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POINTOS DE REFLEXÃO
I
LEITURA – Dan 12,1-3
Aos crentes perseguidos, o autor do livro anuncia a chegada iminente do tempo da
intervenção salvadora de Deus para salvar o Povo fiel. Nesse sentido, ele
refere-se à intervenção de “Miguel”, o chefe do exército celestial, que Deus
enviará para castigar os perseguidores e para proteger os santos. No imaginário
religioso judaico, “Miguel” é concebido como um espírito celeste (uma espécie de
anjo protector) que vela pelo Povo de Deus e que, por mandato divino, opera a
libertação dos justos perseguidos, cujo nome está inscrito “no livro da vida”
(vers. 1). Essa intervenção iminente de Deus não atingirá, na perspectiva do
nosso autor, somente aqueles que ainda caminham na história; mas Deus irá,
também, ressuscitar os que já morreram, a fim de lhes dar o prémio pela sua vida
de fidelidade ou o castigo pelas maldades que praticaram (vers. 2). Em concreto,
o autor estará a falar daquilo que costumamos chamar “o fim do mundo”? O que ele
está a falar é de uma intervenção de Deus que porá fim ao mundo da injustiça, da
opressão, da prepotência, de morte e que iniciará um mundo novo, de justiça, de
felicidade, de paz, de vida verdadeira. Aqueles que, apesar da perseguição e do
sofrimento, se mantiveram fiéis a Deus e aos seus valores, esses estão
destinados à “vida eterna”. O autor deste texto não explica directamente em que
consistirá essa “vida eterna”; mas os símbolos utilizados (“resplandecerão como
a luminosidade do firmamento”; “brilharão como as estrelas com um esplendor
eterno” – vers. 3) evocam a transfiguração dos ressuscitados. Essa vida nova que
os espera não será uma vida semelhante à do mundo presente, mas será uma vida
transfigurada. É esta a esperança que deve sustentar os justos, chamados a
permanecerem fiéis a Deus, apesar da perseguição e da prova. A sua vida não é –
garante-nos o nosso autor – sem sentido e não está condenada ao fracasso; mas a
sua constância e fidelidade serão recompensadas com a vida eterna. Embora sem
dados muito concretos e sem definições muito claras, começa aqui a esboçar-se a
teologia da ressurreição.
II
LEITURA Heb 10,11-14.18
Os
“sacrifícios pelo pecado” constituíam um dos pilares do culto israelita.
Introduzidos no sistema cultual de Israel em época relativamente tardia (alguns
autores duvidam mesmo da sua existência antes do Exílio na Babilónia), tinham a
função de expiar os pecados do Povo e de refazer a comunhão entre os crentes e
Deus. Ao oferecer, sobre o altar do Templo, a vida de um animal, o crente pedia
a Jahwéh perdão pelo pecado, manifestava a sua intenção de continuar a pertencer
à comunidade de Deus e mostrava a sua vontade de reatar essa relação com Deus
que o pecado tinha interrompido. O autor da Carta aos Hebreus está convencido,
no entanto, que os sacrifícios oferecidos pelo pecado não eram eficazes e não
conseguiam, de forma duradoura, restabelecer essa corrente de vida e de comunhão
entre o Povo e Deus. Tratava-se de ritos externos e superficiais, que nunca
lograram transformar os corações duros e egoístas dos homens em corações capazes
de viverem no amor a Deus e aos irmãos. Jesus, no entanto, com a entrega da sua
vida, conseguiu concretizar esse objectivo de aproximar os homens de Deus. Ele
obedeceu a Deus em tudo e ofereceu a sua vida em dom de amor aos homens. Com o
seu exemplo e testemunho, Ele propôs aos homens um caminho novo, mudou os seus
corações e ensinou-os a viverem numa total disponibilidade para com os projectos
de Deus, na entrega total aos irmãos. Dessa forma, Jesus venceu a lógica do
egoísmo e do pecado e colocou os homens no caminho certo para integrarem a
família de Deus. O sacrifício de Jesus, oferecido de uma só vez, libertou,
efectivamente, os homens de uma dinâmica de egoísmo e de pecado e permitiu-lhes
aproximarem-se de Deus com um coração renovado. Assim, Ele “tornou perfeitos
para sempre os que são santificados” (vers. 14). Cumprida a sua missão na terra,
Jesus “sentou-Se para sempre à direita de Deus” (vers. 12). Esta imagem de
triunfo e de glória mostra, não apenas como o caminho percorrido por Cristo é um
caminho que tem a aprovação de Deus mas, sobretudo, qual é a “meta” final da
caminhada do homem: a divinização, a comunhão com Deus, a pertença à família de
Deus. Se o caminho da fidelidade aos projectos de Deus e da entrega por amor aos
irmãos levou Jesus a sentar-Se à direita do Pai, também aqueles que seguem Jesus
chegarão à mesma meta e sentar-se-ão, por sua vez, à direita de Deus. Desta
forma, o autor da Carta aos Hebreus exorta os cristãos a viverem na fidelidade
aos compromissos que assumiram com Cristo no dia do seu Baptismo. Quem, apesar
das dificuldades, percorre o mesmo caminho de Cristo, está destinado a sentar-se
“à direita de Deus” e a viver, para sempre, em comunhão com Deus.
EVANGELHO – Mc 13,24-32
Os
cristãos, convictos de que Deus tem um projecto de vida para o mundo, têm de ser
testemunhas da esperança. Eles não lêem a história actual da humanidade como um
conjunto de dramas que apontam para um futuro sem saída; mas vêem os momentos de
tensão e de luta que hoje marcam a vida dos homens e das sociedades como sinais
de que o mundo velho irá ser transformado e renovado, até surgir um mundo novo e
melhor. Para o cristão, não faz qualquer sentido deixar-se dominar pelo medo,
pelo pessimismo, pelo desespero, por discursos negativos, por angústias a
propósito do fim do mundo… Os nossos contemporâneos têm de ver em nós, não gente
deprimida e assustada, mas gente a quem a fé dá uma visão optimista da vida e da
história e que caminha, alegre e confiante, ao encontro desse mundo novo que
Deus nos prometeu.
É
Deus, o Senhor da história, que irá fazer nascer um mundo novo; contudo, Ele
conta com a nossa colaboração na concretização desse projecto. A religião não é
ópio que adormece os homens e os impede de se comprometerem com a história… Os
cristãos não podem ficar de braços cruzados à espera que o mundo novo caia do
céu; mas são chamados a anunciar e a construir, com a sua vida, com as suas
palavras, com os seus gestos, esse mundo que está nos projectos de Deus. Isso
implica, antes de mais, um processo de conversão que nos leve a suprimir aquilo
que, em nós e nos outros, é egoísmo, orgulho, prepotência, exploração, injustiça
(mundo velho); isso implica, também, testemunhar em gestos concretos, os valores
do mundo novo – a partilha, o serviço, o perdão, o amor, a fraternidade, a
solidariedade, a paz.
Esse Deus que não abandona os homens na sua caminhada histórica vem
continuamente ao nosso encontro para nos apresentar os seus desafios, para nos
fazer entender os seus projectos, para nos indicar os caminhos que Ele nos chama
a percorrer. Da nossa parte, precisamos de estar atentos à sua proximidade e
reconhecê-l’O nos sinais da história, no rosto dos irmãos, nos apelos dos que
sofrem e que buscam a libertação. O cristão não pode fechar-se no seu canto e
ignorar Deus, os seus apelos e os seus projectos; mas tem de estar atento e de
notar os sinais através dos quais Deus Se dirige aos homens e lhes aponta o
caminho do mundo novo.
É
preciso, ainda, ter presente que este mundo novo – que está permanentemente a
fazer-se e depende do nosso testemunho – nunca será uma realidade plena nesta
terra (a nossa caminhada neste mundo será sempre marcada pela nossa finitude,
pelos nossos limites, pela nossa imperfeição). O mundo novo sonhado por Deus é
uma realidade escatológica, cuja plenitude só acontecerá depois de Cristo, o
Senhor, ter destruído definitivamente o mal que nos torna escravos.
Padre José Granja,
beneditino |