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PONTOS DE
REFLEXÃO
PRIMEIRA LEITURA
Gn. 18, 1-10a
Na visita das três
personagens misteriosas a Abraão, o narrador retoma o tema, conhecido na Bíblia,
do encontro de personagens divinas com casais estéreis, para anunciar o
nascimento de um filho. A primeira cena apresenta o «Senhor» que, incógnito sob
a aparência de três viandantes, faz uma visita ao Patriarca (v. 1). A segunda
descreve os gestos da hospitalidade exemplar de Abraão, conforme o protocolo do
deserto (w. 2-8). Na terceira cena, o Senhor hospedado deixa ao casal ancião um
presente que ultrapassa todas as expectativas humanas: a promessa de um filho
(w. 9-10).
Esta visita permanece
rodeada de mistério. Antes de mais, relativamente à identidade das três
personagens. Neles Abraão percebe uma presença divina, tanto que lhes chama «meu
Senhor», (v. 3) Os antigos Padres da Igreja viram nisso uma antecipação, embora
não consciente, da Santíssima Trindade, e nesta tradição se insere também o
estupendo e singular ícone do monge Andrei Rublev.
Em segundo lugar
surpreende-nos a atitude dos três hóspedes. Abraão presta-lhes um acolhimento
animado e atencioso: prepara-lhes descanso à sombra das árvores; manda que lhes
la vem os pés (v. 4); oferece-lhes uma refeição suculenta (w. 5-8);
e enquanto os misteriosos viandantes tomam a
refeição, ele fica «de pé» (v. 8), numa atitude de discreta
disponibilidade. Deus aceita, mostra-Se
familiar, não recusa os gestos de hospitalidade, permanece junto do homem
como costumamos fazer com um amigo, dialoga com ele e comunica-lhe o Seu
segredo. Em nenhuma outra página da Bíblia se
fala do Deus que toma alimento juntamente com os homens. Como não se
há-de ver nesta cena uma imagem do banquete eucarístico no qual Jesus, Deus
feito carne, se senta à mesa com os homens?
Finalmente, é
misteriosa a dádiva concedida: Isaac, fruto de uma intervenção gratuita do
Senhor (w. 9,10). A promessa de um filho é deveras paradoxal, uma vez que o
velho casal hospedeiro, Abraão e Sara, já não têm possibilidades de gerarem um
filho. O silêncio do Patriarca é sinal de fé, disponibilidade adorante de um
homem que confia na promessa d’Aquele que ele reconheceu
como o Senhor. Está aqui a raiz santa da fé
do povo de Israel e do povo cristão.
SEGUNDA LEITURA Cl.
1, 24-28
Paulo está plenamente convencido
de que o facto de ser «ministro do Evangelho» (v. 25a)
não se realiza de forma neutra ou desligada, mas exige dele uma participação existencial, feita também
de «sofrimento», tal como Cristo envolveu todo o Seu ser na obra da Redenção,
até à oferta da Sua vida. O compromisso missionário e pastoral que o Senhor
confiou a Paulo é o anúncio da sua Palavra, cujo conteúdo é único: o «mistério»,
ou seja, o projecto salvífico universal que
Cristo nos revelou (w. 26-27). Também a finalidade da pregação é única: conduzir a Humanidade e «cada
homem» à «perfeição» diante de Deus (v. 28).
À Paixão de Cristo não
falta nada, é suficiente para salvar o mundo inteiro. Paulo, por seu lado, não
tem a ambição de completar «o que falta» (v.
24), mas sabe que a Paixão de Jesus deve
ser aplicada à vida de cada crente e está
convicto da fecundidade dessa participação.
O servo do Evangelho
torna-se testemunha credível, porque acompanha o testemunho com a oferta da
vida, entendida como sofrimento de amor que
deriva do serviço do Evangelho. Por isso, mesmo agora que se encontra na
prisão, aparentemente inactivo do ponto de
vista apostólico, Paulo manifesta a sua alegria, certo de que os seus
«sofrimentos» são um serviço «em benefício do seu corpo que é a Igreja», (v. 24)
A Paixão do Senhor continua, deste modo,
operante enquanto vive no seu Apóstolo.
É uma vocação elevada este acolher
o sofrimento numa orientação de amor, numa oferta generosa em benefício da
Igreja, não menor que o
esforço de Paulo em anunciar o plano divino a favor dos
«gentios» (v. 27), para que também
eles sejam admitidos à salvação.
EVANGELHO Lc.
10, 38-42
A viagem de Jesus para Jerusalém
não é uma simples mudança,
mas - na perspectiva de Lucas - é a visita de Deus ao seu Povo
(cf. Lc 1,68.78). Por isso os episódios de hospitalidade que
acontecem ao longo do caminho assumem um significado particular, como lemos no
Evangelho de hoje em que o Mestre é acolhido na casa de duas irmãs. «A melhor
parte» (v. 42) que Maria escolhe indica não só o dom de Deus, que devemos
acolher em espírito de acção de graças ao Pai, mas é metáfora para indicar o
próprio Senhor, que pessoalmente Se nos revela na Sua intimidade.
O Mestre é designado
nestas linhas como «o Senhor», um título que os primeiros cristãos começaram a
atribuir a Jesus só à luz da Páscoa. Por isso a fé pós-pascal, fruto da
Ressurreição, oferece-nos a chave certa de leitura.
As duas mulheres
encarnam cada qual um modo de relacionar-se com o «Senhor» ressuscitado, vivo e
presente na Igreja de todos os tempos. Enquanto Marta instaura uma relação
mediante os múltiplos cuidados do serviço {diakonía: v. 40), Maria
escolhe a mediação da Palavra («ouvia»: v. 39).
Marta manifesta a
alegria pela visita de Jesus com o «muito serviço», vivido, porém, numa
atmosfera de preocupação ansiosa que acaba por falsear a perspectiva: Aquele que
deveria ser acolhido é em vez disso censurado, «Senhor, não Te importas...?»
Maria, «sentada aos pés de Jesus» exprime a atitude do discípulo que compreendeu
a proeminência da sua Palavra.
Marta é Israel que
observa os preceitos cumprindo as boas obras do generoso servidor de Deus, para
se preparar para a vinda do Senhor, mas depois, como que arrastada pela agitação
e pela inquietação, arrisca-se a não reparar que Ele está presente. Maria, pelo
contrário, é o Israel que reconhece a «visita» do seu Deus e se alegra com a
presença do Esposo, experimentando a alegria do discípulo alimentado da sua
Palavra. É significativo o contraste entre o «muito serviço» que ocupa Maria, e
a «única» coisa que é necessária, escolhida por Maria
Padre José Granja,
beneditino |