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PONTOS DE REFLEXÃO
I
LEITURA 2SM 12, 7-10
Apresentando o caso
judicial fictício de uma prevaricação infame, o profeta Nata pôs a nu a
consciência de David. O rei reagiu indignado pronunciando contra si mesmo uma
sentença de condenação (cf.
2Sm 12,1-8). Sem reticências servis
perante o poderoso rei, Nata recorda impiedosamente ao rei o enredo dos
acontecimentos nos quais ele se comportou como um criminoso
(w. 7-9). A sentença definitiva, consoladora
e libertadora, é uma palavra de perdão (v. 13).
A história de intrigas criminosas
que está na origem desta página
seria deveras angustiante se não se concluísse com uma sentença capaz de
desfazer as paralisias do mal e abrir horizontes de
novidade: «O Senhor perdoou o teu
pecado.» (v. 13b)
O protagonista de
tanta maldade é o rei David, caído num abismo de mal e mais preocupado em
aparecer honesto diante da opinião pública do que na presença de Deus. Após ter
consumado adultério com Betsabeia, esposa de Urias, para não comprometer a sua
imagem procurara esconder e normalizar o fruto
da sua relação com um homicídio. As palavras
de condenação de Nata confirmam que a onda do mal feito acaba sempre por recair
sobre o malvado (w. 10-11).
Mas o rei é
protagonista também de uma confissão sincera,
providencialmente provocada pela palavra
profética, que o levou a reconhecer a dramática verdade da sua vida:
«Pequei contra o Senhor!» (v. 13a) Se as astúcias maliciosas do soberano podem
esconder o delito aos olhos dos homens, ele porém não escapa
ao Senhor que «sonda os rins e o coração»
(Jr 11,20) e torna-se
defensor dos fracos e das vítimas do poder. É o apelo insistente da Palavra que
salva David do abismo e o faz sentir-se renovado
no coração, como ele dirá na oração penitencial do Miserere.
(CÍ.SL51)
II LEITURA GL 2,
19-21
A página
autobiográfica proclamada no domingo passado prossegue, no corpo da Carta, com a
narração de um desencontro que Paulo teve
em Antioquia com o Apóstolo Pedro, por causa
do comportamento deste relativo a práticas
judaicas, que tinham originado um certo mal-estar na comunidade (cf.
Gl 2,1-14).
O texto de hoje refere a conclusão e o ápice
desse passo. Paulo anuncia aqui o núcleo central do seu «evangelho».
Hoje Paulo ofereceu-nos o núcleo
mais profundo do seu «evangelho»:
o homem é justificado pela «fé em Jesus» Cristo e não mediante
as «obras da Lei», (v. 16) Deve libertar-se da presunção de
atribuir às suas obras uma causa meritória: só abandonando-se
ao amor gratuito de Cristo, como a pecadora de que fala a página
do Evangelho de hoje, é que o crente
descobre a força da justiça divina que o salva (v. 20b). Paulo declara ter
encontrado na própria Lei as razões
pelas quais deve morrer para ela, a fim de viver
para Deus (v. 19)
Desta morte nasce uma nova vida,
cujo agente já não é o «eu»
velho e pecador, mas sim o próprio Cristo que vive no
crente (v. 21).
O grande desejo de
Deus sobre o homem é o de o elevar ao nível do Seu amor, e este é o sentido de
toda a obra de salvação realizada por Cristo.
Esta prioridade absoluta da actuação gratuita de Deus tem consequências
de grande peso na vida do crente, de modo a fazer-lhe experimentar uma singular
simbiose com a vida do Senhor: «Com Cristo
estou crucificado. Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim.» (v.
20a)
«Justificada» pela benevolência de
Deus, a vida do cristão será
uma vida conforme à de Jesus; a sua
nova justiça será o amor, do
mesmo modo como Cristo amou
«entregando a sua vida por nós».
EVANGELHO Lc. 7, 36-83
O texto desenrola-se no contexto
de um convite para uma refeição.
Os protagonistas são um fariseu observante que convidou
Jesus, uma mulher «pecadora», que com atitudes abertamente audazes, mesmo
ambíguas, veio «manchar» uma casa tão respeitável, e o Mestre que, com grande
surpresa do fariseu que O convidou, permite à mulher exprimir os seus gestos
afectuosos. Mediante a linguagem densa de uma
parábola, Jesus explica com eficácia o Evangelho da misericórdia.
A mesa é o lugar preferido de Jesus
para diálogos confidenciais
e grandes revelações. Em redor da mesa, mediante a parábola dos
«dois devedores» (7,40-41), o
Mestre dramatiza a atitude de Simão e da pecadora: no
«primeiro devedor» está representada a mulher, que tem a consciência viva do
grande perdão concedido e por isso fica cheia
de amor reconhecido; no «segundo» temos a figura do fariseu, que se fecha num
conceito de «ser bom», hipócrita precisamente porque ainda não
compreendeu que também ele recebeu tudo gratuitamente, e por isso não tem a
coragem de se aventurar pelo caminho do amor,
onde o precedeu a pecadora. Só ela, no final, pode ouvir a palavra libertadora: «Vai em paz.»
(7,50)
A mulher do
Evangelho está entre as pessoas que permitem «serem agraciadas». Ela, mais que o
fariseu Simão, deu espaço a Jesus e ao
Evangelho na sua casa, isto é, na sua vida, com gestos de acolhimento
hospitaleiro e lágrimas de arrependimento. O fariseu Simão, voltado para o
comprazimento dos seus méritos, está fechado ao prodígio de Deus que pode
renovar o coração. Não nota que Jesus proferiu a parábola não só para a
mulher, mas também para ele, porque também ele é um devedor para com Deus. O
amor que aqui exprime a gratidão, vem antes
ou depois do perdão? É a sua causa ou o seu efeito? As palavras
«são-lhe perdoados os seus muitos pecados,
porque muito amou» (cf. 7,47a) é a
prova de algo que já aconteceu na consciência da mulher. Ela não mereceu
mais do que o fariseu, mas compreendeu mais
que ele, que fora amada gratuitamente, e demonstrou-o
Padre José Barbosa
Granja,
Reitor da Basílica dos Congregados, Braga. |