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PONTOS DE REFLEXÃO
I LEITURA 1Rs
17,10-16
Uma situação de
grande privação compromete a qualidade de vida da região inteira: uma seca
prolongada comunicada pelo profeta Elias. Este procura refúgio, por indicação
divina, em terra estrangeira, onde recebe ajuda generosa de uma pobre “viúva”. O
Senhor abençoa o gesto de solidariedade e de fé desta mulher, garantindo
milagrosamente os meios de sobrevivência tanto a ela, como ao filho e ao
profeta.
O episódio começa
com um paradoxo: Elias é enviado por Deus, de Israel para uma terra estrangeira,
onde dependerá das ofertas e dos recursos de uma mulher viúva, necessitada e
pertencente a um povo pagão! A inversão da lógica humana é clara: o poder
comunica-se através da humildade, da debilidade, da indigência.
Se as condições
daquela pobre mulher parecem desesperadas, o leitor não deve esquecer que JHWH
“protege o estrangeiro, ampara o órfão e a viúva”. Cria-se por isso uma tensão:
precisamente a essa terra, parece ser do domínio de Baaal, O Senhor faz chegar a
Sua ajuda ao órfão, à viúva e ao Seu profeta. Entre as linhas nota-se uma
polémica anti-idolátrica e a vontade de testemunhar a fé na soberania de Deus,
que transcende todas as barreiras e tarefas humanas.
Aquela mulher fica
surpreendida, que responde a Elias invocando o Senhor: “Tão certo estar vivo o
Senhor, teu Deus...”. Uma coisa é clara, a fé não é dom exclusivo de Israel mas,
misteriosamente, O Senhor concede-a a quem quer, mesmo a quem parece estar longe
dela. Às palavras do profeta, que exorta a mulher a “não temer” em nome da
promessa do Senhor, ela responde com uma obediência plena, sinal da sua fé e da
sua generosidade; atitudes que o Senhor abençoa.
II LEITURA HB
9,24-28
A unicidade do
sacrifício de Cristo contrapõe-se à multiplicidade dos sacrifícios da parte do
sacerdócio aaronita, repetidos anualmente no rito de expiação; o sacrifício de
Cristo realiza-se na Páscoa, com a qual Ele entra no “santuário” celeste,
realizando a oferta da Sua própria vida. Esta oferta dá-se “uma só vez”, pois a
morte é um acontecimento irrepetível. Finalmente, o autor introduz a
confrontação entre a “primeira vinda” de Cristo na carne e a “segunda vinda”, a
que fará na glória.
Partindo deste
princípio que sem derramamento de sangue não existe perdão, a carta aos Hebreus
medita na unicidade do sacrifício , do qual brota a redenção para a Humanidade.
O acontecimento pascal é o cumprimento cristológico do rito de expiação, que o
Suma Sacerdote celebrava uma vez no ano ao entrar no Santuário. Mas se o rito
pode e deve ser repetido, o sacrifício de Cristo consiste na singular e
irrepetível oferta de “Si mesmo” até á morte.
A carta serve-se em
primeiro lugar, de uma metáfora de movimento: com a Páscoa, Cristo entrou “ não
num santuário feito por mãos humanas”, mas na habitação celeste de Deus, isto é,
na própria vida íntima divina. Além disso, se o “Sumo Sacerdote” , entrando no
santuário, devia levar o sangue das vítimas, Cristo, entrando na morada
transcendente de Deus, levou consigo o Seu próprio sangue, derramado pela
humanidade. Por isso o Seu sacrifício decretou já inválidos todos os
sacrifícios antigos e suprimiu a separaçãoo ritual do culto do antigo
Testamento.
A metáfora do
movimento leva o autor da Carta aos Hebreus a introduzir o tema da diferença
entre as “duas vindas” de Cristo: se a primeira se deu na carne pela morte, em
redenção dos pecadores; a “segunda”, já não terá a finalidade de Se oferecer a
Si mesmo em expiação, mas sim de acolher a Humanidade na Casa do Pai.
EVANGELHO Mc
12,38-44
O nosso texto compõe-se de duas partes.
Na primeira parte (vers. 38-40), Jesus faz incidir a atenção dos seus discípulos
sobre o grupo dos doutores da Lei. Aparentemente, os doutores da Lei são figuras
intocáveis da comunidade, com uma atitude religiosa irrepreensível. São
estimados, admirados e adulados pelo povo, que os tem em alto conceito. Contudo,
o olhar avaliador de Jesus não se detém nas aparências, mas penetra na realidade
das coisas… Uma análise mais cuidada mostra que esses doutores da Lei são
hipócritas e incoerentes: fazem as coisas, não por convicção, mas para serem
considerados e admirados pelo povo; procuram os primeiros lugares, preocupam-se
em afirmar a sua superioridade diante dos outros, exibem uma devoção de fachada,
fazem do cumprimento dos ritos e regras da Lei um espectáculo para os outros
aplaudirem… A sua vida é, portanto, um imenso repertório de mentira, de
incoerência, de hipocrisia… Como se isso não bastasse, estes doutores da Lei
aproveitam-se, frequentemente, da sua posição e da confiança que inspiram – como
intérpretes autorizados da Lei de Deus – para explorar os mais pobres (aqueles
que são os preferidos de Deus); servem-se da religião para satisfazer a sua
avareza, não têm escrúpulos em aproveitar-se boa-fé das pessoas para aumentar os
seus proveitos; exploram as viúvas, que lhes confiam a administração dos
próprios bens, alinham em esquemas de corrupção e de exploração…
Os doutores da
Lei, com os seus comportamentos hipócritas, mostram que os ritos externos, os
gestos teatrais, o cumprimento das regras religiosamente correctas não chegam
para aproximar os homens de Deus e da santidade de Deus. Ao olhar para a atitude
dos doutores da Lei, os discípulos de Jesus têm de estar conscientes de que este
não é o comportamento que Deus pede àqueles que querem fazer parte da sua
família.
Na segunda parte (vers. 41-44), Jesus convida os discípulos a perceber
a essência do verdadeiro culto, da verdadeira atitude religiosa. Em profundo
contraste com o quadro dos doutores da Lei, Jesus aponta aos discípulos a figura
de uma pobre viúva, que se aproxima de um dos treze recipientes situados no
átrio do Templo, onde se depositavam as ofertas para o tesouro do Templo. A
mulher deposita aí duas simples moedas (dois “leptá”, diz o texto grego. O
“leptá” era uma moeda de cobre, a mais pequena e insignificante das moedas
judaicas); contudo, aquela quantia insignificante era tudo o que a mulher
possuía. Ninguém, excepto Jesus, repara nela ou manifesta admiração pelo seu
gesto. Apenas Jesus – que lê os factos com os olhos de Deus e sabe ver para além
das aparências – percebe naquelas duas insignificantes moedas oferecidas a marca
de um dom total, de um completo despojamento, de uma entrega radical e sem
medida. O encontro com Deus, o culto que Deus quer passa por gestos simples e
humildes, que podem passar completamente despercebidos, mas que são sinceros,
verdadeiros, e expressam a entrega generosa e o compromisso total. O verdadeiro
crente não é o que cultiva gestos teatrais e espampanantes, que impressionam as
multidões e que são aplaudidos pelos homens; mas é o que aceita despojar-se de
tudo, prescindir dos seus interesses e projectos pessoais, para se entregar
completa e gratuitamente nas mãos de Deus, com humildade, generosidade, total
confiança, amor verdadeiro. É este o exemplo que os discípulos de Jesus devem
imitar; é esse o culto verdadeiro que eles devem prestar a Deus.
Padre José Granja,
beneditino |