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PONTOS DE REFLEXÃO
I LEITURA – Sab 7,7-11.
O livro da
sabedoria procura dialogar com a cultura grega para comunicar o património da fé
hebraica. A ficção literária faz o elogio da Sabedoria pela boca de Salomão, o
“patrono” ideal da aventura sapiencial. A Sabedoria é exaltada na sua
superioridade sobre todos os outros bens, embora não se lhes oponha, já que ela
é a única condição que permite gozar verdadeiramente as realidades criadas.
A Sabedoria é o
tema central do Livro com o mesmo nome e, por isso, é-lhe dedicado um longo
elogio. É apresentada como um bem superior a todos os bens, mesmo àqueles de que
um rei pode gozar, até fazer dela a “esposa” ideal de Salomão, isto é, de todo o
crente que queira viver com responsabilidade no mundo. Precisamente por isso não
é objectivo de uma conquista intelectual ou ético-religiosa, mas é dom divino
que deve ser invocado e acolhido, tal como fez Salomão em Gabaon. Concretamente,
a sabedoria que o crente deve “invocar” é princípio de dinamismo interior, que
se torna capacidade de saber escolher o bem nas diversas circunstâncias.
Para exaltar a
grandeza da sabedoria, o Autor deixa de lado os bens humanamente mais
apreciados: o poder; a riqueza, a saúde e a beleza. O elogio chega ao ponto de
afirmar que é preferível renunciar á luz da sabedoria. O contraste não deve ser
lido segundo o dualismo dos bens espirituais e dos bens materiais, mas sim
tendo em conta a mensagem central do texto: a Sabedoria é um dom de Deus, um dom
que consente ao homem olhar para a sua vida como uma realidade sensata, boa,
digna de ser vivida na liberdade e na responsabilidade.
A
“sabedoria” é um dom de Deus que o homem deve acolher com humildade e
disponibilidade. Ela não chega a quem se situa diante de Deus numa atitude de
orgulho e de auto-suficiência; ela não atinge quem se fecha em si próprio e
constrói uma vida à margem de Deus; ela não encontra lugar no coração e na vida
de quem ignora Deus, os seus desafios, as suas propostas. O “sábio” é aquele
que, reconhecendo a sua finitude e debilidade, se coloca nas mãos de Deus,
escuta as suas propostas, aceita os seus desafios, segue os caminhos que Ele
indica. Talvez um dos grandes dramas do homem do século XXI seja o prescindir de
Deus e de passar com total indiferença ao lado das propostas de Deus. Dessa
forma, construímos com frequência esquemas de egoísmo, de violência, de
exploração, de ódio, que desfeiam o mundo e magoam aqueles que caminham ao nosso
lado.
II LEITURA Hb 4,12-13
A passagem da Carta aos Hebreus oferece
uma meditação sobre a “Palavra de Deus”, que vai buscar muitos motivos clássicos
à teologia do Antigo Testamento, em particular a “eficácia” da Palavra de JHWH
de sondar a alma humana até à profundidade. O autor deste texto diz-nos que a
Palavra tem capacidade de julgar as intenções humanas mais profundas porque Ela
é o próprio Deus, aqui apresentado como Juiz, ao qual o homem deve “prestar
contas” das suas livres opções.
Nestes versículos de meditação sobre a
“Palavra de Deus” sobressaem cinco quali-dades ligadas á sua eficácia: é, antes
de mais, “viva” como o próprio Deus é vivo; “eficaz” e, sobretudo,
“mais cortante que uma espada de dois gumes”, a es-pada de dois gumes
evoca o contexto de juízo, de execução de uma sentença. A Pa-lavra de Deus leva
a cumprimento o seu juízo inapelável.
A Palavra é, além disso, comparada á
força penetrante (“penetra”) da espada, para significar metaforicamente
como ela pode alcançar o coração do homem, o íntimo da sua liberdade. Segundo a
antropologia bíblica, a Palavra de Deus penetra até ao ponto imaterial de união
dos elementos que constituem o homem, enquanto ser corpóreo, psíquico e
espiritual. Finalmente, “discerne os pensamentos” e as in-tenções do
coração: é a última qualidade pela qual a Palavra coloca o homem perante a sua
opção decisiva, isto é, o discernimento entre o bem e o mal, entre a vida e a
morte. Emerge portanto um apelo a assumir com seriedade a condição da fé e a
dis-cernir a presença da Palavra de Deus na própria vida.
A novidade desta passagem da Carta aos
Hebreus está no contexto temático da Carta dedicada ao sacerdócio de Cristo.
Enquanto Sumo e Eterno sacerdote, Jesus é depositário da Palavra de misericórdia
divina sobre o mundo: precisamente por isso Ele é também o último apelo de Deus
à conversão.
EVANGELHO Mc 10,17-30
Depois de deixar “a casa” (cf. Mc 10,10),
Jesus continua o seu caminho através da Judeia e da Transjordânia, em direcção a
Jericó (cf. Mc 10,46), percorrendo um percurso geográfico que constitui a
penúltima etapa da sua viagem para Jerusalém. Contudo, o caminho que Jesus faz
com os discípulos é também um caminho espiritual, durante o qual Jesus vai
completando a sua catequese aos discípulos sobre as exigências do Reino e as
condições para integrar a comunidade messiânica. Desta vez, a questão posta por
um homem rico acerca das condições para alcançar a vida eterna dá a Jesus a
oportunidade para avisar os discípulos acerca da incom-patibilidade entre o
Reino e o apego às riquezas.
Na perspectiva dos teólogos de Israel, as riquezas
são uma bênção de Deus (cf. Dt 28,3-8); mas a catequese tradicional também está
consciente de que colocar a confiança e a esperança nos bens materiais envenena
o coração do homem, torna-o orgulhoso e auto-suficiente e afas-ta-o de Deus e
das suas propostas (cf. Sal 49,7-8; 62,11). Jesus vai retomar a cate-quese
tradicional, mas desta vez na perspectiva do Reino.
A primeira parte do nosso texto (vers.
17-27) é uma catequese sobre as exigências do Reino e do seguimento de Jesus.
Na segunda parte do nosso texto (vers.
28-30) os discípulos, pela voz de Pedro, recordam a Jesus que deixaram tudo para
o seguir. A renúncia dos discípulos não é, contudo, uma renúncia que se
justifica por si mesma e que tem valor em si mesma… Os discípulos de Jesus não
escolhem a pobreza porque a pobreza, em si, é uma coisa boa; nem deixam as
pessoas que amam pelo gosto de deixá-las…
O que é preciso fazer para alcançar a
vida eterna? Trata-se de uma questão que inquieta todos os crentes e que
certamente já pusemos a nós próprios, com estas ou com outras palavras
semelhantes. Jesus responde: é preciso, antes de mais, viver de acordo com as
propostas de Deus (mandamentos); e é preciso também assumir os valores do Reino
e seguir Jesus no caminho do amor a Deus e da entrega aos irmãos. Isto não
significa, contudo, que a vida eterna seja algo que o homem conquista, com o seu
esforço, ou que resulte dos méritos que o homem adquire ao percorrer um caminho
religiosamente correcto. A vida eterna é sempre um dom gratuito de Deus, fruto
da sua bondade, da sua misericórdia, do seu amor pelo homem; no entanto, é um
dom que o homem aceita, acolhe e com o qual se compromete. Quando o homem vive
de acordo com os mandamentos de Deus e segue Jesus, não está a conquistar a vida
eterna; está, sim, a responder positivamente à oferta de vida que Deus lhe faz e
a reconhecer que o caminho que Deus lhe indica é um caminho de vida e de
felicidade.
Pe. José Granja
beneditino |