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Conserva-te na barca e
clama por Deus
Por todas
as coisas que fez, o Senhor nos ensina como viver aqui na terra. Não há
ninguém neste mundo que não seja viajante, ainda que nem todos desejem
regressar à pátria. Nós sofremos com as ondas e as tempestades que
decorrem da travessia, mas, mesmo assim, fiquemos no navio. Com efeito,
se dentro do navio corremos perigo, fora dele a morte é inevitável!
Aquele que nada em alto mar pode ter muita força em seus braços, mas
será, cedo ou tarde, vencido pela imensidão do oceano, é devorado por
ele e desaparece.
Portanto, é
necessário estarmos no navio, ou seja, sermos transportados pela madeira
de um lenho, para poder atravessar o mar. O madeiro que carrega a nossa
fraqueza é a cruz de nosso Senhor, da qual trazemos o sinal em nossa
fronte, e que nos impede de ser engolidos pelo mundo. Sofremos as
agitações das ondas, mas é o Senhor que nos transporta.
A barca que
transporta os discípulos, isto é, a Igreja, navega, e a tempestade das
provações a tomam de assalto. O vento contrário, ou seja, o demónio que
faz oposição à Igreja, não se acalma, esforçando-se por impedi-la de
chegar ao repouso do porto. Grande é, porém, aquele que intercede por
nós. Com efeito, durante a tumultuosa navegação em que nos debatemos,
ele nos inspira confiança, vem a nós e nos reconforta, a fim de que,
sacudidos pela barca, não nos deixemos abater e não nos lancemos ao mar.
Porque,
mesmo se a barca é sacudida pelas ondas, é apesar de tudo uma barca, e
somente esta barca transporta os discípulos e acolhe Cristo. Ela corre
um grande risco no mar, mas, fora dela, imediatamente perecemos.
Conserva-te, pois, na barca e clama por Deus. Todos os conselhos podem
falhar, o leme pode tornar-se insuficiente, as velas abertas mais
perigosas que úteis – quando todos os socorros humanos falharem, só
resta aos marinheiros rezar e elevar a Deus seus corações. Aquele que
concede aos navegantes a graça de chegar ao porto, iria acaso abandonar
a sua Igreja, em vez de reconduzi-la ao repouso?
Santo
Agostinho, bispo: Sermão 75
(Patrologia Latina 38, 475-476) |