MEDITAÇÃO
Marta afadigava-se na contínua lida da casa. Parou então e disse:
‘Senhor, não Te importas que a minha irmã me tenha deixado sozinha
com o serviço da casa? Diz-lhe, pois, que me ajude’. O Senhor
respondeu-lhe: ‘Marta, Marta, tu afadigas-te e andas inquieta com
muitas coisas, quando uma só coisa é necessária. Maria escolheu a
melhor parte, que não lhe será tirada’.
(Lc 10, 40-42)

Nós,
aos pés do sacrário, estamos como Maria aos pés do Mestre, pois
escolhemos a melhor parte, a única coisa necessária,
enquanto o mundo gira lá fora afadigado, inquieto com muitas
coisas.
Repare-se que o Senhor não censura Marta por estar a trabalhar
naquilo que deve ser feito, mas por ela se afadigar e andar
inquieta com muitas coisas. É que, realmente, seja o que for que
tenhamos de fazer, sempre podemos estar fazendo a única coisa
necessária. E recordo-me daquela alma simples e profunda
que foi o Irmão Lourenço da Ressurreição, Irmão leigo da Ordem
Terceira do Carmo, que, na cozinha do convento, não deixava de
manter o estado de presença a Deus: “à força de actos e chamando
com frequência o seu espírito à presença de Deus, o hábito se formou
de tal modo que logo que está livre das suas ocupações exteriores e
mesmo recorrentemente no meio da azáfama, a ponta do seu espírito,
ou a parte superior da sua alma, eleva-se sem qualquer iniciativa da
sua parte e permanece como que suspensa e fixa em Deus, acima de
todas as coisas, como no seu centro e no seu lugar de repouso.”
O Irmão
Lourenço da Ressurreição, quando ainda um jovem de dezoito anos,
viveu uma intensa experiência espiritual que foi uma verdadeira
metanoia para a sua alma. Num dia de Inverno, Nicolau, como se
chamava o Irmão Lourenço antes de se tornar carmelita, contemplando
uma árvore despida de folhas, viu como a cada Primavera se renova a
vida e foi-lhe dada uma súbita e profunda intuição sobre a presença
de Deus e, particularmente, sobre a Sua providência, a fonte da Vida
que incessantemente se manifesta de modo renovado. O seu intelecto
foi agraciado por uma nova luz e viu que Deus está presente em todas
as coisas e de todas as coisas cuida com a Sua amorosa providência.
Foi, então, que se começou a desenvolver em si aquela capacidade
descrita acima.
Uma
outra carmelita, Santa Isabel da Trindade, alma de uma verticalidade
abissal, diz:
“Temos de tomar consciência de que Deus habita no mais íntimo de nós
e ir a Ele com tudo; então, em nada seremos banais, mesmo nas acções
mais vulgares, porque não viveremos nessas coisas, mas iremos além
delas!
Uma
alma sobrenatural não lida nunca com as causas segundas, mas apenas
com Deus. Ó! Como a sua vida se simplificará, como se aproximará da
vida dos bem-aventurados, como estará livre de si mesma e de todas
as coisas! Tudo para ela se reduzirá à unidade, essa ‘única coisa
necessária’ de que falava o Mestre a Madalena. Então, ela será
realmente grande, realmente livre, pois ‘rendeu a sua vontade à de
Deus’.”
Mas se
na alma em estado de graça, Jesus está em Sua divindade, na
Eucaristia, no sacrário, está não apenas na Sua divindade, mas
também na Sua santa humanidade, aquela mesma que habitou entre nós
desde a Sua concepção, natividade, passando pela Sua infância, Sua
vida pública, Sua ressurreição. Por isso é que o sacrário é um lugar
tão impressionante, apesar de tão esquecido por nós: é,
simultaneamente, o Céu e um lugar terrível. O Senhor, ali, está
exposto a nós e, como no pretório, uns ignoram-no, outros
insultam-no e outros amam-no... Escolhamos, pois, também nós, como
Maria, a melhor parte, a única coisa necessária, essa
que, diz-nos o Senhor, não nos será tirada.
Escola dos Tabernáculos: das ‘muitas coisas’ ao ‘único necessário’
Diz
Jesus à Beata Alexandrina: “Contempla hoje muito os meus
sacrários! Repara o que Eu lá faço; é o que quero que tu faças.”
(14.1.1934). E explica, insistente, Jesus: “Anda para a minha
escola, aprende com o teu Jesus a amar o silêncio, a humildade, a
obediência e o abandono.” (15.10.1934).
Quando
nos abeiramos do sacrário, logo sentimos, ao pensar na Presença Real
do Senhor ali, justamente, o silêncio, o abandono (ou a “solidão”,
como também diz Jesus a 9.12.1934), a humildade e a obediência. Mas
não podemos dar a ideia de que esta aprendizagem se trata de algo
‘fácil’. Ao contrário, esta aprendizagem implica um grande esforço
da nossa parte, porque toda a nossa vida, o modo como somos levados
a viver hoje, vai em sentido contrário: ruído, orgulho, ódio pela
hierarquia e, por isso, desobediência e ainda detestar a solidão,
sempre procurar estar em grupo (na verdade, sozinhos no meio da
multidão...). Hoje, somos todos “Marta”, andamos “afadigados com
muitas coisas”.
O
sacrário é uma escola, porque Jesus, como nos mostra a Sua vida, é
Mestre, é o Mestre de cada um de nós, mas na condição de O deixarmos
ensinar-nos. No sacrário, lá está o Mestre, pronto a ensinar-nos –
vamos ao sacrário aprender, com a intenção deliberada de aprender
com o Mestre: se formos humildes e silenciosos, poderemos ouvir e
obedecer.
Abandono, solidão.
Deixamos os outros para estarmos a sós com o Senhor, até percebermos
que temos em nós a Sua companhia de modo incrível. O Senhor pediu à
Beata Alexandrina: “Eu quero que tu vivas só para Mim, que Me
procures só a Mim” (1.11.1934). Deixamos o múltiplo pelo Uno,
deixamos o vário pelo Único, Aquele que contém toda a
multiplicidade, Aquele que é a fonte de toda a variedade, Aquele em
quem todos os opostos se resolvem.
Silêncio e obediência.
O
silêncio é o que permite ouvir; é também um acto de humildade, pois
perante o sábio calamos. Sair das ruas da cidade, da agitação da
alma, do burburinho exterior e interior não é fácil, porque se é
verdade que no primeiro impacto, chegados ao silêncio da igreja,
junto ao sacrário, a alma sente um alívio, na verdade, passado o
primeiro impacto, começa a sentir que lhe falta algo: sente falta do
abalo, da agitação, do ruído, do movimento, do múltiplo; numa
palavra, quer afadigar-se com muitas coisas. Se a alma
resistir a este primeiro instinto de fuga, poderá pouco a pouco
começar a sentir os efeitos da presença do Senhor; como um lago
agitado pelo constante atravessar de barcos, que são os pensamentos
(normalmente desordenados, ainda para mais) – é assim que a nossa
alma chega ao sacrário. Devemos deixar o Senhor fazer o Seu trabalho
em nós, até começarmos a sentir uma indescritível paz, uma Paz que
só Cristo dá. Poderá, então, começar a amar o silêncio e a
procurá-lo mesmo noutras actividades da sua vida – ao silêncio,
instalado na sua alma, leva-o sempre consigo.
Humildade.
Temos
de inverter a situação, quando chegamos ao sacrário: é que ali
chegados, nós sentimo-nos o vivente e olhamos para o sacrário como o
ausente. E, no entanto, silenciando, vamos perceber que nós é que
somos o morto e no sacrário está O vivente! Reconhece, pois, que só
o Senhor é verdadeiramente! Na aparência, junto ao sacrário, o
Senhor é o que não é, e nós é que somos. Mas na verdade, nós não
somos e o Senhor é que é, mas na Sua espantosa humildade se anula
“atrás” das espécies e das paredes. “Jesus diz-me que não me
atribua nada disto (as comunicações celestes), porque eu não
sou senão pó e não tenho nada que não me tenha sido dado por Ele;
que escolhe os fracos para torná-los fortes; que é sob as minhas
faltas que Ele esconde o Seu poder, o Seu amor e a Sua glória.”
(27.9.1934).
Vamos,
então, aos pés do sacrário, para a escola do tabernáculo, onde Deus
nos dá, como diz à Beata Alexandrina, o maior dos Seus
Sacramentos, o maior milagre da Sua sabedoria. (Cartas,
1.11.1934)
Pedro
Sinde
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