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PONTOS DE REFLEXÃO
PRIMEIRA LEITURA
lRs. 19,16b.l9-21
A narração
da vocação de Eliseu segue-se ao encontro que
Elias teve com o Senhor no monte
Horeb (cf. lRs 19,9-14). Depois da crise de Elias, o Senhor
conforta-o, dizendo-lhe que deixará
de ficar sozinho e indica-lhe colaboradores, entre os quais Eliseu
(v. 16). A tarefa do novo
eleito será o de não deixar extinguir em Israel a obra do seu
predecessor. O texto narra depois o momento
do seu chamamento, com o qual Eliseu
se torna discípulo de Elias
e seu herdeiro no exercício do carisma profético (w. 19-21).
Alguns símbolos são
significativos: cobrir com a capa (v. 19) indica
a investidura profética; no banquete, com o qual Eliseu
se despede dos familiares, são «queimados» os utensílios da sua
actividade precedente, para significar que o profeta rompe radicalmente
com o seu passado; a distribuição da «carne» pela sua
«gente», exprime a alegria do
chamamento que o eleito pretende partilhar com o povo (w. 20-21).
O ingresso
de Eliseu no ministério profético apresenta muitas
analogias com as cenas de vocação descritas nas páginas dos
evangelhos: o chamado começa a sua
caminhada como discípulo.
A Eliseu
são apontadas, em particular, a prontidão e a generosidade com as quais,
sem hesitação alguma, segue Elias e se põe
ao seu serviço (v. 20); mas também a
ruptura com o passado, expressa através do abandono do trabalho e
dos familiares (v. 21). A renúncia à
família constitui um dado novo na fé do povo hebreu,
uma espécie de etapa que prepara as exigências da vocação cristã (cf. Lc
9,61). A afirmação de Jesus no Evangelho de hoje refere-se
explicitamente a quem olha para trás: «Quem tiver lançado as
mãos ao arado e olhar para trás não serve para o reino de Deus.»
(Lc 9,62) O arado de Eliseu, bem
como as redes dos discípulos de
Jesus, tornam-se símbolo do novo
trabalho do ap8óstolo do Reino.
SEGUNDA
LEITURA Gl. 5,1.13-18
A argumentação de Paulo
chega a um ponto decisivo: os cristãos da Galácia não podem viver a sua
fé no compromisso, serem ao mesmo tempo filhos da
mulher livre e filhos da escrava. Fora de metáfora, a liberdade, que é o
grande dom da Redenção realizada por Cristo, não pode conviver no
cristão com a escravidão do pecado, nem com uma religiosidade feita de
normas e de leis. Está em jogo a
gratuidade da salvação obtida pela morte e ressurreição de
Cristo.
Viver segundo a liberdade
conquistada por Cristo e fazer d'Ele
a razão suprema da própria
vida é tarefa deveras comprometedora para todos,
e não só para os cristãos da Galácia.
Na vida do
homem trava-se uma batalha: de um lado a «carne»
com as suas obras, que são os vícios; e do outro o «Espírito» com
os seus frutos, que são as virtudes (w. 16-18). Há uma tentação sempre
latente, a de desejar um regresso ao estado de vida mais fácil segundo a
«carne», ou a de viver a religiosidade mais tranquilizadora de uma
observância de leis morais dadas por Deus. Paulo, que também fora
educado para uma observância da Lei segundo a rígida escola farisaica,
no caminho de Damasco deixara-se conquistar por Cristo, e através dessa
acção gratuita tinha feito a experiência de uma liberdade que antes
ignorava e da qual agora se torna arauto e testemunha.
Trata-se de uma liberdade à
qual somos «chamados» por Deus, de um estado de
vida que abre novas potencialidades criativas, que são possibilidades de
amor. A expressão «fostes chamados» (v. 13a) tem de facto como sujeito
implícito o Senhor, e recorda a origem divina e não humana dessa
liberdade a qual, como a filiação divina, não é possível sem o Espírito.
Este chamamento devido a pura graça, acolhido mediante a fé, garante
«sermos conduzidos pelo Espírito» (v. 16) e, em última análise, a
própria liberdade.
Paulo
propõe por isso uma relação paradoxal entre liberdade
e serviço: a actuação do cristão não
se manifesta tanto nos «deveres», mas na alegria livre e total do
amor (cf. w. 13b-14).
EVANGELHO
Lc. 9, 51-52
O início do
texto representa um ponto-chave do Terceiro
Evangelho: começa aqui a longa viagem
de Jesus, uma caminhada não só
geográfica, mas também espiritual e teológica, que culminará para
lá da cidade de Jerusalém, com a sua Ascensão deste
mundo. A decisão do Mestre mostra-se
firme e resoluta, (v. 51), até inspirar a Tiago e João, perante a
rejeição dos samaritanos, o pedido de «fogo dó céu» (w. 52-54), tal como
tinha pedido o profeta Isaías (cf. 2Rs 1,10-12). Mas a radicalidade
pedida por Jesus é de outro tipo,
como está expresso nas três breves cenas que
se seguem, as quais têm por tema as
exigências da sequela cristã (cf. w. 57-62). O chamamento dirigido aos
discípulos é um convite a seguir pelo caminho de Jesus até deixar-se
«levar» deste mundo juntamente com Ele.
Jesus é
apresentado no momento solene e sofrido no qual
«endureceu o seu rosto» (assim diz o
texto original, numa alusão evidente à experiência dos profetas)
para se dirigir a Jerusalém (v. 51).
Trata-se, para Ele, de uma dupla e decisiva decisão: a de ser
fiel aos homens, em favor dos quais tem uma missão a cumprir; e a de ser fiel ao Pai, para o qual orienta a Sua vida até quando
Ele O levar deste mundo.
Esta
determinação torna o Mestre mais exigente do que os
próprios profetas para com os que Ele
chama para a Sua sequela: Jesus exige disponibilidade para
abandonar o bem-estar e a segurança («O Filho do homem não tem onde
reclinar a cabeça»: v. 58); desapego
da realidade absolutamente mais querida, a dos afectos familiares
(«Deixa que os mortos sepultem os seus mortos;
tu, vai!»: v. 60); adesão total ao Reino que não admite atrasos
ou arrependimentos («Quem tiver lançado as mãos ao arado e olhar para
trás não serve para o Reino de Deus»: v. 62).
A pessoa de
Cristo e o Reino que anuncia representam o valor absoluto que torna
secundário e penúltimo todo o resto. Ao mesmo tempo, diante dos
discípulos, indignados pela rejeição dos Samaritanos e desejosos de um
castigo imediato (w. 53-54), Jesus anuncia que, antes do tempo do juízo,
há o tempo da conversão e da missão, no qual é pedido ao discípulo que
testemunhe de modo radical a bondade, a misericórdia e a paciência
divinas.
P. José Granja,
Reitor da Basílica dos Congregados, Braga. |