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PONTOS DE REFLEXÃO
I LEITURA. Js. 24,1-2a.
15-17.18b
Depois da entrada na terra prometida,
Josué convoca uma assembleia solene e interpela os israelitas, perguntando se
ainda estão decididos a “servir o Senhor” ou preferem servir outras divindades.
Eles renovam a sua adesão ao senhor, recordando todos os prodígios que Ele
realizou em seu favor, fazendo-os sair do Egito e entrara na Terra prometida. A
eleição que Deus fez daquele povo é um dom, mas também um compromisso que deve
ser renovado continuamente.
O problema fundamental posto pelo
autor do nosso texto é o das opções: “escolhei hoje a quem quereis servir” – diz
Josué ao Povo reunido. É uma questão que nunca deixará de nos ser posta… Ao
longo da nossa caminhada pela vida, vamos fazendo a experiência do encontro com
esse Deus libertador e salvador que Israel descobriu na sua marcha pela história;
mas encontramo-nos também, muito frequentemente, com outros deuses e outras
propostas que parecem garantir-nos a vida, o êxito, a realização, a felicidade e
que, quase sempre, nos conduzem por caminhos de escravidão, de dependência, de
desilusão, de infelicidade. A expressão “escolhei hoje a quem quereis servir”
interpela-nos acerca da nossa servidão ao dinheiro, ao êxito, à fama, ao poder,
à moda, às exigências dos valores que a opinião pública consagrou, ao
reconhecimento público… Naturalmente, nem todos os valores do mundo são
geradores de escravidão ou incompatíveis com a nossa opção por Deus… Temos, no
entanto, que repensar continuamente a nossa vida e as nossas opções, a fim de
não corrermos atrás de falsos deuses e de não nos deixarmos seduzir por
propostas falsas de realização e de felicidade. O verdadeiro crente sabe que não
pode prescindir de Deus e das suas propostas; e sabe que é nesse Deus que nunca
desilude aqueles que n’Ele confiam que pode encontrar a sua realização plena.
II LEITURA Ef. 5,21-32.
Paulo propõe aos esposos que fazem
parte da comunidade um ideal altíssimo: modelar a sua relação naquela que une
Cristo à Igreja.
O nosso texto
começa com um princípio geral que deve regular as relações entre os diversos
membros da família cristã: “sede submissos uns aos outros no temor de Cristo” (Ef
5,21). O “ser submisso” expressa aqui a condição daquele que está
permanentemente numa atitude de serviço simples e humilde, sem deixar que a sua
relação com o irmão seja dominada pelo orgulho ou marcada por atitudes de
prepotência. A expressão “no temor de Cristo” recorda aos crentes que o Cristo
do amor, do serviço, da partilha é o exemplo e o modelo que eles devem ter
sempre diante dos olhos.
Depois, Paulo
dirige-se aos vários membros da família e propõe-lhes normas concretas de
conduta. O texto que nos é proposto, contudo, apenas conservou a parte que se
refere à relação dos esposos um com o outro (na continuação, Paulo falará também
da conduta dos filhos para com os pais, dos pais para com os filhos, dos
senhores para com os escravos e dos escravos para com os senhores – cf. Ef
6,1-9).
Às mulheres,
Paulo pede a submissão aos maridos, porque “o marido é a cabeça da mulher, como
Cristo é a cabeça da Igreja, seu corpo” (vers. 23).
Esta afirmação – que, à luz da nossa sensibilidade e dos nossos esquemas mentais
modernos parece discriminatória – deve ser entendida no contexto sócio-cultural
da época, onde o homem aparece como a referência suprema da organização do
núcleo familiar. De qualquer forma, a “submissão” de que Paulo fala deve ser
sempre entendida no sentido do amor e do serviço e não no sentido da escravidão.
Aos maridos, Paulo recomenda que amem
as suas esposas, “como Cristo amou a Igreja e Se entregou por ela” (vers.
25). Não se trata de um amor qualquer, mas de um amor
igual ao de Cristo pela sua comunidade – isto é, de um amor generoso e total,
que é capaz de ir até ao dom da própria vida. Para Paulo, portanto, o amor dos
maridos pelas esposas deve ser um amor completamente despido de qualquer sinal
de egoísmo e de prepotência; e deve ser um amor cheio de solicitude, que se
manifesta em atitudes de generosidade, de bondade e de serviço, que se faz dom
total à pessoa a quem se ama.
EVANGELHO. Jo
6,60-69.
Jesus convidou a comer a Sua carne e a
beber o Seu sangue. A Sua linguagem, tomada à letra, revela-se “dura”, mas o
Mestre não recua e confirma o que disse, recorrendo à autoridade que Lhe vem do
Seu próximo regresso para o Pai. Ao mesmo tempo, convida os Seus ouvintes a
ultrapassar as aparências, para entenderem a realidade espiritual que se oculta
nas Suas palavras. Enquanto muitos não compreendem e afastam-se, Pedro e os
outros Onze renovam, por sua vez, a confiança nas palavras do Mestre.
O Evangelho
deste domingo põe claramente a questão das opções que nós, discípulos de Jesus,
somos convidados a fazer… Todos os dias somos desafiados pela lógica do mundo,
no sentido de alicerçarmos a nossa vida nos valores do poder, do êxito, da
ambição, dos bens materiais, da moda, do “politicamente correcto”; e todos os
dias somos convidados por Jesus a construir a nossa existência sobre os valores
do amor, do serviço simples e humilde, da partilha com os irmãos, da
simplicidade, da coerência com os valores do Evangelho… É inútil esconder a
cabeça na areia: estes dois modelos de existência nem sempre podem coexistir e,
frequentemente, excluem-se um ao outro. Temos de fazer a nossa escolha, sabendo
que ela terá consequências no nosso estilo de vida, na forma como nos
relacionamos com os irmãos, na forma como o mundo nos vê e, naturalmente, na
satisfação da nossa fome de felicidade e de vida plena. Não podemos tentar
agradar a Deus e ao diabo e viver uma vida “morna” e sem exigências, procurando
conciliar o inconciliável. A questão é esta: estamos ou não dispostos a aderir a
Jesus e a segui-l’O no caminho do amor e do dom da vida?
Os “muitos
discípulos” de que fala o texto que nos é proposto não tiveram a coragem para
aceitar a proposta de Jesus. Amarrados aos seus sonhos de riqueza fácil, de
ambição, de poder e de glória, não estavam dispostos a trilhar um caminho de
doação total de si mesmos em benefício dos irmãos. Este grupo representa esses
“discípulos” de Jesus demasiado comprometidos com os valores do mundo, que até
podem frequentar a comunidade cristã, mas que no dia a dia vivem obcecados com a
ampliação da sua conta bancária, com o êxito profissional a todo o custo, com a
pertença à elite que frequenta as festas sociais, com o aplauso da opinião
pública… Para estes, as palavras de Jesus “são palavras duras” e a sua proposta
de radicalidade é uma proposta inadmissível. Esta categoria de “discípulos” não
é tão rara como parece… Em diversos graus, todos nós sentimos, por vezes, a
tentação de atenuar a radicalidade da proposta de Jesus e de construir a nossa
vida com valores mais condizentes com uma visão “light” da existência. É preciso
estarmos continuamente numa atitude de vigilância sobre os valores que nos
norteiam, para não corrermos o risco de “virar as costas” à proposta de Jesus.
Padre José Granja |