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PONTOS DE REFLEXÃO
I
LEITURA Gn 2,18-24
O autor procura
mostrar e descrever a experiência humana no seu início, apresentando o homem na
sua solidão e na sua diferença de todos os outros “seres vivos”. Só num segundo
momento o homem descobre na “mulher” um ser semelhante a ele.
A expressão do
início (“Não é bom que o homem esteja só”) estava muito espalhada em toda a
tradição antiga, especialmente entre os sábios. O homem não pode encontrar
resposta adequada á sua necessidade de relação com as coisas criadas, e nem
sequer na relação com os outros seres criados, como os animais, os quais também
possuem o sopro vital. O homem precisa de um “alguém” à sua altura: a mulher.
O sono profundo que
Deus faz cair sobre o homem lembrar o sono de Abraão e tem por finalidade de
impedir a criatura de “ver diretamente” a ação do Criador, por ser inexprimível
aos seus olhos. Depois, o pormenor de tirar uma “costela” do homem adormecido
tem uma referência estilística na literatura oriental.
O texto situa-nos no “jardim do Éden”, um
espaço ideal onde Deus colocou o homem que criou, um ambiente de felicidade
material onde todas as exigências da vida humana estavam satisfeitas. É um lugar
de água abundante e com muitas árvores (para quem sentia pesar sobre si a ameaça
do deserto árido, o ideia de felicidade seria um lugar com muita água, um clima
de frescura, um ambiente de árvores e de verdura abundante). O homem tinha,
então, tudo para ser feliz? Ainda não. Na perspectiva do catequista jahwista, o
homem não estava plenamente realizado, pois faltava-lhe alguém com quem
compartilhar a vida e a felicidade. O homem não foi criado para viver sozinho,
mas para viver em relação. É esse problema que Deus, com solicitude e amor, vai
resolver…
II LEITURA – Heb 2,9-11
O sacerdócio de Cristo tem o seu
fundamento no acontecimento da Encarnação, que tornou o Filho de Deus “superior
aos anjos” e no tempo da Sua humilhação enquanto criatura “por um pouco
inferior” a eles. Todavia, na Páscoa ele encontra confirmação e pleno
cumprimento, enquanto a Ressurreição consagrou realmente o valor redentor da
morte, tornado assim “graça de Deus” em proveito de todos.
O mistério da salvação de Deus passa
através da “Via-Sacra” da humilde condição humana. Ao abaixamento da Encarnação
do Filho, segue-se a elevação gloriosa da Páscoa. A prova cruenta do sofrimento
e da morte não é vivida por Cristo em vista de poucos felizardos, mas “em
proveito de todos”. Interessa e abrange o mundo inteiro, iluminado agora pela
glória divina e finalmente tornado capaz de regressar a Deus, através do caminho
de redenção, aberto pelo próprio Cristo.
O valor desse ato de salvação conduz os
homens a uma relação priviligiada com o Senhor numa dupla dimensão: a
“filiação”, de que os crentes agora gozam mediante um seguimento fiel e
incondicional do Evangelho; e, depois, a “santificação”, experimentada e vivida
como expressão de plena participação na vida divina. Esta mudança total da
pessoa, todavia, tem as suas raízes e realiza-se somente a partir da “santidade”
de Cristo. Com efeito, tornando perfeita a humanidade do Filho, Deus pode levar
a cumprimento a Sua vontade de santificação dos homens. Além disso pode dizer-se
que, com o emprego da expressão “irmãos” , a solidariedade de Cristo connosco
chega ao seu ponto máximo. Com efeito, Cristo glorioso não só mantém a sua
relação privilegiada com o “mundo”, mas ao mesmo tempo transforma-a em
experiência viva de “fraternidade” para uma Assembleia orante de fiéis, em
virtude da Sua oferta sacrificial.
EVANGELHO – Mc 10,2-16.
Embora seja
apresentado como mestre das multidões e num cerrado confronto com os fariseus,
na realidade o Seu ensino-como apenas Marcos nos relata-é dirigido aos
discípulos, os únicos capazes, na época, de entender a Sua Palavra e de cumprir
plenamente a vontade do Criador. O episódio das “crianças” serve como exemplo e
paradigma da disponibilidade do discípulo perante o “reino”.
No tempo de Jesus o
divórcio era permitido na base de um texto preciso do Livro do Deuteronómio,
onde se dizia que o marido tinha a possibilidade de repudiar a esposa, desde que
ela tivesse cometido algo de imoral aos seus olhos. Mas com isto nem tudo era
pacifico! Sabe-se, com efeito, que as duas grandes escolas rabínicas do tempo
tinham um parecer diferente sobre o assunto: uma era rigorosa e outra mais
permissiva. Jesus é chamado a tomar posição sobre o tema. De que lado Ele se
coloca?
O Mestre não alinha
nem com uma escola nem com outra. Relembra, isso sim, sabiamente, o desígnio
originário de Seu Pai, expresso no projeto da “Criação”. Deste modo ultrapassa
habilmente as dificuldades paralisantes do legalismo e dá a entender que uma
pergunta tão importante não deve ser enfrentada com o metro típico da
casuística, ou seja, limitando-se a precisar o que é permitido e o que não é,
mas abrindo o horizonte e regressando ao projeto originário de Deus.
É digno de nota o
facto de, entre os evangelistas, somente Marcos afirmar que o divórcio é
proibido não só ao homem como também á mulher. Ele tem presente provavelmente a
situação das mulheres provenientes do paganism, por exemplo as de Roma, ás quais
a legislação romana, ao contrario da hebraica, concedia, tal como ao homem, a
possibilidade do divórcio.
Merecem uma
consideração à parte no texto do Evangelho as “crianças”. O seu aparecimento
improviso neste momento parece não só incompreensível, mas também for a de
contexto. E no entanto, uma relação existe, e deve procurar-se no fato de a
criança, na sua simplicidade e acessibilidade, poder tornar-se modelo para o
discípulo que quer “entrar” no “Reino de Deus”. O cristão é chamado a imitar as
crianças na modalidade de acolhimento de todas as coisas e de todas as pessoas,
não como conquista pessoal, mas como dom gratuito que vem do alto.
Padre José Granja,
beneditino |