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PONTOS DE REFLEXÃO
I LEITURA (lRs 17,17-24)
Numa
situação de carestia, o Senhor tinha proporcionado alimento a Elias, em
moldes de certa maneira desconcertantes: de resíduos de água duma
torrente; dos corvos do campo; da generosidade de uma pobre viúva.
Agora, perante a morte do seu filho único, esta pobre mulher protesta fortemente (v. 18). As suas
palavras são pro-vocadoras, ditadas por um desespero
compreensível. E o «homem de Deus», que durante a carestia tinha
experimentado pessoalmente a sua impotência até correr o risco de
morrer, torna-se mediador e intercessor ao confiar totalmente na Palavra
do Senhor (w. 19-24).
No encontro
entre a pobreza humana e a riqueza de Deus podemos
entender toda a novidade proclamada nesta página
bíblica.
Temos em primeiro lugar a
pobreza da viúva, a
qual representa uma grande di-mensão da
Humanidade, marcada por condições de inferioridade e pela fragilidade
sofrida: é mulher; é pobre; é estrangeira; é provada por um luto
dolorosíssimo. Aos seus olhos de mãe, a morte do filho é uma amarga
recompensa pela generosidade por ela demonstrada para com o profeta
Elias (w. 17-18).
Há depois a
pobreza do profeta Elias, também ele posto à prova:
obrigado à indi-gência como a viúva e o filho dela, também ele
poderia morrer à fome. Experimenta assim não ser dono da vida, mas
simples instrumento dos desígnios divinos que exigem confiança e
obediência. O gesto de Elias para chamar à vida o corpo do rapaz adquire
significados simbólicos: é posição de oração; é protecção; é
identificação; é oferta substitutiva (cf. v. 21).
Diante do
menino regressado à vida, a mulher pronuncia a frase que constitui a
chave do capítulo inteiro: «Agora vejo que és um homem de Deus e que se
encontra verdadeiramente nos teus lábios a Palavra do Senhor.» (v. 24) Através do encontro com
as mãos vazias passa a abundância do dom do Senhor que tem o seu
«sacra-mento» no dia-a-dia – os corvos, a torrente, o azeite, a farinha,
o sofrimento e o de-sespero de uma pobre viúva. Também Elias se vê «sob
a acção da Palavra», a única capaz de suscitar e ressuscitar a vida.
II LEITURA
(Gl
1,11-19)
Depois da
censura inicial e para evitar mal-entendidos posteriores, Paulo propõe
voltar ao «Evangelho», cuja natureza e origem revela a seguir: não está
modelado «em inspiração humana» (cf. v. 11), nem provém de homens, mas é
«revelação de Jesus Cristo» (v. 12), é um acontecimento gratuito. O
Apóstolo apresentará os con-teúdos do mesmo no decorrer da Carta, mas
antes de mais quer esclarecer a sua relação com esse Evangelho, e fá-lo
mediante uma breve, mas sugestiva autobio-grafia, documento histórico
precioso acerca da sua passagem da fase judaica para a fase cristã (w.
13-19).
Paulo
revela-nos o momento muito pessoal da sua passagem para o cristianismo.
Não é por vaidade que ele fala de si mesmo, mas para adquirir autoridade
junto dos destinatários, mostrando como o encargo apostólico lhe fora
entregue pelo próprio Cristo, no caminho de Damasco, mediante uma
vocação modelada na dos profetas.
Na raiz da
sua vocação, como na de todas as vocações cristãs, está por isso o
encontro com Cristo através da «graça». Não se trata de uma conversão
fruto de uma pesquisa racional, mas de um «chamamento» (v. 15), devido
unicamente à benevolência electiva de Deus. O conteúdo deste chamamento
é o Evangelho, a revelação do «Filho de Deus» (v. 16a) morto e
ressuscitado para a salvação de todos. A este início, todo marcado pela
iniciativa divina, Paulo responde com o ministério do anúncio, também
ele gratuito (v. 16b). Aquilo que
lhe é pedido é que proclame o Evangelho da graça.
Ele está
tão convencido de que o Evangelho não está modelado sobre os homens
que, depois da visão de Damasco, não quis confiar à discussão humana
tudo o que recebera do Senhor, nem submetê-lo ao juízo dos outros
Apóstolos.
Há uma
outra mensagem forte nas entrelinhas da Carta: como Paulo, depois de ter
encontrado a graça de Cristo, abandonou progressivamente o seu passado
de obser-vante da Lei, muito mais os Gálatas, que de pagãos se tornaram
cristãos, não podem estar sujeitos à Lei judaica.
EVANGELHO (Lc 7,11-17)
O episódio
que aconteceu na pequena aldeia de Naim parece
dar consistência à Palavra de Jesus
que se lê na passagem sucessiva, coração literário do capítulo 7
do Evangelho de Lucas. Interrogado por emissários de João Baptista
acerca da Sua identidade — «És tu Aquele que há-de vir?» (v. 19) — Jesus
responde enumerando uma série de obras do Messias e, entre estas, o
facto de que «os mortos ressuscitam», (v. 22) A iniciativa de Jesus que,
sem que ninguém Lho tivesse pedido, Se aproxima e oferece consolação a
uma mulher pobre, ofendida e humilhada pela avidez da morte (cf. v. 12),
confirma que a Boa Notícia do Reino já entrou no mundo.
A sepultura
do filho único de uma mulher viúva invade profundamente o coração e as
entranhas de Jesus que, com grande
humanidade, Se aproxima do drama, Se «como-ve» (v. 13a), participa
com o tacto e com a palavra (w. 13b-15). Aquele que rea-liza estes actos
é apresentado como «o Senhor» (v. 13), título com o qual o Mestre será
invocado depois da Sua vitória sobre a morte.
Jesus vem
até nós com o rosto de um «messias», que tem o calor compassivo do
samaritano (cf. Lc 10,29-37), e penetra na nossa humanidade tal como ela
é, perdida no seu drama, sem forças para crer ou rezar, sem esperança
para pedir o impossível. Vem como «o Senhor» capaz de vencer as forças
da morte que nos aprisionam, an-tecipando em favor do homem doente e
sofredor os seus poderes pascais. Vem como alguém que caminha com o
homem: assim a gente, na sua aclamação coral conclu-siva, não só exprime
um sentimento entusiasta perante o «profeta» taumaturgo, mas reconhece,
glorifica e agradece a Deus que «visita o seu povo». (Cf. v. 16)
Nestes
gestos de misericórdia do Senhor também nós reconhecemos a chegada ao
mundo da Boa Notícia, segundo as palavras anunciadas na Sinagoga de
Nazaré (cf. Lc 4,18-19).
P. José Granja
Reitor da Basílica dos Congregados, Braga. |