 |
PONTOS DE REFLEXÃO
I LEITURA Sb
2,12.17-20
Este trecho
sapiencial faz parte de uma reflexão mais ampla que tem por protagonistas os
“ímpios”. Neles é evidente a falta de Sabedoria. O motivo da sua rejeição total
do “justo” consiste no facto de que este, com a sua vida e em particular com a
sua “mansidão”, é para os ímpios uma “repreensão” contínua e, consequentemente,
uma condenação do seu viver.
Não é fácil de
adivinhar a situação ambiental e histórica desta passagem. Todavia, não estamos
muito longe da verdade quando pensamos num território da diáspora judaica, ou
então do exílio, e portanto na presença do hebreu piedoso, num ambiente onde a
voz dos pagãos era forte ou , eventualmente, também de Judeus que tinham
abandonado a fé primitiva.
Estamos perante a
tentativa de sempre, de querer que os outros sejam como nós . Os “ímpios”
foram tomados de um ateísmo prático e chegaram a atribuir a orientação do homem
ao acaso, a sua justiça é ditada pela lei do mais forte. Por isso decidem
colocar o “justo” à “prova” e persegui-lo, porque cumpre a Torá, Palavra do
Senhor, porque a sua vida e as suas palavras são uma “repreensão” contínua do
seu comportamento. Dizem com ironia e desprezo que querem “ver” e “observar” se
Deus cumpre a sua Palavra e está pronto a “livrá-lo da morte”: Mas, uma tal
argumentação é fruto apenas da ignorância e arrogância.
Interroguemo-nos:
trata-se mesmo de uma “condenação à morte” do “justo”? Provavelmente o autor
desta página sapiencial pretende apresentar um caso emblemático de perseguição,
válido em muitas circunstâncias, que já se verificou ou poderia acontecer num
futuro não muito distante.
II LEITURA Tg
3,16-4,3
Tiago indica alguns
comportamentos e atitudes que não se conciliam com a verdadeira sabedoria. E são
indicados os seus limites. É sábio aquele que sabe manter uma “boa conduta” e
sabe construir ao seu redor relações fraternas e “pacíficas”, de modo a
tornar-se capaz de tratar os próprios inimigos com sentimentos de “compreensão”,
“generosidade” e “misericórdia”, usando para todos a medida da “bondade” e da
“imparcialidade”, “sem hipocrisia”.
O redator desta
página, saindo a descoberto e dirigindo-se à comunidade cristã, compara os
contrastes e as lutas presentes nela, ás guerras e aos conflitos que
caracterizam as dinâmicas do mundo. A este propósito, explicita com aguda
intuição psicológica que todas as divisões têm origem na escuta desconsiderada
das paixões, entendidas como desejo forte de posse e de gozo, assentes como
sempre na tentação; e do desejo da autossuficiência e do egoísmo. Deste espírito
obscurecido e contorcido só podem nascer frutos envenenados, como a cobiça, a
violência, a inveja, o rancor, os desencontros, os conflitos e até o modo errado
de rezar. A situação de fratura que o homem leva na alma, descrita apenas como
“paixões que lutam nos seus membros”, leva inevitavelmente a divisões e lutas
sem fim, inclusive na comunidade cristã. Nota-se na linguagem de Tiago, ironia,
desgosto e um mal-estar evidente pelo que está a acontecer.
EVANGELHO Mc
9,30-37.
A caminhada de fé
não é fácil para os discípulos. Experimentaram-no diretamente mais uma vez.
Encontrando-se a sós com o Mestre, Ele aproveita para continuar a formação
deles, voltando ao tema do messias sofredor. A reação dos Doze é novamente
negativa e de rejeição, porque percebem que as consequências não correspondem às
suas perspetivas de grandeza e de privilégios.
Continua o
itinerário de Jesus com os Seus. Não estamos perante uma simples discrição em
sentido geográfico, isto é, uma normal viagem para Jerusalém, mas um percurso
com um denso conteúdo teológico. É uma caminhada realizada na plena obediência
ao Pai, em direção a esse lugar santo onde se cumprirá a Páscoa, isto é, os
mistérios da morte e da ressurreição do Filho do homem. No coração dos
discípulos albergam-se ainda a escuridão e a confusão e, sobretudo, muito medo.
Começando a perceber a importância dos acontecimentos, eles recusam-se a
acolhê-los.
Jesus, como bom
Mestre, não Se dá por vencido, e a fim de dispersar em parte as trevas, dá
início a um longo diálogo com eles, em que apresenta as novas regras do Seu
grupo. No texto de hoje Jesus indica a primeira: o serviço. O Mestre propõe uma
premissa irrenunciável: quem não acolher o mistério da Cruz, não saberá entrar
na vida e na experiência de Jesus.
Os discípulos,
todavia, começam a erguer as primeiras defesas, ao não aceitarem separar-se das
suas convicções acerca do Messias. Temos uma clara discussão “no caminho” acerca
de quem era o maior. Interrogados diretamente, recusam e envergonham-se de
manifestar abertamente o argumento das suas conversas, portanto apanhados em
flagrante. Jesus não se dá por vencido e coloca diante dos olhos deles um modelo
inesperado, mas certamente de fácil leitura, uma “criança”, considerada, no
ambiente palestino, privada não só de prerrogativas comuns, mas até de todos os
direitos. Note-se que em aramaico o termo empregado para dizer “criança” e
“servo” é o mesmo.
Jesus é exemplo
luminosos para nós! Ele leva plenamente a termo a missão profética do servo,
manso e humilde de coração, anuncia com as palavras e as obras a salvação aos
pobres, coloca-Se no meio dos Seus “como aquele que serve”.
Padre José Granja,
Reitor da Basílica dos Congregados, Braga (Portugal) |