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PONTOS DE REFLEXÃO
I LEITURA Is 50,5-9a
Neste terceiro Cântico de Isaías, o servo do Senhor apresenta-se como um
discípulo fiel de JHWH, um sábio encarregado de instruir aqueles que “temem a
Deus”, mas também os desgarrados e quantos ainda “caminham nas trevas”. Graças à
coragem e ao auxílio divinos, até que o Senhor lhe conceda o triunfo definitivo.
O
começo do cântico coloca em evidência e sublinha o tema da “escuta” da Palavra
da parte do discípulo.
O
servo, tal como o profeta, tem a difícil missão de comunicar e de anunciar a
Palavra de Deus para sustentar todos os que perderam confiança e esperança. Ele
agora goza desta prerrogativa enquanto discípulo, iniciado na Palavra, tornado
experiente por essa escola e portanto capaz de anunciar o que aprende de cada
dia do seu Deus. Não recua perante as dificuldades, pelo contrário enfrenta com
coragem os ultrajes e a situação de extrema e dura perseguição, porque
experimenta o auxílio e o conforto d´Aquele que prontamente, quando ele acorda
“cada manhã” , intervém, abrindo-lhe os “ouvidos”. É em virtude desta
solicitação divina que o servo está pronto a aceitar os numerosos sofrimentos e
desgostos provocados pelos adversários, isto é, de quantos retardam a sua missão
e a ela se opõem.
Tendo consigo a segurança de estar nos desígnios do Senhor e de se movimentar no
projeto e na missão que lhe foi confiada, não conhece em si dilações de nenhum
tipo e é para ele fonte de segurança e por isso torna “o seu rosto duro como
pedra” . O servo-discípulo torna-se assim capaz de ultrapassar qualquer tipo de
prova, porque nesta empresa nada fácil o seu serviço consiste na certeza e na
perspetiva vislumbrada da vitória final.
II LEITURA TG 2,14-18
Numa perspetiva de salvação, não tem valor algum “dizer que se tem fé” se a
comprová-la não estão as “obras”. Somente com boas palavras não se coloca o
indi-gente a salvo do frio e não se lhe mata a fome. Do mesmo modo. A “fé sem
obras está completamente morta”. Não existe contradição entre a afirmação de
Tiago e a de Paulo: Tiago coloca-se do ponto de vista de quem é filho de Deus, e
Paulo, ao invés, da parte de quem deseja tornar-se.
Na linguagem de Tiago há uma fé “viva” e uma fé “morta”: a primeira tem a
capa-cidade de produzir frutos de bem; a segunda, frutos de morte, ou seja,
vazio e inope-rância. À primeira vista, esta distinção parece subtil e inútil,
mas, ao invés, contém em si o critério para discernir a qualidade e a
autenticidade da fé, isto é, para distin-guir uma fé autêntica de uma fé
aparente. Na linguagem do Evangelho isso traduz-se na possibilidade de
distinguir pelos frutos a “árvore boa” da árvore “má”.
Tiago reafirma com prontidão que nem sequer a ortodoxia e a crença mais estritas
servem para alguma coisa se não se exprimem e não se traduzem em boas obras. Ele
quer indicar com firmeza e decisão a impossibilidade de sermos salvos sem uma fé
operosa. Isto porque, provavelmente , alguém da comunidade sustentava uma tese
diferente. Afinal, fica bem claro que uma fé verdadeira não pode deixar de
produzir obras de bem.
No caso em questão, as obras de misericórdia corporal, tais como “vestir os
nus” e “dar de comer aos famintos”, são citadas no texto como exemplos válidos
para de-monstrar a fé operante. Os simples cumprimentos e votos de felicidades
não expri-mem, de per si, boas intenções. A fé que se reduz a um puro
conhecimento intelectual é inútil, como no caso dos demónios. A fé sem obras é
com razão chamada “fé dia-bólica”.
EVANGELHO Mc 8,27-35
O
nosso texto apresenta duas partes bem distintas. Na primeira, Pedro dá voz à
comunidade dos discípulos e constata que Jesus é o Messias libertador que Israel
esperava; na segunda, Jesus explica aos discípulos que a sua missão messiânica
deve ser entendida à luz da cruz (isto é, como dom da vida aos homens, por
amor).
A primeira parte do nosso texto começa com
Jesus a pôr uma dupla questão aos discípulos: o que é que as pessoas dizem d’Ele
e o que é que os próprios discípulos pensam d’Ele?
A opinião dos “homens” vê Jesus em
continuidade com o passado (“João Baptista”, “Elias”, ou “algum dos profetas”).
Não captam a condição única de Jesus, a sua novidade, a sua originalidade.
Reconhecem apenas que Jesus é um homem convocado por Deus e enviado ao mundo com
uma missão – como os profetas do Antigo Testamento… Mas não vão além disso. Na
perspectiva dos “homens”, Jesus é apenas um homem bom, justo, generoso, que
escutou os apelos de Deus e que Se esforçou por ser um sinal vivo de Deus, como
tantos outros homens antes d’Ele . É muito, mas não é o suficiente: significa
que os “homens” não entenderam a novidade de Jesus, nem a profundidade do seu
mistério.
A opinião dos discípulos acerca de Jesus
vai muito além da opinião comum. Pedro, porta-voz da comunidade dos discípulos,
resume o sentir da comunidade do Reino na expressão: “Tu és o Messias” . Dizer
que Jesus é o “Messias” (o Cristo) significa dizer que Ele é esse libertador que
Israel esperava, enviado por Deus para libertar o seu Povo e para lhe oferecer a
salvação definitiva.
A resposta de Pedro estava correcta. No
entanto, podia prestar-se a graves equívocos, numa altura em que o título de
Messias estava conotado com esperanças político-nacionalistas. Por isso, os
discípulos recebem ordens para não falarem disso a ninguém. Era preciso
clarificar, depurar e completar a catequese sobre o Messias e a sua missão, para
evitar perigosos equívocos. É isso que Jesus vai fazer, logo de seguida.
Na segunda parte do nosso texto, há duas
questões. A primeira é a explicação dada pelo próprio Jesus de que o seu
messianismo passa pela cruz; a segunda é uma instrução sobre o significado e as
exigências de ser discípulo de Jesus.
Jesus começa, portanto, por anunciar que o
seu caminho vai passar pelo sofrimento e pela morte na cruz . Não é uma previsão
arriscada: depois do confronto de Jesus com os líderes judeus e depois que estes
rejeitaram de forma absoluta a proposta do Reino, é evidente que o judaísmo
medita a eliminação física de Jesus. Jesus tem consciência disso; no entanto,
não se demite do projecto do Reino e anuncia que pretende continuar a
apresentar, até ao fim, os planos do Pai.
Pedro não está de acordo com este final e
opõe-se, decididamente, a que Jesus caminhe em direcção ao seu destino de cruz.
A oposição de Pedro (e dos discípulos, pois Pedro continua a ser o porta-voz da
comunidade) significa que a sua compre-ensão do mistério de Jesus ainda é muito
imperfeita. Para ele, a missão do “messias, Filho de Deus” é uma missão gloriosa
e vencedora; e, na lógica de Pedro – que é a lógica do mundo – a vitória não
pode estar na cruz e no dom da vida.
Jesus dirige-se a Pedro com alguma dureza,
pois é preciso que os discípulos corrijam a sua perspectiva de Jesus e do plano
do Pai que Ele vem realizar. O plano de Deus não passa por triunfos humanos, nem
por esquemas de poder e de domínio; mas o plano do Pai passa pelo dom da vida e
pelo amor até às últimas consequências (de que a cruz é a expressão mais
radical). Ao pedir a Jesus que não embarque nos projectos do Pai, Pedro está a
repetir essas tentações que Jesus experimentou no início do seu ministério ; por
isso, Jesus responde a Pedro: “Vai-te, Satanás”. As palavras de Pedro pretendem
desviar Jesus do cumprimento dos planos do Pai; e Jesus não está disposto a
transigir com qualquer proposta que O impeça de concretizar, com amor e
fidelidade, os projectos de Deus.
Padre José Granja,
Reitor da Basílica dos Congregados, Braga (Portugal) |