que não és compreendida. Olha, meu anjo, é sublime a tua missão ; é a mais rica das missões. Eis a razão porque és odiada e perseguida ; odiada por Satanás, pelas almas que lhe roubas. Perseguida pelo mundo, porque não compreende a vida que vives, o que é a minha vida nas almas. Não temas, filhinha, não te é roubado o tesouro imenso que com minha Mãe te entreguei. É só para teu maior martírio, proveito para as almas e grande glória para Mim. Fechei-o com Minha bendita Mãe com chaves de oiro ; selámos-te o coração com selos divinos. Que dor para o Meu divino Coração ao ver a tua dor. É preciso estudar, aprofundar, para compreender a vida de Cristo nas almas. Quando te criei, criei-te com tal perfeição, perfeição que só podia purificar e desempenhar a missão que há de mais sublime. Assim como já destinei as almas que te haviam de guiar, almas que compreendem, almas que só vivem a minha vida, a vida íntima comigo. Os que cuidam de ti, cuidam de Mim. Era Meu desejo que todos os meus discípulos estudassem estas ciências divinas. Não as estudam, não as compreendem. Dou-lhes as luzes precisas ; tentam apagá-las. Em vão : nada conseguem. Em todos os tempos necessitei de vítimas, agora mais do que nunca necessito delas. Já te destinei, minha redentora, para nesta época vires ser imolada, época em que a humanidade se mergulhou num mar imenso e lodaçal de vícios. É o que sentes a roubar o mundo. É o vício que pode mais que o homem ; é o vício ladrão de tudo o que é meu. Ó pastorinha divina, rainha do mundo, sou Eu, Jesus, que te elejo, que te elevo às alturas. Guarda, salva o que te entreguei. Apascenta o rebanho no prado da pureza, no prado da caridade; da humildade e sobretudo no do amor. Quem ama, e ama deveras, não ofende o seu Amado. Ó lírio perfumado, açucena pura, irradia o mundo com os teus aromas, com as tuas virtudes que são aromas celestes, aromas que atraem a ti o rebanho que te confiei e que por ti vem a Mim e por ti sobe ao Céu. Coragem ! Nada temas. A glória é Minha, o triunfo é Meu. Em todo o tempo, foi a minha Igreja perseguida, como não há-de ser agora aquilo que a Ela pertence, o que há de mais rico e de maior nobreza ? Nunca assim imolei nem imolarei outra vítima ; nunca recebi de nenhuma tantas almas nem volto a receber. És mãe, mãe dos pecadores, rainha deles. Depois de Mim e minha bendita Mãe não há como tu quem tenha sobre eles tanto poder. Coragem, minha estrela cintilante, farol de toda a humanidade”.

Tudo ouvi de Jesus sem dizer palavra. Ele a falar e eu a arder em fogo, fogo consolador, fogo que me prendia mais ao Seu divino Coração. Ao mesmo tempo, recebi um conforto que me levantava as forças que tanto precisava para aguentar com a minha cruz. Ó meu Jesus, o que hei-de eu dizer-Vos ? Quanto mais falais, mais se apodera de mim a minha pequenez. Humilho-me, humilho-me, Jesus, tenho vergonha da minha miséria, tenho vergonha de Vos utilizardes de mim para tão altos fins. Trabalhai Vós, falai Vós, tudo Vos pertence e falais das Vossas grandezas.

— “Ó vilota querida, puro asilo onde habito ; habito em ti na terra, como no Céu habitarás com meu Eterno Pai. És a minha Alexandrina transformada em Cristo, só em Cristo”.

— Obrigada, meu Jesus, meu Rei de Amor !

24 de Dezembro de 1944

Será possível com este cansaço, com este sofrimento demorar neste exílio muito tempo ? Meu Deus, se assim o quereis, a tudo resisto. O meu cansaço é de sofrer, é de querer abraçar o mundo, apertá-lo num abraço eterno. Queria vê-lo todo num hino de louvor a Jesus, num só fogo de Amor divino. Não sei mais o que hei-de desejar, não sei onde esconder-me com ele. Queria voar para o Céu e comigo levar o mundo, todo o mundo, não deixar aqui criatura alguma mas não sei o que é : quero subir com ele e uma força invencível, ou que me parece invencível, arrasta-me para baixo, tenta roubar-mo. Ó meu Jesus, que contas Vos darei eu do tesouro que me entregastes ? Nestas ânsias dolorosas, mas de querer purificar-me e purificar o mundo, de amar o meu Jesus e fazer que todo o mundo o amasse, sem saber como consegui-lo para mim, quanto mais para a humanidade inteira, principiei a chorar ; chorei lágrimas amargas, lágrimas que só o Céu as via. Ofereci de novo o meu coração a Jesus, pedi-lhe que viesse nascer a ele. Enquanto isto se passava, eu não via, mas a minha alma sentia que o demónio bailava à minha volta. De longe a longe ouvia alguma palavra feia das dele. Apavorisei-me. Vinha vindo a noite ; para a minha alma não tinha havido dia. Enquanto que o demónio ao longe me ameaçava e o medo mais se aproximava de mim com receio que ele viesse fazer das dele, ouvi Jesus muito no íntimo do meu coração.

— “Minha filha, não temas, tu não pecas, Eu não te deixo pecar ; dá-me esta reparação, dá-me esta consolação que só de ti posso receber. Combate com Satanás. Repara-me pelos crimes que na noite que se aproxima vão praticar. Noite que devia ser tão santa e sou nela tão ofendido ! Oh ! quanta inocência perdida !”

Jesus dizia-me isto com muita dor e mágua. Deixei de O ouvir ; senti-me mais forte. Passaram-se alguns minutos, não sei quantos, principiei a ouvir o demónio com sua voz infernal a convidar todos os seus camaradas para virem pecar comigo. Senti que eles obedeceram, vieram todos desempenhar o seu papel. Pensei bem na morte. O coração não tinha força para mais ; só por Nosso Senhor não morri. Custou-me muito os nomes e palavras vergonhosas que ele me disse, mas sobretudo o que me causou maior dor, foi o receio de pecar e as blasfémias que ele disse contra Jesus e acusá-Lo como criminoso ; isso é que eu não podia ouvir. Até tinha medo de ele dizer tais coisas do meu Criador. Se não fosse o amor do meu Jesus e o amor às almas; dizia-lhe um não. Sofrer, está bem, mas ver que Jesus ao eu combater com o demónio também ouve dele coisas aterradoras. Oh ! quanto me custa ! Ai, a quanto se sujeitou Jesus por meu amor e por todas as almas !

25 de Dezembro de 1944

Os dias de festa são sempre para mim de profunda tristeza. Esforço-me sempre para consolação dos que me rodeiam mostrando-me alegre : a minha alegria é fingida. Fito Jesus, a Mãezinha, elevo o meu pensamento ao Céu e por amor aceito a dor. É por amor que a tristeza para mim é alegria. Não olhando a terra, firmo no Céu, só no Céu, os espinhos são rosas, a dor é doçura. À meia noite do dia de natal, não falando da noite que me ia na alma, dores agudíssimas pareciam retalhar-me todo o corpo. Não chorava, mas gemia ; só Jesus sabe quanto eu sofria. Principiei a ouvir fogo e repique de sinos. Pedi que me trouxessem imas imagensinhas do Menino Jesus. Colocadas sobre o meu peito queria aquecê-las. O calor que lhe dei não era o que eu queria dar-lhes ; queria queimá-las com fogo de amor. Queria dizer-lhes muitas coisas e não sabia. Estreitei-as ao meu peito docemente e continuei os meus gemidos. — Estou certa que Jesus os aceitou e não ficou triste. Ninguém como Ele via quanto eu sofria ; ninguém como Ele sabe que mesmo gemendo é por amor que gemo e quando mais não posso. Não sei os minutos que se passaram, o que sei é que passei a outra vida e ouvi Jesus no meu coração.

— “Nasci no presépio do teu coração, minha filha. É o Esposo que vem à sua esposa, é o Rei que vem à sua rainha. Sou Rei do Céu e da terra. Como estou bem aqui, ó rainha do amor. O presépio que Me dás não é áspero como o de Belém, é fofo com as tuas virtudes. No te presépio não sinto os rigores do frio ; sou aquecido com o amor mais puro e abrasado. Tu és a minha estrela, estrela que guias o mundo como outrora guiou os Reims Magos no caminho de Belém. Diz, minha filha a todos os que cuidam de ti, aos que te são queridos, amam e rodeiam que lhes dou abundância das minhas graças, um enchente do meu divino Amor, um lugar reservado em meu divino Coração com a promessa do Céu”.

Não vi o Menino Jesus, mas enquanto que Ele me falou estava junto a mim uma grande palmeira de Anjos, centos ou milhares de Anjos, muitos deles com seus instrumentos desciam do alto e rodeavam-me. Tinha graça a pressa com que desciam. No meio deles estava uma grande escada ; de todos os degraus desciam para mim numerosos raios dourados. Eram como setas a penetrarem no meu peito e Jesus dizia-me :

— “São as tuas virtudes, são raios de amor divino. Recebe, é a tua vida”.

Aqueles raios fortaleceram-me, davam amais luz do que o sol mais brilhante. Vi tudo claramente. Não sei o tempo, mas foi demorada esta visão. Desprendi-me a custo, ia como os que caminham e olham para traz, dando a conhecer que querem alguma coisa. Eu desejava voltar ao mesmo. Não voltei à visão, mas voltei à dor.

Veio o dia ; dia sem luz e vida sem vida. Sempre a querer guardar com toda a segurança o mundo dentro em mim continuei a minha alegria fingida. Todos os mimos que recebi e carinhos de pessoas de tanta estima passavam como se não fossem para mim. Ao terminar o dia disse para mim : “Onde passei este dia ? Parece-me que estive morta para Jesus e para todos quantos me rodeiam. Vivi mas não senti a vida. Sofri, mas não foi minha a dor. Não vivi para Jesus, não senti que O amava.”

Não sei dizer melhor e nada digo do que me vai na alma. Ó minha triste vida tão mal compreendida !

28 de Dezembro de 1944

Sorrio à minha cruz, mas ó meu Deus, com quanta agonia de alma. Vejo o tempo da minha vida todo perdido. Parece-me que não vivi para Deus nem para as almas ; passei no mundo como se não passasse. Que contas darei ao meu Deus ? Anseio por sair deste exílio. E como hei-de aparecer diante do meu Jesus de mãos vazias ? Sinto que nada fiz por Ele nem para Ele. Estou mais gelada do que o gelo.

Depois da Sagrada Comunhão, ao sentir-me assim tão gelada, ao ver-me tão longe de Jesus apesar de O receber, a minha alma chora de tristeza e dor. Sou como um cadáver que nada sente, pois a dor que sinto não é minha, as lágrimas que choro minhas não são. O cadáver não ama nem sente o amor com que é amado. Ó morte, ó morte, que tremenda és. Que tristeza ! Morte do corpo e morte da alma. Por tudo sou esmagada, esmaga-me o peso das humilhações, esmaga-me o peso do abandono e desprezo, esmaga-se a dor angustiosa de guardar o mundo, de o não deixar cometer nem um só pecado, de fazer com que todo ele ame a Jesus com toda a graça e pureza. Esmaga-me o peso da ânsia sem fim de entrar no Céu com o Universo inteiro a entoar a Jesus um hino de louvor, um hino eterno. Ai meu Jesus, o que me espera ! Ouço ao longe a tempestade que se espalha ao largo e outra que se aproxima. A sua fúria vem ferir meu coração. Deixá-lo, deixá-lo sangrar. Tomai conta Jesus, tomai conta do sangue que dele correr, é sangue derramado por Vosso amor, é sangue que corre à procura das almas. Quero salvá-las todas, todas. Ó prova, dura prova, mas amada prova ; em ti vejo Jesus, em ti vejo a salvação das almas. Ai, tanto quero ver junto de mim os que me são mais queridos e tanto medo tenho deles. Estou sozinha, vivo sozinha. Ó meu Jesus, e quando me dais o meu Paizinho espiritual ? Quando realizais as Vossas divinas promessas ? Vivo da esperança e da confiança em Vós. Confio no Vosso amor e na Vossa misericórdia infinita. É quinta-feira, triste quinta-feira. Caminho morta para outra morte. Que medo, que pavor. É já noite. A minha alma apavorada fugiu para um ermo, quer-se sozinha ; está envergonhada fugiu para a solidão para aí chorar lágrimas de maior agonia. Oh ! quantos sofrimentos ela vê para ela e para o corpo, vê tudo, nada lhe é oculto. O demónio anda como os ladrões a formar os seus assaltos, atormenta-me se dó nem piedade. Nem posso pensar nas coisas que ele me diz, tão feias, tão criminosas, contra mim, contra pessoas da minha maior estima e contra Jesus que é o que mais me aflige. Afirma-me descaradamente que ofendo a Deus e nesse ponto perece-me ele falar verdade. Chama todos os demónios para virem pecar comigo e eles vêem com toda a manha infernal. Que triste e doloroso penar. Parece-me que chego a ir às portas da eternidade. Não sei como o coração não me abre o peito com tanta força que bate. Quando me parece morrer é que eu chamo mais facilmente por Jesus e pela Mãezinha : se não é com os lábios é com o coração e com o pensamento. Mas é ao terminar da luta, ao fim do perigo, pois antes o maldito raras vezes me deixa. Quem poderá acudir-me ? Que socorro posso esperar a não ser do Céu ? pobre de mim.

29 de Dezembro de 1944

Não desaparecem do mundo as sextas-feiras ! Ó meu Deus, corro para a morte e a morte para mim ! Que dor esta tão angustiosa ! A minha cabeça está dilacerada. O meu corpo com os maus tratos despedaçado ; é só sangue, é uma chaga viva. É tal a aflição e dor da minha alma que sinto e parece-me ver nela o desespero duma criatura. Por graça e grande misericórdia do Senhor não estou desesperada ; sinto o efeito da desesperação, mas estou calma e serena, sequiosa de mais dor, sequiosa de mais purificação e mais amor. Só com isto o mundo será salvo ; só com estas cadeias fortes o poderei prender. O sangue corre, a vida vai fugindo ; foge para dar a vida, vai louva a salvar o mundo Meu Jesus, dai-me a dor que eu tanto amo, dai-me a purificação que eu tanto desejo. Guardai-me em Vós e na Vossa e minha querida Mãezinha. Ouvi a minha alma num brado contínuo de agonia pela dor que sente e de ânsias de Vos entregar o mundo. Queria-o ver nas minhas mãos para vo-lo oferecer como o sacerdote vê em suas mãos a Sagrada Hóstia e a oferece ao Eterno Pai.

— Jesus, olhai para mim, vede as ânsias tão agoniosas e imolai-me como Vos aprouver para Vos dar amor e com ele a humanidade. Queria dizer-Vos muito, mas como nada sei, nada Vos digo.

No meio destas ânsias veio Jesus :

— “Minha filha, anjo da terra, flor mimosa, flor cândida do Paraíso. Vem minha filha recolher mais uma prova do meu esposório contigo, da minha união conjugal”.

Neste momento Jesus tomou a minha mão beijou-me e acariciou-me e estreitou-me docemente e Ele. Fiquei como que a nadar num mar de gozo, num mar de amor. Jesus continuou :

— “Recebe a efusão do meu amor divino, recebe-o porque é a tua vida e tu és a vida das almas. Coragem minha filha, mais um pouco, o teu Céu está perto, agora está perto. Em breve a tua alma desprendida da terra voará ao Céu como a pomba branca e pura voa ao seu ninho. O teu ninho é o Céu junto do trono da Majestade divina ao lado da minha bendita Mãe. Voa a rainha da terra para o seu esposo celeste, para junto do Rei do Céu. É junto a Mim, minha filha, que tu vais continuar a vigiar, a governar o teu reinado na terra. Não fica nela herdeiro da tua coroa nem do teu reinado. A ti entreguei o reinado do mundo, do Céu governarás. Quanto te deve o mundo por e que por ele tens feito e por Eu o ter guardado no cofre riquíssimo do teu coração. És um mar de dor, és um mar de amor. Estás transformada no infinito, tens sobre as almas poder infinito. Quanto te é devedora a humanidade, quanto te é devedor Portugal. O mundo devia estar destruído. Foi para evitar males maiores que permiti haver ainda os males presentes. Pede, pede de novo muita oração e penitência. Coragem, minha querida jardineira, jardineira do jardim celeste, agricultora divina. Semeia, colhe para Jesus. Semeia graça, semeia pureza, semeia amor. O amor é a mais bela flor. Quem ama é puro, não ofende O seu Amado. Quem ama sofre por amor. Ó filhinha amada, a tua dor tem sido a salvação das almas, guia e amparo dos pecadores. Escuta, filhinha, escuta os anjos a entoarem-me louvores e um Te Deum de acção de graças pela vítima que escolhi, pela redentora que ao mundo dei. Todo o Céu vê a glória que me deste, todo o Céu vê o valor da tua dor. Escuta, escuta as vozes celestes. Este louvor é ao terminar o ano. Este louvor é dado em teu nome e em nome dos que sofrem contigo, dos que cuidam de ti e da minha causa divina. Dá a todos o meu agradecimento divino. Olha o que te digo na última sexta-feira deste ano, na última que te falo e renovo a tua crucifixão : não te enganas, nunca te enganaste. Anima-te, tem coragem para a luta. Antes da tua morte todas as minhas divinas promessas serão compridas. O esposo que ama a sua esposa não a engana nem a deixa enganar”.

Quando Jesus me mandou escutar ouvi as vozes celestes dos anjos, vozes tão harmoniosas que arrebatavam a alma ao Céu. Só a alma podia ouvir, só ela podia gozar. Jesus disse-me :

— “É neste arrebatamento, num êxtase de amor saído por entre a dor que voarás ao Céu”.

— Obrigada, meu Jesus, abençoai esta pobrezinha que tão miserável e pequenina à vista da Vossa grandeza desaparece. Dai-me força, dai-me amor.

31 de Dezembro de 1944

Quase todos os dias ora dum lado ora do outro vêm espinhos, por vezes bem agudos, cravarem-se em meu coração. Recebo-os sempre com alegria embora com custo : manda-os Jesus ; sejam bem-vindos ; são mimos do Senhor. São mimos que ferem ! Também eu, por minha miséria, cravo em Jesus espinhos muito mais dolorosos e Ele é inocente eu não sou. Estes pensamentos animam, dão-me coragem para abraçar por amor tudo o que de Jesus vem. Que vida tão dolorosa a minha ! Meu Deus, como são variados os sofrimentos que me dais ! Passo horas do dia e da noite em ânsias dolorosas de guardar o mundo. Jesus modificou agora estas ânsias. Umas horas quero gradá-lo, mas é como se fosse obrigada. Não sei pelo quê, não sei o que é : quero prendê-lo e não sei de onde me vem a força para o fazer, não é por mim, alguma coisa me obriga ; parece-me ser o amor que se sujeita a prendê-lo. Ao mesmo tempo faço-o com repugnância, parece-me que ele era digno de esquecimento e desprezo. Vêm outras horas que tenho tanta pena de sentir pelo mundo a repugnância e o aborrecimento e avivam-se em mim vivos desejos de o conquistar e de o possuir, enlouqueço-me tanto de amor por ele que me faz lembrar um pai a quem lhe fugiu o filho e voltando a casa o pai em vez de o castigar abraça-o e cobre-o de carícias. Eu louca de alegria a querer abraçar toda a humanidade chego a exclamar “Ó mundo, estou louca de ti ; ó como eu te quero, como eu te amo. Em ti vejo Jesus”.

Tantas coisas queria dizer destas ânsias que me consomem. Como pode ser isto, amar o mundo, aborrecer o mundo, querer possuí-lo se eu quero deixá-lo.

— Ó meu Deus, ó meu Jesus, ponde em mim os Vossos olhares, ampara-me, assim vencerei !

Durante a noite fui assaltada, mas assaltada tormentosamente. Já durante a tarde a minha alma sentia que ele andava a rodear-me. De longe a longe ouvia dele palavras de ameaça. Veio então não sei a que hora nem o tempo que ele demorou. Sei que foi muito. Convidou o inferno para vir atormentar-me. Dizia-me o que há de feio, feio e horroroso. Durante a luta passei por vários abismos ; uns mais espaçosos, outros mais fundos. Mas apesar de muito feios ainda sobressaiam neles uns raiozinhos de luz. O último foi o mais aterrador ; fantasmas negros o rodeavam. Eram tantos, tantos demónios, mais negros que o carvão, em várias formas e caras tão feias. E eu prestes a cair neles. Parecia-me perder a vida, o coração batia aflitivamente. O suor banhava-me o corpo. O maldito afirmava-me pecar e que gostava de pecar. A hora era grave. Meu Deus, que tanto perigo. Pelos meus lábios saíam zunidos como tempestade furiosa. Eu mesma dizia coisas. Ai que raiva a do maldito. Ouvia o ranger dos dentes e querer-me estrancinhar. Só então eu repetia :

— Ó Jesus, ó Mãezinha, ó Mãezinha, valei-me, sou a Vossa vítima, sou a Vossa escrava. Ouvi então Jesus :

— “Desempenha ó anjo do Céu a missão que te confiei. Toma em tuas mãos a minha esposa querida, o meu anjo em carne, leva-a, coloca-a no seu lugar. Não pecaste, minha filha, convence-te, não pecaste. São altos os juízos divinos. Escolhi-te para reparares por todos os pecados. Se não fosse a tua reparação quantas almas se perderiam. As que caíssem neste último abismo nunca mais de lá saiam. São os que preferem o pecado Deus ; pecam com toda a malícia, com todo o conhecimento. Antes querem o prazer do que possuir a Deus. Eis a razão porque não querias nas tuas mãos o terço”.

Por um acaso, quando principiou a luta possuía nas mãos o terço da Mãezinha. Durante o combate não o quis, arrumei-o. Continuou Jesus :

— “Os abismos que ainda possuíam luz são aquelas almas que pecam por fraqueza, mas temem o pecado, querem vencer-se. Em ti vence o amor, a tua loucura por elas. Não pecaste, anima-te, minha pomba bela”.

Terminado isto, estava já na minha posição, confiei em Nosso Senhor, mas fiquei muito dorida do que se tinha passado. Sempre a causa do meu sofrimento é o medo de pecar.

Logo que pude, cedo ainda, principiei as orações da manhã. Sentia que Jesus não me ouvia palavra, mal as pronunciava logo morriam. Via todos os sofrimentos passados durante o ano sem nenhuns me pertencerem nem nenhumas orações, se me pertenceram, mal nasceram morreram. Estava a terminar o ano e eu sem nada ter que dar a Jesus. Principiei a ver de tal forma a minha miséria, o meu nada ! Recordava o meu Pai espiritual prisioneiro e a sofrer tanto por minha causa ! Pensava em todas as luzes que me foram tiradas e que tanta falta me fizeram para me guiarem e aproximarem de Jesus. Pensava no meu médico assistente e pessoas queridas que tantos cuidados, carinhos e amor me têm dispensado. E eu assim, tão nada e miserável ! Não pude resistir, principiei a chorar.

— Ó meu Jesus, ai, tantos cuidados e passos perdidos por minha causa ! Ai, o que eu sou e a quem eles pensam fazer as coisas. Recompensai-os, meu Deus, enchei-os de Vós, do Vosso amor.

Foi um dia cheio de amargura. Recebi alguns mimos que me deram alegria. Quando a alma principiava a senti-la, a saboreá-la, logo vinha Jesus com um corte separar tudo. Faça-se a Vossa vontade, ó meu Amor, por Vosso amor.

À meia noite agradeci a Jesus todos os benefícios recebidos durante o ano e tudo o que me tinha feito sofrer. Pedi para que rezassem comigo um “Te Deum” em acção de graças. Terminado ele, acrescentei :

— Obrigada por tudo, meu Jesus, por toda a dor e por toda a alegria. Perdoai as minhas ingratidões para convosco. Que me espera agora no novo ano ? Mandai-me o que quiserdes, Jesus, que tudo aceito, mas não me falteis com a graça precisa e dai-me todo o Vosso amor.

   

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