A
devoção às santas chagas é muito antiga e exprime a nossa gratidão
para com o sofrimento que Cristo ofereceu por nós. De entre as
santas chagas, a do lado é a que, compreensivelmente, suscita maior
devoção. Por alguma razão, no entanto, o Senhor ocultara de nós a
existência de uma chaga, para além das outras cinco, bem como todo o
terrível sofrimento causado por ela. Trata-se da chaga do ombro,
essa que suportou o peso da cruz durante o caminho do Calvário.
É
fácil de ver o alcance do fundo simbolismo da devoção a esta santa
chaga,
pois ela é o efeito do peso da cruz, da nossa cruz.
Pouco a pouco, o Senhor foi revelando a importância desta chaga,
cujo sofrimento guardara apenas para Si mesmo, deixando entrever, ao
mesmo tempo, o desejo de que ela seja honrada. Vamos ver alguns
momentos deste processo de desvelamento.
S. Bernardo de
Claraval (1090-1153)
Diz a tradição que um dia Jesus
apareceu a S. Bernardo e este Lhe perguntou:
“Qual foi a Tua maior e mais
desconhecida dor?”
Jesus respondeu: “Eu tinha uma
chaga no ombro, em que carreguei a cruz. Esta chaga era mais
dolorosa do que as outras.
Os homens não fazem menção dela, porque lhes é desconhecida.
Honra-a, pois, e Eu vos concederei tudo o que me pedirdes por ela.
Todos aqueles que a venerarem, obterão a remissão dos seus pecados
veniais e graças eficazes para alcançar o perdão dos pecados mortais
que tiverem cometido.”
S.
Bernardo, depois de receber esta mensagem de Cristo sobre a dor que
experimentou no Seu ombro, procurou promover a devoção a esta chaga,
tendo composto a seguinte oração:
Ó
amabilíssimo Jesus, manso cordeiro de Deus, apesar de eu ser uma
criatura miserável e pecadora, Vos adoro e venero a chaga causada
pelo peso de Vossa cruz, que dilacerando Vossas carnes, desnudou os
ossos de Vosso ombro sagrado de que Vossa Mãe dolorosa tanto se
compadeceu.
(para
a oração completa, ver o anexo)
Santa Brígida da
Suécia (1303-1373)
Depois
de S. Bernardo, voltamos a encontrar referência à santa chaga do
ombro em Santa Brígida, na famosa oração dos Sete Pai-Nossos, mais
precisamente no quinto mistério, intitulado “O Caminho da Cruz”:
Pai
eterno, pelas mãos imaculadas de Maria e pelo divino Coração de
Jesus, eu Vos ofereço os sofrimentos de Jesus na Via-Sacra, em
particular na Santa Chaga do ombro e o preciosíssimo Sangue da mesma,
para aliviar o peso da Cruz, como reparação da minha revolta e da de
todos os homens contra a Cruz, do meu murmurar contra as
determinações da Vossa Santa Vontade e de todos os outros pecados de
língua, como prevenção contra tais pecados, e para obter o
verdadeiro amor à Santa Cruz.
Se,
com S. Bernardo, ficámos a conhecer a dor imensa da chaga do ombro –
a mais dolorosa das chagas; agora, com Santa Brígida acrescentámos
ao nosso conhecimento desta devoção a referência explícita ao
preciosíssimo Sangue que resulta do peso da cruz que, como dirá a
Beata Alexandrina, pesa uma humanidade.
S. Pio de Pietrelcina
(1887-1968)
Há alguns anos, tornou-se pública uma
outra história (narrada no livro O Papa e o Frade, Stefano
Campanella) ligada à chaga do ombro, mas desta vez em torno de Padre
Pio; teria acontecido em Abril de 1948. O então jovem Pe. Wojtyla,
futuro Papa João Paulo II, tendo visitado o Padre Pio,
perguntou-lhe, quase como S. Bernardo:
“Padre Pio, qual das suas feridas lhe
causa mais dor?”
O Pe. Wojtyla esperava, naturalmente,
que o Padre Pio referisse a ferida do lado; no entanto, em vez
disso, ouviu a seguinte resposta:
“É
a ferida do ombro, que ninguém conhece e que nunca foi curada nem
tratada.”
Há
ainda um outro relato que vem confirmar a existência e a importância
daquela chaga em Padre Pio; este confidenciou um dia ao Ir.
Modestino Fucci que as suas maiores dores ocorriam quando mudava de
veste. O Ir. Modestino, tal como o Pe. Wojtyla antes, pensou que o
Padre Pio se estava a referir às dores da ferida do lado. No
entanto, em 1971, foi atribuída ao Ir. Modestino a tarefa de fazer o
inventário de todos os itens de Padre Pio, falecido em 1968. Foi
assim que ele descobriu que, numa das vestes do Padre Pio, havia uma
mancha circular de sangue na área do ombro direito.
Nessa
mesma noite, o Ir. Modestino dirigiu-se em oração ao Padre Pio para
que este o esclarecesse sobre o significado da mancha de sangue na
camisa, pedindo um sinal sobre se Jesus realmente tivera uma chaga
no ombro. Depois, foi dormir e despertou pela uma hora da madrugada
com uma terrível, angustiante dor no ombro, como se tivesse sido
cortado por uma faca até ao osso. Parecia-lhe que iria morrer de dor
se esta continuasse, mas durou apenas um curto período de tempo. Em
seguida, a sala encheu-se com o aroma de um perfume celestial de
flores – o sinal da presença espiritual do Padre Pio – e ouviu uma
voz que dizia: “Era isto o que eu sofria!” (Frank Rega, A
verdade sobre os estigmas do Padre Pio)
Beata Alexandrina
(1904-1955)
Mas a
história da devoção à Santa Chaga do Ombro tem ainda um outro
protagonista menos conhecido: a Beata Alexandrina, que teve como uma
das suas várias missões a propagação da esquecida devoção à santa
chaga do ombro, dando-nos a conhecer um outro aspecto, como veremos.
Chaga do Ombro e as seis primeiras quintas-feiras.
A 9 de
Fevereiro de 1945, Jesus dá-lhe a entrever a importância desta
chaga: um sacerdote estava em vias de se perder; o Senhor pede à
Beata que ofereça um sacrifício em honra da chaga do Sagrado
Ombro. A Beata acede, com a sua impressionante coragem habitual
e sua perfeita conformidade à Vontade de Deus:
Alexandrina:
“Ó meu Jesus, eu quero oferecer-Vos
tudo, para Vos consolar e para os salvar. Escolhei a reparação que
quereis, dai-me a Vossa graça e força divina, com ela estou pronta
para todo o sacrifício.”
Jesus:
“Aceitas quinze ataques do demónio a mais do que terias de
sofrer? Algumas noites sofrerás dois combates. Oferece-Me cinco por
cada um deles em honra das Minhas divinas chagas. Desejava tanto que
elas fossem mais amadas e mais amado fosse o meu divino Coração.
Espalha, espalha, incendeia no mundo o Meu divino amor. Aceita e
oferece-Me mais um combate em honra da chaga do Meu sagrado Ombro;
oferece-Ma pelo sacerdote. Concorreu tanto para Ma aprofundar! Oh!
quanto Eu sofri com ela!”
Alexandrina:
“Bem sabeis, meu Jesus, que os
combates do demónio são o maior sacrifício que podeis pedir-me, mas,
se com eles Vos posso dar consolação, se só eles podem reparar, como
é preciso para tão grandes crimes, aqui me tendes, Jesus, aqui me
tendes, Amor, sou a Vossa vítima, quero salvar essas almas ceguinhas
pelo pecado, quero desviar para longe do Vosso divino Coração esses
cruéis golpes que vêm ferir-Vos.”
E uma
semana depois, dia 13 de Fevereiro de 1945, narra:
“O
primeiro ataque ofereci-o a Jesus em honra da chaga do Seu
santíssimo Ombro e para reparar pelo sacerdote, como Jesus me pediu.
Quando eu dizia a Jesus que
era pelo sacerdote, então é que o demónio se enraivecia contra mim.
Senti a dor, dor mortal, que já expliquei. Sem poder resistir a ela,
disse: ‘Morro, morro, Jesus. Se morrer, morro contente, morro vítima
do Vosso amor, morro vítima daquela alma’.”
Primeiras Quintas-Feiras.
Finalmente, a 24 de Fevereiro de 1949, a Beata Alexandrina, num dos
diálogos com o Senhor, ouviu deste a grande promessa:
Jesus:
“Minha filha, Minha esposa querida,
faz com que Eu seja amado, consolado e reparado na Minha Eucaristia.
Diz em Meu Nome que todos aqueles que comungarem bem, com
sinceridade, humildade, fervor e amor em seis primeiras
quintas-feiras seguidas e junto do Meu Sacrário passarem uma hora de
adoração, e íntima união Comigo lhes prometo o Céu.
É para
honrarem pela Eucaristia as Minhas Santas Chagas,
honrando primeiro a do Meu Sagrado Ombro tão pouco lembrada.
Quem isto fizer, quem às Santas
Chagas juntar as dores da Minha Bendita Mãe, e em nome delas Nos
pedirem graças, quer espirituais, quer corporais, Eu lhas prometo; a
não ser que sejam de prejuízo à sua alma. No momento da morte,
trarei Comigo Minha Mãe Santíssima para as defender.”
Alexandrina:
“Ó meu Deus, como Vós sois bom, como é
infinita e sem limites a Vossa misericórdia. Permiti que todos
comunguem bem, com as devidas disposições, para se tornarem dignos
das Vossas divinas promessas. Alcançai-me, meu Jesus, para mim a
mesma graça.”
Assim,
com a Beata Alexandrina, culmina a devoção à Santa Chaga do Ombro.
Reparemos que foi a oferta em honra da chaga do ombro que o Senhor
pediu para resgatar aquele sacerdote no caminho da perdição. Vemos
ainda que a chaga do ombro deve mesmo ser contada e acrescentada
como mais uma entre as cinco outras. Por essa razão, o Senhor fez a
grande promessa das seis primeiras quintas-feiras e pediu para, a
cada primeira dessas seis quintas-feiras começarmos a reparação pela
meditação na chaga do ombro.
Anexo
S. Bernardo: oração à
Chaga do ombro de Cristo
Ó
amabilíssimo Jesus, manso cordeiro de Deus, apesar de eu ser uma
criatura miserável e pecadora, Vos adoro e venero a chaga causada
pelo peso de Vossa cruz, que dilacerando Vossas carnes, desnudou os
ossos de Vosso ombro sagrado de que Vossa Mãe dolorosa tanto se
compadeceu.
Também eu, ó amabilíssimo Jesus, me compadeço de Vós e do fundo do
meu coração Vos louvo, Vos glorifico, Vos dou graças por essa chaga
dolorosa do Vosso ombro, em que quisestes carregar a Vossa cruz para
minha salvação.
Ah!
Pelos sofrimentos, que padecestes e que aumentaram o enorme peso da
Vossa cruz, eu Vos rogo com muita humildade, tende piedade de mim,
pobre pecador, perdoai os meus pecados e conduzi-me ao céu pelo
caminho da cruz.
Minha
Mãe Santíssima, imprimi no meu coração as chagas de Jesus
Crucificado.
Ó
dulcíssimo Jesus, não sejais meu Juiz, mas meu Salvador. Amen.
Santa Brígida: Sete
Pai-Nossos
Quinto
Mistério: O Caminho da Cruz
Pai
Nosso
Pai
eterno, pelas mãos imaculadas de Maria e pelo divino Coração de
Jesus, eu Vos ofereço os sofrimentos de Jesus na Via-Sacra, em
particular na Santa Chaga do ombro e o preciosíssimo Sangue da
mesma, para aliviar o peso da Cruz, como reparação da minha revolta
e da de todos os homens contra a Cruz, do meu resmungar contra as
determinações da Vossa Santa vontade e de todos os outros pecados de
língua, como prevenção contra tais pecados, e para obter o
verdadeiro amor à Santa Cruz.
Ave-Maria
Beata Alexandrina
Para
ilustrar um pouco não apenas o significado, mas a própria vivência
ligada à Chaga do Ombro, seguem alguns textos dos êxtases em que a
Beata revivia a Paixão de Cristo:
“Sinto
sobre os meus ombros uma enorme cruz; obriga-me o seu peso a perder
a vida no meio dos maiores horrores. Ela abrange o mundo, pesa uma
humanidade.”
(24.5.1945)
“Logo
de manhã, tomei a cruz, não a coloquei eu, mas senti que ma
colocaram aos meus ombros, e caminhei para o calvário. Que gritos e
algazarras de escárnio atrás de mim! Era um eco só. A minha cabeça
era uma só ferida. Parecia um só espinho. O meu corpo senti-o como
um esqueleto sem carnes e tão desfalecido, como se nele já não
houvesse uma única gota de sangue.
A dor
da chaga do ombro tirava toda a vida ao coração. A força que
resistiu, a vida que viveu, foi a força e a vida de Jesus. Oh! como
eu O senti também, como Ele estava bem gravado em meu coração e em
minha alma! Ai, como a Sua santíssima Paixão é renovada tão
repetidas vezes!” (26.10.1945)
“Hoje,
no caminho do Calvário, senti Jesus curvado dentro de mim, com a Sua
grande e pesada cruz. As bagadas de suor que corriam do Seu
santíssimo rosto caíam dentro em meu peito. E eu sentia o Seu divino
Coração ofegante pelo cansaço. Os Seus lábios iam cerrados, o amor O
arrastava.
No
alto da cruz sentia todas as chagas, mas mais vivamente a do ombro
e a cinta ainda parecia ser cortada pelas cordas. A pouco e pouco
todo o Calvário ficou em silêncio: só os suspiros de Jesus se
ouviam, só a dor reinava aumentada com o rancor de muitos corações
que, abafados não sei pelo quê, já não falavam. Eu no meu coração
sentia como se todo o mundo maltratasse e apedrejasse Jesus mesmo ao
vê-Lo assim a agonizar. Uni-me tanto às dores da Mãezinha; ansiava
com Ela tê-lo em meus braços para curar o Seu divino corpo tão
chagado. Que dó, que compaixão por Jesus! Que mútua união de amor e
agonia! Veio o meu Jesus e logo transformou a minha alma.”
(10.1.1947)
Pedro Sinde |