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PONTOS DE REFLEXÃO
I
LEITURA – Is 53,10-11
O nosso texto pertence ao “Livro da Consolação” . Os versículos 2- 3 apresentam
o servo no seu percurso sofredor, na solidariedade com a dor do mundo. O
versículo 10 está colocado na boca de um profeta anónimo, que reconhece na morte
do servo o cumprimento do desígnio salvífico divino. O próprio Deus, no
versículo 11, fala do servo, afirmando a sua reabilitação misteriosa e,
sobretudo, a eficácia da sua morte como fonte de perdão e de vida nova para a
humanidade.
Para apreciar devidamente a figura do servo do Senhor, que aparece nos quatro
Cânticos de Isaías a ela dedicados, é oportuno esclarecer, antes de mais, que
não se trata de uma “previsão” das vicissitudes de Jesus, mas sim de um esquema
teológico que procura mostrar que também a dor, vivida na fidelidade ao Senhor,
tem lugar no Seu desígnio salvífico. Este esquema teológico foi assumido pelo
Novo Testamento para entender o sentido da vida de Jesus, e em particular do Seu
mistério pascal, enquanto revelação de Deus e oferta da salvação escatológica à
Humanidade.
Os versículos 2-3 oferecem algo da ampla meditação do cântico sobre o sofrimento
do servo e sobre a sua morte injusta, procurando compreender em tudo isso a
revelação do Senhor. Assim, na sorte do servo, Deus reconhece o cumprimento do
Seu beneplácito: a obra do servo é julgada pelo Senhor digna d´Ele, e portanto
ele pode tornar-se uma epifania gloriosa do próprio Deus. E porque a sua missão
dolorosa é conforme ao plano divino, torna-se fonte de salvação. A morte do
servo é uma morte “em expiação”, que cobre todo o pecado do homem; a
reabilitação final do eleito é a confirmação divina da obra do servo, obediente
ao plano de Deus.
II
LEITURA Hb 4,14-16
Já
vimos, nos domingos precedentes, que a Carta aos Hebreus se destina a
comunidades cristãs em situação difícil, expostas a tribulações várias e que,
por isso mesmo, estão fragilizadas, cansadas e desalentadas. Os crentes que
compõem essas comunidades necessitam urgentemente de redescobrir o seu
entusiasmo inicial, de revitalizar o seu compromisso com Cristo e de apostar
numa fé mais coerente e mais empenhada.
Nesse sentido, o autor da “carta”
apresenta-lhes o mistério de Cristo, o sacerdote por excelência, cuja missão é
pôr os crentes em relação com o Pai e inseri-los nesse Povo sacerdotal que é a
comunidade cristã. Uma vez comprometidos com Cristo, os crentes devem fazer da
sua vida um contínuo sacrifício de louvor, de entrega e de amor. Desta forma, o
autor oferece aos cristãos um aprofundamento e uma ampliação da fé primitiva,
capaz de revitalizar a sua experiência de fé, enfraquecida pela hostilidade do
ambiente, pela acomodação, pela monotonia e pelo arrefecimento do entusiasmo
inicial. O texto que nos é proposto está incluído na segunda parte da Carta aos
Hebreus (cf. Heb 3,1-5,10). Aí, o autor apresenta Jesus como o sacerdote fiel e
misericordioso que o Pai enviou ao mundo para mudar os corações dos homens e
para os aproximar de Deus. Aos crentes pede-se que “acreditem” em Jesus – isto
é, que escutem atentamente as propostas que Cristo veio fazer, que as acolham no
coração e que as transformem em gestos concretos de vida.
EVANGELHO Mc 10,35-45
O
texto de hoje é precedido do terceiro anúncio da Paixão e isto torna chocante a
pergunta dos filhos de Zebedeu. O seu diálogo com Jesus ilustra a incompreensão
geral dos discípulos. Confirma-o a reacção irritada contra os dois irmãos da
parte dos outros componentes do grupo. A todos, Jesus recorda que a Sua
comunidade está fundada sobre a lei do serviço, de que é modelo supremo o “Filho
do Homem”.
Jesus não condena o desejo dos dois filhos de Zebedeu, que querem ser grandes,
mas recorda-lhes que isso se realiza somente através da participação na sua
Paixão, figurada na imagem do “cálice que Ele deve beber” e do “baptismo com que
Ele vai ser baptizado”.
Jesus reconhece na resposta afirmativa de Tiago e de João, no seu “podemos”, uma
generosidade verdadeira, que deverá, todavia, ser purificada de qualquer
presunção. O texto, além disso, parece aludir ao facto de Tiago ser o primeiro
dos doze a derramar o sangue em testemunho de Jesus. A petição pelo contrário,
de “sentar-se um à direita” e “outro à esquerda” do Mestre não poderá ser
acolhida, porque o Seu trono não é o que eles pensam, porque o Seu trono é a
Cruz.
Defraudados das suas ambições secretas, os outros discípulos reagem indignados.
Eis que então Jesus propõe um novo projecto de autoridade, baseado não sobre o
estilo dos regimes humanos, mas sobre o serviço recíproco, liberto de qualquer
desejo de poder. Não é uma vaga exortação à humildade, mas um apelo a um serviço
generoso e sincero, motivado pelo exemplo do “Filho do homem”. É este o paradoxo
d´Aquele que, segundo o profeta Daniel, recebe de Deus poder e a glória, mas
que, à luz de Isaías recebe esse poder somente enquanto “servo” que sofre em
favor da humanidade.
Padre José Granja,
beneditino |