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PONTOS DE REFLEXÃO
I LEIRURA Pt
30,10-14
Em tons intensos e
convincentes, de nítida influência sapien-cial, o Senhor pede uma «conversão de
todo o coração» e uma renovação interior (v.
10): a sua Palavra e o Seu mandamento não terão eficácia senão quando
passarem das tábuas de pedra do Sinai para o coração de carne do homem, como
pediam as profecias, contemporâneas do Deuteronómio, de Jeremias (cap. 31)
e de Ezequiel (cap. 36). «Esta palavra está perto de ti, na tua boca
e no teu coração.» (w. 11-14)
A página do antigo
pacto que hoje a liturgia proclama para nós, recorda imediatamente aos cristãos
o seu pleno cumprimento em Jesus. «Esta
palavra» que «está perto de ti» (v. 14) preludia
a Palavra feita carne da reflexão de São
João (cf. Jo 1,1-18); e também a «palavra da fé», acreditada com o
coração e proclamada com a boca, de que nos
fala São Paulo (cf. Rm 10,8).
Como Jesus dirá na parábola do
samaritano, conhecer, amar e encarnar o mandamento do
Senhor não é algo remoto, um compromisso estranho e inatingível. Desde que,
porém, o «manda-
mento novo» se
torne a lei da nossa vida e nos leve a compreender
que todas as nossas dificuldades em encarnar a Palavra são na realidade
um carência de amor, um aviso capaz de nos lembrar que no nosso coração a fonte
de amor já secou.
Por isso nenhum
homem pode apresentar desculpas para não
acolher a Palavra do Senhor na sua vida, «com todo o coração» e
«com toda a alma» (v. 10), como se fosse algo inacessível, como se
habitasse em terras inatingíveis. Todos a podem aprender e conservar
dentro de si e pô-la em prática traduzindo-a em opções de vida coerentes.
II LEITURA Cl
1,15-20
A passagem
proclamada na liturgia é o hino complexo e original que abre a Carta aos
cristãos de Colossos, uma cidade da Ásia
Menor central. Podem reconhecer-se duas estrofes que celebram Cristo. A
primeira (w. 15-17) anuncia em Cristo o sentido original
da Criação e da sua evolução; Ele preside à Criação, é responsável por ela enquanto origem e fim, Seu centro de unidade e harmonia.
A segunda estrofe (w. 18-20) canta igualmente Cristo,
enquanto «cabeça» e «primogénito» dessa nova
Criação que é a Igreja, prolongamento da sua Encarnação e objecto da Sua
obra histórica de redenção e de salvação.
A liturgia orienta
o nosso olhar para a figura luminosa de Cristo, que nos é apresentado nas Suas
prerrogativas divinas. N'Ele podemos contemplar o «Filho amado», a expressão
perfeita do rosto e dos sentimentos do Pai.
Na Sua pessoa, nos Seus gestos, nos Seus ensinamentos vemos brotar o amor que
nos encaminha para a fonte, para o próprio coração de Deus. Cristo é o
«ícone» real do Pai (cf. v. 15), alma
vivificante de toda a realidade cósmica e humana e Aquele que, à maneira
da Sabedoria divina, harmoniza e sustenta tudo o que existe (w. 16-17).
Cristo considera-nos Seu «corpo»,
Sua «Igreja» (v. 18a), orienta
para nós as Suas propriedades divinas, envolve-nos com o poder
do Seu amor. D'Ele temos a vida, d'Ele podemos esperar todos
os bens. Ele é o «primogénito» (v.
18b), ou seja, ocupa um lugar prioritário, porque
experimentou em primeiro lugar o morrer e o
ressuscitar; na Sua ressurreição está garantida a ressurreição de todos.
ÉVANGELHO- Lc.
10,25-37
Hoje somos
conduzidos ao coração do Evangelho pela estupenda parábola do samaritano, que a
mestria narrativa de Lucas coloca entre dois diálogos do Mestre com um doutor da
Lei. Este pergunta que há-de fazer para ter uma vida que não morra (v. 25)
e mostra conhecer bem o assunto (v. 27),
quando afirma que não existe outro caminho para entrar na vida senão o do
amor a Deus, como lembra a oração diária do
Shemá (cf. Dt 6,5); e aos
irmãos, como está escrito no Livro do Levítico (cf. Lv 19,18). Mas já não
possui ideias tão claras acerca da identidade do seu próximo (cf. v. 29). Jesus
explica-lho com uma parábola (w. 30-37).
Porventura,
colocando uma pergunta acerca do critério para
discernir a identidade do «seu próximo» (v.
29), o doutor da Lei pretendia ouvir uma lista tranquilizadora de pessoas
de bem às quais poderia dedicar o seu amor. Era a lógica que movia este hebreu,
e talvez muitos cristãos da comunidade à qual Lucas se dirigia, onde se podia
correr o risco de subverter o mandamento do amor, em nome de pretensos e
superiores valores religiosos. Ora Jesus pede antes uma mudança de mentalidade. Na narração
em forma de parábola (w. 30-35), com
passagens audaciosas, coloca em cena três personagens emblemáticas: um
sacerdote e um levita que, fiéis à
norma que lhes proibia contrair impureza (cf. Lv 21,1;
Nm 19,11-13), são como que
impedidos pelas suas mansões, de cumprir um acto de caridade; e um samaritano que,
surpreendentemente, é movido por outra lógica, a da compaixão (v. 33).
O segundo diálogo entre Jesus e o
rabino, a seguir à parábola
(w. 36-37), esclarece o evidente
salto qualitativo: o problema não está em saber «quem» é o nosso próximo, mas
sim comp «tornar-se próximo» do outro, derrubando todas
as barreiras e discussões abstractas. O
mandamento final «faz o mesmo» (v. 37), convidando o doutor da Lei e todos nós a adoptarmos a misericórdia
como estilo e razão de vida, sem nos
perguntarmos se o infeliz jaz ferido no caminho por sua culpa ou por
culpa de outrem, e sem nos deixarmos
condicionar por purezas «legais» que temos de defender, ou por medo de
contactar com o irmão muito de perto.
Esta página evangélica exorta todos
os discípulos a deixarem-se
penetrar pela mesma misericórdia que impele o pastor a procurar a ovelha
perdida (cf. Lc 15,4-7), o pai a correr ao encontro do
filho perdido (cf. Lc 15,11-32) e Jesus a morrer numa Cruz (Lc 23,44-46).
Padre José Granja,
beneditino |