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SENTIMENTOS DA ALMA

1945

MAIO

3 de Maio de 1945

No primeiro dia de Maio quantas coisas pedi à Mãezinha para me alcançar no Seu mês bendito. Consagrei-me a Ela para Ela me consagrar a Jesus. Entre muitas outras coisas pedi-Lhe força para o meu sofrimento. Meu Deus, e quanto necessito eu do auxílio do céu, da força da querida Mãezinha, par aguentar com o peso de tão grande cruz. Logo no segundo dia recebi um miminho do céu, um mimo que feriu bem o meu coração, um espinho que o dilacerou todo. Agradeci-o logo à Mãezinha, aceitei-o e ofereci-Lho como prova do meu amor, e para Ela o oferecer por mim a Jesus. Tudo é dor em mim! Que horror, que horror! O meu coração, a minha alma estão num luto fechado; não sei o que é isto. Que arrancos sinto em mim! Sinto como se pela boca me tirassem tudo o que dentro em meu corpo contém. Ai, meu Jesus, e que desejos tão grandes, que ânsias quase desesperadoras de ouvir dizer que terminou a guerra. Eu nada sei dizer, só Jesus conhece quanto sofro. A Ele vou renovando a oferta de vítima, para que venha a paz. Oh! que compaixão eu tenho pelos governadores que dizem terem partido para a eternidade. Oro por eles, e parece-me que a eles prenderam o meu coração. Todo o meu corpo continua em chamas, e sinto como se o meu pequenino quarto ardesse comigo. E quero acudir ao mundo, apanhá-lo, prendê-lo, colocá-lo todo nestas labaredas, neste fogo que não dá luz. Que medo, ó que medo viver em tantas trevas! O quarto em que vivo é como uma masmorra onde nunca penetrou o sol nem a luz do dia. São trevas na alma, trevas no corpo, trevas no céu e na terra. Parece que nunca mais posso ver Jesus, sinto que não é meu, que O perdi para sempre. Mas mesmo assim quero amá-Lo, sinto ânsias loucas de O amar e, como não me parecem minhas nem meu o amor, digo-Lhe:

– Jesus, este anseio não é meu, é Vosso, e Vosso é o amor; sois Vós que amais com o que é Vosso e sois Vós que sofreis e levais a minha cruz. Vede a pobrezinha que nada faz e nada tem: é só noite, só miséria. Sou Vossa escrava, Jesus, só Vossa e da Mãezinha.

O demónio, ainda esta noite, com tanta malícia e fúria consumiu desesperadamente o meu pobre corpo. Estava banhada em suor e não podia lutar. O coração batia com grande estrondo e numa marcha apressadíssima. Queria sossegar uns momentos, para poder respirar, e não podia.

– Já estás satisfeita? Não queres pecar mais? Hás-de pecar, hás-de pecar. Peca contigo  todo o inferno e muitos da terra. E nomeava-os. Como tu estás! Como tu estás! E enchia-me de insultos. Estava cheia de lutar, mas não de ofender a Deus. Sentia que queria mais, muito mais. Não era bastante o gozo que me parecia sentir. Veio uma dor a destruí-lo todo. Fiquei louca, a querer gozar, e a dor insuportável a não me deixar, destruía tudo o que era gozo. Perdida no meio do mar, gritei por Jesus:

– Não quero pecar, não quero pecar.

Fora do meu lugar, não podia tomar a minha posição, nem aguentar por mais tempo a que tinha. Falou Jesus:

– Anjo, bendito anjo criado por mim, leva ao seu lugar a minha querida esposa, leva-a com todo o carinho e amor; é minha, só minha.

Fiquei logo na minha posição e senti-me tão cheia de carinho e amimalhada, e Jesus continuou:

– Oferece-me, filhinha amada, esta reparação, para que os impuros se cansem de me ofenderem, e não se canse o meu divino Coração de lhes perdoar. Dá-me, minha virgem pura, toda esta reparação. Tu não pecaste. É grande, é forte o teu amor. Tem coragem! Cumprem-se as minhas divinas promessas, e chega o céu.

As palavras e ternuras de Jesus suavizaram a minha dor e cansaço. Pude por um pouco adormecer. Ai, a quinta-feira! Estou a braços com ela. O meu coração anda de rasto, sente já toda a dor e ingratidão. Os meus ouvidos ouvem dum e do outro lado insultos e palavras de desprezo. Vejo todos os sofrimentos e anseio por eles; vejo a morte e desejo passar por ela; é morte que vai dar a vida. No Horto, senti o cálice da amargura. Com os olhos fitos no céu, no meio da tremenda agonia, senti como se me rasgassem a fio de espada ou ponta de navalha todas as veias do corpo. O sangue corria, ensopou-me toda e foi juntar-se às lágrimas da maior amargura. Os ouvidos tudo ouvem ao longe, mas sinto em mim coisa mais sublime que vê e adivinha tudo. Não sou eu, é Jesus que tudo conhece e sabe. É chegada a prisão.

4 de Maio de 1945 – Sexta-Feira

– Como hei-de ditar, Jesus, como hei-de dizer os grandes horrores que se passam em minha alma, se não tenho forças para isso! Espero-as do céu, já que é essa a Vossa divina vontade.

Esta manhã, saí da prisão e no decorrer das horas percorri muitos caminhos, desfalecida, caindo aqui e além. O meu rosto ficava por terra, e nela se abafavam meus lábios, junto aos gemidos que pela dor eram dados. O coração sentia as gargalhadas vindas de longe, dadas por escárnio e alegria. Oh! com quanto custo subi a montanha do calvário! No cimo dela, tiraram-me as cordas que me cercavam o pescoço e a cinta. Que enormes dores! Elas estavam enterradas na carne, ensopadas em sangue. Ao serem arrancadas, deixavam-me no corpo marcas com grandes feridas, a que estavam ligadas e enterradas.

Custou-me muito a ser despida em público. Os vestidos levavam consigo pedacinhos de carne. Os olhos do cor4po não viram, mas viram os da alma, eles serem cortados à espada, para serem distribuídos. A alma tudo sentia. Com os olhos do céu, aterrada de trevas e abandono, ouvia sair do coração esta brado muitas e muitas vezes: “Pai, Pai, Pai, não desvies de Tua face, não afastes de mim Teus olhares”. Os meus olhos, mergulhados nas trevas, nada podiam ver; neles havia outros olhos que viam tudo, tudo através dos tempos, todo o sofrimento que até ao fim do mundo havia de ferir um Coração que junto ao meu estava. Esse coração sentia toda a ingratidão que no mundo poderia haver. Os ouvidos tinham outros ouvidos para ouvirem insultos, maldades, crimes de todos os tempos. Que ondas contínuas eram levantadas no mar imenso do sofrimento! Dentro em meu corpo sentia em mim Jesus; era Ele o crucificado, era Ele que do alto da cruz contemplava a Mãezinha em agonia e dor e murmurava: “Mãe, minha Mãe, até tu serves para meu martírio, a tua dor aumenta-mo; nem ao menos tu podes aliviar-me”. Parecia-me que o meu peito, coração e alma eram retalhados a punhaladas e fios de espadas. Posso dizer por mim que não resistia a tanto sofrimento, forças humanas não eram capazes. Veio o meu Jesus a suavizar tudo.

– Minha filha, ó filhinha amada, tesoureira do teu Jesus, depositária, distribuidora do amor do meu divino coração. O teu corpo é o sacrário que contém o caso sagrado da minha Eucaristia. O teu coração é esse vaso, a Eucaristia sou eu. Dei-me em alimento às almas, criei-te para alimento das mesmas almas. Tens em ti o sangue de Cristo, a vida de Cristo. És a vida que dá vidas, és o cofre que possui todo o amor de Jesus. Atraíste-o, colheste-o para ti, és tesoureira de amor; guardei-o, depositei-o todo em ti; distribui-o, minha mensageira, enrique3ce o mundo, salva-me, salva-me as almas. Faço aqui o meu céu na terra, o meu paraíso no teu coração. Adoram-me, louvam-me em ti os anjos. Olha que multidão deles e de bem-aventurados! Olha tantas almas já salvas por ti!

Que grande massa eu vi! Eram as almas e ao lado delas muitos anjos. Que grande alegria e que grande louvor davam a Jesus.

– Minha filha, já salvaste mais, muitas mais. O teu sofrimento é um mar de riqueza, são tesouros imensos, riquezas valiosíssimas para o resgaste das almas. Não te digo, minha filha, algumas almas que por ti foram salvas, não porque te envaideças, porque tudo o que fazes é por mim, e preparei-te para tudo, mas porque te causa grande sofrimento e humilhação. As almas grandes em mim só se sentem bem nas coisas humildes e pequeninas. Oh! como eu as amo! Vem cá, vem cá, minha filha, vem ver o meu divino Coração: que profunda chaga ele tem! Aceita-o, toma-o em tuas mãos, suaviza a minha dor, cura esta chaga com a ternura dos teus olhares, a doçura dos teus lábios e o fogo do teu amor. Cura-a com o aroma das flores do teu jardim de virtudes.

– Meu Deus, que confusão a minha ao ver-me depositária do Coração Divino de Jesus!

Oh! como eu era pequenina ao ver em minhas indignas mãos aquele Coração Divino, tão chagado e abrasado em amor! Possuía-o, mas não sabia curá-lo e não via em mim nada, nada que pudesse cicatrizar a chaga e suavizar a dor de Jesus. Mas Ele alguma coisa viu no meu pobre coração; dele tirava com as Suas santíssimas mãos alguma coisa para o d’Ele. E eu sentia a dar-me, a dar-me, a transformar-me toda no de Jesus.

– Aproveitai, meu Amor, a minha grande miséria, nada mais tenho para Vos dar. Aceitai os desejos que tenho de Vos consolar e de Vos dar tudo o que é belo, tudo o que é puro, tudo o que é amor. E dizei, meu Jesus, quem foi que Vos feriu assim?

– Minha filha, esposa minha, olha como estou coroado de tão agudos espinhos. São os sacerdotes que assim me ferem. Ofendem-me tanto! E esta chaga, que vês aberta, foi feita pela ambição das nações, mas aprofundada mais, muito mais ainda por todas as maldades e todos os vícios. A impureza, a impureza! Os pais não respeitam as suas filhas, as filhas não respeitam as suas mães. Os maridos não são fiéis a suas esposas, e as esposas a seus maridos. Ofendem-me gravemente irmãos com irmãs. Não há modéstia nas famílias, desapareceu dos lares o temor de Deus. Que dor a minha! Repara, lírio puro, lírio casto, pureza angelical; repara por tudo isto. Eu quero, filhinha amada, que a voz do Santo Padre ecoe no mundo inteiro muitas e muitas vezes, enquanto ele for mundo, a convidá-lo à oração, à penitência e ao amor. A oração é a arma mais forte, a penitência é o meio mais poderoso para atrair para ele as bênçãos, graças e misericórdias do Senhor. O amor purifica o mundo. Quero ser amado e quero ver a minha Bendita Mãe amada. Quero que toda a humanidade veja e ouça no Santo Padre a voz do próprio Jesus. É ele que o convida a entrar em meu Divino Coração. Sou eu que pelos seus lábios o chamo para mim. Minha filha, assim como por teus lábios foi pedida a consagração do mundo à minha Bendita Mãe, peço agora, antes da partida para o céu, que o Santo Padre, com a sua doce voz de Pai, convide repetidas vezes a pobre humanidade a reconciliar-se comigo, a sair da sua cegueira, a viver a vida da pureza, da oração e do amor. Peço-te hoje e vou pedir-te ainda mais vezes antes do meu retiro, do meu exílio em ti. Escreve tudo, não duvides. O Espírito Santo está contigo. Eu nunca permiti, nem nunca permitirei que te enganes. Vai, pomba bela, vai, mensageira, vai, rainha do amor, vai espalhar, vai dar aos corações tudo o que é meu.

– Obrigada, meu Jesus. Utilizai-Vos da minha pequenez e da minha confusão para bem das almas e consolação do Vosso Divino Coração.

Recebi de Jesus um estreitado abraço e fiquei abrasada no Seu fogo divino. Fiquei tão humilhada, tão pequenina, mergulhada em trevas. Bendito seja o Senhor. Que Ele vença em mim.

5 de Maio de 1945 – Primeiro sábado

Se não fosse Jesus conservar-me a vida, com o sofrimento que tenho tido teria morrido mil vezes se mil vidas possuísse. Ontem, ao cair da tarde, já depois de ter escrito os sentimentos da alma, estava com a minha mãe e prima a fazer o mês da Mãezinha; principiaram os estremeções na minha cama, e eu estremecia com ela também. Causou-me grande aflição. Convencidas que era o demónio, deitaram água benta e em nome da Mãezinha mandaram-no retirar. Era por obediência que se fazia isto. Cessou por um pouco para depois se repetir novamente a mesma cena. Durante a noite, foi uma luta tremenda. O maldito chegou quase a persuadir-me que era falso ter morrido o Presidente da América; que estavam desfeitos todos os enganos, conhecidas todas as mentiras. Juntou a isto uma série de coisas que não sei como resisti. Dizer a Jesus que confiava n’Ele era o mesmo que não dizer nada.

– Confio, Jesus, confio.

Mas parecia-me não confiar.

– Valei-me, Jesus! Ó meu Deus, que será de mim!

Que tremenda confusão! Perdi todo o conforto do céu e da terra. O demónio bailava de contentamento. Parecia-me que ele tinha em suas mãos o meu coração, que ele esmagava e feria continuamente. Principiei a minha preparação para a vinda de Jesus esta manhã, mas sentia-me em tanta dor e o coração tanto em sangue, que se fossem a satisfazer os meus desejos; desfazia-me em lágrimas. Pedi a Jesus:

– Pela Vossa misericórdia, infinita misericórdia, compadecei-Vos de mim. Tende dó, Jesus, tende dó, Mãezinha, mandai-me hoje quem possa dar um pouco de alívio à minha alma. Morro de dor, esmagada entre trevas: trevas do céu, trevas da terra.

Chegou Jesus, e eu em agonia; sem luz, sem amor, baixou Ele ao meu coração. Quase logo, principiou a dizer-me:

– Minha filha, estrela de oiro. O teu brilho vai estender-se por toda a humanidade. Tu és o sol que estende os seus raios doirados para darem vida à terra. o teu sol, os raios do teu amor são mais do que oiro, são raios divinos, porque passam de mim para ti; vão criar, vão germinar, florescer frutos divinos nas almas, fogo divino nos corações. Tu és a flor pura que plantei no meio do mundo para as almas. Cultivei o terreno, plantei-a, para elas vives. Sobre todo o mundo vais espalhar a fragrância e o aroma mais delicioso. Não vai essa fragrância e esse aroma tão longe como o meu divino Coração deseja, porque os homens tentaram amarfanhar as suas pétalas. Em vão. A flor é a minha divina causa, a fragrância, o aroma, são as tuas virtudes, as minhas maravilhas em ti. Não há tempestade que a derrote nem que a faça desaparecer. As pétalas dessa flor vão voar ao longe, vão correr o mundo com o sopro da graça divina. Coragem, minha esposa amada. Confia que não te enganas nem serás por Satanás enganada! Velo por ti. Dou-me a ti quanto o desejas, sou todo teu. As almas possuem-me na medida que desejam possuir-me. Coragem, coragem. Para quê tanto desfalecimento? Não amas a tua cruz? Não sabes que estou contigo? És vítima de tudo. Eu aceito tudo, tudo quanto me ofereças, e faço que o Espírito Santo te inspire com as Suas santas inspirações e ilumine com a Sua luz, para encontrares sempre, sempre que me ofereceres. E tudo isto por amor a quem? Por amor às almas, para as poder salvar. És vítima, és vítima em tudo. Coragem sempre, querida filhinha.

– Perdoai-me, meu Jesus, o meu desfalecimento, perdoai-me tantas dúvidas. Bem sabeis que só a mim temo, que é de mim que eu duvido. A minha miséria é sem igual.

– Anima-te, meu anjo, e confia sempre. Dá ao teu paizinho, minha filha, o meu Divino Coração com toda a doçura, ternura e amor. Dá-lho cheio dos meus agradecimentos pela sua dor e exemplo na sua cruz; é exemplo dos santos. Diz-lhe que me servi de tão grande martírio para reparação de tantos e tão maus sacerdotes. Tudo está a terminar, ele será exaltado, e os exaltados humilhados, e a sua missão continua sempre junto de ti e junto às outras almas. Dá também ao teu médico o meu Divino Coração como nome dele, da esposa e de todos os filhinhos, gravados a oiro. São meus, pertencem-me; são salvos, é de todos o céu. Dá-lhe também os meus agradecimentos, diz-lhe que sou eu que o nomeio combatente livre e vencedor da minha divina causa, causa mais brilhante e prodigiosa. Diz-lhe que redobre os seus cuidados e canseiras junto de ti. É preciso milagre, grande milagre para a tua vida e existência aqui. Dá à Sãozinha a promessa do céu sem purgatório pelo que trabalho pela minha causa divina. Faz-me uma lista das pessoas a quem queres que lhes dê o céu sem irem ao purgatório. Sei muito bem quais elas são e quero condescender com os teus desejos. Vem, minha Mãe, toma o teu lugar de Mãe carinhosa e extremosíssima, dá a vida e suaviza a dor desta nossa filhinha.

Tomou-me a Mãezinha em seus braços, senti-me logo cheia de doçura e amor. Dum lado o seu santíssimo rosto e do outro a sua bendita mão me acariciava. Estava o meu rosto no meio daquela prensa santíssima. Cobriu-me de beijos, senti-me viver.

– Minha filha – dizia-me ela – venho em breve buscar-te para o céu. antes de expirares, levo-te à presença de Jesus pela minha bendita mão; entre mim e Ele serás conduzida ao paraíso. À tua chegada terás coros de virgens, coros angélicos, toda a corte celeste em hinos, todo o céu em festa.

– Obrigada, Mãezinha. espero-Vos depressa, a não ser que os Vossos breves sejam como os de Jesus. Seja como for, não tenho vontade nem querer próprio. O que quero é a Vossa força santíssima para levar a minha cruz, a pureza do meu corpo e da minha alma, o amor ao Vosso Coração e aO de Jesus, a graça de não O desgostar nunca, nunca. Dizei-me, Mãezinha, estais triste comigo ou está Jesus?

– Não, esposa do meu filho querido. A minha alegria e consolação estão em ti, nada fizeste para me entristecer; tudo fazes para honra e consolação minha e do teu Jesus. Sossega, sossega, meu Filho, sossega a tua filhinha.

– Coragem, sossega, amada do meu Divino Coração. O que te digo é para te firmar e fortalecer no teu martírio. Não me desgostaste, sossega, não o permito. De ti recebo a alegria e amor que o meu Divino Coração deseja. És a loucura do céu, a vida das almas, o encanto da terra, a glória do meu Pai.

Por algum tempo fiquei fortalecida, mas, à medida que as horas foram passando, corri apressadamente a mergulhar-me nas trevas para nelas poder esconder-me de todos e para sempre. Abismada nelas, parecia-me não caberem em mim as ânsias, ânsias doridas, ânsias capazes de dar a morte, ânsias não sei de quê. Que peso o da minha cruz! Mas quero-a, amo-a para sempre.

10 de Maio de 1945

A minha língua, envolvida em trevas, parece estar presa e não poder mover-se para dizer a grande dor que me vai na alma. Os meus olhos nada vêem. Que dizer, que fazer, meu Jesus? Tremo de medo, temo a minha existência aqui. Que grande horror pensar que tenho de demorar-me neste triste exílio! É triste por ser triste, mas alegre por ser o que Jesus quer.

– Vontade divina, vontade do meu Deus, quero-te, abraço-te e nunca mais te largarei.

Os grandes arrancos da minha alma têm continuado; por vezes são como terramoto que tudo destrói; todo o meu ser parece ficar em estilhaços. E os sobressaltos vão-se repetindo: temo a todos, temo a mim mesma. Sem ver e sem forças para resistir, estou como se estivesse de braços abertos à espera de tudo o que o céu quiser enviar-me, o céu que me parece ser de trevas, o céu que baixa sobre mim e me obriga a infundir-me na terra, na terra de iguais trevas. A que profundeza já eu vou! Quanto mais esmagada, quanto mais me vou aprofundando, mais em trevas fico. Que horror! Parece não poder convencer-me que na terra há luz e há sol, que no céu há alegria, luz brilhante e amor sem fim. Meu Deus, não conheço nada, parece que nada disto experimentei. Sinto dentro em minha alma uma revolta do céu contra a terra. Jesus não pode mais aguentar com os crimes da pobre humanidade. Que quadro tão doloroso, que cena tão triste! Se o mundo pudesse ver o que se passa em mim, com certeza não pecaria mais. Se não o comovesse o amor de Jesus, aterrava-o a Sua justiça. Sinto, sinto toda a justiça divina a querer descarregar sobre a terra. Não sei quem é, é alguém que se prostra com grande aflição diante da justiça divina para sustentar o Seu braço poderoso, prestes a cair sobre a terra. Não é só a alma que o sente, vê com os seus olhos esta visão claramente.

– Meu Deus, só Vós sabeis quanto eu sofro e por quem sofro. É por Vós, é pelas almas.

Nada sei dizer deste tão duro penar. O terminar da guerra não me deu um momento de alegria. Tudo passa negro e friamente. Agradeci e agradeço a Jesus e à Mãezinha, porque é o meu dever, mas parece-me que não me importava ela ter acabado ou continuar. As trevas tudo escondem, não vejo um olhar de agradecimento ao céu, nem um sorriso duns lábios agradecidos.

– Tirai, Jesus, tira, meu Amor, para Vós a consolação e a alegria, deixai para mim o que é dor e trevas. A vontade quer aceitar por amor; a pobre natureza fraqueja, porque mais não pode. Tende dó de mim, Jesus.

O demónio tem-me atormentado tanto, tanto! Tudo aproveita para me martirizar. Eu que tudo faço por malícia, que tudo faço para enganar; enche-me de dúvidas. Veio com um ataque tão atormentador! Eu não tinha no meu corpo o mais pequenino bocadinho que não servisse de instrumento para ofender a Jesus. Parecia-me que o maldito se utilizava de todo o meu ser para pecar comigo, para ferir o meu Jesus.

– Ó meu Deus, que mar de crimes! Ofender-Vos com todos os meus sentidos!

Lutei por muito tempo, no meio de insultos, e ele parecia-me ser o senhor do meu coração. Figurava-se-me que o via dentro dele. E ele dizia-me:

– Expulsa-me do teu coração. Não és capaz, sou senhor dele.

Depois de muito lutar e lutar às portas da morte, fiquei caída, fora das minhas almofadas. Sem poder mexer-me, invoquei muitas vezes o nome de Jesus, chamei por Ele, pedi-Lhe para me acudir, mas oh! com que vergonha e tristeza! Ouvi Ele dizer-me assim:

– Com um sopro, saído dos meus lábios divinos, vais docemente para as tuas almofadas, minha filhinha.

E vi-O então a Ele senhor do meu coração. Era Jesus Menino, já crescidinho. A   cruz era maior que Ele.

– Sou eu o rei, sou eu o senhor. És minha e tudo o que é teu a mim pertence. Não pecaste, minha filha. O teu corpo não é como o demónio te faz sentir, um instrumento de pecado; todo ele é um instrumento de reparação para mim. Repara, repara, aceita, abraça a tua cruz. O teu corpo é de pureza, o teu coração é de amor.

– Confio, meu Jesus, não me falteis e não consintais que eu mova os meus lábios e nada faça que Vos desgoste.

No meio das minhas amarguras, no abismo das minhas trevas, quanto já não posso mais e me parece não haver remédio para os meus males, sinto por vezes Jesus no meu coração a estreitar-me com todo o amor e a repetir-me uma e muitas vezes:

– Coragem! Eu estou contigo, não te falta o conforto do teu Jesus. És minha, eu amo-te, nada temas. Sofre contente, sofre por amor, não deixes as almas perderem-se.

Tudo isto faz-me reviver, mas por bem pouco tempo. Só as ânsias de me dar às almas, de salvar o mundo não cessam, consomem-me o coração. Que desejos tão vivos de incendiar no mundo o fogo divino, o fogo que, sem ser meu, sinto-o, consome-me, devora-me!

– Ó mundo, hei-de vencer-te, hás-de salvar-te. Ó rochedo, hei-de reduzir-te a chamas, hás-de amar a Jesus, hás-de ser puro, hás-de viver para Ele.

O demónio continua a rodear as janelas que cercam o edifício do meu corpo. Redobra sempre a sua malícia, tenta entrar por uma e por outra. Enraivecido, uiva e desespera-se, por nada poder conseguir. Não posso lembrar-me que hoje é o dia a Ascensão de Jesus ao céu. Parece-me que Jesus subiu, deu a Sua entrada no céu sem ser louvado e festejado. As trevas cegaram os anjos e todos os habitantes do céu. O meu coração apavorado chora lágrimas de dor e de sangue. Sente as cordas que amanhã lhe vão atar o seu corpo. Sente nele as bofetadas e os escarros que ao rosto lhe hão-de ir cair. Pobre coração, que não sabe amar, que não sabe compadecer-se de Jesus, que está nele caído com a cruz às costas e atado com grossas cordas. Visão dolorosa a da minha alma! Em que estado ela vê Jesus. Anteciparam-se os sofrimentos; já hoje sinto tudo. Durante a Ceia vi e senti o abraço de Jesus a seus discípulos. Que abraço tão terno e eterno! Entre eles houve um que recusou, não quis aceitar. Mas a ternura e o amor de Jesus continuaram ainda sobre ele. Como Nosso Senhor sofreu ao ser desprezado o Seu convite, o Seu amor, o Seu chamamento! Se Jesus, a Mãezinha ou os anjos falassem em meus lábios para gravarem bem nestas linhas o amor divino e a ingratidão do mundo a esse amor! Que sede eu tenho de dar almas a Jesus, de salvar o mundo e de matar o pecado Para Sempre, para sempre! Não sei dizer o que quero e não vejo nada para fazer, estou ceguinha.

11 de Maio de 1945

Se os dias passados foram um contínuo mergulhar de trevas, hoje é mais, ainda muito mais.

– Meu Deus, como pode aumentar isto? De onde vêm elas?

É por entre esta escuridão medonha, aterradora, que eu caminho, de cruz sobre os ombros, mãos atadas e o corpo todo chagado. Ouço o sangue que rega a terra, saído das minhas veias. Ouço o estalar dos ossos ao ser arrastada pelas cordas. Dores sufocantes tiram-me a vida. Não há quem se compadeça do meu penar. E eu perdi Jesus, ou sinto que O perdi. Como poderei viver sem Ele? O que será de mim? Veio o demónio com um ataque violentíssimo. De manhãzinha cedo, principiei a sentir que o meu corpo não estava completo, como se uma podridão tivesse desfeito parte dele. Causou-me e causa ainda grande dor e impressão. Mal eu pensava que eram manhas do demónio! Foi o meio de que ele se serviu para hortas depois me afligir. Aumentou a sua malícia e artes, como senhor e habitador de mim. Principiou a dizer-me:

– Olha como tu estás! A maldade dos teus crimes apodreceu o teu corpo.

Uma chuva de nomes e coisas feias caiu sobre mim.

– Jesus, Mãezinha, não quero pecar, sou a Vossa vítima.

Que medo, que horror! Parecia-me pecar e querer pecar. Sentia pena por não satisfazer mais os meus desejos desordenados. Tremendo horror! Levantava os meus olhos para a Mãezinha e para Jesus. Um abismo aterrador se colocou à frente dos meus olhares. Que escuridão assustadora! Que abismo sem fundo! E eu cega de maldades e desejo pecaminosos. Fiquei louca, preocupada com este viver. Veio Jesus, o remédio da minha alma.

– Minha filha, és cândida, és pura, pureza virginal, candura celeste. Repara! Vê aqueles traços doirados, aquelas flores luzentes que passam naquele abismo. É a tua pureza, é a tua reparação; reparação que me consola, pureza que pouco a pouco vai purificando as almas que nele estão. É pureza que passa no lodo e na lama sem se manchar e à sua passagem deixa seu brilho para iluminar e arrancar das trevas as almas que nele estão, trevas do pecado, trevas infernais. Não são trevas de amor, trevas de reparação, trevas enviadas por mim. Coragem, minha pura, minha bela. Não pecaste.

– Meu Jesus, permiti que a minha confiança em Vós vá tão longe quanto pode ir, para que eu possa convencer-me sempre, sempre que não Vos ofendo. Não permitais, meu doce amor, que eu duvide um só momento da Vossa palavra divina.

Cheguei, mas com muito custo, ao cimo do calvário. Cravada na cruz, com o coração em sangue, bradava incessantemente socorro ao Eterno Pai. O coração voava para Ele, mas era repelido, parecia não ser aceite. Nem na cruz era poupado o meu corpo; os olhos da minha alma viam todo o mundo a vir feri-lo. Via todo o mundo a penetrar na minha cabeça grande número de agudos espinhos. Que grande dor me faziam! Toda a humanidade maltratava e esmagava o meu coração, deixando-me em agonia mortal. Veio Jesus ao encontro desta dor e agonia. Demorava-se: fez-me esperar muito tempo. Esperei resignada.

– O que quiserdes, meu Jesus, a minha vontade é a Vossa.

– Minha filha, prenda valiosíssima que eu dei ao mundo. Quanto ele tem de agradecer-me! Tu és a depositária, és o cofre das riquezas e dons divinos. És a mensageira da paz, de quanto a humanidade te é devedora. Coloquei-te no meio dela, és um centro de virtudes, és um centro de flores cândidas e puras. És a vida das almas, és a nova Eucaristia delas. Purifica-las dos seus defeitos, lava-las dos seus crimes, prepara-las para mim que sou a verdadeira Eucaristia. És a pastorinha que conduz o rebanho ao Pastor Divino. Tu és o porta-voz de Jesus para o Santo Padre. Diz, minha filha, ele que fale à humanidade inteira. Ele, que é o pai da terra, que peça em nome do Pai do Céu. Quero uma reconciliação firme e sincera, quero um mundo novo de pureza e de amor. Penitência, penitência e oração. Penitência no lugar dos prazeres, oração em vez das vaidades e passatempos ilícitos. União comigo, amor puro, amor abrasado ao meu Divino Coração. Se houver, minha filha, a verdadeira transformação, receberá o mundo inúmeras graças, uma chuva de bênçãos cai sobre ele. Mas, ai dele, se assim não for. Aceita, filhinha amada, o meu Divino Coração, consola-o, cura-lhe tão profunda chaga. Dá-me o teu para o confortar e para lhe dar vida.

Jesus fez a troca, senti-me logo outra.

– Agora, sim, meu Jesus, agora sim, sei que não sou eu. O Vosso Divino Coração encheu-me, deu-me tudo. Estou confundida, não sei como consolar-Vos nem como curar a Vossa chaga divina. Aceitai os meus desejos, aceitai tudo o que de mim podeis e quereis receber. Se eu soubesse amar-Vos! Se eu soubesse servir-Vos!

Enquanto eu dizia isto a Jesus, fez-se Ele médico do meu coração; injectou-o da Sua ternura, encheu-o do Seu amor. Fez de novo a troca, deu-me o meu, entreguei-Lhe  o d’Ele. Ao entregá-lo em Suas divinas mãos, acompanhava-o a vergonha e a pena de não lhe curar aquela chaga tão profunda, para sempre, de não o amar como o queria amar. Oh! que ternura a minha por Jesus!

– Minha filha, são assim as almas grandes, sentem nada fazerem ao meu Divino Coração. Se soubesses a alegria que me dás! Se soubesses com a tua pequenez, com a tua profunda miséria, assim mesmo como te sentes, o proveito que tiro para as almas! Logo depois da tua morte vou fazer conhecer ao mundo a heroicidade do teu amor, e como foste comigo grande e poderosa. Por ti a terra será enriquecida, por ti sempre os pecadores serão salvos. Missão sublime, missão sagrada a que te destinei. Coragem sempre, minha pomba bela. Triunfa a minha divina causa, e com ela triunfam os que contigo são humilhados.

– Obrigada, meu Jesus.

Caí pouco depois nas mesmas trevas, e as dúvidas continuaram. Estendo os meus braços para Jesus e inclino-me diante d’Ele: é o meu sinal de aceitação. Sou sempre a Sua vítima.

15 de Maio de 1945

Nunca ano nenhum, no dia 13 de cada mês, passei tanto em Fátima como no dia 13 deste mês de Maio. Não sei pelo quê. O meu coração desfazia-se e desfaz-se ainda em agradecimento diante da Mãezinha querida. Passo lá tanto tempo! Quero amá-la, louvá-la e não cessar de agradecer-Lhe a paz tão desejada. Seria esse o motivo, porque Jesus me uniu tanto desta vez às manifestações da Cova da Iria e me fez sentir todo aquele entusiasmo e preces fervorosas de tantos corações agradecidos? Bendito seja o Senhor, que Ele continue a dispensar à terra a Sua paz divina e não demore a dá-la às nações que a não têm ainda, para que em toda a humanidade reine Ele, só Ele. Não passou ainda um só dia que não rezasse a Magnificat em acção de graças e como prova do meu agradecimento.

– Mas, meu Deus, como tenho feito eu tudo isto? Na maior pobreza e maior miséria. Agradeço sem um raiozinho de luz, agradeço esmagada debaixo do céu das trevas.

O céu vai a infundir-se na terra, e lá vou indo eu, atravessando mundos e mundos dessas trevas aterradoras. O peso do céu das trevas é que me obriga a infundir-me nos mundos das mesmas. Tenho tanto que atravessar! São mundo por baixo de mundos, tudo é para mim. Vou como quem vai para o martírio, caminho como quem caminha para a morte. O meu martírio, a minha morte, são essas trevas que tiram a vida para não mais a restituírem. De momento para momento vou-me sentindo mais aterrada e cansada de tanta escuridão. Vou como quem desce um poço sem fundo, poço que traz a morte ao encontro. Sinto que vou morrer sozinha e sem luz. O coração teme e sangra de dor. Mas não cessa de bendizer ao Senhor. É só a pobre natureza aterrada, a vontade está firme, está como que abraçada a Jesus e à cruz, para não mais a deixar. Não vejo, mas confio; não sinto, mas creio; Jesus e a Mãezinha não me deixam e hão-de vir ao meu encontro no momento derradeiro. Os sentimentos da minha alma obrigam-me a acreditar que minto a mim mesma, que a todos engano. Confio que Jesus assim o quer. É o meu martírio, pois sinto a paz que o mundo não dá, sinto a paz que só de Deus pode vir, sinto a paz que o demónio não quer e se esforça por me fazer perder. Não acredito, não pode ser, Jesus não me deixa. Só Ele sabe o que se passa na minha alma, e que tudo faço com os olhos n’Ele e por amor das almas. O meu Jesus não me engana, acredito n’Ele e não no demónio, que todos os meios emprega para me perder e fazer ofender a Jesus. Neste intervalo de dias, veio uma só vez com todas as suas manhas infernais. Mas, ai, que medo eu tenho! Tenho medo por ter medo da minha fraqueza e não quero ferir Jesus. Lutei com ele por muito tempo. A luta foi sobre um tremendo e doloroso abismo. Parecia-me que as suas artes me prendiam as mãos para não possuir nelas o terço nem a Mãezinha. Ao terminar do combate, principiou a cair sobre mim uma chuva de ouro torrencial e a penetrar em todo o abismo, e o seu brilho luzente resplandecia por toda a escuridão. Eu estava fora do meu lugar e ouvi a voz de Jesus a dizer:

– Anjo de amparo, anjo de conforto, anjo de luz e de amor da minha filhinha e esposa querida, leva-a ao seu lugar.

No mesmo instante, fiquei nele e Jesus continuou:

– Anima-te, alegra-te, minha pomba bela, não pecaste. A chuva doirada que sobre ti e o abismo caía é a chuva do meu divino amor, recompensa da tua reparação. Por ti foi levada ao abismo, para dar nele luz às almas, para que venham ao meu Divino Coração. Coragem, coragem, minha filhinha querida, virgem pura, esposa amada.

– Bendito sejais, meu Jesus. Aumentou o meu martírio; queria deixar ocultos os últimos sentimentos da minha alma. Sei que o não quereis, mandais-me que escreva tudo. Aceitai o meu sacrifício e dai-me toda a luz do Divino Espírito Santo para poder escrever tudo como for da Vossa divina vontade.

Há dias que sinto nos meus olhos um olhar que não me pertence. Não é olhar malicioso, não é olhar do demónio como por algumas vezes nas lutas com ele tenho sentido. A diferença é mais do que do céu à terra. Este olhar é terno, tem doçuras, tem encantos, tem amor; este olhar tem prisões, este olhar penetra tudo, este olhar dá luz; é como um espelho que tudo faz reflectir, no qual nada se pode esconder. Este olhar é como uma bala que a todos atinge. Este olhar vê para dentro e para fora, vê tanto com os olhos abertos como com eles fechados, vê tudo, tudo, e não sei que tem em si que atrai. Sinto que esta atracção vem de encontro ao meu coração, e com que eu o abro para receber tudo o que nele quer entrar. Este olhar tem ainda chaves que fecham, são chaves que só servem no coração, são chaves que só fecham o que estes olhares a si atraem.

– Meu Deus, não sei exprimir melhor os meus sentimentos, não sei aclarar mais o que dentro em mim se passa. Desfaço-me em amor, bondade e carinho. Que riqueza sinto em mim! Nada disto me pertence. Minha é a dor que destes sentimentos é motivada. Temo e tremo. Meu Jesus, não permitais que tudo isto nasça de mim, mas sim de Vós, só de Vós. Aceitai toda a minha agonia.

Sinto como se tudo isto fosse escrito com sangue tirado do meu coração.

17 de Maio de 1945

Por vezes o fogo que sinto em meu coração parece nunca mais se apagar. E o que quero fazer? O que tenho a fazer? Nem eu sei. Quero salvar o mundo, quero ver este fogo incendiado na terra para atingir todos os corações. Parece que ando louca a bater à porta de todos a convidá-los a deixarem o pecado, a amarem só a Jesus. Tenho de ver, tenho de fazer nascer um mundo novo, um mundo puro, um mundo do céu. Tenho de sofrer e agonizar por ele, tenho de morrer nas trevas para dar luz. Oh! e como eu caminho para elas! Obriga-me o amor, só o amor. Continuam em mim os olhares que não me pertencem. Além das atracções têm tantos enleios! Que confusão a minha! E o sorriso dos meus lábios também não é meu. Parece-me um sorriso que tem braços para abraçar eternamente e bálsamo para curar todas as chagas. Não sei, não sei o que se passa em todo o meu corpo. O que está nele não me pertence. Estes enleios, ternuras, prisões, doçuras e amor nada têm que ver comigo, nada têm que atribuir a mim, este corpo não é meu, esta vida minha não é. Tudo se passa nas minhas trevas. Se eu soubesse exprimir! Se eu soubesse mostrar tudo isto para bem das almas e glória do meu Jesus, deixava de ser vítima, já não sofria. O céu não me falta, mundos e mundos vão ficando sobre mim. Eu a submergir-me cada vez mais na escuridão, abrasada em sede do amor de Jesus, em ânsias de Lhe dar almas. Não olho aos sofrimentos; caminho, caminho. Vejo tudo quanto me espera. Vou como ovelha muda que nada sabe dizer. Vejo a ingratidão, o sangue que tenho de derramar, o calvário e a morte. Sinto as almas que nele têm de ser banhadas. Fito os meus olhos no céu: venha o que vier, tenho que dar o céu ao mundo, tenho que comprá-lo com a moeda do meu sofrimento. Nesta manhã, na visita de Jesus ao meu coração, como me sentia mais intimamente unida a Ele, atrevi-me a dizer-Lhe:

– Dizei-me, meu Jesus, se não Vos desgosto, o que significam os abalos e sobressaltos que tendes feito sentir.

– Não, minha filha, não me desgostas, pergunta-me o que quiseres. Os abalos significam os abalos das nações ao terminar a sua guerra de ambições a expirarem no seu mau proceder. És vítima delas e serás até ao fim. Por ti e minha Bendita Mãe elas receberam a paz. Que abalos sentiram os seus governantes! Preferiram a morte à humilhação. Os sobressaltos dizem-te respeito e à minha divina causa. Faço-te sentir o que sentem os inimigos e amigos dela. Os inimigos sentem em si revolta, remorsos, não querem ceder, não sabem o que fazer. Os amigos sofrem por te verem sofrer sem te poderem valer. Mas ditosos deles que os associei à tua dor, associei-os ao teu martírio, porque os amo. Serão exaltados e glorificados comigo. Os inimigos serão esmagados pelo peso da humilhação, como Satanás o foi pelo poder da minha Bendita Mãe. Coragem, coragem, coragem! Do cimo do calvário, do alto da cruz, passas ao céu. Anima-te, a glória é minha, o proveito é das almas.

– Assim seja, meu Jesus. Aqui me tendes pronta para sofrer, pronta para dar a vida. Em tudo vejo o Vosso divino amor e a salvação das almas.

18 de Maio de 1945 – Sexta-Feira

Bendirei ao Senhor. Recebi de Jesus, neste mês bendito da querida Mãezinha, mais um miminho, que veio abrir-me a sepultura, e mais miminhos que vieram cravar-me na chaga do meu coração sempre a sangrar, não a deixando assim cicatrizar. De vez em quando é avivada fortemente. Bendirei sempre a Jesus e à Mãezinha, mas confesso: se não fossem as forças do céu, teria desesperado e morrido. Que grande amor o de Jesus!

– Quanto Vos devo, meu Amor. ConVosco venci e vencerei sempre.

Não pude ter uma palavra de queixume; ainda mais mereço pela minha miséria. Estou como a pombinha de bico aberto a bater as asas prestes a perder-se sem ter onde pousar. Tenho sede de luz, tenho sede de conforto.

– Já que na terra me tapam todos os caminhos, deixai-me, Jesus, deixai-me, Mãezinha, entrar nos Vossos Corações amantíssimos. Ainda que nada sinta, deixai-me ao menos a certeza que vivo n’Eles. Lá estou livre de ódios e perseguições, lá estou certa de que Vos amo e não Vos ofendo.

Se o meu corpo pudesse encobrir-se nas trevas para não ser mais visto nem lembrado, como nas trevas foi encoberta a minha alma, assim morreria, não seria mais falada como são os desejos do meu Prelado. É com todo o amor que aceito e obedeço às suas ordens. Não nasceu dentro em mim a mais pequenina sombra de ódio contra ele e contra os seus companheiros. Antes pelo contrário, dizia:

– Meu Jesus, compadecei-Vos deles, não compreendem mais, não conhecem os sofrimentos duma alma. Meu Jesus, se pudesse prostrar-me diante de Vós e de mãos levantadas soubesse agradecer-Vos os miminhos que me dais!

Com o coração a sangrar de dor, não pude com os lábios rezar a Magnificat, mas rezei-a com o pensamento.

– Dai-me força, Jesus, para sofrer e não me condeneis Vós, porque a sentença dos homens nada vale a não ser para meu maior martírio.

Foram os homens que me prepararam o sofrimento de hoje, para mais me assemelhar a Jesus e acompanhá-Lo no caminho do calvário. E lá vou eu, presa com cordas, mas com amor abraçada à cruz. Sou vítima das opiniões dos homens, sou vítima das lágrimas dos meus. Se eu pudesse sofrer sozinha… Bendirei ao Senhor, não quero perder um momento. Os meus olhares continuam a não serem meus. Fitam-se cheios de ternura num e noutro coração que mais se deixa compenetrar destes olhares tão cheios de doçura e amor. Os olhares não vão para todos por igual; os corações, a sua correspondência, é que fazem merecer tudo quanto estes olhares encerram. Tinha tanto que dizer neste ponto! São tantos os que queria atrair e abraçar a mim!

– O que é isto, meu Jesus?

É sempre a minha cruz. Neste conjunto de sofrimentos, o meu calvário com o de Jesus, o coração oprimido com o peso esmagador da dor abafava, não resistia.

– Poderei vencer, Jesus? Resistirei a tanto? Só convosco. Valei-me, tenho medo.

Sentia tanto o meu abandono e o de Jesus! O meu corpo sangrava, dava as últimas gotas de sangue. Ele veio.

– Amo-te tanto, minha filha! Assemelhei-te a mim e o teu calvário ao meu. Tem coragem. Os espinhos que te ferem foram os meus. As varas que te açoitam e despedaçam foram as minhas. Os maus tratos e as cordas que te prendem eram minhas, e a cruz minha foi também. Foi o amor a causa dos espinhos, dos açoites, da cruz, do calvário e da morte. Prendeu-me o amor à cruz, prendeu-me ainda nos sacrários até ao fim dos séculos. E tu, minha pomba bela, à minha semelhança presa foste também; prendeu-te o amor ao meu Divino Coração, prendeu-te o amor às almas. Deixa-te ferir, minha amada; cada espinho que te fere sai um dia da minha sagrada cabeça e do meu Divino Coração. Vês como tenho tantos!

Jesus apresentou-me a Sua sagrada cabeça e o Seu Coração Divino. Que grande sebe agudíssima o feria! Enterneci-me tanto por Jesus e disse-Lhe:

– Aceito tudo o que seja dor, mas quero tirar de Vós todos esses espinhos e não deixar sinal algum de ferimento.

Principiei a tirar espinhos de Jesus que tinha ao meu dispor. Em poucos instantes desapareceram todos, e nem a sagrada cabeça nem o Coração Divino ficaram chagados, nem com sinal de sangue. Tudo desapareceu.

– Vês, minha esposa querida, como o teu novo sofrimento cicatrizou todas as feridas que eu tinha? Coragem! Anima-te, eu não te falto. Duvidar de mim é ofender-me. Ainda que te dissesse que o que te prometi vinha, não te enganava, ainda que levasse anos, pois os anos em comparação da eternidade representam um já. Mas não demoro, confia. Vou deixar-te, minha filha, um pouco mais libertada do demónio, para poderes resistir. Preciso de operar milagre. Se soubesses com os combates do demónio as almas que arrancaste dos abismos e conduziste a mim! Estão firmes, não voltam a ofender-me gravemente, salvam-se. Para resistires ao teu penoso calvário vou vir a ti frequentes vezes, as mais delas silencioso. São êxtases de amor, mas deles receberás sempre, sempre, toda a abundância das minhas graças, ternuras e amor. És rica de mim, és rica de virtudes. É por isso que os teus olhares atraem, têm carinhos, têm doçuras, têm prisões, têm amor. É por isso que o teu sorriso tem meiguices, tem tudo o que é do céu. Não vives, vivo eu, são meios de salvação e de chamamento às almas. Não é verdade, minha filha, que eu na minha vida, no meu calvário, possuía duas vidas, humana e divina? Até nisso te pareces comigo. No teu calvário tens também a vida divina, é Cristo que está em ti. Nada temas. Vem o jardineiro divino ao Seu jardim ver as maravilhas que nele operou e o fruto de tantas canseiras. Vem o Rei ao palácio da Sua esposa, o Redentor divino à Sua redentora, à nova salvadora da humanidade. As minhas maravilhas em ti não ficam ocultas, não consinto no seu escondimento, hão-de brilhar, são a minha glória, são a salvação das almas. Tudo será escrito, minha doutora das ciências divinas, tudo será conhecido no livro da tua vida. És a heroína do amor, a heroína da dor, a heroína da reparação, a heroína dos combates, a rainha dos heroísmos. Recebe conforto, filhinha, recebe o meu amor divino. Quando vier a ti nos meus colóquios, uno-me a ti com este amor. Venho dar vida e conforto ao teu coração, ajudar-te nas tuas trevas. Conta sempre comigo mesmo no meu exílio, no meu escondimento em ti. És minha sempre, e eu sempre em ti habito.

– Aceitai, meu Jesus, o meu coração agradecido e entregai-o por mim à Mãezinha. Muito obrigada pelo fogo divino que me fazeis sentir. Se todas as almas o sentissem! Parece-me que tenho uma enorme fornalha no peito e no coração. Como sois poderoso e bom para comigo! Aceitai o meu sofrimento como prova do meu amor e dai-me por ele as almas. Lembro-Vos, meu Jesus, neste momento, todos os que me são queridos. Lembro-Vos os sacerdotes e os pobres pecadores. Lembro-Vos o Santo Padre e as suas intenções. Lembro-Vos toda a minha família e todos os que se me recomendam. Lembro-Vos os que me ferem e lembro-Vos o mundo inteiro.

– Aceito, filhinha, toda a prece saída dos teus lábios. Pede, pede tudo, pede, confia sempre.

Voltei às trevas e à minha dor, mas a arder em sede de consolar o meu Jesus e salvar o mundo. Não há na terra maior alegria do que sofrer por Ele.

19 de Maio de 1945

O dia foi triste, não porque me faltasse a paz da minha alma, Deus seja louvado, mas porque a minha pobre natureza não podia resistir mais. A dor era imensa, a alma despedaçava-se, todo o meu ser era um trapo rasgado fio a fio.

– Ó meu Deus, tudo o que era triste ocorria-me ao pensamento.

A pouco e pouco ia-me mergulhando nas trevas lentamente. Que medo arrepiante! Sentia-me só, sem conforto da terra e do céu. Tremendo abandono! Tenho Jesus, tenho a Mãezinha, mas sem alívio. O céu estava coberto de nuvens negras e chovia torrencialmente. Mas na minha alma eram mais negras as nuvens, e a chuva de dores mais forte ainda. Pela janela os meus olhos viam as folhas verdejantes das vides como que sofregantes com o orvalho fresco que o céu lhes dava. Que bela lição para mim! Lembrei-me e perguntei:

– O que farão as avezinhas para livrarem da chuva os filhinhos? Estendem sobre eles as asas. Jesus cuida delas, não as abandona. Como poderá Jesus deixar de cuidar de mim, e a Mãezinha, que tenho uma alma? Oh! como eu me devo alegrar com tudo o que o céu me dá! Tenho fome e sede de me dar a Vós, de cumprir a Vossa santa vontade. Venham as humilhações e desprezos, eu quero salvar as almas.

Como o abandono continuava, e a dor tentava tirar-me a vida, Jesus fez-se sentir na minha alma e disse-me:

– Estou aqui, estou aqui, no teu coração, minha filha. Coragem, sou o teu Jesus.

Com alegria fiquei na cruz.

22 de Maio de 1945

Tenho fome, tenho sede de possuir Jesus; não cessa, é devoradora. Quanto mais corro ao Seu encontro, mais sinto Ele fugir. Perdi-O, perdi-O, não O encontro no meio de tantas trevas. Infundo-me nelas cada vez mais, de olhos vendados e louca por tão grande dor ato na cabeça as minhas mãos. Não digo bem: sinto que o faço e que estou perdida no mar tempestuoso e encapelado, na noite mais negra e aterradora, mergulhada em mundos de escuridão. Sinto e ouço o zunir dos ventos, as ondas levantam-se à maior altura e baixam de novo serenamente. E eu sozinha, tão sozinha, sem ninguém! Ao sentir tempestade tão desastrosa, fito-a, escuto-a, mas com serenidade. Se morrer nela, morro por Jesus, morro pelas almas. Confio, espero, o meu corpo pode sofrer tudo, pode desaparecer destruído com o furor da tempestade, mas a alma tem o seu fim, há-de ir ao encontro de Jesus, Ele há-de recebê-la, há-de ampará-la e levá-la para Ele.

– Ó mundo, que tão ingrato tens sido para mim! E eu amo-te tanto; amo-te não pelos teus falsos encantos, mas sim porque és de Jesus. A minha dor por vezes é quase desesperadora. Oh! se não fosse Jesus e a Mãezinha! A Eles devo a minha resistência a tudo.

Jesus prometeu e não faltou: veio ontem e veio hoje, confortou a minha alma. Parece descer do ar como a avezinha que baixa ao seu ninho. Ontem falou-me depois de por um bom espaço de tempo me ter feito sentir o Seu divino amor e acalentar o meu coração com o Seu bafo divino. Disse-me:

– Minha filha, venho a ti com o meu amor que é a vida do teu corpo, que é a vida da tua alma. Sou teu, estou aqui, confia, sou o teu Jesus.

Hoje fez-me sentir a Sua divina presença em mim, fez dilatar fortemente o meu coração e cobriu-o das Suas ternuras e carícias. Depois disto despertei como dum sono e disse-Lhe:

– Muito obrigada.

Só no dia vinte, dia do Divino Espírito Santo, não veio, deixou-me todo o dia num prolongado martírio. Escondi o mais que pude, com o sorriso, a dor que sentia. Mas então nesse dia é que redobrou a ternura dos meus olhares, então é que eu via as almas, escolhi-as, ia ao seu encontro, atraía-as, prendia-as com as doces prisões que tinha em meu coração. E desde então vou-as enleando cada vez mais. Sofro por possuir tudo isto no meio da minha miséria.

– Meu Deus, guardar esta riqueza, que me não pertence, no meio da minha podridão! O que eu  sou, o que eu sou! Jesus, que horror!

De longe a longe, sinto os abalos na minha alma e junto com eles um desassossego, com que um desespero, mas que não é meu. Abro os meus braços, estendo-os na cruz, ofereço a Jesus o meu coração e deixo-me imolar, deixo-me sacrificar. Tenho sede do amor de Jesus e não O amo. Tenho sede das almas e não as salvo. Renovo a minha oferta de vítima e aceito o que Jesus quiser.

24 de Maio de 1945

Estes dois dias, tive tanto que oferecer a Jesus e à Mãezinha! sofri tanto no corpo e na alma!

– Ó dor, ó bendita dor, só tu és a minha alegria na terra, só de ti recebo alguma coisa para Jesus e para as almas.

As nuvens cerraram-se para eu não mais ver o azul do céu; escondeu-se para mim o brilho e cintilar das estrelas. Mares e mundos de trevas separaram-me para sempre do meu Jesus. Estou como se fosse ceguinha do corpo e da alma; estou mergulhada em mares de escuridão, sem saber nadar. Mergulhada sempre, levanto os meus braços para firmar-me em alguém, e esse alguém é a querida Mãezinha. Quero ir tão longe nestas trevas, quero descer tanto a perder-me nelas como Jesus quiser. Mas quero convencer-me que vou agarradinha a tão terna Mãe e envolta em Seu santíssimo manto, para não temer, não vacilar, não desesperar. Sozinha morro de susto e ofendo o meu Jesus. Sinto sobre os meus ombros uma enorme cruz; obriga-me o seu peso a perder a vida no meio dos maiores horrores. Ela abrange o mundo, pesa uma humanidade. Não esperou Jesus pelo dia de amanhã para me fazer sentir. Com a diferença: hoje não estou cravada nela. E a minha alma chora em silêncio, esconde os seus gemidos, vê as trevas negras da morte, vê como já todos se preparam para me prenderem e a todo custo tirarem-me a vida.

– Ó horto, ó calvário, ó morte, ó horror, ó pavor! Que rochedo mundial me escondeu o céu! Ai, quanto sofre o meu pobre corpo e a alma! Ai, quanto sofreu Jesus! Ai, a ingratidão do mundo!

Jesus por vezes faz-se sentir na minha alma. Não sinto alegria, mas desperto, levanto-me do abismo de tão dolorosa dor, e faz-me renascer os desejos de me dar toda a Ele e às almas. Quando me fala, poucas palavras diz, chama por mim:

– Minha filha, sabes quem está no teu coração? É o teu Jesus, a loucura do teu amor, o teu preferido em todas as coisas. Minha filha, venho despertar-te da tua dor como se fosse dum sono. Levanta-te, vem para mim. Filhinha, filhinha, estou aqui. Coragem, coragem! Vivo no ninho do teu amor.

Os meus olhos orvalharam um orvalho delicioso, um orvalho que fecunda e enriquece o mundo. O coração chove para o mesmo mundo uma chuva de salvação e purificação. É chuva doirada, é chuva de amor.

– Oh! como é doce, belo e rico tudo isto que sinto em mim! Ah! se fosse meu para eu dar a Jesus o que só d’Ele pode ser! Se o mundo visse, se o sentisse, como se alegraria! Oh! quem me dera que todas as almas o experimentassem! Jesus seria mais amado.

É já noite. Sinto tantas ânsias de me dar ao mundo! Estou no meio dele com o coração aberto. É um convite de amor, é um convite de Pai. Tenho sede que ele entre, que neste coração habite sempre. A dor sujeita-me, o amor obriga-me. É o amor que me sujeita e obriga à morte.

– E para que quero eu a vida, se não sofro, se não amo Jesus e as Suas almas? Ó fome, ó sede, só no céu podes ser saciada. Ó ânsias de possuir as almas, só terminando este exílio pode o meu coração descansar. O que fazer, meu Jesus, senão amar-Vos e ser vítima, sempre vítima? Quero o céu para mim, quero-o para o mundo inteiro.

25 de Maio de 1945 – Sexta-Feira

Durante a noite, não sei a hora, o meu corpo era destruído pela dor, e a alma estava nas maiores angústias, na sepultura das minhas trevas. Não tinha ninguém por mim; tinha de lutar.

– Ó meu Deus, quem poderá resistir a tanta dor?

De repente, vi à minha frente, junto de mim, uma enorme cruz levantada. E ao pé dela, sentada, a Mãezinha das Dores. Que bela, que bela Ela era! Fitei-A sem nada Lhe dizer, não podia falar. O seu santíssimo Coração, cheio de setas, fez-me esquecer a minha dor. Não falei eu, mas falou Ela.

– Minha filha, tem coragem; esta cruz é tua. Eu estou sempre junta a ti, para te auxiliar, como junto estive à cruz do me3u Jesus.

Dito isto, desapareceu rapidamente a linda visão. Tão grande madeiro não me atemorizou com a vista da Mãezinha. Serenou a tempestade do meu sofrimento, e adormeci por um pouco. Ao despertar, logo me aterrou o pensamento de ser sexta-feira. O coração abafado e oprimido pela dor cobriu-se de luto.

– Aceito, ó meu Deus, a minha cruz.

Nem a visita de Jesus Sacramentado me aliviou. Caminhei sobrecarregada com o seu peso esmagador. E  como caminhei eu? Como se fosse um vermezinho da terra escondido sob ela. O meu corpo não era corpo, era uma massa disforme, toda em sangue; olhos, cabeça, todo o ser. No decorrer das horas, pude juntar aos sofrimentos do calvário grandes sofrimentos que martirizaram a minha alma; não convém dizê-los. Jesus e a Mãezinha tudo sabem. Que calvário tão penoso! E o abandono aterrador! O meu coração bradava ao céu, os meus olhos fitavam Jesus, e os meus lábios segredavam-Lhe:

– Bendita seja a minha cruz, seja tudo pelo Vosso divino amor e pelas almas. Estou pronta, sempre pronta para ser a Vossa vítima.

Veio Jesus confortar-me, veio ao encontro do meu martírio, veio com toda a fortaleza do Seu divino amor. O coração palpitava fortemente, o peito parecia levantar-se, era pequeno para conter um coração que dentro dele continha a grandeza e amor sem igual. Jesus demorou-se a falar-me, mas só o Seu amor bastava-me. Senti mais vida, mas Ele não ficou sempre silencioso. Não digo aqui tudo o que Jesus me disse; oculto-o, devo ocultar. Ficará para quem tem o direito de eu nada lhe ocultar. Ao que Jesus me disse respondi:

– Faço isso, meu Jesus, mas é enormíssimo o meu sacrifício; bem vedes que é. Aceitai-o já, faço-o por Vosso amor. Por este tão grande sofrimento, fazei-me o que Vos peço.

– Tem coragem, minha filha, confia em mim que não te engano. Habito contente em teu coração, em teu coração que é como que uma caldeira de azeite na qual são fritos os mártires. A caldeira do teu coração é caldeira de amor, é caldeira que purifica e faz de muitos corações mártires de amor, de amor de que o meu Divino Coração tem sede. Ditosa és, pomba querida, ditosa e poderosa serás sempre. Em tuas veias corre o sangue do teu esposo Jesus e o sangue virginal da tua e minha Bendita Mãe. Tudo recebeste dela, quando uniu os seus santíssimos lábios aos teus. Arde, filhinha, no meu divino amor, purifica, virgem fiel, purifica o mundo. Quero amor, quero graça, quero pureza. É por ti, mensageira de Jesus, que todas as almas receberão riqueza e tesouros divinos.

– Tenho o coração cansado, Jesus.

– Cansado de amor, filhinha.

– Cansado de possuir o Vosso amor, da grandeza dele, mas não de Vos amar, porque não Vos amo nada. Bem sabeis que de mim só tenho miséria. É ela que vejo em mim.

– Amas, amas, minha filha, amas o meu divino coração a mais não poderes amar. Estás cansada de amor, e o amor também consome. Assim tem de ser para a alta missão que te destinei. Alta, alta, sublime, a maior das missões.

– Obrigada, obrigada, meu Jesus. Dai a todos os corações, dai a todas as almas este Vosso amor.

– Dá-o todo tu, filhinha, autorizo-te. És senhora do meu divino coração. És senhora do meu amor. Dá-o, distribui-o como quiseres. Digo-te como quiseres, porque os teus desejos são os meus.

-Jesus, queima-me tanto o coração.

– Alegra-te, amada minha. Queima-te o meu divino amor. És pérola de virtudes, cofre de amor. És pérola de pureza, jóia das riquezas divinas. Sou teu, todo teu, possuo-te a ti inteiramente.

– Obrigada, obrigada, meu Jesus.

Deixou-me o meu Jesus, e logo voltei à minha cruz. Nem sei como sorria; só com a força do céu. os meus olhares fitavam-se em Jesus, e o meu coração, cansado de sofrer e  de conter o Seu amor divino, não cessava os seus afectos. Com o pensamento renovava o oferecimento de aceitação à minha cruz. Dava ao meu Jesus o sacrifício que tão custoso me era; entregava-Lhe tudo para os Seus fins divinos. Estava rodeada de pessoas das que me são mais queridas. Mas, ó meu Deus, em nada senti alívio. Do mundo não posso receber consolação. As minhas trevas esconderam todos os encantos, alegrias e alívios. Jesus o quer. Vivo nas dores, vivo nas trevas.

29 de Maio de 1945

Quatro dias de luta, sem conforto da terra nem do céu.

– Ó meu Deus, o que é a vida da cruz, a vida do sofrimento! Meu Deus, não é conhecido, não é compreendido.

Lutei com agonias da alma, com dúvidas e sofrimentos de toda a espécie. Lutei com tantos mundos de trevas sobre mim e com a vista de tantos outros mundos das mesmas trevas que tenho para atravessar. Mas sempre com a alma em paz e sempre a sorrir para Jesus e para tudo o que as Suas divinas mãos se dignavam dar-me. Quando me parecia vacilar e cair no desânimo ou no sofrimento, logo levantava o meu brado ao céu, os meus lábios não cessavam de chamar por Jesus e pela Mãezinha para virem em meu auxílio. Mostrava a Jesus quanto temia a minha miséria e fraqueza, invocava a protecção dos santos, mas, ó meu Deus, tudo me parecia inútil, tudo estava perdido. Nem o céu nem a terra tinham para mim vida, já tudo jazia num sepulcro para sempre, para nunca mais viverem para mim.

– Jesus, poderei viver, resistirei? Só conVosco. Valei-me, ó dores da Mãezinha, ó chagas do meu Jesus.

Num destes transes, era dia da Santíssima Trindade. Contemplei Jesus na cruz para conforto da minha. Vi que em nada se podiam comparar. Eu nada sofria à vista de Jesus. Senti tal compaixão por Ele, e foi tal o meu desejo de O consolar, de curar o Seu divino corpo, tão ferido e chagado, que fiquei fora de mim; não sei que amor me arrebatou para Ele. O mesmo se deu ao ver o meu quarto transformado num paraíso de flores. Eram tantas, tantas e tão lindas! O que será o céu para sempre! Porém, nada disto era para mim motivo de alegria: eram apenas sacudidelas que Jesus dava à minha alma. Levantava-me com o peso da cruz, mas logo me sobrecarregava a dor de nada fazer pelo meu Jesus. Renovo também os sofrimentos de há dois anos: a preparação da minha ida para a Foz, as consultas dos médicos, as despedidas dos meus, o que iria lá passar, o que pedi a Jesus e à Mãezinha, para serem a minha força, e a confiança que depositei em Seus Santíssimos Corações. E mais, muito mais. Que dor, que martírio, que triste recordação! Que conjunto de sofrimentos! Só o céu os conhece. Hoje mesmo, por vezes parece-me quase impossível resistir a tanta dor. Teimei, confiei, voltei-me para Jesus, pedi-Lhe:

– Não me deixeis sozinha, dai-me luz, dai-me quem guie e conforte a minha alma.

Jesus ouviu-me: mandou-me o meu médico que junto de mim tem ocupado e desempenhado o papel dum prudente, santo e sábio director. Jesus o cubra de glória. Ele seja bendito. Não me roubaram tudo. Desabafei com ele e dele ouvi palavras animadoras e cheias de confiança em Nosso Senhor. Senti alívio, foi suavizado o peso de tão grande cruz. Agradeci a Jesus e à Mãezinha por aquele alívio imerecido, tomei-o como vindo do céu. Que engano o meu! Ainda tenho na terra quem me ajude a levar a cruz. Passaram-se umas horas, voltou o peso esmagador de todos os sofrimentos. Nova luta por amor de Jesus e às almas.

– Que fazer, Senhor, senão sorrir e bendizer a cruz que me dais?

Era noite, e eu sem luz no corpo e na alma. Gemia, mas em paz. Sofria, com amor ao sofrimento. Entregue às ondas, pronta a dar a vida, deixei-me levar, só me restava a minha confiança em Deus. Veio o meu Jesus, veio com amor.

– Minha filha, confia, confia. No palácio do teu coração está o teu Jesus, o teu rei; vence sempre em ti e sempre em ti triunfa. És escola de toda a humanidade: escola de dor, escola de amor. Aprendam todos a sofrer e a amar. Como podias ser tu rainha da dor e do amor, se no teu martírio houvesse um deslize, tivesses falta? Confia. Sofres e  amas à vontade do meu divino coração. Repara-me sempre, ó mártir querida, mártir da humanidade.

As palavras de Jesus dão vida, mas a dor, a tremenda dor abafa-me, esconde-as tão depressa.

– Cruz, cruz, minha amada. Bendito seja sempre Aquele que te enviou para mim.

Não sei o que sinto no meu corpo. Sinto tanta ansiedade de dar o meu sangue! Parece-me que todas as minhas veias são rasgadas e espremidas: com mais violência as do peito e sobretudo as do lado do coração.

31 de Maio de 1945

Termina o mês da Mãezinha. Que saudade eu tenho de ele findar! Será de verdade o meu último Maio na terra? Que pena eu tenho de não A ter amado muito assim como a Jesus! Tudo foge, tudo passa, tudo se esconde, só a minha miséria aparece para a ver claramente nos mundos das minhas trevas. Abro os meus braços ao céu, quero abraçar o meu martírio e, junto a ele, Jesus e a Mãezinha. Tenho sede, e nada há que me satisfaça, nem ao menos o sofrimento. Temo-o, mas quero-o para dar a vida às almas, para consolação do meu Jesus. Ou sofrer ou o céu. Que valor pode ter a vida, se não sofro, se não amo? Não posso ver o mundo na sua carreira doida e cega para a perdição. E vejo-o no meio do incêndio. Quero apagá-lo com o fogo que tenho no coração e com as ternuras que nele se encerram, mas que é preferido o fogo das paixões, as ternuras das maldades a este fogo e a esta ternura que não é minha, mas que é ternura que salva e fogo que purifica. Os meus lábios chamam essas almas perdidas nesse fogo aterrador com um chamamento cheio de doçura. Os meus braços querem conduzi-las ao coração e estreitá-las a ele, cobrindo-as e enchendo-as de tudo o que é mais santo, do amor mais puro, de toda a riqueza do céu. Possuo em mim o que não é meu; sinto, conheço que é do céu. Estou cansada, quero unir o mundo a este fogo, a esta vida do céu, e não posso. Sinto as cadeias do amor de Jesus a prendê-lo e sinto as do demónio a arrastá-lo para a perdição eterna. O mundo não escuta a voz de Jesus, não repara nos Seus olhares, não aceita as Suas ternuras e meiguices, não se deixa prender por Ele. Que martírio que tanto esgota o meu coração! Não sei o que pressinto, não sei o que me espera. Vêm com severidade junto da minha alma, dão-me fortes abalos, fazem-me estremecer o meu corpo. Mas permaneço firme, nada há que me deite a terra. Nada há que me arranque da minha cruz e dos braços de Jesus. Se uma vez ou outra me parece perder-me, Ele vem auxiliar-me. Veio hoje, era já noite, dissipou por um pouco as minas trevas, desviou para longe as minhas dores.

– Minha filha, sou o jardineiro, venho ao meu jardim, ao jardim mais belo, que há de mais rico; venho buscar flores para a minha eucaristia, para adorno dos meus sacrários. Venho buscar o seu néctar para as minhas feridas, para a chaga do meu divino coração. Venho buscar reparação para tantos crimes. Quanto maior festa e alegria no céu maior tormento e dor para ti. Sofre, filhinha, sempre alegre, eu sofro contigo. Salva-me as almas. Vem ao teu céu. Que grande amor, que grande glória! Coragem sempre, coragem até ao fim. Sou o teu Jesus.

Fiquei mais confortada, pude melhor resistir à agonia do horto, ao cálice da amargura. Na solidão temi a noite, temi tudo. Tive de subir uma grande encosta. Subi tão cansada e senti em meu corpo tantos pontapés. Recebi depois a enorme bofetada. Em nada se assemelha a dor do rosto à dor do coração. Ficou tão ferido Jesus que, se não fosse um milagre, perdia a vida. Que amor o d’Ele ao recebê-la!

– Ai, meu Deus, se eu pudesse mostrar a dor que Vos causaram e a doçura do Vosso amor, a bondade com que Vos deixastes ferir, a Vossa compaixão sobre quem Vos feriu! Ó amor, ó amor sem igual!

   

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