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PONTOS DE REFLEXÃO
I LEITURA- IS 35.4-7a
Estamos no contexto do chamado “pequeno apocalipse” do profeta Isaías. Nele
colocam-se em confronto o infeliz destino que irão ter os povos pagãos e a
perspectiva de bênção que , ao invés, alegrará e infundirá coragem à cidade de
Jerusalém, e nela ao povo da promessa. Cada qual terá de Deus o castigo ou a
“recompensa”, segundo os seus méritos ou deméritos.
No horizonte escuro e fechado há muito tempo, devido à pouca sorte que se
abateu sobre o povo da Aliança, abre-se finalmente uma réstia de luz. Ouve-se o
convite a ganhar energia e nova coragem para olhar em frente e para o Alto, para
sair do tempo da humilhação e da derrota. Perspectiva-se uma festa com os traços
e as cores da Primavera e com os prodígios duma nova criação. Abrangerá tudo, e
naturalmente a terra, que é obra de Deus, inclusive o deserto, lugar onde se
encontra o Senhor, mas sobretudo as criaturas vivas. Entre estas são nomeadas
“cegos”, os “surdos”, os “coxos”, os “mudos”, aos quais se anuncia que poderão
novamente “ver”, “ouvir”, “saltar” e “falar”. Libertar-se-ão assim das pesadas
limitações em que se encontram: a impossibilidade de ver o céu; de ouvir os
passos da terra; de falar com os irmãos. Todos estes serão curados nas dimensões
essenciais de criaturas, vistas na sua relação com Deus, com a Criação, com o
próximo. Tudo acontecerá num contexto que tem o sabor e saudade das origens:
brotará “água” em abundância, água fresca de nascente. Estes toques poéticos
descrevem e antecipam a dádiva da “salvação” esperada e agora prometida por Deus
que “vem” salvar-nos.
II LEITURA -TG 2,1-5
O
capítulo 2 da Carta de Tiago ao desenvolvimento do tema anunciado em 1,26-27: a
fé é ativa quando se traduz no serviço aos pobres. O autor explica esta
afirmação com um primeiro exemplo inerente à relação entre ricos e pobres na
comunidade cristã. O estilo é típico da retórica grega. Não se pretende
apresentar de per si um acontecimento preciso, mas uma exemplificação baseada
num possível comportamento da comunidade à qual Tiago se dirige.
Com esta expressão carregada de responsabilidade, mas também de familiaridade
“Meus irmãos” , Tiago recorda um dado importante da atuação de Deus: Ele não
admite acepção de pessoas. Por isso a fé do crente é chamada a imitar e a
espelhar-se no Senhor da glória. Todo o batizado é chamado a não distinguir
entre pessoas e a não se deixar inspirar em critérios de conveniência humana.
O
exemplo referido pela catequese de Tiago é claro e de compreensão fácil. A
narração viva e colorida torna-se acusação explícita relativamente à comunidade
cristã, que reserva honras às pessoas importantes, desprezando o pobre, trata-se
neste caso do pedinte, ou seja, a pessoa que precisa de tudo. Note-se que o
autor nesta passagem não fala de pobreza como condição por eleição divina. Deus
privilegia os pobres, ou seja, os que são capazes de “amar a Deus”. Entre estes
encontram-se também todos os que são pobres de coisas materiais, mas que podem
assim tornar-se “ricos na fé”. Vislumbra-se aqui o eco da primeira
bem-aventurança do Sermão da Montanha.
Em último lugar, é preciso ter presente que o rico não é condenado porque possui
riquezas, mas porque estas se tornam motivo de opressão e de injustiça para com
os pobres. A acusação atinge o ápice em Tg 2,7, onde a opressão é equiparada à
“blasfémia”.
EVANGELHO Mc 7,31-37.
Nas suas andanças fora da Palestina, Jesus encontra um pagão “surdo que mal
podia falar”. Mediante uma série de gestos e uma palavra eficaz, cura-o e
permite-lhe que comunique. O surdo-mudo torna-se símbolo do pagão que, antes de
acreditar, é incapaz de escutar a Deus e de O louvar, mas logo que tocado por
Jesus, t´se torna nova criatura. O Texto presente apenas no evangelho de Marcos,
teve um lugar privilegiado na liturgia batismal.
Nesta circunstância Jesus toma algumas atitudes referidas nos curandeiros
antigos, mesmo pagãos, os quais atribuíam poderes taumatúrgicos à “saliva”. São
pormenores que, de resto, também aparecem no episódio paralelo da cura do cego.
De igual modo, a utilização de uma palavra estrangeira (neste texto,
“effathá”) era habitual nos curandeiros do Seu tempo. Tudo isto não deve,
porém, levar-nos a pensar numa espécie de rito mágico.
O
milagre da cura não está ligado de per si aos gestos de Jesus, mas sim à Sua
oração e à Palavra. De facto, “erguer os olhos ao Céu” e “suspirar” não são
simples gestos de compaixão, antes são gestos de súplica e de pedido, sinais da
intimidade do Filho com o Pai. Pelo contrário, pode dizer-se que os gestos de
Jesus adquirem um valor “sacramental” , enquanto operam aquilo que simbolizam: o
abrir-se dos ouvidos do homem e o soltar-se-lhe a prisão da língua.
Padre José Granja,
Reitor da Basílica dos Congregados, Braga (Portugal) |