Já pelos doze anos,
adoeceu gravemente, chegando a receber os últimos sacramentos, mas melhorou,
podendo retomar os trabalhos do campo. Deram-lhe então na freguesia « o cargo
de catequista e cantora ; trabalhava com muito gosto tanto
num
cargo como no, outro, mas pelo canto — atesta ela — tinha
uma paixão louca ».
Aos catorze anos e quatro
meses, porém, começou a sofrer da doença que para toda a vida a viria a
inutilizar. Originou-se, ao que parece, de uma queda. Oiçamo-la a ela :
« Até aos catorze anos
trabalhei nos campos, e com tal cuidado, que me pagavam o jornal como a minha
mãe. Uma vez andava a apanhar hera, numa carvalheira, para dar ao gado e caí
abaixo, ficando algum tempo sem me poder mexer e sem respirar, levantando-me
pouco depois, para continuar o meu serviço. Aos catorze anos e quatro meses
deixei o trabalho para sempre, embora há meses trabalhasse com muito custo...
Principiei a consultar
médicos, coisa que me custava imenso. Eles trataram-me de varias doenças ; ao
principio tudo corria bem e todos tinham pena de mim e eu só sentia o desgosto
dos meus males. Isto porém, durou bem pouco tempo. As minhas melhores amigas,
pessoas de família e até o próprio pároco
(já falecido) revoltaram-se contra mim.
Chegaram a fazer caçoada de mim, do meu modo de andar, da posição que tinha na
Igreja... Mas eu não podia estar de outra forma.
O Sr. Abade dizia-me que eu
não comia, porque não queria e, se morresse, que ia para o inferno. Quando me ia
confessar, dizia-me também que o meu maior pecado era não comer. Estas palavras
fizeram-me sofrer muito sozinha ; com Nosso Senhor é que eu desabafava...
Como piorasse cada vez mais
e ao verem o meu estado, foi o próprio Sr. Abade quem aconselhou minha mãe a
levar-me a um médico conhecido dele. Foi esse que me veio tirar do martírio em
que vivia, dizendo aos que lhe perguntavam : “que eu não comia, porque não
podia” ».
Uma das coisas que certamente
contribuiu para o agravamento da doença foi outro salto, dado em circunstâncias
que já por ai andam um pouco romanciadas. Conta-nos ela mesmo o caso :
« Uma ocasião estando eu,
minha irmã e uma pequena mais velha do que nós a trabalhar na costura, avistámos
três homens : o que tinha sido meu patrão, outro casado e um terceiro solteiro.
Minha irmã, percebendo alguma coisa e vendo-os seguir o nosso caminho,
mandou-nos fechar a porta da sala. Instantes depois, sentimos que eles subiam as
escadas que davam para a sala e bateram à porta. Falou--lhes minha irmã. O que
tinha sido meu patrão mandou abrir a porta, mas como não tivessem lá obra, não
lhes abrimos a porta. Ele conhecia bem a casa e subiu par umas escadas pelo
interior da habitação e os outros ficaram à porta onde tinham batido. Ele, não
podendo entrar pelo interior por um alçapão que estava fechado e resguardado por
uma maquina de costura, pegou num maço e deu fortes pancadas nas tábuas, até
arrebentar o alçapão, tentando passar par ai.
Minha irmã, ao ver isto,
abriu a porta da sala e conseguiu escapar-se, apesar de a prenderem pela roupa.
A outra pequena foi a segunda a fugir, mas essa ficou presa e eu, ao ver tudo
isto, saltei pela janela que estava aberta e que deitava para o quintal. Sofri
um grande abalo, porque a janela distava do chão quatro metros. Quis levantar-me
logo, mas não pude, porque me deu uma forte dor... Cheia de coragem, peguei num
pau e entrei pela porta do quintal para o eirado, onde estava a minha irmã a
discutir com um dos dois casados. A outra pequena estava na sala, com o
solteiro. Eu aproximei-me deles zangada e disse que, ou deixavam vir a pequena
ou então gritava contra eles. Aceitaram a proposta... Não lhes demos mais
confiança ; eles retiraram-se e nos continuamos a trabalhar... Pouco depois,
comecei a sofrer mais e toda a gente dizia que foi do salto que dei : os médicos
também afirmaram que muito concorreria para a minha doença ».
Aos 16 anos, pouco mais
ou menos, foi para à Póvoa de Varzim, a ver se mais facilmente encontrava
remédio para seus males. « Aos dezanove anos — escreve ela — acamei.
Nesta altura, o médico do Porto, Sr. Dr. João de Almeida, informou minha mãe de
que temia que eu entrevasse ».
Foi de facto o que
aconteceu. Exames sérios, feitos mais tarde, em Julho de 1941, rectificadas em
Maio de 1942 e anotados em 19 de Janeiro de 1943, pelo Dr .Gomes de Araujo e
confirmados pelos Drs. Carlos Alberto Lima, professor laureado da Faculdade de
Medicina do Porto, e Dr. Manuel Augusto de Azevedo, formado pela mesma
Faculdade, dizem que « A doente Alexandrina Maria da Costa é portadora de
compressão medular alta só, ou complicada de outros focos compressivos baixos ».
« A historia da doença, os sintomas de
que anteriormente se queixava e que hoje (Maio de 1942) apresenta, fazemcrer que
se trata de uma mielite de vários focos, mas principalmente lombo-sagrada, ou
compressão medular de um ou mais focos. ..É portadora também de uma cistite
possivelmente devida aos cateterismos efectuados, durante longo tempo, mas o que
principalmente avulta, na sua sintomatologia, é a compressão medular, ou mielite
que a impossibilita de mexer-se, atento o grau que ela atingiu, na sua evolução
de anos ».
Par isso, « sentia astenia
profunda e dores por todo a corpo ; dizia não haver parte nenhuma que estivesse
sem dores, sendo estas acentuadíssimas na região lombo-sagrada e nos membros
inferiores. A pressão em qualquer parte do seu corpo produzia dores horríveis,
mas principalmente na região lombo-sagrada, no hipogastro e no flanco esquerdo.
“Estas dores são tão intensas — escrevia o Sr. Doutor Manuel Augusto de Azevedo — que
tornam por vezes lívido o seu rosto, mas sem um queixume, havendo resignação
completa e constante ».
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