Sílvia Cardoso Ferreira da Silva nasceu no
dia 26 de Julho, dia de S. Ana, de 1882, em
Paços
de Ferreira. Foram seus pais Manuel Umbelino Ferreira da Silva e Joaquina Emília
da Conceição Cardoso. O pai, de fé simples mas profunda, era estimado pela
generosidade e pelo espírito de sacrifício; a mãe era exemplo de dedicação à
família e aos pobres. Foi baptizada no dia 4 de Agosto. Sílvia era a primeira
filha do casal, a primeira dos quatro irmãos que chegaram à maioridade. O nome
sendo raro na família e no tempo lembra duas santas mulheres da história da
Igreja, Sílvia de Constantinopla que no século IV combateu as heresias, e Sílvia
mãe de S. Gregório Magno.
Fez a primeira comunhão aos 11 anos, no dia
23 de Abril de 1893. O Santo Crisma recebeu-o em 1903.
Estudou as primeiras letras com uma
professora particular e depois, no Porto, o Colégio Inglês; e em Vila Nova de
Gaia, o Colégio do Sardão, onde foi sempre aluna aplicada e bem classificada.
Durante o ano de 1913 preparou o seu
casamento, mas a morte do noivo impede a realização do mesmo. Em 1917 participa
em Tuy num retiro donde sai o gérmen do que deveria ser o seu futuro apostolado:
a assistência às crianças pobres e aos doentes. Esta dedicação tão intensa é
causa de em 1918 se contagiar pela febre pneumónica. Uma vez curada será sempre
incansável no seu apostolado.
Sempre trazia consigo uma espécie de saco
onde tudo cabia: rosários e devocionários, medalhas e folhetos, peças de roupa
que vestiriam os pobres, crucifixos que seriam a última âncora de moribundos.
Porque não se demorava muito no mesmo lugar, precisava daquele alforge para as
suas explorações de andarilha de Deus. Era o alforge da caridade que se enchia
aqui e além, conforme calhava, e ia esvaziar-se junto das camas dos hospitais,
nas creches, nos patronatos, nas celas das prisões, nas salas da catequese, nos
armazéns onde houvesse empregadas que precisassem de auxílio. Os pobres faziam
parte da sua vida.
Se lhe batiam à porta, nunca precisavam de
bater duas vezes. Batiam uma só, e logo se ouvia de dentro um "já vou" rápido,
carinhoso e nítido. Dona Sílvia foi apóstola do verbo ir e do advérbio já. Era
toda asas. Ir depois corresponde, a cada passo, a não valer a pena ir.
O bispo do Porto, D. António Augusto de
Castro Meireles, tinha por Dona Sílvia a maior admiração e estima. Em carta de 5
de Dezembro de 1931, recomenda-lhe: "É preciso em tudo muito método e muita
serenidade. Mas Dona Sílvia só adoptava um método: o deitar o coração pelo peito
fora, direito a todas as desgraças ou problemas a que importa acudir. E acode,
como ela diz: "É para mim um grande gosto caminhar com os olhos fechados,
conduzida pela Providência; os seus desígnios são impenetráveis, mas sempre
doces e suaves para os que n’Ela confiam".
A 21 de Janeiro de 1923, sob o patrocínio do
Menino Jesus de Praga, inicia, na Casa de Sequeiros, do Concelho de Lousada, a
Obra dos Retiros espirituais para leigos. Durante três anos, participaram nos
retiros de Sequeiros 195 cavalheiros, 471 senhoras, 568 lavradeiras e criadas,
115 lavradores e operários, 13 Filhas de Maria, 19 professoras e 25 meninas.
Gorada, porém, a Casa de Retiros de Sequeiros outras nascerão de norte a sul do
país, sempre com grande proveito de quanto as frequentam.
Sílvia Cardoso via e amava as crianças.
Via-as com a suprema ternura das suas estranhas pupilas descobridoras. Amava-as
como se devem amar, na harmonia da Criação, como estrelas que despertam e como
sementes que nascem. Dona Sílvia nunca estudara sociologia nem se especializara
em qualquer método pedagógico, mas doutorara-se no amor do Evangelho. Quando
encontrava as crianças estremecia toda interiormente, como se a tomassem as
milagrosas surpresas de uma aparição. É que via nas crianças o Menino Jesus das
palhas de Belém e das horas caladas de Nazaré. O Menino Jesus surgia-lhe
maltrapilho e de olhos tristes, na aresta de uma esquina ou na poeira de uma
praça. Confrangia-se-lhe o coração perante o espectáculo das crianças órfãs,
abandonadas ou vagabundas. E se milhares de inocências não se destroçaram na
vida foi porque Dona Sílvia lhes lançou a tempo as amarras dos seus braços
inquebrantáveis.
Um
dos aspectos mais relevantes da sua vida foi a sua piedade. Era mulher de
piedade forte e profunda, de fé e esperança, responsável e disponível para a
caridade. Membro fiel da comunidade eclesial, actuava dentro dela em obediência
à Hierarquia, oferecendo-lhe a máxima colaboração, sem quaisquer reservas às
suas indicações e aos seus apelos. Tinha a certeza da invencibilidade da Igreja,
mas não se acomodava a posições estáticas, antes procurava servi-la na liberdade
e no sacrifício.
Depois de Cristo era a Nossa Senhora que mais
dedicava o seu afecto de piedade filial. Outras devoções particularmente gratas
a Dona Sílvia foram a Sagrada Família, o Menino Jesus de Praga e Santa Teresinha
do Menino Jesus.
No Verão de 1949 o seu corpo macerado começou
a dar sinais da terrível doença que havia de vitimá-la. Dona Sílvia aceita a
prova sem protestos, mas não consegue ocultar o avanço do mal implacável. Morreu
na madrugada do dia 2 de Novembro de 1950. No dia seguinte, festa litúrgica de
S. Silvia, foi o seu funeral.
(Cfr MOREIRA DAS NEVES,
Silvia Cardoso: O Anjo das três loucuras, Braga,
Editorial A. O., 3ª edição, 1987, 197.) |