|
“Aquele que tiver ouvidos,
oiça!”
Estas são as palavras de Jesus que hoje
ouvimos, talvez sem a elas prestarmos a devida atenção. Mas lembremos o que o
povo – aquele de que Jesus falava no passado domingo, “os pequeninos”, aqueles
que “são mansos e humildes de coração” –, diz e com muita razão: “Não há pior
surdo do que aquele que não quer ouvir”.
É este surdo que não guarda a palavra de
Deus, é no seu coração que a semente não dá fruto, porque o seu coração não só é
pedregoso, mas é mesmo um rochedo impenetrável, onde nem a água cristalina
penetra, tão grandes são a sua impermeabilidade e dureza.
Jesus fala em primeiro lugar de surdos
muito particulares, aqueles que ouvindo as Palavras divinas, não prestam a estas
a mínima atenção, são daqueles de quem se diz que “as palavras entram por uma
orelha e logo saem pela outra”, porque são superficiais: é como se aquelas
palavras, aquelas “sementes caíssem à beira do caminho e viessem as aves e as
comessem”.
Existem outros surdos que escutam – por
ventura menos surdos –, mas nem por isso são suficientemente permissíveis,
porque os seus corações vivem outros interesses, buscam outras seduções, as
seduções que o mundo lhes oferece e lhes parecem rosas – mesmo se espinhosas – e
que eles preferem, por isso mesmo as palavras divinas “logo brotaram, porque
a terra era pouco profunda;
mas, logo que o sol se ergueu, foram
queimadas e, como não tinham raízes, secaram”.
Outros ainda, não completamente surdos, mas
por assim dizer impenetráveis ou pouco atraídos pelas divinas Palavras, ouvem
sem ouvir: os seus corações estão demasiado virados para os afazeres
momentâneos, para as preocupações meramente materiais e neles também a Palavra
parece cair como “entre espinhos e, os espinhos cresceram e sufocaram-nas”.
Nestes e nos outros, “cumpre-se a
profecia de Isaías, que diz: Ouvindo, ouvireis, mas não compreendereis; e,
vendo, vereis, mas não percebereis. Porque o coração deste povo se tornou
duro, e duros também os seus ouvidos; fecharam os olhos, não fossem ver com os
olhos, ouvir com os ouvidos, compreender com o coração, e converter-se, para Eu
os curar”.
Foi certamente por causa deste estado dos
”surdos” e até mesmo dos “cegos” que não vêem porque não querem ver que Jesus
acrescentou ainda, na explicação que dá aos seus ouvintes de então e a nós
também: “àquele que tem, ser-lhe-á dado e terá em abundância; mas àquele que
não tem, mesmo o que tem lhe será tirado”.
Será que vamos continuar surdos à Palavra
de Deus? Vamos nós obstinar-nos numa cegueira culpável para nada ver à nossa
volta das maravilhas de Deus?
Ouçamos e prestemos atenção à recomendação
de Jesus, que se destinava não só àqueles que então o escutavam, mas a nós todos
que hoje ouvimos a sua Palavra: “Que tiver ouvidos, oiça!” E ainda,
poderia Ele acrescentar: “Quem tem olhos para ver, veja!”
Mas como nós corremos o risco de nada
compreendermos, como foi o caso dos seus discípulos, Ele explica com carinho o
que nesta parábola Ele nos quer concretamente dizer, porque a nós também “é
dado conhecer os mistérios do Reino do Céu”, e porque “ditosos os nossos
olhos, porque vêem, e os nossos ouvidos, porque ouvem”:
“Quando um homem ouve a palavra do Reino e
não compreende, chega o maligno e apodera-se do que foi semeado no seu coração.
Este é o que recebeu a semente à beira do caminho”.
Estes parecem ser aqueles que “são
superficiais”, aqueles nos quais as palavras “entram por uma orelha e logo saem
pela outra”, aqueles que se deixam facilmente e sem luta, convencer pelas manhas
do demónio que muitas vezes nos cega e nos torna surdos.
Jesus explica ainda:
“Aquele que recebeu a semente em sítios
pedregosos é o que ouve a palavra e a acolhe, de momento, com alegria; mas não
tem raiz em si mesmo, é inconstante: se vier a tribulação ou a perseguição, por
causa da palavra, sucumbe logo”.
Estes não serão aqueles que “por ventura são menos surdos”?
“Aquele que recebeu a semente entre
espinhos é o que ouve a palavra, mas os cuidados deste mundo e a sedução da
riqueza sufocam a palavra que, por isso, não produz fruto”.
São estes os “impenetráveis”, aqueles que nada mais desejam do que os prazeres
do mundo, o gozo passageiro contra o gozo eterno, aqueles que se esquecem
“que os sofrimentos do tempo presente não têm comparação com a glória que há-de
revelar-se em nós” (Rm. 8, 18)
Pelo contrário,
prossegue Jesus explicando: “aquele
que recebeu a semente em boa terra é o que ouve a palavra e a compreende: esse
dá fruto e produz ora cem, ora sessenta, ora trinta”
por cento.
Se assim formos nós,
ouviremos da boca do Senhor estas palavras tão cheias de carinho, tão cheias de
amor:
“Cuidaste da terra e a tornaste fértil”,
“vicejam as pastagens do deserto, as colinas vestem-se de festa”, “os
campos cobrem-se de rebanhos e os vales enchem-se de trigais” (Sl 65), “vem,
bendito de meu Pai, toma posse do Reino que te está preparado desde a criação do
mundo” (Mt. 25, 34).
Continuemos o nosso
dia a dia, na presença de Deus, seguros do seu Amor, e lembremo-nos o que diz
tão justamente
São Cirilo de Jerusalém,
comentando este Evangelho: “Aquilo que foi criado para nós morre e renasce”.
Ámen.
Afonso Rocha
Comentário para o XV Domingo do Tempo comum da Igreja - A |