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SENTIMENTOS DA ALMA

1945

AGOSTO

2 de Agosto de 1945

A minha cegueira, a minha cegueira, as minhas trevas! Parece que me encobriam o tempo e a eternidade, nunca mais me deixando ver a Deus. Que tristes agonias as da minha alma! Ai de mim, se por um momento perdia a confiança no meu Jesus! É impossível exprimir quanto sofro. É um abismo tão profundo o abismo do sofrimento, sobretudo o da alma, que nem a própria alma o sabe aclamar. É um abismo sem fim. É uma dor que se comunica a todas as dores, uma cegueira a todas as cegueiras. Mas Jesus vela, põe sobre a alma ferida os Seus olhares divinos, para a manter e conservar em paz. Que Ele seja louvado! Eu sinto como se a minha esteja toda rasgada e estrancinhada. E quantas vezes me parece estar a vacilar. Lá vem Jesus por este ou por aquele meio tranquilizar-me. E a tempestade acalma, a alma serena. O que é isto senão Jesus? Só d’Ele pode vir a paz. O demónio rodeia-me por todas as formas. Aparecem-me tantos, uns como caçadores, outros como soldados com as suas armas. A outra noite, apareceu-me ao pé do meu leito em forma de homem, um homem forte, mas já ancião, mas malicioso. Nesta noite, a cena foi mais dolorosa. Vieram como grandes cavalos e relinchavam à minha volta.

– Meu Deus, meu Deus, que cenas tristíssimas! Como pode haver tanta malícia! Como Jesus é ofendido!

Não digo as cenas que foram, não posso dizê-lo. Lutei até não poder mais, lutei até dizer a Jesus:

– Já Vos disse o meu amor e volto a dizê-lo. Antes quero o inferno mil vezes, o inferno, do que ofender-Vos.

Veio Jesus, à Sua voz todos os demónios em forma de cavalos fugiram.

– Minha filha, toma a tua posição, ó farol, ó farol do mundo, ó luz das trevas. Sim, filha amada, as tuas trevas são vindas de mim, assim o permito. São trevas para esconder o brilho da tua graça, as minhas maravilhas em ti. São trevas que dão luz às trevas do demónio. Só deixarias de as ter, se no mundo deixasse de haver pecados. Coragem! As tuas trevas dão luz às almas que estão em pecado. Com as tuas trevas vêem a gravidade dos seus crimes e vêm ao meu Divino Coração. Viste, filhinha amada, o que passaste com o demónio? Vê até onde chega a maldade do homem. É assim que eu sou ofendido. É com toda a malícia que o meu Divino Coração é ferido.

Mostrou o Seu Divino Coração a escorrer sangue, e eram abundantes as Suas lágrimas e os Seus suspiros.

– Sou a Vossa vítima, Jesus, não choreis. Deixai-me sofrer para Vos desagravar e não me deixeis pecar.

Jesus cobriu-me de carícias e retirou-se. Oh! como fiquei triste! Triste com a cena que presenciei. A maldade do mundo! E Jesus assim ferido! Passei a noite em grande sofrimento, mas sempre com Jesus no pensamento e frequentemente nos lábios. Aumentou o meu sofrimento por saber que uma das minhas vigias da Foz, por sinal das mais austeras, morreu de morte repentina. Não posso nem quero julgá-la. Meu Deus, nem penso nisso, mas preocupou-me tanto pela sua maneira de viver! Não duvido da sua salvação. Ocorreu-me logo ao pensamento o dia em que ela faleceu. Foi numa sexta-feira. E esse é um dos dias em que o meu querido Jesus prometeu ter o inferno fechado. Não duvido, confio. Mas, apesar de viver nesta confiança, não sinto nisso alegria alguma, parece que um véu preto veio encobrir tudo o que a isso diz respeito. Passam-se poucos momentos sem que ela me venha ao pensamento, e logo oro por ela. Sinto que ela necessita muito, muito de orações, que deve estar muito ao fundo do purgatório.

– Ó Jesus, aliviai-a pelo rigor com que ela fez a observação, dai-lhe depressa a Vossa glória.

Ó triste, ó triste quinta-feira, triste, porque me trazes a sexta. Amo a quinta, porque amo a Jesus na Eucaristia. Amo a sexta, porque amo o Seu Divino Coração e a Sua santa paixão. Mas, amando, os não deixo de temer. Ó meu Deus, o meu coração está despedaçado. A dor desligou-me de todo o corpo. Sinto que a força, a vida dele não é da terra. Se assim não fosse, a vista antecipada dos sofrimentos que me esperam era o bastante para tirar-me a vida. Que quadro negro da morte eu vejo no horto! Que agonia tão dolorosa!

3 de Agosto de 1945 – Sexta-Feira

Lá vou com Jesus para o meu calvário. Vejo-O dentro de mim, vejo a cruz, é Ele quem a leva. Eu sou apenas uma casca de ovo, dentro da qual Ele se colocou. Pobre Jesus, como eu O vejo! Curvado debaixo da cruz, oprimido pelo seu peso, quase com o rosto em terra. Mas sou eu quem cai, e é o meu corpo que sofre. Não compreendo: sou eu e não sou eu. Todo o meu corpo vai chagado. Os meus olhos escorrem sangue, os meus ouvidos também, a minha cabeça são só espinhos, em sangue banhados. A cada arranco pelas cordas, arrancos furiosos, os meus ossos parecem desligarem-se. Os olhos da minha alma, sem precisarem chegar ao cimo do calvário, estendem-se pela humanidade. Que olhares, que tantas coisas lhe segredam e a tantas a convida. Nada valem. Que grande ingratidão! O mundo não se compadece da dor do Divino Jesus. E eu vejo-O chorar, pregado na cruz. Vejo os homens vomitar sobre Ele os vómitos das suas maldades e injúrias. Aproximam-se de Jesus, para sobre o Seu santíssimo rosto lançarem tudo e arrancarem o Seu Divino Coração, já desligado do corpo pela dor antecipada, para lho colocarem aos pés, deixando-o desfeito em massa sangue. Vejo de todos os cabelos da sagrada cabeça de Jesus caírem gotas de sangue que formam um chuveiro e do alto da cruz regam o calvário. Oh! agonia tremenda! Oh! abandono assustador! Que nuvem negra escureceu o firmamento e a terra! O meu coração tudo sente; os olhos da minha alma tudo avistam. O coração sufocado sofre em silêncio; só de longe a longe um gemido. Jesus a morrer para dar a vida, e os homens a matarem a vida.

– Ó meu Deus, ó meu Pai, só conVosco resistirei. Estou a agonizar, sinto-me prestes a dar a vida. Aceitai, ó meu Pai, o meu sacrifício.

Veio o meu Jesus, veio cheio de amor e disse-me:

– O meu conforto, a minha paz, o meu amor sejam contigo, ó filha minha. Tranquiliza o teu coração. É chegada a hora do meu amor e do brilho da minha divina causa. Esperei e consegui alguém que alguma coisa de bom pode fazer. Coragem! Enche-te do meu amor. Passo alguma ao teu coração e mergulho nele todo o teu corpo. É de amor, é da minha eucaristia que tu vives. Para o teu coração resistir ao meu amor, opero nele milagre! Para mais te encheres de mim, toda nele és mergulhada.

Senti que o meu coração palpitava fortemente e não cabia dentro do peito. À força do amor de Jesus ele não podia resistir. Senti então que todo o meu corpo se embebeu no amor de Jesus. Todo o meu ser era vida, todas as trevas e agonias da minha alma tinham desaparecido. Eu era amor, toda amor. E Jesus continuou:

– Haja luz, faça-se luz, porque por ti dou luz e amor às almas. É por ti que lhes dou entrada no meu Divino Coração. Haja luz, faça-se luz, porque por ti, esposa querida, é dada a reparação ao meu Coração tão ferido. Por ti, pelos teus lábios a peço ao mundo, assim como a oração e a penitência. Haja luz, faça-se luz, porque é por ti que o mundo é salvo. Quero que ele saiba e por ti conheça as riquezas do meu Divino Coração e as maravilhas que opero nas almas e a minha loucura por elas. Escuta, esposa amada, pomba querida. Sabes porque sofreu abalos a minha divina causa? Porque não foi estudada; não a estudaram, não tiveram as minhas luzes. E sabes pelo quê? Não a estudou quem a devia estudar. Não receberam a luz do céu, porque não estavam preparados para a receberem.

E nomeou-me Jesus as circunstâncias por que não estavam preparados. Fiquei assustada. De um desses, Jesus deu-me a queixa de O amar friamente e não ter competência bastante para compreender tão altas maravilhas.

– Fazei, Jesus, que ele Vos ame então daqui para o futuro pelo muito que me faz sofrer.

– Não estás contente por teres sofrido tanto? Diz-me, esposa minha. Vês como feriram o meu Divino Coração?

– Sim, Jesus, estou contente, quero sofrer sempre, para desagravar-Vos de tanta maldade. Mas como, Jesus, como tendes comigo esse desabafo, comigo, que sou só miséria?

– Minha filha, minha filha, é para te encorajar no teu sofrimento. É para que saibas o ferimento do meu coração que tanto ama e tão pouco é amado. Sou ofendido tão gravemente por tantos daqueles que dizem amarem-me. Faço-te também esta queixa para punição do seu mau procedimento.

– Jesus, Jesus, não queria revelar isto. Deixais-me guardar segredo? É a vingança que quero usar para eles; guardar segredo, orar por eles e para eles, pedir o Vosso infinito amor.

– Consinto, oculta, menos ao teu Pai, ao teu director espiritual.

– Como, meu Jesus? Eu não o vejo, não mo dão.

– Espera confiada. Ele virá, ainda por um pouco dar luz à tua alma.

– Jesus, estais tão ferido? Também eu Vos feri com as minhas faltas?

– Não, minha filha, não, flor mimosa do meu jardim. Já sabes que são necessárias as tuas faltas para ocultar e esconder as minhas grandezas e maravilhas em ti. O mundo não pode vê-las e contemplá-las tal qual elas são aqui na terra. Só no céu poderão contemplar o seu brilho e encanto. Diz-me, aceitas por algum tempo os combates do demónio com toda a violência?

– Digo-Vos, Jesus, aceito. E Vós dizeis-me também que não me deixais pecar?

– Como poderá ofender-me, ofender-me uma esposa minha, a depositária do meu amor e do meu Divino Coração, que encerra toda a infinidade de riquezas? É tão grande o que de mim recebes como grande é a missão que te dei. A missão das almas! A beleza das almas! Têm a minha riqueza, se possuem a minha graça. Eis porque é grande a missão como grandes são as riquezas divinas. São ricas as almas que possuem Jesus. Vai espalhar, vai semear aqui na terra e depressa no céu. Tens o cofre, tens a chave, és toda das almas.

– Jesus, quero sofrer tudo na terra e na terra amar-Vos. Quero amar-Vos no céu com todo o amor dos Querubins e de toda a Pátria Celeste; quero semear e fazer chover para a terra as Vossas inesgotáveis riquezas e maravilhas.

Voltei de novo a ser mergulhada no amor de Jesus.

– Obrigada, meu Jesus, dai-me esse amor sem cessar.

– Vai, filhinha, com confiança, és um serafim de amor abrasado. Vai dar aos corações e às almas os ardores desse amor.

4 de Agosto de 1945 – Primeiro sábado

Durante a noite, fui acompanhada com frequência pelos demónios, todos em forma de homens, uns de pé, outros sentados, uns com óculos, outros sem eles, com barretes espraganudos, com olhares aterradores. Por vezes assustaram-me apavoradamente. Muito unida a Jesus, esperava os seus ataques. Não vieram violentar-me. Jesus assim o permitiu. Eu sentia que não resistiria a eles. Estava tão desfalecida! Que grande tristeza a minha! Os espinhos feriam-me, em nada encontrava alegria.

– Nem, Jesus, nem nas Vossas coisas me alegro e sinto consolação! Sofro com isso. Vejo a alegria daquilo que é Vosso nas outras pessoas, e eu não a tenho. Seja feita a Vossa vontade. Bem sabeis que tudo aceito, e o coração e a alma a tudo sorriem.

A alegria está nisso: aceitar, querer e amar. Preparei-me para a visita de Jesus.

– Aceito e quero a cruz, amo-a por Vosso amor.

A minha preparação foi feita tão longe, por entre as trevas, e tão friamente! Veio o momento da comunhão. Jesus entrou para o meu coração, e em tudo fiquei transformada. Cadeias fortíssimas prenderam-me a Ele. O Seu divino amor aqueceu-me, e a Sua luz iluminou-me. Jesus não falava, mas era grande a nossa união; era grande, infinitamente grande o abismo de amor em que estava mergulhada. E então falou-me:

– Desci, minha filha, ao meu céu na terra. Vim dar-te amor e receber amor. Vim ao mar imenso da tua dor buscar consolação para o meu Divino Coração; buscar bálsamo para a chaga que o faz sangrar. Vim ao jardim que cultivei e semeei buscar flores para adorno do trono divino. Semeei, e as flores germinaram. Que frutos encantadores, que indizíveis maravilhas! São lírios, são açucenas cândidas e puras como todo o aroma que irradia o céu e a terra. Repara, descem os anjos à minha esposa, ao meu céu da terra, vêm colher flores do meu jardim e levá-las ao jardim celeste para adornarem o trono da Trindade Divina.

Que cena tão encantadora! Desceram os anjos, uns com açafates, outros com cestas arcadas; colhiam, colhiam, enchiam os açafates, e outros enchiam seus braços, batiam asas, formavam seu voo e desapareciam com elas, enquanto outros desciam a fazer o mesmo. Quanto mais eles colhiam, mais flores apareciam. Era um jardim delas como, como chuva miudinha. O terreno do jardim era em mim e dentro de mim é que os anjos colhiam as flores. Jesus continuou sempre.

– Os anjos unem-se aos anjos. Tu és pura, tu és bela, minha pomba angelical. Eles colhem flores de pureza, flores de amor, flores de toda a variedade; são flores das mais altas virtudes; ao menos tu consolas o meu Coração. Diz, minha filha, ao teu Paizinho que o meu Coração está unido ao dele, e da minha sagrada chaga saem, como uma corrente eléctrica, para o dele os raios do meu divino amor, do amor que quero que ele dê às almas, enchendo-as da minha vida divina, pela maior parte dos sacerdotes desconhecida e nada compreendida. Alegra-te, minha filha, venço eu. Ele virá depressa junto de ti dar-te luz no pouco tempo que te resta de vida. Diz, minha filha, ao teu médico que por ti lhe dou todas as minhas graças e riquezas e toda a luz do Divino Espírito Santo, para ele cuidar da minha divina causa e de ti conforme sempre os meus desejos. Dá-lhe todo o meu amor, amor que, como doença contagiosa, ele pode contagiar a todos os que são caros ao seu coração. É o prémio que por ti lhe dá Jesus com o coração agradecido. O que a ti fizer a mim o faz. Escuta agora, minha filha, os desejos da minha Bendita Mãe. Vou depositar dentro do teu coração o Seu Santíssimo Coração; faço-te a entrega dele como te fiz do meu. Possui-lo, és senhora dele. Ela deseja que dentro dele guardes toda a humanidade como guardaste no meu. Tens as chaves dos dois corações de Jesus e de Maria. Ela quer que coloques, no lugar mais alto do Seus Coração, todos aqueles que mais queridos são do teu, todos os que mais de perto cuidam de ti e te amam. Ela promete assistir-lhes, à hora da morte e acompanhá-los ao Paraíso. Aproxima-te, minha Mãe.

Veio a Mãezinha, fez a entrega do Seu Coração a Jesus e tomou-me em Seus braços e começou a estreitar-me e a cobrir-me de carícias, enquanto Jesus o infundiu dentro do meu, ao mesmo tempo que me dizia:

– É teu como é o meu; tem-La em ti como me tens a mim; adorna-o com as flores das tuas virtudes; perfuma-o com seu aroma.

Ao receber no meu o Coração da Mãezinha, o meu dilatou-se; senti o amor dos dois, e Jesus disse:

– Vai, vê como és rica e poderosa.

– Obrigada, Jesus. Obrigada, Mãezinha. Sou rica com as Vossas riquezas e poderosa com os Vossos poderes.

Disse-me a Mãezinha:

– Dá-me, minha filha, hoje, um dia da amargura, para reparares o meu Santíssimo Coração. Consola-me, consola a Jesus.

– Sim, Mãezinha, quero consolar-Vos e reparar tudo. Dai-me, junto à amargura, a coragem e o amor.

7 de Agosto de 1945

São tantas e tão grandes as agonias da minha alma! São tantas e tão grandes as trevas que me cobrem! Que será de mim, meu Deus? Estou cansada e aterrorizada com os pressentimentos da minha alma. Não sei o que me espera ainda. De todas as partes se levantam tempestades contra mim. Ouço os seus rumores aterradores. Leva-me aos abismos o peso das humilhações. Que desprezo têm por mim! Não sei o que significa isto. Parece que o céu se abre e desfaz todo em faíscas de lume, faíscas destruidoras contra mim. Este fogo há-de tirar as manchas da terra e fazer nascer um mundo novo.

– Meu Deus, não posso sentir que se peque tanto, não posso compreender e ver no mundo tanta malícia.

Ai, o mesmo Jesus ofendido e as almas a perderem-se! Não quero deixar Jesus ser ferido. Não posso consentir perderem-se as almas.

– Que fazer, meu Jesus, senão dar-me a Vós e deixar-me imolar?

O meu coração sobe, sobe, mas sobe ceguinho. Quer ir à grandeza de Jesus e não a vê; está ceguinho, e foram as trevas, trevas, mundos sem fim delas. Estas trevas encobriram todo o meu passado; se alguma coisa em mim houve de bem, tudo desapareceu com elas. Só o mal, as minhas grandes misérias ficaram. É o que eu vejo nesta cegueira. É verdade que o meu Jesus veio, no meio de tudo isto, espalhar alguns raios da Sua luz e dar-me alguns dos Seus miminhos. Acredito, sei que foi Ele. Mas esses raios de luz, que Ele espalhou, não penetraram nas minhas trevas. A luz foi para os outros, não foi para mim. Os miminhos não consolaram o meu coração, apenas suavizaram o peso que o esmaga. As estrelas cintilaram, não cintilaram para mim, o seu brilho não penetrou na minha cegueira. Ofereci a Jesus o meu coração profundamente agradecido pela prova do Seu infinito amor e pela continuação do meu martírio. Por tudo O bendigo e O amo, mesmo sem sentir o amor. O demónio, para tirar a suavidade, que Jesus fez descer à minha cruz, trouxe-me grandes dúvidas, dizendo-me que quem ma tinha suavizado me desprezava e não me acreditava. Esforcei-me, não confiei nele. Veio então com um ataque violentíssimo: só podiam ser artes diabólicas, maldades dele. Não sei, mas penso que esta reparação, que dei a Jesus, foi da família, pois assemelhou-se muito às que Jesus já me tem pedido. E também pelos horrorosos crimes que se cometem a sós, cada um consigo mesmo. Digo isto pelo que vi, não porque Jesus mo dissesse. Que horror tremendo! Quanto sofre Jesus! Ele não veio confortar-me. Terminou a luta com o demónio, e fiquei a lutar com as dúvidas e receosa de mim mesma. Que medo eu tenho de desgostar a Jesus!

9 de Agosto de 1945

Foge-me a vida, sinto-me morrer. E as promessas de Jesus por realizar. Quero confiar e por vezes não posso. Temo tanto a minha fraqueza e com ela desgostar o meu Jesus. E isso é o que eu não quero.

– Perder tudo e de tudo ser vítima, mas não Vos ofender, ó meu Jesus.

O que me espera ainda? Que mais terei que aguentar? Ai, como a minha alma está triste, triste até à morte! Acaba de me deixar o meu santo médico. Ao ele retirar-se do meu quarto, fiquei a pedir a Jesus que lhe desse a ele e a todos os que lhe são queridos todo o Seu amor, todas as Suas bênçãos e graças, como recompensa de todos os sacrifícios feitos por mim e de tantas palavras animadoras, confortantes e cheias de fé. Nele aprendo a confiar em Jesus. Tudo o que ele me disse, sinto como se não fora dito a mim.

– Ó meu Deus, eu vivo e não vivo, oiço e não oiço, vejo e não vejo. Ó trevas, ó horrorosas trevas, amo-vos e amo tudo, porque vindos de Jesus.

Veio o demónio novamente. Antes de o ouvir e ver as suas cenas, senti na minha alma como se me despisse primeiro e depois apodrecesse. Passado algum tempo, principiou a luta: cenas e palavras dele. Por espaço de alguns momentos, pareceu-me estar em grande perigo de pecar. Estava naquela incerteza se sim ou não pecaria. Pude fitar os meus olhos na imagem do Coração de Jesus e nela os demorar. Disse-Lhe de alma e coração:

– Meu Jesus, se me dissésseis que eu tinha de Vos ofender ou ir para o inferno, preferiria o inferno e não ferir-Vos, não pecar.

Serenou a tempestade; e eu triste, na minha dúvida de pecar. Veio o meu Jesus com muita doçura e serenamente como a mãe que não quer acordar seu filho. Com que carinho Ele me disse:

– Minha filha, é grande a luta, é grande a reparação, porque é grande a malícia e maldade do mundo. Faço-te sentir em tua alma toda a maldade e gravidade. Eu estou sempre contigo, e terás sempre a luz do Divino Espírito Santo, para tu veres e compreenderes. Não pecaste, nem a tua pureza é manchada com a visão de tais maldades. É maior a tua reparação, é maior o proveito para as almas e maior a tua compaixão pelo meu Divino Coração. Vê como eu sofro! Exijo-te, mais uma vez, a reparação da família e, juntamente a ela, outra, que tanto se alastra e tão gravemente me fere. Foi o sentimento e conhecimento que dei à tua alma. Eis o significado de te sentires despir e apodrecer. É a imodéstia, minha filha, a imodéstia dessas almas provocadoras. Andam como despidas a convidarem ao mal; apodrecem os seus corpos com os males daí causados. E o mal ainda pior é apodrecerem as suas almas. Repara-me, repara-me, consola-me.

Não sei dizer a minha compaixão por Jesus e a minha pena de não remediar todos os males. Nunca mais termina a minha sede de amor a Jesus e de fazer que todo o mundo O ame. Mas esta sede nasceu nas trevas e nelas vive. E eu anseio por subir e viver na grandeza de Jesus e estou presa pelas trevas e cega por elas. Não vejo nem posso sentir essa grandeza.

– Meu Jesus, a Vossa vontade divina!...

Quinta-feira! Que mar, que ondas de sofrimentos correm para mim! Tudo em mim e à volta de mim é dor. Já sinto a vergonha de ser vista pelo Eterno Pai. Sinto e vejo o coração aberto já sem sangue, e dele correm tantas fontes. É mais que uma rocha, que dele brotam fontes de todos os lados. Todas estas fontes têm de regar o mundo. Só com a dor, só com a morte elas podem correr a regá-lo, a salvá-lo.

10 de Agosto de 1945 – Sexta-Feira

Durante a noite, sofri, sofri muito, mas em união com o meu Jesus; também Ele sofria muito: prisão, escárnios, bofetadas. N’Ele, com Ele segui de manhã o caminho do calvário. Nas minas mãos sentia as d’Ele, nos meus pés caminhava Ele, em todo o meu corpo Ele habitava e sofria. Mas em mim e fora d’Ele estava um coração de pedra, que  era como se fosse o mundo. Este coração via todos os sofrimentos de Jesus: a flagelação, a coroação de espinhos, os cabelos todos ensopados em sangue e toda a tragédia do caminho da montanha. Nada o entristecia, com nada se comovia. As cordas, que me arrastaram com Jesus, ocuparam no calvário o lugar de varas, para mais despedaçarem meu corpo. Jesus foi comigo na cruz pregado e em mim chorava ao ver a dureza daquele coração que em mim estava. Sofria tanto por possuir Jesus, e junto a Ele aquele coração tão endurecido, que nenhum dos sofrimentos de Jesus o levava à compaixão. Senti que o peso esmagador da justiça do Eterno Pai caía sobre Jesus e não sobre aquele coração empedernido. Jesus estava envergonhado, esmagado, e aquele pobre coração mundial não dava sinal de compaixão. Vi então Jesus de braços abertos, presos ao madeiro da cruz, de olhos fitos no céu e agonizar e a repetir muitas vezes: “Pai, Pai, Pai, aceita a minha agonia, entrego-te o meu espírito”. Neste momento, mudou-se o cenário da dor, e senti então Jesus cheio de bondade e amor. Conservámo-nos um pouco nesta doce união, e depois Jesus, tomando-me em Seus braços, principiou o Seu colóquio amoroso.

– Vem, minha filha, descansar em mim dos teus sofrimentos, das tuas preocupações e dúvidas, do teu doloroso martírio. Mártir degolado é sangue derramado. Vem descansar em mim, minha mártir de dor e amor. És a alegria e consolação do céu, és o conforto e salvação das almas. Toma coragem, nada temas, tem confiança em mim, não duvides. Na hóstia consagrada recebes o meu divino corpo e sangue. Eu tinha poder para só do ar te fazer viver. Quero que sejas o espelho do mundo, espelho sem mancha, espelho sem costas para em toda a volta serem vistas as maravilhas do Senhor. A tua vida é milagrosa, é cheia de prodígios. Sabes o que representam os trinta e três dias do teu novo martírio? Representam a minha vida na terra. Derramei o meu sangue, em tudo operei milagres, dei lições e exemplos. Agora em ti e por ti dou ao mundo a mesma lição divina. Estou a dar luz, para que vejam em ti o que há de divino. Prolonga-se o teu martírio, para que vejam que é dando sangue que nasce novo sangue. Quero que desapareça do mundo o sangue venenoso da víbora, envenenado pelas paixões e crimes, para que nasça o sangue puro da graça e do amor. É por ti, filha querida, tu és como que uma fonte que corre e que, apesar do sol ardente e queimaçoso, produz frutos de frescura e alimento. O mundo está queimado pelos ardores do vício, pelo fogo das paixões. Vai o teu sangue reverdecê-lo e dar-lhe a vida.

– Meu Jesus, vede como é tremenda a minha confusão. Sinto-me diante de Vós deveras envergonhada. Confio nas Vossas palavras e envergonho-me por reconhecer que não podiam ser dirigidas a mim. Mas, já que a Vossa bondade assim o quer, falai, Jesus, falai, que falais de Vós. Tende sempre dó de mim. Vede que tantas vezes quero confiar e quase não posso.

– Confia, confia, eu não falto àquilo que prometo. O fim das minhas divinas promessas há-de ser realizado. Estou a realizar as minhas últimas maravilhas em ti, na tua última fase. Dá-me tudo o que te peço, dá-me. Em breve, por recompensa, dou-te o céu. Minha filha, perfume do mundo, canteiro de todas as flores do jardim celeste, este calvário possui aqui na terra uma grande parte do céu. Tu possuis as chaves do que lá há de mais rico. És o cofre, és a depositária de tudo. Vou agora, minha filha, unir o canal do meu Divino Coração ao teu, para receberes de mim umas gotinhas do meu sangue. O teu coração não pode chegar a dilatar-se, não aguenta com ele nem com a força do meu amor. Tenho de fazer milagre para lho dar e tenho de o fazer para conservar-te a vida. Eu podia, filha querida, esposa amada, fazer-te sofrer tudo sem que parecesse que sofrias, não aparecendo em teu rosto sinal de sofrimento. Mas não quero, porque para muitos tiro-lhe o valor. Quero que sofras enfraquecida, sentindo todo o martírio. Quero que sofras sorrindo, quero que sofras gozando, quero que sofras amando. A dor, para as almas amantes da Cruz, é a vida real, é a verdadeira vida. Assim é a tua, esposa fiel do meu Coração Divino. Sofre tudo e tudo me oferece pela salvação das almas e para consolares este Coração Divino. Dá-me o mundo, salva-o, fecha-o em mim.

Apenas o sangue de Jesus começou a passar para mim, e o coração deu sinal de se dilatar, Jesus retirou logo do meu o Seu Coração, mas ficou ainda por algum tempo unido a mim. Pedi-Lhe então toda a Sua graça e força para o meu calvário e tudo o que era d’Ele para todos os que me são queridos e a todos coloquei diante da Sua divina presença. Por fim, pedi-Lhe pelo mundo inteiro. E Jesus disse-me:

– Pede o que quiseres. A todos os que te são queridos por ti recompenso e por ti ao mundo dou a salvação.

Deixei de sentir a união com Jesus, para ficar de novo no meu calvário, mergulhada nas minhas trevas, ceguinha, sem ver caminho, a sentir a grande falta dum guia, mas sequiosa de Jesus e sequiosa das almas.

13 de Agosto de 1945

Que o céu seja comigo! Sinto-me como se estivesse condenada ao inferno. A minha alma sente aqueles horrorosos suplícios. São os olhos da alma que vêem os demónios atormentadores; e em todo o corpo me parece sentir aquele fogo negro e consumidor. Os meus ouvidos ouvem os urros dos demónios e todo aquele desespero infernal. Por vezes fico como que para apavorada no meio da viagem. Não sei o que fazer.

– Meu Deus, condenada ao inferno! Espero na Vossa bondade infinita que não.

Quando sinto que estou nesse desespero eterno, sinto sobre mim o peso da justiça divina. Querer ver a Deus e não poder! É mais, milhões de vezes mais doloroso do que todo o tormento do inferno. A minha alma treme de medo, apavorada. Oh! quantos sofrimentos indizíveis se passam em mim! O demónio dá gargalhadas e mais gargalhadas; diz-me que é a causa dele que vai triunfar e não a de Deus; que enganei em tudo e a todos; tudo vai ser descoberto, não há promessas de Jesus a realizar; que vou ficar humilhada com todos aqueles que me amam e rodeiam.

– Ai, meu Deus, quanto custa querer confiar e não poder. Fazei que eu confie sempre, para não Vos ofender. Sois Vós, meu Deus, é a Vossa causa divina, são as almas o motivo do meu grande sofrimento.

O meu estado obriga-me a acreditar que vou morrer. Quero morrer e temo a morte, não por ter de comparecer na presença de Jesus, mas sim porque não quero morrer sem as Suas divinas promessas realizadas. Mas tudo isto é só por Jesus e pelas almas. Por mim nada temia, de nada me importava. Com este medo à morte quero sempre o meu santo médico junto de mim. Quero resistir a não o mandar vir e não posso. Se resisto uns dias, não resisto outros. Sinto a minha cruz e a dele; a minha por não resistir a dar-lhe tanto trabalho, a dele por o ver consumido junto de mim. Sofro imenso, apesar de ele ter sempre palavras santas e cheias de conforto para comigo. Dá-me santas lições de confiança em Jesus. Mas sinto que tanto ele como todos os que me são queridos sabem que estou condenada ao inferno, e que não se realizam as promessas de Jesus, e não têm dó nem compaixão de mim. O meu abandono é completo. E tudo isto sofro mergulhada nos mundos das minhas trevas. É o meu pão de cada momento; trevas e dor, trevas e dor. Não tenho uns momentos para amar Jesus e, para maior miséria minha, não O sei amar. Sofro tanto e não sei oferecer-Lhe os meus sofrimentos. Não sei consolá-Lo.

– Ó Mãezinha, ó Jesus, sinto que a minha perda é irremediável. Fazei que me entregue nos Vossos braços divinos e confie, confie cegamente.

14 de Agosto de 1945

A minha alma está triste até à morte, mas tristeza que não mais se alegrará, pois continuo a sentir-me condenada ao inferno. E lá, meu Deus, não pode haver alegria. Que aflição a da minha alma! O coração chora e as suas lágrimas são derramadas nos horrores das trevas.

– Meu Jesus, em que hei-de confiar senão em Vós? Vejo baldados todos os meus esforços, da nada valem as minhas tentativas de confiança. Jesus, Jesus, o meu coração desfalece, já não pode esperar mais. Dai-me um guia, dai-me o meu Pai espiritual, dai-me um amparo para Vos seguir. Vós fugistes-me, meu Jesus, ou escondestes-Vos, e o meu Pai espiritual roubaram-mo; roubaram-me tudo o que me pode dar conforto. Não tenho alegria em nada da terra; já não me alegro com a lembrança do céu. Tudo perdi, ó meu Deus.

O demónio pôs-me na alma um grande susto. Estou sempre à espera de ouvir dizer que morreu o meu Pai espiritual sem vir junto de mim. E o maldito afirma-me que isso vai suceder. Hoje principiei a sentir como se em minha alma se dançassem balsas mundanas; eram feitas com tanta malícia que delas se passavam aos crimes mais horrorosos. Depois de um bom espaço de tempo deste sentimento, veio o demónio, veio fortemente com as suas artes infernais. Convites e mais convites ao pecado, seguidos de cenas e palavras feias. Eu sentia uma força diabólica que me obrigava a pecar, uma violência irresistível; eu não queria, mas tinha de praticar o mal. Dizia-me o demónio que era eu que o obrigava a ele pecar comigo, era eu a culpada, e não ele; que estava condenada e condenada sem remédio. Lutei, suei, esgotei as minhas forças. Não sei dizer o mais que se passou. Quando me parecia estar no meio do perigo, disse:

– Jesus, Jesus, já, já no inferno. Antes o quero do que ofender-Vos.

A luta cessou, mas ele não deixou de falar. Dizia-me:

– Estás a desafiar a Deus. Se voltares a repetir isso, Ele precipita-te logo no inferno.

Fitei a Mãezinha e a imagem do Sagrado Coração de Jesus; parecia-me que o Seu santíssimo rosto e Divino Coração estavam encobertos para mim; os meus olhos nada viam. Queria beijar a Mãezinha e o crucifixo, que tinha junto de mim, e acariciá-los, mas só uma vez o consegui, a vergonha não me deixava. Ofereci-me a Jesus como vítima e fiquei triste, nas minhas trevas, no meu penar. Mas tudo amo pelo meu Jesus.

16 de Agosto de 1945

Sem luz e sem ar, cegueira no corpo, cegueira na alma. Não posso ver o dia. E a minha alma não vê outra coisa senão trevas.

– Meu quarto querido, testemunha de tantas dores e amarguras, o que seria de mim, se por um só momento perdesse a fé e a confiança… Perder a Deus, nunca mais ver a Deus…

De vez em quando, sem nisso pensar, sem reflectir, é este o brado da minha alma. Nunca mais ver a Deus, perder a Deus e perdê-Lo para sempre! É o que ela sente, que a obriga a bradar muitas vezes: perder a Deus, perder a Deus.

– Minha pobre alma, quanto ela sofre!

Continuo a sentir-me condenada ao inferno. E ontem, dia da Mãezinha, bem doloroso foi este sofrimento. Sentia-me naquele cárcere infernal e presa a ele com cadeias de ferro. Fogo, o uivar dos demónios, os maus tratos, as serpentes e todos os bichos atormentadores me rodeavam e penetravam todo o meu ser. Sem poder conformar-me com a perda de Deus, sentia um tal desespero, mas não era eu que estava desesperada, que me obrigava a revoltar-me contra o próprio Deus, a amaldiçoá-Lo, assim como ao meu anjo da guarda, pais e companheiros do pecado e caminhos que me levaram a ele; amaldiçoava-me a mim mesma, todo o céu e toda a terra. Que horror constante! Sabia que só do inferno era digna, mas não podia conformar-me com aquela habitação e com a perda de Deus. Encobria o mais possível com o sorriso todo este sofrimento que nada condizia com o que me ia na alma. Por essa razão parecia-me que era falso o meu sorriso, mentiroso, muito mentiroso. Ó dia triste da Assunção da Mãezinha ao céu! Tudo dei a Ela e a Jesus e à noite nada Lhes tinha dado. Tudo Lhes queria oferecer e, como nada tinha, pedi para à noite em Sua honra Lhes acender uma vela.

– O que terá sido este dia de hoje no céu, Mãezinha? Meu Deus, meu Deus, eu não sou mais que uma condenada.

E assim vou sofrendo do dia à noite e da noite ao dia. Hoje mesmo continuei no duro martírio de estar condenada. E assim me preparei para receber Jesus. Nos momentos em que me parece estar melhor, sofro por me parecer que não morro; naqueles em que me parece morrer, sofro por não me ser dado o meu Pai espiritual, para realização das promessas de Jesus. O demónio afirmava-me em voz clara que ele não me seria dado, e tudo seria descoberto. E mostrava-se raivoso, querendo estrancinhar o meu director, o médico e mais algum senhor Padre que me ajuda no meu calvário.

– Jesus, sofro pela Vossa causa, sofro pelas almas, sou a Vossa vítima. Abraço tudo o que vier, peço-Vos graça, força e amor.

Veio Jesus, e a minha preparação tinha sido este martírio e pouco mais. Ao Ele entrar no meu quarto, chegou também uma carta que devia dar um pouco de alívio à minha pobre alma. Ao vê-la, sorri sem querer. No mesmo momento, este sorriso foi logo amargurado por este pensamento:

– Que notícias me trará ele, meu Jesus?

Não cheguei a gozar da alegria. Dei graças e depois li-a. Soube alguma coisa que me dizia respeito. Nova amargura causada pelo meu bondoso Prelado. O peito estava ofegante, o coração não podia resistir à dor.

– Aceito, Jesus, aceito.

E, neste momento, senti como se estendesse os meus braços para mais uma vez se cravarem na cruz. O meu coração murmurava:

– Deixo-me crucificar por amor.

Fiquei na cruz e no mesmo martírio continuo. Sozinha, nas trevas da minha alma, na escuridão do meu quarto, ao sentir-me assaltada pelo demónio e abandonada por completo, não resisti às lágrimas. Chorei, chorei. Pedi à Mãezinha que fosse levar as minhas lágrimas a todos os sacrários do mundo, para consolar Jesus. Ao terminar esta oferta, vieram os demónios em forma de grandes éguas, para lutarem comigo. Tremendo, tremendo tormento!

– Jesus, Mãezinha, valei-me – repeti continuamente, enquanto eles me deixaram.

A cena foi tristíssima, mas não a explico, fica para quando Jesus quiser. Ao terminar este doloroso combate, parecia-me terminar eu também. No receio de ofender a Jesus, disse-Lhe:

– Está dito, está dito duma vez para sempre, meu amor. Aceitai como se Vo-lo repetisse todos os instantes da minha vida, dia e noite; antes o inferno do que ofender-Vos e ferir-Vos.

Preparava-se o demónio para nova luta, e neste momento veio então Jesus.

– Basta, basta, aparta-te, maldito, deixa a minha vítima. Consenti-te tudo até aqui. Daqui para diante não consenti mais. Minha filhinha, anima-te, não pecaste. É grande, é bela a tua reparação. Pedi-ta nesta hora da tarde, pedi-ta na quinta-feira pelos sacerdotes. Oh quantos, neste mísero estado, sobem os degraus do altar, obrigam-me a descer às suas indignas mãos e recebem-me por fim sacrilegamente! Minha filha, escola de pureza, de graça e amor, escola de todas as virtudes, não temas, não estás condenada. O teu sofrimento é para evitar que sejam condenadas as almas. A tua maldição é para que elas não amaldiçoem. O peso da justiça divina que sentem é para que elas não a sintam. Coragem, coragem! Fiz-te sofrer assim no dia da tua Mãezinha querida, para Ela comigo ser reparada e ser completa a nossa consolação. Confia, confia, a minha divina causa não fica sem o seu brilho. Quanta mais dor, mais ela resplandecerá.

Deixou-me Jesus, e a dor continuou cada vez mais viva.

– Meu Deus, que horror! Ai a quinta-feira! Se eu pudesse consolar-Vos, meu Jesus, e salvar-Vos as almas da mesma forma sem ter colóquios convosco, sem voltar a falar-Vos nem Vós a mim! Que temor, que temor! Mas faça-se a Vossa vontade.

Era já noite e eu no horto. Na solidão sentia-me ajoelhar para orar. Como a agonia aumentasse, lancei-me com o rosto em terra, para aí serem abertas as minhas veias e suar meu sangue. e Jesus dentro de mim tomava o cálice da amargura e frequentes vezes o oferecia ao Eterno Pai. Eu era Jesus, e Jesus era eu. Nós os dois éramos a mesma oferta ao céu. Que ela fosse aceite junta com as tristes recordações e santas saudades do meu santo Pai espiritual. Fez hoje doze anos, ao cair da tarde, que o conheci pela primeira vez e o tomei como director e guia da minha alma. Quantas privações, quantas dores! Bendito seja Deus por mo ter escolhido. Foi a Sua Mãe bendita que o trouxe aqui. Quanto lhe devo, quanta luz deu à minha alma.

17 de Agosto de 1945

Trevas sempre, trevas sem fim. Logo de manhãzinha, espinhos, espinhos feriam o meu corpo, martirizavam-me a alma. Tomei a cruz, coberta de insultos e escárnios, e caminhei para o calvário. Sofria todos os tormentos da paixão e sentia também o tormento do inferno. O meu calvário passava por ele, por entre o fogo, por entre os desesperos e maldições sem poder ter a resignação da perda de Jesus e a sentir toda a Sua justiça. Cheguei ao cimo. O meu corpo não era corpo, era um esqueleto manchado de sangue, coberto de pó e escarros. Assim fui crucificada na cruz, cruz de trevas, morte de trevas, esquife e sepultura de trevas. E em tudo isto estava o inferno, em tudo isto rigor da justiça divina.

– Meu Jesus, como ainda no sepulcro pode existir o inferno e o peso da justiça do Vosso Eterno Pai! Não me falteis! Vede, Jesus, vede. Sem Vós não resisto.

Quando a minha alma assim sofria, foi ferida por espinhos tão agudamente que foram como bombas destruidoras que rapidamente tudo destruíram. O esqueleto do meu corpo em sangue desapareceu; a dor ficou, e ficou um coração que sofria tudo; ficaram uns olhos que derramaram muitas lágrimas. Indizível, indizível dizer a minha amargura.

– Meu Jesus, não me bastavam os sofrimentos do calvário e do inferno, ainda se veio juntar mais isto? Ai a minha vida, não sei o que é alegria. Aceitai tudo, consolai-Vos. Sou a Vossa vítima.

As lágrimas rolavam-me pelas faces, e eu ia-as oferecendo a Jesus, ao mesmo tempo que ia pensando: “serão perfeitas as minhas lágrimas? Serão lágrimas por culpa minha?” Examinava a minha consciência, e não me dava sinais de acusação.

– Meu Deus, não saberei examinar-me?

Só uma coisa me pesava: o termo, que tinha empregado em algumas palavras, humilharia porventura alguém?

– Meu Jesus, bem vedes e sabeis que não era esse o meu fim.

Uma voz muito suave segredou-me:

– Procedeste bem, assim tinha que ser.

Nas tristes recordações deste acontecimento continuou na cruz a minha agonia, e no completo abandono ainda continuava o sentir da minha perda eterna e da justiça do Senhor. É impossível descrever o que se passava na minha alma. Com o pensamento renovava a oferta de vítima, e nada mais. Neste prolongado martírio, ainda sem nada ver, senti na alma uma nova transformação: uma aragem suave e o esquecimento da dor. Logo a seguir, à minha frente, apareceu a Mãezinha com o Menino Jesus ao colo. A minha alma, num momento, só viu toda a Sua formosura: cabelos doirados e em caracóis. Sorridente, muito sorridente, estendia para mim seus bracinhos e esforçava-se por sair dos da Mãezinha. Como quem forma um voo, saltou para os meus braços e logo se escondeu no meu coração, e a Mãezinha desapareceu. Logo a Sua voz divina se fez ouvir dentro de mim.

– Minha filha, minha filha, por cada uma das tuas dores, por cada uma das tuas virtudes é-te dada uma escada. Por elas podem subir continuamente, pelas das dores os pecadores, e pelas das virtudes as almas sequiosas de mim. Repara, vê como elas sobem.

As escadas eram tantas, tantas, não tinham conta. Era tão grande o número das almas que subiam por elas! Algumas subiam tão rapidamente! A minha alma sorriu ao vê-las. As escadas não tinham só degraus: tinham, pelos lados espécie de pegueiras, por onde subiam mais que uma ao mesmo tempo. Continuou Jesus:

– São escadas firmes. Não há tempestade que as deite à terra; não há frio que as corte; não há fogo que as queime. Podem subir todos. Ainda que alguma caia, não fica delas desprendida. As escadas têm nelas um íman que as atrai, e voltam de novo a subir. São rolas que sobem, são pombinhas que voltam ao seu pombal. Repara, todas vão dar ao mesmo sítio. No cimo de todas elas estás tu. És o íman, és o pombal, és o palácio do amor, lá do alto o espalhas sobre elas. Minha pomba, minha pomba, dá-lhes a tua alvura, dá-lhes a tua graça. Fá-las subir na terra e atrai-as para ti no céu. Que maravilhas insondáveis, que grandezas as minhas na tua alma! Como não havia eu de sorrir de contentamento e querer vir para ti dos braços da minha Mãe? Tem coragem! Vês quanto valem as tuas dores? Vês quanto vale sofreres assim, para salvares tantas almas? Olha a tua coroa. Vê o prémio do teu martírio. Podes, à sombra da tua coroa, da recompensa que de mim te é dada, abrigar os pecadores e as almas que anseiam por mim.

Vi a minha coroa. Não era coroa, parecia uma umbela maravilhosa, que Jesus colocou sobre a minha cabeça. Desabafa comigo, minha esposa amada. Não é verdade que te podes alegrar em todo o teu sofrimento? Diz-me, diz-me.

– Posso, sim, meu Jesus, e bem sabeis que o coração e a alma a tudo sorriem. Não me consola o prémio que me mostraste e que de Vós recebi. De que me serve tanta coisa, se estou em tanto perigo de Vos ofender? Temo tanto ferir o Vosso Divino Coração! Este receio encobre tudo o que me dais, tira-me toda a consolação.

– Eu tiro disso todo o proveito, filha querida. Sirvo-me da tua generosidade, do teu amor e de todo o teu espírito, para as almas e para maior consolação minha, mas quero-te sempre animada, firme e confiada em mim. Já sabes que não te deixo, e minha bendita Mãe te acompanha. És o meu retrato, vale a pena dares teu sangue até à última gota. O céu está pertinho, e a realização das minhas divinas promessas não falta. Eu tenho esperado os homens, porque o brilho é só meu e do que me pertence. E, com a tua heroicidade, o fruto é grandioso para as almas. Se assim não fosse, quantos mais castigos já teriam recebido. Mãe, minha bendita Mãe, vem dar à nossa filhinha a prova do nosso amor e a certeza de que a acompanhamos sempre. Conforta-a, conforta-a, ó Mãe.

Veio a Mãezinha, abraçou-me, acariciou-me e disse-me:

– Coragem, coragem, filhinha! Jesus está contentíssimo contigo. E, em prova disso, viste como Ele sorria em meus braços alegremente? Conta comigo, conta com Ele. Não te abandonamos. Alegra-te, alegra-te, não demora o céu. Lá te esperam já tantas almas por ti. E de lá continua o brilho da tua missão.

– Obrigada, Mãezinha. Obrigada, Jesus. Guardai o meu corpo e a minha alma, não me deixeis ofender-Vos. Perdoai-me tudo.

Apesar de todos estes mimos do céu, a luz desapareceu-me com eles, e eu fiquei abraçada à minha cruz e às minhas trevas. Jesus o quer, as almas o necessitam.

– De quem sou eu? Para quem vivo?

19 de Agosto de 1945

Perder a Deus é perda irremediável. Se no meio dos tormentos do inferno eu pudesse ver e amar a Deus, deixaria de ser inferno. Perdi tudo, todos os dons e graças recebidas, todas as boas obras e orações, toda a luz do Espírito Santo e santas inspirações, toda a grandeza de Deus. Nada vejo, nada tenho. Mesmo sem eu querer, são estes os desabafos da minha alma. Não sei dizer a aflição que nela sinto, é desesperadora. Que tristeza e escuridão! Nada há que a conforte. Se voltasse a possuir a Deus, se pudesse vê-Lo! Mas ai, nunca mais! Para que foi tanta vida na terra? Para nada aproveitar, tudo perdido. Não vejo aquela grandeza de Deus, mas sinto-a no meio dos tormentos eternos, para mais sentir os horrores e peso da Sua justiça divina. O meu coração quer confiar e prender-se a Jesus e não tem forças. Por vezes luta, luta, está quase a naufragar. Não tenho braços para me abraçar a Jesus e à Mãezinha, não tenho em mim nada de bom. O demónio rodeia-me, anda à minha volta como o ladrão que não descansa dia e noite sem alcançar roubar. Parece-me que ele me levou ao cimo de uma montanha, sinto-me nela, e ele ao pé de mim a mostrar-me o mundo, a querer tentar-me; quer que eu de joelhos o adore, faz-se ele senhor de tudo. Veio com um violento ataque a tentar tirar-me a fé.

– Não acredites em Deus nem nas Suas lições e doutrinas, se queres ter uma eternidade feliz. Sou senhor de tudo, só eu dou a felicidade.

Eu invocava sempre Jesus e a Mãezinha, e ele, raivoso, principiou a manejar com as suas artes e chamar muitos camaradas, para virem pecar comigo, e dizia-lhes:

– Satisfazei-vos, porque a ela nada a satisfaz.

Eu parecia-me estar toda entregue a ele e já não temer o pecado. Mas mesmo assim repetia:

– Jesus, antes o inferno, e já, do que a ofender-Vos.

Já não me importava satisfazer as minhas paixões nem pensava já que ofendia a Deus. O que sentia era o coração preso ao pecado com fortes cadeias que não me deixavam levantar dele; sentia-me apodrecer nele e nele morrer, sem temor nem pena de ferir a Jesus. Não tinha o temor nem a pena enquanto durou a luta, mas logo depois tudo voltei a sentir com a vergonha de viver na Sua divina presença. E o coração ficou a arder-me em sede de possuir essas almas que estão presas ao pecado, desprendê-las e curá-las da sua podridão. Que ânsias de as dar a Jesus e purificá-las! Que ânsias de me purificar a mim! Mas não tenho luz nem forças, morro nas minhas trevas.

21 de Agosto de 1945

Quando poderei deixar de obedecer, para não ter de dizer os sentimentos da minha alma? Queria que morressem e desaparecessem em mim como eu sinto que morri e desapareci. Tudo vive, tudo canta e bendiz ao Senhor, as avezinhas e tudo o mais O louvam, só eu não. Não é louvado por mim, não é amado. A minha vida não existe, foi uma vida perdida. Quantas vezes saem da minha alma arrancos e desabafos quase desesperadores: maldita foi a minha vida, melhor não tivesse nascido, maldito o leite que me alimentou e malditos os que me criaram. E as labaredas do inferno estendem-se sobre mim. Tudo lá é horror, mas o maior de todos, o tormento mais doloroso é a perda de Deus. Oh se eu o pudesse ver! E, apesar de sentir todo o peso da Sua justiça divina, queria amá-Lo. Ah se ao menos aqui O amasse! Quero dizer que no meio destes sofrimentos, arrancos e despedaçar de alma não perco a serenidade e a paz. Às vezes parece-me desesperar. Mas o meu Jesus misericordioso acode-me, levanta o meu espírito. Depois de reviver um pouco, fico como louca, mas abraço-me com mais amor e mais confiante à minha cruz. O demónio diz-me que os meus combates sou eu que os invento, para ter que escrever.

– Meu Jesus, queria amar-Vos, mas não queria ter que escrever. Bem sabeis que é ele e não eu.

Tive com ele dois ataques violentos e demorados. Sentia-me nua à vista de todos. Os meus olhares e gestos eram maliciosos para atraírem a mim todos os outros olhares. Vieram muitos demónios, caíram sobre mim, cheios de raiva, com cenas e palavras criminosas. O coração batia a pontos de não me caber no peito. O suor banhava-me, e eles blasfemavam contra Jesus; acusavam-No como criminoso e diziam:

– Já que não cedes aos nossos desejos, serás condenada eternamente.

Estava abraçada ao meu crucifixo e abraçava-o com toda a força que me era possível e dizia:

– Jesus, ó Mãezinha, amar-Vos sempre, reparar sim, pecar não, antes o inferno.

As minhas forças não resistiam mais, nem as da alma nem as do corpo. Veio Jesus, pôs termo à luta, veio e disse:

– Maldito, maldito, és tu, maldito agora, maldito na eternidade. Vem, minha filha, vem, minha vítima, toma a tua posição, vem gozar de mim, sou testemunha da tua reparação. Não me ofendeste. Como poderia pedir de ti uma reparação para me ofenderes? A pureza, a castidade são a flor mais fina, o que há de mais encantador para mim. E, porque és verdadeiramente pura, venho à tua pureza pedir reparação para os impuros e a reparação das famílias. Que dor para mim! As famílias profanam o grande sacramento do matrimónio. Pecam, e eu a vê-las pecar, pecam na minha divina presença. Volto-lhes as costas, escondo o meu rosto. Não se envergonham de mim, envergonho-me eu delas. Repara-me, repara-me por tantas almas loucas que, apresentando-se nuas, convidam ao pecado, ofendem-me gravemente. Confia em mim, confia no meu amor. Quem me dá tudo, de mim tudo recebe. Coragem, coragem, esposa minha.

Quando Jesus me deu as primeiras palavras, tomei logo a minha posição, senti-me deveras unida a Ele; confortou-me, mas sem consolação. Depois de Ele me deixar, fiquei nas minhas horrorosas trevas, nos horrores do inferno e a sentir o abandono completo, mesmo completo, de todos os que me são queridos.

– O que será a minha vida? O que será a minha morte? Ó meu Deus, confio, confio em Vós e só a mim temo. Valei-me, valei-me, dai-me luz na minha cegueira.

23 de Agosto de 1945

Bendita noite, benditas trevas, se são vindas de Jesus. E como vencê-las?

– Ó meu amor, só com a Vossa força divina.

Não sei o que sinto nem por onde caminho. Ontem de tarde, durante a noite e esta manhã, senti que por um lado da minha alma passava uma aragem, e aquela parte ficou libertada do peso esmagador e por vezes desesperador da dor. Senti que alguém deu passos para me ser dado o meu Pai espiritual. Sentia que se tratava de mim e dele, sim, a favor, embora não faltasse quem nos humilhasse e aniquilasse. Este sentimento deu-me um pequeno alívio; não cheguei a ver luz, mas sabia que ela vinha. Indiferente a este sentimento de alma, porque sentia como se não fosse comigo, fiquei indiferente a tudo. Seja o que Deus quiser! Bem depressa os mundos das minhas trevas, trevas que tudo encobrem e matam, abafaram tudo. Apossaram-se de novo daquela parte da alma que tinha sido libertada. Este alívio desapareceu, tudo morreu.

– Ó meu Deus, terá isto algum significado? Não o sei nem quero pensar, só Vós o sabeis. Eis aqui a escrava do Senhor. Jesus, sou a Vossa vítima. espero e confio em Vós, em Vós, apesar da Vossa justiça sobre mim, apesar dos horrores do inferno, da Vossa perda e da minha condenação eterna. Que luta tremenda para a minha alma! Não sei exprimir a minha dor, Vós a vedes, meu Jesus. É um farrapo desfeito no fogo do inferno nas mãos do demónio. O que será de mim, ó meu Deus, o que será de mim sem Vós?

Tive um ataque violentíssimo como demónio. Deve ter durado cerca de uma hora. Quantos suores, quantas palpitações aflitíssimas do coração! A princípio, veio em forma de um grande cavalo. Senti como ele se lançasse aos meus ombros. Depois vieram muitos. Pelos sentimentos da minha alma, pelas cenas que eles faziam e insultos que me davam, parece-me que Jesus me pediu, neste combate, três reparações. Eles blasfemavam tanto contra Jesus. Causa-me tanto medo ouvi-los falar assim. Nos momentos de maior angústia, em que me parecia de verdade pecar, eu era um perfeito demónio: estava entregue à vontade e às coisas dele. Via-o como rei sentado em meu coração, era o senhor dele, era senhor das minhas paixões, senhor de tudo. Assim entregue a ele, sentia que não fazia o mais pequenino esforço para dele me libertar. Que horror!

– Jesus, Mãezinha, sede Vós Senhores do meu corpo e da minha alma e da minha vontade, para que só a Vós pertença e não Vos ofenda. Não quero pecar, não quero pecar. Ó Jesus, ó Mãezinha, valei-me, quero ser só a Vossa vítima.

Não vi Jesus nem O ouvi, mas de repente tomei a minha posição e vi-os fugir espavoridos, como leões e cães raivosos, uns a uivar e outros desesperados, de dentes descarnados. Sinto em mim umas ânsias tão grandes e um grande temor nos sofrimentos que vejo aproximarem-se. Estas ânsias são como um fogo que incendiou e com tanta força que as labaredas atingiram toda a altura. São ânsias de amor, e este amor rompe por entre os sofrimentos, encobre-os com o seu fogo abrasador; são ânsias das almas, é sede insaciável de as dar a Jesus. Eu quero dar-me às almas. Vejo aproximar-se a morte e todo o martírio que me vai causar, mas sou obrigada a caminhar, é o amor esta força irresistível. Sinto na alma a preparação da grande ceia, a ceia do amor, e sinto que s ou eu o manjar desse grande banquete; sinto que me vou dar em alimento, que sou a vida das almas. Sinto, mas não sou eu, sei que não sou, é Jesus, só Jesus. O meu coração está apavorado, e os meus olhos já choram lágrimas de sangue. O amor encobre e esquece. Mas os horrores continuam.

– Quinta-feira, triste quinta-feira, és tu que me traz a morte!

24 de Agosto de 1945 – Sexta-Feira

Parece-me que até o Eterno Pai dorme a pontos de não ouvir os meus rogos. Foram estes os sentimentos da minha alma, esta manhã. A minha agonia era quase insuportável, retalhava-me de dor. Tinha na alma dois sentimentos ao mesmo tempo. Numa parte da alma sentia os tormentos do inferno, na outra os da paixão. Nos sofrimentos do inferno sentia o fogo nos olhos, na língua, no cérebro, nos ouvidos, e penetravam todo o meu ser, a alma e o corpo. Amaldiçoava a cruz que tinha tido em vida, por não me aproveitar para me salvar. Enquanto isto sofria, ia percorrendo os  caminhos do calvário. Tão oprimida pela dor, não podia dizer palavra. As lágrimas dos meus olhos eram de sangue. Oprimida pelo peso da cruz, curvava-me sobre ela, chegava quase ao chão, até que caía com ela, desfalecida. Depois do encontro da Mãezinha, principiei a sentir dentro do meu coração dois corações. Sentia o de Jesus e dentro do de Jesus o da Mãezinha. O de Jesus, cercado de espinhos, e o da Mãezinha, atravessado pela lança. Mas tanto os espinhos que cercavam o de Jesus como a lança que trespassava o da Mãezinha feriam-me o coração e o peito, que não podiam resistir à dor. E toda a tragédia do calvário foi dolorosíssima com a dor daqueles dois corações. O que sofreu Jesus ao ver a dor angustiosa da querida Mãezinha! Neste martírio, foi na cruz pregada. Veio aumentá-lo um ataque violento do demónio. Dei a Jesus a reparação, mas dei-Lha tão assustada.

– Meu Deus, custa a crer que, no meio de tanto perigo, não Vos ofenda.

Ao mesmo tempo que ouvia os insultos e via as cenas vergonhosas do demónio, via os espinhos que cercavam a cabeça sacrossanta de Jesus e sentia-os também em mim. Que agudos que eles eram! A cabeça não podia tocar na cruz! E sempre, sempre aqueles dois corações a sofrerem a agonia da morte. Nem um brado nem um gemido era ouvido e aceite ao Eterno Pai. Até a entrega do espírito parecia não ser aceite. A pena e a dor de ter ofendido a Jesus acompanharam-me até ao fim desta agonia. Estava entregue ao abandono, era completo, não tinha mais que esperar, nem ao menos o Eterno Pai. Depois deste prolongado martírio, veio Jesus.

– Minha filha, fontenário de oiro finíssimo, onde quero que venha beber toda a humanidade, é o teu coração a fonte inexaurível que eu fiz rebentar. Tu és a fonte, eu sou a água, água que rompe de veias minhas para a fonte do teu coração. Por ti dou tudo ao mundo, não se esgotará jamais. Quero que bebam as almas que por mim suspiram, para que se abrasem no meu amor. Quero que bebam os pecadores, para que se lavem e purifiquem. Tu és a pomba das pombas, o arminho dos arminhos. À volta do fontenário estão as flores que em ti nasceram e floresceram: são das mais belas e mais perfumadas. Quero que apareçam, minha filha, como fontenário de amor com um bando de pombinhas nele a beber. É o significado das almas que abrasas no amor divino e das que purificas e salvas.

– Jesus, aparecer como? Já me dissestes isso, e eu nada compreendo.

– Digo-te, minha filha, que quero que apareças, e basta. Não apareço. Eu, como jardineiro, como Bom Pastor, como guia das almas e muito mais? E não sou eu sempre o mesmo Jesus? Aparecendo tu com o significado de todos os títulos que te tenho dado, és sempre a minha esposa, sempre a minha Alexandrina. Tu és para o mundo e não és do mundo. Ai dele, se não me corresponder. Ai dele, se não escuta a voz do seu pastor, a voz do Santo Padre. Depressa será queimado e destruído. Confiei-to, minha filha, o teu sangue derramado por ele e para que nele nasça sangue novo, sangue puro, sangue de salvação. Tu és a barquinha, eu sou o piloto, eu sou o leme. Tem coragem! Não corre perigo! Felizes almas que dentro dela viajam. Chegam ao porto de salvação. Olha como ela caminha na tua cegueira e trevas. Embora pareça, não chega a naufragar.

Mostrou-me Jesus uma grande e linda barca, bela, asseada, com grandes bandeiras, que navegava apressadamente pelo mar imenso e tempestuoso. Que linda, que graça lhe achei! A barca estava em mim, só a via a ela, ia cheia de ovelhinhas. E Jesus, muito belo, já crescido, é que a guiava, e não dava sinal de temer a tempestade. As almas, que nela iam, mostravam-se alegres, confiadas de chegarem ao porto de salvação.

– Minha filha, esposa minha, no mar tempestuoso da vida, na noite tremenda da perda eterna, és tu o farol. És tu a luz do mundo inteiro. Coragem! Em ti estou eu. A tua noite, as tuas trevas aumentarão e todo o teu martírio, porque se avizinha o teu céu. Não haverá luz que chegue a alumiar-te nem palavras que cheguem deveras a confortar-te. Dia a dia deixarás de sentir em ti o meu divino amor e quase te parecerá mentira a minha presença em ti. Mas estou sempre, confia. A perda, que sentes de mim, não é tua. Essa perda é a condenação do inferno, é para acudires às almas. Escuta, filhinha. Dá-me uns combates do demónio, dá-me a reparação que deles tiro, para não se condenarem tais almas. Já deviam estar no inferno, ofendem-me tanto!

Nomeou-me o nome de umas poucas e disse-me que ainda eram mais. Pobre Jesus, quanto Ele é ofendido!

– Eu dou-Vos tudo, meu Jesus, o que eu não quero é pecar. Não temo o sofrimento nem o cansaço que esses combates me causam. O que eu temo é ofender-Vos.

– Não pecaste e não pecarás jamais. Confia, afirma-te Jesus. Vai em paz, minha pomba amada. Vai, generosidade heróica, vai, flor pura do meu jardim, adorno do meu Divino Coração, vai para as tuas trevas, para a tua cruz, para o teu inigualável martírio. Vai, mas sempre confiada. És o remédio das almas, és o mimo de Jesus.

Fiquei logo a sentir as minhas enormes dores do corpo e da alma, a parecer-me mentira o que em mim se tinha passado: Jesus ter estado em mim.

– Aqui me tendes, meu amor, sempre, sempre, para ser a Vossa vítima.

Já há muito tempo que não senti tão fortemente como hoje as saudades da alimentação, não podia resistir a elas. Ia a chorar, ia ter com os meus um desabafo. Lembrei-me que seria para eles motivo de lágrimas, e, por amor de Jesus e às almas, era mais perfeito nada dizer. Ofereci o meu sacrifício e com um sorriso encobri tudo. Custou-me muito, o coração parecia morrer de saudades. Prende-me só Jesus e as almas. O mundo não conhece o meu sacrifício, mas conhece-o Jesus, e isso basta.

30 de Agosto de 1945

Só hoje pude voltar a falar dos sentimentos da minha alma.

– Ó meu Deus, com tanto custo e sacrifício.

Parece-me serem arrancadas as minhas entranhas, tudo o que tenho em meu peito. Arde o inferno dentro e fora de mim. Perdi a Deus, perdi o céu, é o inferno a minha habitação, é e será eternamente. Que horrores, que sustos desesperadores! Sinto que me ceguei e matei a mim mesma. Fui eu, só eu, a causa da minha perda eterna. Tudo são uivos e horrores infernais. As trevas afogam a minha alma, cegaram-na, não a deixam ver, cegaram-me os olhos do corpo, cegaram-me os olhos da alma. Escureceu-me o mundo inteiro. Há noite no tempo e será noite na eternidade. Não há quem me acuda, perdi a Jesus, perdi ao amigos, perdi aqueles que tanto me amavam e a quem eu tanto amava… Tudo desapareceu, não foi um corte, foi um fogo que tudo destruiu.

– Ó meu Deus, ó meu Deus. Ai o meu abandono, ai de mim sozinha no meio do mundo. Perdi tudo, para mais nada possuir. Meu Deus, creio em Vós, permiti-me ao menos que eu confie em Vós. Jesus, creio que são só os sentimentos da minha alma e não a realidade. Quero confiar, deixai-me confiar. Tudo o que sofro é vindo de Vós, é permitido por Vós. Assim o creio e é por Vós que o aceito. É por Vós e pelas almas. Digo que confio e que creio e parece-me mentira, meu Jesus. Tende dó de mim. Sou mentirosa e falsa para mim e mentirosa e falsa para o mundo. Horror, horror! O que mais temo e me aflige é o que mais sinto e me faz sofrer. Viver de enganos, enganar os outros, ó meu Jesus, bem sabeis que isso não quero, não quero.

Sinto grande necessidade de penitenciar meu corpo, toda a penitência é pouca. Sinto que é uma exigência de Jesus, sinto que esta penitência devia ser feita pelo mundo inteiro, e tudo cai sobre mim. É o meu corpo o instrumento dessa penitência. Queria estar sempre no duro, na terra nua. Não peço para me porem no soalho, porque sei que é tempo perdido, que não se conformam com os meus desejos, com esta necessidade tão apressada que a minha alma sente. Tenho sofrido muito com o demónio, sem falar na multidão deles. Não sei, mas talvez para me afligirem, se apresentam à minha frente com falsos divertimentos e alegrias. Três ataques violentos vieram atormentar meu corpo. Não foram só os insultos e as palavras mais feias que me fizeram sofrer. Foram as cenas, as afirmações de eu ter pecado, e ele mostrar-se senhor do meu corpo e habitador do meu coração. Eu sentia-o como se ele me degolasse e ouvia-o dizer:

– A tua alma é minha, está comigo no inferno. Para lá quero levar teu corpo, para viver comigo eternamente. Que horror, quando me parecia que era morta pelo demónio e que em corpo e alma com ele era precipitada no inferno! No último ataque, veio de dentes descarnados a aproximar-se do meu rosto, para melhor satisfazer seus gostos maliciosos. Esforçava-me por arrumá-lo dele sem nada poder conseguir, porque sentia que todo o meu corpo era por ele habitado. O meu quarto não era o meu quarto, parecia-me a habitação do demónio, e eu sem poder chamar por Jesus e pela Mãezinha. Sem forças para lutar mais, parecia-me o coração perder a vida. Pude então invocar o nome de Jesus e da Mãezinha. Pedi-Lhes que me valessem em tão tremendo perigo e que não queria pecar. Cessou a luta, mas ele não deixou, ou não deixei eu de sentir que ele habitava em mim. E a sua cara feia com dentes descarnados continuava unida à minha.

– Pecaste, pecaste, consegui tudo de ti – repetia ele muitas vezes.

– Meu Jesus, tende dó de mim em momentos de tanta incerteza.

Veio o meu Jesus, senti-O a Ele e deixei de sentir o demónio. O corpo, que me parecia ser habitação do maldito, era agora habitação de Jesus.

– Fui eu, fui eu, minha filha, que de ti consegui tudo, de ti recebi a reparação desejada. Dá-me, dá-me a reparação que te peço e confia, não pecaste nem pecarás. Não pecaste nem pecarás em todo o tempo que te resta de vida, que bem pouco é. Confia, esta afirmação é do teu Jesus. O teu corpo é a minha habitação. Do palácio do teu coração vejo a maldade do pecado no mundo, que veio ferir e chagar o meu Divino Coração. De ti recebo a reparação e o bálsamo para esta chaga e ferimento de todo o meu corpo sagrado. Do palácio do teu coração vejo a ingratidão e os instrumentos que me ferem. Em ti recebo a doçura e amor que me obrigam a esquecer tudo. Coragem! A tua generosidade foi tão longe como de longe foi o que de ti exigi. Exigi tudo, tudo de ti recebo. Sofre e ama, sofre e ama. Dá-me o que te peço, dá-mo com alegria. Confia que não te abandono, confia que estou em ti.

Pouco depois, fiquei nas mesmas incertezas e a esforçar-me por suportar as dores indizíveis do meu corpo e da minha alma. Parece-me impossível poder-se sofrer tanto. Não posso mais resistir às saudades da alimentação. Não posso mais resistir aos desejos de que me seja dado o meu Pai espiritual. Não posso mais resistir às ânsias de dar Jesus às almas e as almas a Jesus. Tenho sede, tenho sede, e esta sede é de Jesus. Quero saciá-la e não posso. Só um mundo de amor a pode saciar, e não o tenho. O que hei-de fazer, meu Jesus? Não tenho nada para Vos dar. Que horrorosa quinta-feira! Aproxima-se a morte e tão apavorada. Os olhos da minha alma vêem tudo o que me espera. Os meus braços já sentem as algemas que dentro de poucas horas os vão algemar. Vejo a argola que está na coluna; sinto no coração as prisões que me vão prender a ela. Dentro do meu peito rebentam veias de sangue que em pouco vão regar a terra.

– Meu Deus, o que me espera! Oh quanto eu sofro! Por Vosso amor tudo, sede a minha força, Jesus. Estou envergonhada por só saber falar da dor, por só dizer quanto sofro. Tudo são queixumes, mas é o que a minha alma sente, é o que ela goza. Seja feita a vontade do meu Deus. Digo tudo por obediência.

31 de Agosto de 1945 – Sexta-Feira

Antes de principiar a ditar estas linhas, ofereci a Jesus o meu sacrifício. Que grande que ele é! Ter de dizer tudo! Que Ele se digne aceitá-lo para os fins do Seu Divino Coração. Quando, esta manhã, recomecei de novo os caminhos da paixão, a dor da minha alma era tão grande que não sei dizer, apenas a soube sentir. A alma estava como uns lábios mudos, que nada sabem falar. E assim percorri todo o caminho do calvário. Estive presa à coluna, fui cruelmente açoitada. A minha cabeça foi profundamente toda coberta de espinhos. A coroa não me cingia só a frente. Não tive lugar nenhum na cabeça que não fosse por eles ferido. As dores eram insuportáveis. No decorrer da viagem, o meu corpo ficou por muitas vezes desfalecido, não podia caminhar. Oprimida por tão grande peso, sentia continuamente que o coração era espremido para um formoso vaso. E, quantas vezes se repetiam os sofrimentos, outras tantas me saía da alma uma oferta ao Eterno Pai. Era uma oferta contínua do vaso daquela dor. O Eterno Pai aceitava-a, mas não se dava por satisfeito, queria mais, ainda mais. Vi a multidão que me acompanhava: poucos amigos, quase só inimigos. Os amigos enterneciam-se, os inimigos descarregavam sobre o meu corpo sem dó nem piedade grandes chicotadas. Cheguei ao calvário e, depois de ser crucificada na cruz, veio o demónio para aumento do meu martírio. Com a sua fúria tremenda, insultou-me horrivelmente.

– Hei-de destruir teu corpo, quanto mais não seja, destruo pelo prazer. Hás-de pecar, hás-de ser condenada.

Cega e louca pelas paixões, sentia-me de verdade um completo demónio. Que olhares, sorrisos e gestos maliciosos! Quando pela graça de Deus pude invocar o nome de Jesus e da Mãezinha, no meio de suores, cansaço e fortes palpitações do coração, fui libertada. No meio de muita angústia, fiquei a dizer:

– Ó meu Jesus, não há nada mais triste do que o pecado. Que triste que ele é! E como não será triste para Vós, quanto ele há-de ferir o Vosso Divino Coração! Tende compaixão de mim. Bem sabeis que pecar não quero.

A minha alma continuava a sentir a dor em silêncio e sem nada poder dizer, como uns lábios mudos. Só de longe a longe um brado, um desabafo ao Eterno Pai. A oferta do vaso repetia-se sempre. Isto era em mim, mas não era eu. O abandono, a agonia aumentaram. Um gelo indizível cobriu o meu corpo, ia morrer depois de se terem rasgado as minhas veias, derramado o meu sangue pelos olhos, pelos ouvidos e por todo o corpo. No meio das trevas, foi entregue a alma ao Eterno Pai. Vi descer os anjos, vi-o descer a Ele ao encontro dela. E em mim Jesus ficou pregado na cruz. Após uns momentos, desapareceu a cruz, e ouvi-O a Ele a dizer-me:

– Minha filha, à semelhança da minha morte, virei eu em breve com os anjos e a minha Mãe Santíssima levar para o céu a tua alma. A tua morte será semelhante à minha. Será morte de amor no meio da maior noite, das maiores dores e abandono. A tua alma será em teu leito coroada, antes de ser transportada ao céu. Entrarás na Pátria Celeste em grande triunfo, coroada por esta coroa formosíssima. Que bela, que rica ela é!

Os anjos trouxeram-na junto de mim. Era linda, linda! Ó que brilhante! Uns momentos depois, bateram as asas e desapareceram com ela. Jesus continuou:

– Minha filha, esposa minha, escuta-me, vou prevenir-te. O teu sofrimento aumentará. Os olhos do teu corpo ficarão sempre colmo se não existisse a luz. As trevas e a dor da tua alma serão indizíveis. Que duro martírio não saberes, diz lá. Será o retrato dos lábios mudos. Eu exigirei de ti o que meu Pai exigiu de mim. Quererei mais, sempre mais. Só com a tua morte, quando eu puder dizer as palavras de consumatum est, ficarei satisfeito. Coragem, amada! Quero-te sempre de alma alegre, para te assemelhares mais a mim, para que a tua morte seja o retrato da minha no momento em que me entregares a tua alma, quando eu disser que tudo está consumado. Assim como o disse no alto da  cruz e fiz entrega da humanidade à minha Bendita Mãe, fá-la-ei a ti e direi:

– Mundo, aqui tens a tua rainha e mãe. Não é só tua rainha, é mais ainda, é rainha e mãe. E a ti direi: vem, minha filha, vem lá do céu estender teus olhares, espalhar as minhas bênçãos e graças pelo mundo que é teu, pelo mundo que te confiei, pelo mundo a quem te dei por mãe; é teu filho, guarda-o, pertence-te. Assim será a tua morte, em tudo semelhante à minha. Eu farei que esta entrega e toda a tua vida a seguir logo à morte seja conhecida no mundo, vá aos confins dele, como som de trombeta que vai dar sinal. Ai dele, se não escuta, ai dele, se não aprende, ai dele se não implora o auxílio da sua mãe! Penitência, penitência! Diz-me, filhinha, não estás contente por em tudo te assemelhares a mim?

– Jesus, estou contente com a Vossa divina vontade, mas envergonhada de tantas graças que me dais. Não me faltais, não, meu Jesus? Dai-me força para sofrer tudo. Vede o que me prometestes e falta realizar.

– Confia, confia. Vejo tudo. Sofres por mim e pelas almas. Tudo será realizado. Triunfas com a tua cruz, triunfa a minha divina causa com o teu martírio. Dá-me a reparação que te peço nos combates do demónio, continua a dar-ma. Quando ta vier pedir, será nas horas em que as almas estão mais loucas a ofenderem-me. Não deixes ferir tanto o meu Divino Coração. Coragem, sempre! Virei depressa colher a flor das flores, a rainha das flores para a Pátria Celeste para adorno do trono divino. Tu és o tronco donde brotam todas as variedades de flores. A pouco e pouco, irei abreviando o tempo dos meus colóquios e esconder-me mais disfarçado em ti. Coragem, coragem! Vai para a tua cruz. Conto com o teu heroísmo, com a tua heroicidade. Confia no meu amor, sou o teu Jesus.

– Obrigada, meu Jesus. Aceitai o meu coração tão pobre e frio e não me deixeis vacilar.

Pouco depois, veio a noite, a noite para a minha alma, o mergulhamento das minhas trevas. Sinto-me como esquecida da presença de Jesus em mim. Não é a minha alma que O vê, nem sente as Suas consolações. Eu não sou eu.

   

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