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PONTOS DE REFLEXÃO
PRIMEIRA LEITURA
Sb
9,13-19
Ninguém pode conhecer
os pensamentos do Senhor: se é tão difícil entender as coisas do mundo, muito
mais o é compreender os desígnios de Deus e os Seus projectos sobre a nossa vida
(w. 13-16). Só a «sabedoria», o «espírito» que desce «do alto», pode revelar os
caminhos do Senhor e permite caminhar por eles. Mediante essa revelação os
homens puderam «endireitar» as suas «veredas» e orientar a sua caminhada segundo
a vontade divina. Sem a Sabedoria ninguém pode «conhecer» o que é agradável a
Deus, nem pode «salvar a sua vida» (w. 17-18).
Este texto é a
conclusão da célebre oração de Salomão para obter a Sabedoria (cf.
Sb 9,1-18). Essa oração está
colocada no centro do livro, como um digno fecho da segunda parte (caps. 6-9),
que trata da Sabedoria que se deve procurar, invocar e acolher como esposa e
companheira de vida.
A conclusão,
referida em geral a todo o ser mortal (v. 13), alarga a todos as reflexões
atribuídas ao sábio Salomão: se ele, tão extraordinariamente
dotado, teve de pedir a Deus a Sabedoria, para conhecer os segredos e os
caminhos da vida, muito mais deverão fazê-lo
os outros homens. Cada pessoa, de facto, é «fraca e de vida
breve,
incapaz de compreender a justiça e as leis. Mesmo o mais perfeito de entre os
filhos dos homens, privado da Sabedoria de Deus, seria julgado um nada» (cf.
Sb 9,5-6). A Sabedoria habita nos
lugares celestes, junto do Senhor: só Ele pode dispor dela. A invocação do
orante brota então espontânea e confiante ao Altíssimo: «Enviai-a dos santos
céus... do Vosso trono glorioso, para que ela me assista nos meus trabalhos e me
ensine o que Vos é agradável.» (9,10)
SEGUNDA LEITURA
FM 9b-10.12-17
Paulo, prisioneiro,
agrilhoado pelo Evangelho, nesta Carta breve e afectuosa, recomenda a Filémon
que acolha o seu escravo Onésimo, o qual, mediante a fé, recebeu a liberdade em
Cristo. Convida-o a recebê-lo «não já» simplesmente «como escravo», mas «como
irmão», e enquanto tal, querido de Paulo como do próprio Filémon (v. 16). Como
se vê, embora as relações sociais permaneçam, o espírito que as anima é novo:
«Agora já não há escravos nem homens livres, já que todos são uma coisa só em
Cristo.» (Gl 3,28;
ICor 12,13; Cl
3,11)
Este texto constitui o centro e o
objecto específico da breve
Carta a Filémon. O texto litúrgico começa com a
auto-apresentação de «Paulo», que se declara
«prisioneiro por amor de Cristo Jesus» (v. 9); embora estando preso não
deixou de anunciar o Evangelho e «gerou» para a fé Onésimo, a quem ama como um
«filho» (v. 10).
Por ele, escravo que
mediante a fé se tornou irmão e «como se fosse o meu próprio coração» (v. 12),
Paulo roga a Filémon. Poderia dar ordens, com base na missão apostólica recebida
do próprio Deus («Embora tendo em Cristo plena liberdade de te ordenar»,
Fm 8; cf.
Gl 1,11-12) e pelo facto de também
a fé de Filémon, e da comunidade a que pertence, seja devida à sua pregação, mas
Paulo prefere pedir em nome da caridade. Não só: ele próprio «nada quis fazer
sem o consentimento» de Filémon, não quis colocá-lo perante uma decisão já
tomada «para que a tua boa acção não parecesse forçada, mas feita de livre
vontade» (v. 14).
Onésimo, de escravo e
fugitivo, agora regressa espontaneamente e «para sempre» para junto de Filémon
(v. 15): que este o receba «não já» «como escravo», mas como «um irmão» e por
isso o acolha como faria com o próprio Paulo (w. 16-17).
EVANGELHO
Lc 14,25-33
Na redacção de Lucas,
o texto é introduzido pela verificação de Jesus de que «O seguia uma grande
multidão» (v. 25), embora na narração anterior tenha contado a rejeição dos
convidados para a ceia do Reino (cf. Lc 14,15-24), Dirigindo-Se então às pessoas,
Jesus proclama que ninguém pode ser «Seu discípulo» se não renunciar aos afectos
mais queridos, à sua própria «vida», e não seguir o Mestre «carregando» atrás
dEle a «sua cruz» (w. 26-27). Com a comparação da «torre» a construir e da
«guerra», que não se devem começar sem possuir as condições adequadas, Jesus
declara a impossibilidade de ser seguido por aqueles que não renunciam aos seus
haveres (w. 28-33).
Note-se o contraste
entre as pessoas numerosas que seguem Jesus e a selecção radical imposta pela
sequela: «Se alguém vem ter comigo...» (v. 26a) O contraste não é somente a
nível quantitativo-numérico, mas também qualitativo, entre o andar simplesmente
com Jesus, como faziam as multidões, e a decisão pessoal e extremamente
comprometedora de colocar o Mestre no primeiro lugar, sem meias medidas,
dando-Lhe a precedência sobre tudo o que deriva da carne e do sangue, inclusive
sobre «a própria vida». Exige-se, portanto, uma morte e uma ressurreição, uma
nova vida que nasce da cruz que o discípulo transporta no seguimento e em
comunhão com o seu Senhor. Verifique-se a propósito a sequência impressionante
dos «não» em relação às pessoas e às
realidades mais queridas: pai; mãe; esposa; filhos; irmãos; irmãs (v.
26b).
E não basta ter
decidido de uma vez por todas, ter assentado
os alicerces, como se vê na comparação com a «torre» (w. 28-30);
requer-se a constância, a perseverança numa opção radical, de acordo com o
estilo do Mestre. Não nos podemos esquecer de que estamos no contexto da célebre
«viagem» para a Cidade Santa, introduzido com uma fórmula que revela todo o Seu
programa: Jesus «tomou a firme decisão de Se dirigir para Jerusalém» (Cf. Lc
9,51).
(…)
Para fazer opções
deste género requer-se ser iluminado por
Deus, possuir a Sua «sabedoria»
(primeira leitura), sem a qual
ninguém pode pôr-se na sequela do
Mestre, cujo destino é o de sofrer muito para entrar na Sua glória (cf. os
anúncios da Paixão, Mc
8,31-33; 9,30-32; 10,32-34 e paralelos): um discurso
duro e inacessível não só para as multidões como também para os discípulos. É
mesmo aqui que naufragam a sabedoria
humana e as tentativas para
entrar nos projectos de Deus.
Padre José Granja,
beneditino |