PROÉMIO(1)
Íntima união da Igreja com toda a família humana
1. As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos
homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem,
são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias
dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente
humana que não encontre eco no seu coração. Porque a sua comunidade
é formada por homens, que, reunidos em Cristo, são guiados pelo
Espírito Santo na sua peregrinação em demanda do reino do Pai, e
receberam a mensagem da salvação para a comunicar a todos. Por este
motivo, a Igreja sente-se real e intimamente ligada ao género humano
e à sua história.
A quem se dirige o Concílio: todos os homens
2. Por isso, o Concílio Vaticano II, tendo investigado mais
profundamente o mistério da Igreja, não hesita agora em dirigir a
sua palavra, não já apenas aos filhos da Igreja e a quantos invocam
o nome de Cristo, mas a todos os homens. Deseja expor-lhes o seu
modo de conceber a presença e actividade da Igreja no mundo de hoje.
Tem, portanto, diante dos olhos o mundo dos homens, ou seja a
inteira família humana, com todas as realidades no meio das quais
vive; esse mundo que é teatro da história da humanidade, marcado
pelo seu engenho, pelas suas derrotas e vitórias; mundo, que os
cristãos acreditam ser criado e conservado pelo amor do Criador;
caído, sem dúvida, sob a escravidão do pecado, mas libertado pela
cruz e ressurreição de Cristo, vencedor do poder do maligno; mundo,
finalmente, destinado, segundo o desígnio de Deus, a ser
transformado e alcançar a própria realização.
Para iluminar a problemática humana e salvar o homem
3. Nos nossos dias, a humanidade, cheia de admiração ante as
próprias descobertas e poder, debate, porém, muitas vezes, com
angústia, as questões relativas à evolução actual do mundo, ao lugar
e missão do homem no universo, ao significado do seu esforço
individual e colectivo, enfim, ao último destino das criaturas e do
homem.
Por isso, o Concílio, testemunhando e expondo a fé do Povo de Deus
por Cristo congregado, não pode manifestar mais eloquentemente a sua
solidariedade, respeito e amor para com a inteira família humana, na
qual está inserido, do que estabelecendo com ela diálogo sobre esses
vários problemas, aportando a luz do Evangelho e pondo à disposição
do género humano as energias salvadoras que a Igreja, conduzida pelo
Espírito Santo, recebe do seu Fundador. Trata-se, com efeito, de
salvar a pessoa do homem e de restaurar a sociedade humana. Por
isso, o homem será o fulcro de toda a nossa exposição: o homem na
sua unidade e integridade: corpo e alma, coração e consciência,
inteligência e vontade.
Eis a razão por que este sagrado Concílio, proclamando a sublime
vocação do homem, e afirmando que nele está depositado um germe
divino, oferece ao género humano a sincera cooperação da Igreja, a
fim de instaurar a fraternidade universal que a esta vocação
corresponde. Nenhuma ambição terrena move a Igreja, mas ùnicamente
este objectivo: continuar, sob a direcção do Espírito Consolador, a
obra de Cristo que veio ao mundo para dar testemunho da verdade (2),
para salvar e não para julgar, para servir e não para ser servido
(3).
INTRODUÇÃO
A CONDIÇÃO DO HOMEM NO MUNDO ACTUAL
Esperanças e temores
4. Para levar a cabo esta missão, é dever da Igreja investigar a
todo o momento os sinais dos tempos, e interpretá-los à luz do
Evangelho; para que assim possa responder, de modo adaptado em cada
geração, às eternas perguntas dos homens acerca do sentido da vida
presente e da futura, e da relação entre ambas. É, por isso,
necessário conhecer e compreender o mundo em que vivemos, as suas
esperanças e aspirações, e o seu carácter tantas vezes dramático.
Algumas das principais características do mundo actual podem
delinear-se do seguinte modo.
A humanidade vive hoje uma fase nova da sua história, na qual
profundas e rápidas transformações se estendem progressivamente a
toda a terra. Provocadas pela inteligência e actividade criadora do
homem, elas reincidem sobre o mesmo homem, sobre os seus juízos e
desejos individuais e colectivos, sobre os seus modos de pensar e
agir, tanto em relação às coisas como às pessoas. De tal modo que
podemos já falar duma verdadeira transformação social e cultural,
que se reflecte também na vida religiosa.
Como acontece em qualquer crise de crescimento, esta transformação
traz consigo não pequenas dificuldades. Assim, o homem, que tão
imensamente alarga o próprio poder, nem sempre é capaz de o pôr ao
seu serviço. Ao procurar penetrar mais fundo no interior de si
mesmo, aparece frequentemente mais incerto a seu próprio respeito.
E, descobrindo gradualmente com maior clareza as leis da vida
social, hesita quanto à direcção que a esta deve imprimir.
Nunca o género humano teve ao seu dispor tão grande abundância de
riquezas, possibilidades e poderio económico; e, no entanto, uma
imensa parte dos habitantes da terra é atormentada pela fome e pela
miséria, e inúmeros são ainda os analfabetos. Nunca os homens
tiveram um tão vivo sentido da liberdade como hoje, em que surgem
novas formas de servidão social e psicológica. Ao mesmo tempo que o
mundo experimenta intensamente a própria unidade e a
interdependência mútua dos seus membros na solidariedade necessária,
ei-lo gravemente dilacerado por forças antagónicas; persistem ainda,
com efeito, agudos conflitos políticos, sociais, económicos,
«raciais» e ideológicos, nem está eliminado o perigo duma guerra que
tudo subverta. Aumenta o intercâmbio das ideias; mas as próprias
palavras com que se exprimem conceitos da maior importância assumem
sentidos muito diferentes segundo as diversas ideologias.
Finalmente, procura-se com todo o empenho uma ordem temporal mais
perfeita, mas sem que a acompanhe um progresso espiritual
proporcionado.
Marcados por circunstâncias tão complexas, muitos dos nossos
contemporâneos são incapazes de discernir os valores verdadeiramente
permanentes e de os harmonizar com os novamente descobertos. Daí
que, agitados entre a esperança e a angústia, sentem-se oprimidos
pela inquietação, quando se interrogam acerca da evolução actual dos
acontecimentos. Mas esta desafia o homem, força-o até a uma
resposta.
Evolução e domínio da técnica e da ciência
5. A actual perturbação dos espíritos e a mudança das condições de
vida, estão ligadas a uma transformação mais ampla, a qual tende a
dar o predomínio, na formação do espírito, às ciências matemáticas e
naturais, e, no plano da acção, às técnicas, fruto dessas ciências.
Esta mentalidade científica modela a cultura e os modos de pensar
duma maneira diferente do que no passado. A técnica progrediu tanto
que transforma a face da terra e tenta já dominar o espaço.
Também sobre o tempo estende a inteligência humana o seu domínio:
quanto ao passado, graças ao conhecimento histórico; relativamente
ao futuro, com a prospectiva e a planificação. Os progressos das
ciências biológicas, psicológicas e sociais não só ajudam o homem a
conhecer-se melhor, mas ainda lhe permitem exercer, por meios
técnicos, uma influência directa na vida das sociedades. Ao mesmo
tempo, a humanidade preocupa-se cada vez mais com prever e ordenar o
seu aumento demográfico.
O próprio movimento da história torna-se tão rápido, que os
indivíduos dificilmente o podem seguir. O destino da comunidade
humana torna-se um só, e não já dividido entre histórias
independentes. A humanidade passa, assim, duma concepção
predominantemente estática da ordem das coisas para um outra,
preferentemente dinâmica e evolutiva; daqui nasce uma nova e imensa
problemática, a qual está a exigir novas análises e novas sínteses.
Mudanças na ordem social
6. Pelo mesmo facto, verificam-se cada dia maiores transformações
nas comunidades locais tradicionais, como são famílias patriarcais,
as clãs, as tribos, aldeias e outros diferentes grupos, e nas
relações da convivência social.
Difunde-se progressivamente a sociedade de tipo industrial, levando
algumas nações à opulência económica e transformando radicalmente as
concepções e as condições de vida social vigentes desde há séculos.
Aumentam também a preferência e a busca da vida urbana, quer pelo
aumento das cidades e do número de seus habitantes, quer pela
difusão do género de vida urbana entre os camponeses.
Novos e mais perfeitos meios de comunicação social permitem o
conhecimento dos acontecimentos e a rápida e vasta difusão dos modos
de pensar e de sentir; o que, por sua vez, dá origem a. numerosas
repercussões.
Nem se deve minimizar o facto de muitos homens, levados por diversos
motivos a emigrar, mudarem com isso o próprio modo de viver.
Multiplicam-se assim sem cessar as relações do homem com os seus
semelhantes, ao mesmo tempo que a própria socialização introduz
novas ligações, sem no entanto favorecer em todos os casos uma
conveniente maturação das pessoas e relações verdadeiramente
pessoais («personalização»).
É verdade que tal evolução aparece mais claramente nas nações que
beneficiam já das vantagens do progresso económico e técnico, mas
nota-se também entre os povos ainda em vias de desenvolvimento, que
desejam alcançar para os seus países os benefícios da
industrialização e da urbanização. Esses povos, sobretudo os que
estão ligados a tradições mais antigas, sentem ao mesmo tempo a
exigência dum exercício cada vez mais pessoal da liberdade.
Transformações psicológicas, morais e religiosas
7. A transformação de mentalidade e de estruturas põe muitas vezes
em questão os valores admitidos, sobretudo no caso dos jovens.
Tornam-se frequentemente impacientes e mesmo, com a inquietação,
rebeldes; conscientes da própria importância na vida social, aspiram
a participar nela o mais depressa possível. Por este motivo, os pais
e educadores encontram não raro crescentes dificuldades no
desempenho da sua missão.
Por sua vez, as instituições, as leis e a maneira de pensar e de
sentir herdadas do passado nem sempre parecem adaptadas à situação
actual; e daqui provém uma grave perturbação no comportamento e até
nas próprias normas de acção.
Por fim, as novas circunstâncias afectam a própria vida religiosa.
Por um lado, um sentido crítico mais apurado purifica-a duma
concepção mágica do mundo e de certas sobrevivências supersticiosas,
e exige cada dia mais a adesão a uma fé pessoal e operante; desta
maneira, muitos chegam a um mais vivo sentido de Deus. Mas, por
outro lado, grandes massas afastam-se pràticamente da religião. Ao
contrário do que sucedia em tempos passados, negar Deus ou a
religião, ou prescindir deles já não é um facto individual e
insólito: hoje, com efeito, isso é muitas vezes apresentado como
exigência do progresso científico ou dum novo tipo de humanismo. Em
muitas regiões, tudo isto não é apenas afirmado no meio filosófico,
mas invade em larga escala a literatura, a arte, a interpretação das
ciências do homem e da história e até as próprias leis civis; o que
provoca a desorientação de muitos.
Desequilíbrios pessoais familiares e sociais
8. Uma tão rápida evolução, muitas vezes processada desordenadamente
e, sobretudo, a consciência mais aguda das desigualdades existentes
no mundo, geram ou aumentam contradições e desequilíbrios.
Ao nível da própria pessoa, origina-se com frequência um
desequilíbrio entre o saber prático moderno e o pensar teórico, que
não consegue dominar o conjunto dos seus conhecimentos nem
ordená-los em sínteses satisfatórias. Surge também desequilíbrio
entre a preocupação da eficiência prática e as exigências da
consciência moral; outras vezes, as condições colectivas da
existência e as exigências do pensamento pessoal e até da
contemplação. Gera-se, finalmente, o desequilíbrio entre a
especialização da actividade humana e a visão global da realidade.
No seio da família, originam-se tensões, quer devido à pressão das
condições demográficas, económicas e sociais, quer pelas
dificuldades que surgem entre as diferentes gerações, quer pelo novo
tipo de relações sociais entre homens e mulheres.
Grandes discrepâncias surgem entre as raças e os diversos grupos
sociais; entre as nações ricas, as menos prósperas e as pobres;
finalmente, entre as instituições internacionais, nascidas do desejo
de paz que os povos têm, e a ambição de propagar a própria ideologia
ou os egoísmos colectivos existentes nas nações e em outros grupos.
Daqui nascem desconfianças e inimizades mútuas, conflitos e
desgraças, das quais o homem é simultâneamente causa e vítima.
Aspirações mais universais do género humano
9. Entretanto, vai crescendo a convicção de que o género humano não
só pode e deve aumentar cada vez mais o seu domínio sobre as coisas
criadas, mas também lhe compete estabelecer uma ordem política,
social e económica, que o sirva cada vez melhor e ajude indivíduos e
grupos a afirmarem e desenvolverem a própria dignidade.
Daqui vem a insistência com que muitos reivindicam aqueles bens de
que, com uma consciência muito viva, se julgam privados por
injustiça ou por desigual distribuição. As nações em vias de
desenvolvimento, e as de recente independência desejam participar
dos bens da civilização, não só no campo político mas também no
económico, e aspiram a desempenhar livre. mente o seu papel no plano
mundial; e, no entanto, aumenta cada dia mais a sua distância, e
muitas vezes, simultâneamente, a sua dependência mesmo económica com
relação às outras nações mais ricas e de mais rápido progresso. Os
povos oprimidos pela fome interpelam os povos mais ricos. As
mulheres reivindicam, onde ainda a não alcançaram, a paridade de
direito e de facto com os homens. Os operários e os camponeses
querem não apenas ganhar o necessário para viver, mas desenvolver,
graças ao trabalho, as próprias qualidades; mais ainda, querem
participar na organização da vida económica, social, política e
cultural. Pela primeira vez na história dos homens, todos os povos
têm já a convicção de que os bens da cultura podem e devem
estender-se efectivamente a todos.
Subjacente a todas estas exigências, esconde-se, porém, uma
aspiração mais profunda e universal: as pessoas e os grupos anelam
por uma vida plena e livre, digna do homem, pondo ao próprio serviço
tudo quanto o mundo de hoje lhes pode proporcionar em tanta
abundância. E as nações fazem esforços cada dia maiores por chegar a
uma certa comunidade universal.
O mundo actual apresenta-se, assim, simultâneamente poderoso e
débil, capaz do melhor e do pior, tendo patente diante de si o
caminho da liberdade ou da servidão, do progresso ou da regressão,
da fraternidade ou do ódio. E o homem torna-se consciente de que a
ele compete dirigir as forças que suscitou, e que tanto o podem
esmagar como servir. Por isso se interroga a si mesmo.
Jesus Cristo, resposta e solução da problemática humana
10. Na verdade, os desequilíbrios de que sofre o mundo actual estão
ligados com aquele desequilíbrio fundamental que se radica no
coração do homem. Porque no íntimo do próprio homem muitos elementos
se com batem. Enquanto, por uma parte, ele se experimenta, como
criatura que é, mùltiplamente limitado, por outra sente-se ilimitado
nos seus desejos, e chamado a uma vida superior. Atraído por muitas
solicitações, vê-se obrigado a escolher entre elas e a renunciar a
algumas. Mais ainda, fraco e pecador, faz muitas vezes aquilo que
não quer e não realiza o que desejaria fazer (4). Sofre assim em si
mesmo a divisão, da qual tantas e tão grandes discórdias se originam
para a sociedade. Muitos, sem dúvida, que levam uma vida impregnada
de materialismo prático, não podem ter uma clara percepção desta
situação dramática; ou, oprimidos pela miséria, não lhe podem
prestar atenção. Outros pensam encontrar a paz nas diversas
interpretações da realidade que lhes são propostas. Alguns só do
esforço humano esperam a verdadeira e plena libertação do género
humano, e estão convencidos que o futuro império do homem sobre a
terra satisfará todas as aspirações do seu coração. E não faltam os
que, desesperando de poder encontrar um sentido para a vida, louvam
a coragem daqueles que, julgando a existência humana vazia de
qualquer significado, se esforçam por lhe conferir, por si mesmos,
todo o seu valor. Todavia, perante a evolução actual do mundo, cada
dia são mais numerosos os que põem ou sentem com nova acuidade as
questões fundamentais: Que é o homem? Qual o sentido da dor, do mal,
e da morte, que, apesar do enorme progresso alcançado, continuam a
existir? Para que servem essas vitórias, ganhas a tão grande preço?
Que pode o homem dar à sociedade, e que coisas pode dela receber?
Que há para além desta vida terrena?
A Igreja, por sua parte, acredita que Jesus Cristo, morto e
ressuscitado por todos (5), oferece aos homens pelo seu Espírito a
luz e a força para poderem corresponder à sua altíssima vocação; nem
foi dado aos homens sob o céu outro nome, no qual devam ser salvos
(6). Acredita também que a chave, o centro e o fim de toda a
história humana se encontram no seu Senhor e mestre. E afirma, além
disso, que, subjacentes a todas as transformações, há muitas coisas
que não mudam, cujo último fundamento é Cristo, o mesmo ontem, hoje,
e para sempre (7). Quer, portanto, o Concílio, à luz de Cristo,
imagem de Deus invisível e primogénito de toda a criação (8),
dirigir-se a todos, para iluminar o mistério do homem e cooperar na
solução das principais questões do nosso tempo.
PRIMEIRA PARTE
A IGREJA E A VOCAÇÃO DO HOMEM
Que pensa a Igreja sobre o homem
11. O Povo de Deus, movido pela fé com que acredita ser conduzido
pelo Espírito do Senhor, o qual enche o universo, esforça-se por
discernir nos acontecimentos, nas exigências e aspirações, em que
participa juntamente com os homens de hoje, quais são os verdadeiros
sinais da presença ou da vontade de Deus. Porque a fé ilumina todas
as coisas com uma luz nova, e faz conhecer o desígnio divino acerca
da vocação integral do homem e, dessa forma, orienta o espírito para
soluções plenamente humanas.
O Concílio propõe-se, antes de mais, julgar a esta luz os valores
que hoje são mais apreciados e pô-los em relação com a sua fonte
divina. Tais valores, com efeito, na medida em que são fruto do
engenho que Deus concedeu aos homens, são excelentes, mas, por causa
da corrupção do coração humano, não raro são desviados da sua recta
ordenação e precisam de ser purificados.
Que pensa a Igreja acerca do homem? Que recomendações parecem dever
fazer-se, em ordem à construção da sociedade actual? Qual é o
significado último da actividade humana no universo? Espera-se uma
resposta para estas perguntas. Aparecerá então mais claramente que o
Povo de Deus e o género humano, no qual aquele está inserido, se
prestam mútuo serviço; manifestar-se-á assim o carácter religioso e,
por isso mesmo, profundamente humano da missão da Igreja.
CAPÍTULO I
A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
O homem criado à imagem de Deus
12. Tudo quanto existe sobre a terra deve ser ordenado em função do
homem, como seu centro e seu termo: neste ponto existe um acordo
quase geral entre crentes e não-crentes.
Mas, que é o homem? Ele próprio já formulou, e continua a formular,
acerca de si mesmo, inúmeras opiniões, diferentes entre si e até
contraditórias. Segundo estas, muitas vezes se exalta até se
constituir norma absoluta, outras se abate até ao desespero. Daí as
suas dúvidas e angústias. A Igreja sente profundamente estas
dificuldades e, instruída pela revelação de Deus, pode dar-lhes uma
resposta que defina a verdadeira condição do homem, explique as suas
fraquezas, ao mesmo tempo que permita conhecer com exactidão a sua
dignidade e vocação.
A Sagrada Escritura ensina que o homem foi criado «à imagem de
Deus», capaz de conhecer e amar o seu Criador, e por este
constituído senhor de todas as criaturas terrenas (1), para as
dominar e delas se servir, dando glória a Deus (2). «Que é, pois, o
homem, para que dele te lembres? ou o filho do homem, para que te
preocupes com ele? Fizeste dele pouco menos que um anjo, coroando-o
de glória e de esplendor. Estabeleceste-o sobre a obra de tuas mãos,
tudo puseste sob os seus pés» (Salmo 8, 5-7).
Deus, porém, não criou o homem sòzinho: desde o princípio criou-os
«varão e mulher (Gén. 1,27); e a sua união constitui a primeira
forma de comunhão entre pessoas. Pois o homem, por sua própria
natureza, é um ser social, que não pode viver nem desenvolver as
suas qualidades sem entrar em relação com os outros.
Como também lemos na Sagrada Escritura, Deus viu «todas as coisas
que fizera, e eram excelentes» (Gén. 1,31).
O pecado e suas consequências
13. Estabelecido por Deus num estado de santidade, o homem, seduzido
pelo maligno, logo no começo da sua história abusou da própria
liberdade, levantando-se contra Deus e desejando alcançar o seu fim
fora d'Ele. Tendo conhecido a Deus, não lhe prestou a glória a Ele
devida, mas o seu coração insensato obscureceu-se e ele serviu à
criatura, preferindo-a ao Criador (3). E isto que a revelação divina
nos dá a conhecer, concorda com os dados da experiência. Quando o
homem olha para dentro do próprio coração, descobre-se inclinado
também para o mal, e imerso em muitos males, que não podem provir de
seu Criador, que é bom. Muitas vezes, recusando reconhecer Deus como
seu princípio, perturbou também a devida orientação para o fim
último e, ao mesmo tempo, toda a sua ordenação quer para si mesmo,
quer para os demais homens e para toda a criação.
O homem encontra-se, pois, dividido em si mesmo. E assim, toda a
vida humana, quer singular quer colectiva, apresenta-se como uma
luta dramática entre o bem e o mal, entre a luz e as trevas. Mais: o
homem descobre-se incapaz de repelir por si mesmo as arremetidas do
inimigo: cada um sente-se como que preso com cadeias. Mas o Senhor
em pessoa veio para libertar e fortalecer o homem, renovando-o
interiormente e lançando fora o príncipe deste mundo (cfr. Jo.
12,31), que o mantinha na servidão do pecado (4). Porque o pecado
diminui o homem, impedindo-o de atingir a sua plena realização.
A sublime vocação e a profunda miséria que os homens em si mesmos
experimentam, encontram a sua explicação última à luz desta
revelação.
Constituição do homem: sua natureza
14. O homem, ser uno, composto de corpo e alma, sintetiza em si
mesmo, pela sua natureza corporal, os elementos do mundo material,
os quais, por meio dele, atingem a sua máxima elevação e louvam
livremente o Criador (5). Não pode, portanto, desprezar a vida
corporal; deve, pelo contrário, considerar o seu corpo como bom e
digno de respeito, pois foi criado por Deus e há-de ressuscitar no
último dia. Todavia, ferido pelo pecado, o homem experimenta as
revoltas do corpo. É, pois, a própria dignidade humana que exige que
o homem glorifique a Deus no seu corpo (6), não deixando que este se
escravize às más inclinações do próprio coração. Não se engana o
homem, quando se reconhece por superior às coisas materiais e se
considera como algo mais do que simples parcela da natureza ou
anónimo elemento da cidade dos homens. Pela sua interioridade,
transcende o universo das coisas: tal é o conhecimento profundo que
ele alcança quando reentra no seu interior, onde Deus, que perscruta
os corações (7), o espera, e onde ele, sob o olhar do Senhor, decide
da própria sorte. Ao reconhecer, pois, em si uma alma espiritual e
imortal, não se ilude com uma enganosa criação imaginativa, mero
resultado de condições físicas e sociais; atinge, pelo contrário, a
verdade profunda das coisas.
Dignidade do entendimento
15. Participando da luz da inteligência divina, com razão pensa o
homem que supera, pela inteligência, o universo. Exercitando
incansàvelmente, no decurso dos séculos, o próprio engenho,
conseguiu ele grandes progressos nas ciências empíricas, nas
técnicas e nas artes liberais. Nos nossos dias, alcançou notáveis
sucessos, sobretudo na investigação e conquista do mundo material.
Mas buscou sempre, e encontrou, uma verdade mais profunda. Porque a
inteligência não se limita ao domínio dos fenómenos; embora, em
consequência do pecado, esteja parcialmente obscurecida e
debilitada, ela é capaz de atingir com certeza a realidade
inteligível.
Finalmente, a natureza espiritual da pessoa humana encontra e deve
encontrar a sua perfeição na sabedoria, que suavemente atrai o
espírito do homem à busca e amor da verdade e do bem, e graças à
qual ele é levado por meio das coisas visíveis até às invisíveis.
Mais do que os séculos passados, o nosso tempo precisa de uma tal
sabedoria, para que se humanizem as novas descobertas dos homens.
Está ameaçado, com efeito, o destino do mundo, se não surgirem
homens cheios de sabedoria. E é de notar que muitas nações, pobres
em bens económicos, mas ricas em sabedoria, podem trazer às outras
inapreciável contribuição.
Pelo dom do Espírito Santo, o homem chega a contemplar e saborear,
na fé, o mistério do plano divino (8).
Dignidade da consciência moral
16. No fundo da própria consciência, o homem descobre uma lei que
não se impôs a si mesmo, mas à qual deve obedecer; essa voz, que
sempre o está a chamar ao amor do bem e fuga do mal, soa no momento
oportuno, na intimidade do seu coração: faze isto, evita aquilo. O
homem tem no coração uma lei escrita pelo próprio Deus; a sua
dignidade está em obedecer-lhe, e por ela é que será julgado(9). A
consciência é o centro mais secreto e o santuário do homem, no qual
se encontra a sós com Deus, cuja voz se faz ouvir na intimidade do
seu ser (10). Graças à consciência, revela-se de modo admirável
aquela lei que se realiza no amor de Deus e do próximo (11). Pela
fidelidade à voz da consciência, os cristãos estão unidos aos demais
homens, no dever de buscar a verdade e de nela resolver tantos
problemas morais que surgem na vida individual e social. Quanto
mais, portanto, prevalecer a recta consciência, tanto mais as
pessoas e os grupos estarão longe da arbitrariedade cega e
procurarão conformar-se com as normas objectivas da moralidade. Não
raro, porém, acontece que a consciência erra, por ignorância
invencível, sem por isso perder a própria dignidade. Outro tanto não
se pode dizer quando o homem se descuida de procurar a verdade e o
bem e quando a consciência se vai progressivamente cegando, com o
hábito do pecado.
Grandeza da liberdade
17. Mas é só na liberdade que o homem se pode converter ao bem. Os
homens de hoje apreciam grandemente e procuram com ardor esta
liberdade; e com toda a razão. Muitas vezes, porém, fomentam-na dum
modo condenável, como se ela consistisse na licença de fazer seja o
que for, mesmo o mal, contanto que agrade. A liberdade verdadeira é
um sinal privilegiado da imagem divina no homem. Pois Deus quis
«deixar o homem entregue à sua própria decisão» (12), para que
busque por si mesmo o seu Criador e livremente chegue à total e
beatífica perfeição, aderindo a Ele. Exige, portanto, a dignidade do
homem que ele proceda segundo a própria consciência e por livre
adesão, ou seja movido e induzido pessoalmente desde dentro e não
levado por cegos impulsos interiores ou por mera coacção externa. O
homem atinge esta dignidade quando, libertando-se da escravidão das
paixões, tende para o fim pela livre escolha do bem e procura a
sério e com diligente iniciativa os meios convenientes. A liberdade
do homem, ferida pelo pecado, só com a ajuda da graça divina pode
tornar plenamente efectiva esta orientação para Deus. E cada um deve
dar conta da própria vida perante o tribunal de Deus, segundo o bem
ou o mal que tiver praticado (13).
A imortalidade e o enigma da morte
18. É em face da morte que o enigma da condição humana mais se
adensa. Não é só a dor e a progressiva dissolução do corpo que
atormentam o homem, mas também, e ainda mais, o temor de que tudo
acabe para sempre. Mas a intuição do próprio coração fá-lo acertar,
quando o leva a aborrecer e a recusar a ruína total e o
desaparecimento definitivo da sua pessoa. O germe de eternidade que
nele existe, irredutível à pura matéria, insurge-se contra a morte.
Todas as tentativas da técnica, por muito úteis que sejam, não
conseguem acalmar a ansiedade do homem: o prolongamento da
longevidade biológica não pode satisfazer aquele desejo duma vida
ulterior, invencìvelmente radicado no seu coração.
Enquanto, diante da morte, qualquer imaginação se revela impotente,
a Igreja, ensinada pela revelação divina, afirma que o homem foi
criado por Deus para um fim feliz, para além dos limites da miséria
terrena. A fé cristã ensina que a própria morte corporal, de que o
homem seria isento se não tivesse pecado (14) - acabará por ser
vencida, quando o homem for pelo omnipotente e misericordioso
Salvador restituído à salvação que por sua culpa perdera. Com
efeito, Deus chamou e chama o homem a unir-se a Ele com todo o seu
ser na perpétua comunhão da incorruptível vida divina. Esta vitória,
alcançou-a Cristo ressuscitado, libertando o homem da morte com a
própria morte (15). Portanto, a fé, que se apresenta à reflexão do
homem apoiada em sólidos argumentos, dá uma resposta à sua ansiedade
acerca do seu destino futuro; e ao mesmo tempo oferece a
possibilidade de comunicar em Cristo com os irmãos queridos que a
morte já levou, fazendo esperar que eles alcançaram a verdadeira
vida junto de Deus.
Formas e raízes do ateísmo
19. A razão mais sublime da dignidade do homem consiste na sua
vocação à união com Deus. É desde o começo da sua existência que o
homem é convidado a dialogar com Deus: pois, se existe, é só porque,
criado por Deus por amor, é por Ele por amor constantemente
conservado; nem pode viver plenamente segundo a verdade, se não
reconhecer livremente esse amor e se entregar ao seu Criador. Porém,
muitos dos nossos contemporâneos não atendem a esta íntima e vital
ligação a Deus, ou até a rejeitam explicitamente; de tal maneira que
o ateísmo deve ser considerado entre os factos mais graves do tempo
actual e submetido a atento exame.
Com a palavra «ateísmo», designam-se fenómenos muito diversos entre
si. Com efeito, enquanto alguns negam expressamente Deus, outros
pensam que o homem não pode afirmar seja o que for a seu respeito;
outros ainda, tratam o problema de Deus de tal maneira que ele
parece não ter significado. Muitos, ultrapassando indevidamente os
limites das ciências positivas, ou pretendem explicar todas as
coisas só com os recursos da ciência, ou, pelo contrário, já não
admitem nenhuma verdade absoluta. Alguns, exaltam de tal modo o
homem, que a fé em Deus perde toda a força, e parecem mais
inclinados a afirmar o homem do que a negar Deus. Outros, concebem
Deus de uma tal maneira, que aquilo que rejeitam não é de modo algum
o Deus do Evangelho. Outros há que nem sequer abordam o problema de
Deus: parecem alheios a qualquer inquietação religiosa e não
percebem por que se devem ainda preocupar com a religião. Além
disso, o ateísmo nasce muitas vezes dum protesto violento contra o
mal que existe no mundo, ou de se ter atribuído indevidamente o
carácter de absoluto a certos valores humanos que passam a ocupar o
lugar de Deus. A própria civilização actual, não por si mesma mas
pelo facto de estar muito ligada com as realidades terrestres, torna
muitas vezes mais difícil o acesso a Deus.
Sem dúvida que não estão imunes de culpa todos aqueles que procuram
voluntàriamente expulsar Deus do seu coração e evitar os problemas
religiosos, não seguindo o ditame da própria consciência; mas os
próprios crentes, muitas vezes, têm responsabilidade neste ponto.
Com efeito, o ateísmo, considerado no seu conjunto, não é um
fenómeno originário, antes resulta de várias causas, entre as quais
se conta também a reacção crítica contra as religiões e, nalguns
países, principalmente contra a religião cristã. Pelo que os crentes
podem ter tido parte não pequena na génese do ateísmo, na medida em
que, pela negligência na educação da sua fé, ou por exposições
falaciosas da doutrina, ou ainda pelas deficiências da sua vida
religiosa, moral e social, se pode dizer que antes esconderam do que
revelaram o autêntico rosto de Deus e da religião.
O ateísmo sistemático
20. O ateísmo moderno apresenta muitas vezes uma forma sistemática,
a qual, prescindindo de outros motivos, leva o desejo de autonomia
do homem a um tal grau que constitui um obstáculo a qualquer
dependência com relação a Deus. Os que professam tal ateísmo,
pretendem que a liberdade consiste em ser o homem o seu próprio fim,
autor único e demiurgo da sua história; e pensam que isso é
incompatível com o reconhecimento de um Senhor, autor e fim de todas
as coisas; ou que, pelo menos, torna tal afirmação plenamente
supérflua. O sentimento de poder que os progressos técnicos
hodiernos deram ao homem pode favorecer esta doutrina.
Não se deve passar em silêncio, entre as formas actuais de ateísmo,
aquela que espera a libertação do homem sobretudo da sua libertação
económica. A esta, dizem, opõe-se por sua natureza a religião, na
medida em que, dando ao homem a esperança duma enganosa vida futura,
o afasta da construção da cidade terrena. Por isso, os que professam
esta doutrina, quando alcançam o poder, atacam violentamente a
religião, difundindo o ateísmo também por aqueles meios de pressão
de que dispõe o poder público, sobretudo na educação da juventude.
Atitude da Igreja perante o ateísmo
21. A Igreja, fiel a Deus e aos homens, não pode deixar de reprovar
com dor e com toda a firmeza, como já o fez no passado (16), essas
doutrinas e actividades perniciosas, contrárias à razão e à
experiência comum dos homens, e que destronam o homem da sua inata
dignidade.
Procura, no entanto, descobrir no espírito dos ateus as causas da
sua negação de Deus, e, consciente da gravidade dos problemas
levantados pelo ateísmo, e, levada pelo amor dos homens, entende que
elas devem ser objecto de um exame sério e profundo.
A Igreja defende que o reconhecimento de Deus de modo algum se opõe
à dignidade do homem, uma vez que esta dignidade se funda e se
realiza no próprio Deus. Com efeito, o homem inteligente e livre,
foi constituído em sociedade por Deus Criador; mas é sobretudo
chamado a unir-se, como filho, a Deus e a participar na sua
felicidade. Ensina, além disso, a Igreja que a importância das
tarefas terrenas não é diminuída pela esperança escatológica, mas
que esta antes reforça com novos motivos a sua execução. Pelo
contrário, se faltam o fundamento divino e a esperança da vida
eterna, a dignidade humana é gravemente lesada, como tantas vezes se
verifica nos nossos dias, e os enigmas da vida e da morte, do pecado
e da dor, ficam sem solução, o que frequentemente leva os homens ao
desespero.
Entretanto, cada homem permanece para si mesmo um problema
insolúvel, apenas confusamente pressentido. Ninguém pode, na
verdade, evitar inteiramente esta questão em certos momentos, e
sobretudo nos acontecimentos mais importantes da vida. Só Deus pode
responder plenamente e com toda a certeza, Ele que chama o homem a
uma reflexão mais profunda e a uma busca mais humilde.
Quanto ao remédio para o ateísmo, ele há-de vir da conveniente
exposição da doutrina e da vida íntegra da Igreja e dos seus
membros. Pois a Igreja deve tornar presente e como que visível a
Deus Pai e a seu Filho encarnado, renovando-se e purificando-se
continuamente sob a direcção do Espírito Santo (17). Isto há-de
alcançar-se, antes de mais, com o testemunho duma fé viva e adulta,
educada de modo a poder perceber claramente e superar as
dificuldades. Magnífico testemunho desta fé deram e continuam a dar
inúmeros mártires. Ela deve manifestar a sua fecundidade, penetrando
toda a vida dos fiéis, mesmo a profana, levando-os à justiça e ao
amor, sobretudo para com os necessitados. Finalmente, o que
contribui mais que tudo para manifestar a presença de Deus é a
caridade fraterna dos fiéis que unânimemente colaboram com a fé do
Evangelho (18) e se apresentam como sinal de unidade.
Ainda que rejeite inteiramente o ateísmo, todavia a Igreja proclama
sinceramente que todos os homens, crentes e não-crentes, devem
contribuir para a recta construção do mundo no qual vivem em comum.
O que não é possível sem um prudente e sincero diálogo. Deplora, por
isso, a discriminação que certos governantes introduzem entre
crentes e não-crentes, com desconhecimento dos direitos fundamentais
da pessoa humana. Para os crentes, reclama a liberdade efectiva, que
lhes permita edificar neste mundo também o templo de Deus. Quanto
aos ateus, convida-os cortêsmente a considerar com espírito aberto o
Evangelho de Cristo.
Pois a Igreja sabe perfeitamente que, ao defender a dignidade da
vocação do homem, restituindo a esperança àqueles que já desesperam
do seu destino sublime, a sua mensagem está de acordo com os desejos
mais profundos do coração humano. Longe de diminuir o homem, a sua
mensagem contribui para o seu bem, difundindo luz, vida e liberdade;
e, fora dela, nada pode satisfazer o coração humano: «fizeste-nos
para Ti», Senhor, e o nosso coração está inquieto, enquanto não
repousa em Ti» (19).
Cristo, o homem novo
22. Na realidade, o mistério do homem só no mistério do Verbo
encarnado se esclarece verdadeiramente. Adão, o primeiro homem, era
efectivamente figura do futuro (20), isto é, de Cristo Senhor.
Cristo, novo Adão, na própria revelação do mistério do Pai e do seu
amor, revela o homem a si mesmo e descobre-lhe a sua vocação
sublime. Não é por isso de admirar que as verdades acima ditas
tenham n'Ele a sua fonte e n'Ele atinjam a plenitude.
«Imagem de Deus invisível» (Col. 1,15) (21), Ele é o homem perfeito,
que restitui aos filhos de Adão semelhança divina, deformada desde o
primeiro pecado. Já que, n'Ele, a natureza humana foi assumida, e
não destruída (22), por isso mesmo também em nós foi ela elevada a
sublime dignidade. Porque, pela sua encarnação, Ele, o Filho de
Deus, uniu-se de certo modo a cada homem. Trabalhou com mãos
humanas, pensou com uma inteligência humana, agiu com uma vontade
humana (23), amou com um coração humano. Nascido da Virgem Maria,
tornou-se verdadeiramente um de nós, semelhante a nós em tudo,
excepto no pecado (24).
Cordeiro inocente, mereceu-nos a vida com a livre efusão do seu
sangue; n 'Ele nos reconciliou Deus consigo e uns com os outros (25)
e nos arrancou da escravidão do demónio e do pecado. De maneira que
cada um de nós pode dizer com o Apóstolo: o Filho de Deus «amou-me e
entregou-se por mim» (Gál. 2,20). Sofrendo por nós, não só nos deu
exemplo, para que sigamos os seus passos (26), mas também abriu um
novo caminho, em que a vida e a morte são santificados e recebem um
novo sentido.
O cristão, tornado conforme à imagem do Filho que é o primogénito
entre a multidão dos irmãos (27), recebe «as primícias do Espírito»
(Rom. 8,23), que o tornam capaz de cumprir a lei nova do amor (28).
Por meio deste Espírito, «penhor da herança (Ef. 1,14), o homem todo
é renovado interiormente, até à «redenção do corpo» (Rom. 8,23): «Se
o Espírito d'Aquele que ressuscitou Jesus de entre os mortos habita
em vós, Aquele que ressuscitou Jesus de entre os mortos dará também
a vida aos vossos corpos mortais, pelo seu Espírito que em vós
habita» (Rom. 8,11) (29). É verdade que para o cristão é uma
necessidade e um dever lutar contra o mal através de muitas
tribulações, e sofrer a morte; mas, associado ao mistério pascal, e
configurado à morte de Cristo, vai ao encontro da ressurreição,
fortalecido pela esperança (30).
E o que fica dito, vale não só dos cristãos, mas de todos os homens
de boa vontade, em cujos corações a graça opera ocultamente (31).
Com efeito, já que por todos morreu Cristo (32) e a vocação última
de todos os homens é realmente uma só, a saber, a divina, devemos
manter que o Espírito Santo a todos dá a possibilidade de se
associarem a este mistério pascal por um modo só de Deus conhecido.
Tal é, e tão grande, o mistério do homem, que a revelação cristã
manifesta aos que crêem. E assim, por Cristo e em Cristo,
esclarece-se o enigma da dor e da morte, o qual, fora do Seu
Evangelho, nos esmaga. Cristo ressuscitou, destruindo a morte com a
própria morte, e deu-nos a vida (33), para que, tornados filhos no
Filho, exclamemos no Espírito: Abba, Pai (34).
CAPÍTULO II
A COMUNIDADE HUMANA
Propósito do Concílio
23. Entre os principais aspectos do mundo actual conta-se a
multiplicação das relações entre os homens, cujo desenvolvimento é
muito favorecido pelos progressos técnicos hodiernos. Todavia, o
diálogo fraterno entre os homens não se realiza ao nível destes
progressos, mas ao nível mais profundo da comunidade de pessoas, a
qual exige o mútuo respeito da sua plena dignidade espiritual. A
revelação cristã favorece poderosamente esta comunhão entre as
pessoas, ao mesmo tempo que nós leva a uma compreensão mais profunda
das leis da vida social que o Criador inscreveu na natureza
espiritual e moral do homem.
Dado, porém, que recentes documentos do magistério eclesiástico
expuseram a doutrina cristã acerca da sociedade humana (1), o
Concílio limita-se a recordar algumas verdades mais importantes e a
expor o seu fundamento à luz da revelação. Insiste, seguidamente, em
algumas consequências de maior importância para o nosso tempo.
Índole comunitária da vocação humana
24. Deus, que por todos cuida com solicitude paternal, quis que os
homens formassem uma só família, e se tratassem uns aos outros como
irmãos. Criados todos à imagem e semelhança daquele Deus que «fez
habitar sobre toda a face da terra o inteiro género humano, saído
dum princípio único» (Act. 17,26), todos são chamados a um só e
mesmo fim, que é o próprio Deus.
E por isso, o amor de Deus e do próximo é o primeiro e maior de
todos os mandamentos. Mas a Sagrada Escritura ensina-nos que o amor
de Deus não se pode separar do amor do próximo, «...todos os outros
mandamentos se resumem neste: amarás o próximo como a ti mesmo... A
caridade é, pois, a lei na sua plenitude» (Rom. 13, 9-10; cfr. 1 Jo.
4,20). Isto revela-se como sendo da maior importância, hoje que os
homens se tornam cada dia mais dependentes uns dos outros e o mundo
se unifica cada vez mais.
Mais ainda: quando o Senhor Jesus pede ao Pai «que todos sejam
um..., como nós somos um» (Jo. 17, 21-22), sugere - abrindo
perspectivas inacessíveis à razão humana - que dá uma certa analogia
entre a união das pessoas divinas entre si e a união dos filhos de
Deus na verdade e na caridade. Esta semelhança torna manifesto que o
homem, única criatura sobre a terra a ser querida por Deus por si
mesma, não se pode encontrar plenamente a não ser no sincero dom de
si mesmo (2).
Interdependência da pessoa humana e da sociedade humana
25. A natureza social do homem torna claro que o progresso da pessoa
humana e o desenvolvimento da própria sociedade estão em mútua
dependência. Com efeito, a pessoa humana, uma vez que, por sua
natureza, necessita absolutamente da vida social (3), é e deve ser o
princípio, o sujeito e o fim de todas as instituições sociais. Não
sendo, portanto, a vida social algo de adventício ao homem, este
cresce segundo todas as suas qualidades e torna-se capaz de
responder à própria vocação, graças ao contacto com os demais, ao
mútuo serviço e ao diálogo com seus irmãos.
Entre os laços sociais, necessários para o desenvolvimento do homem,
alguns, como a família e a sociedade política, correspondem mais
imediatamente à sua natureza íntima; outros são antes fruto da sua
livre vontade. No nosso tempo, devido a várias causas, as relações e
interdependências mútuas multiplicam-se cada vez mais; o que dá
origem a diversas associações e instituições, quer públicas quer
privadas. Este facto, denominado socialização, embora não esteja
isento de perigos, traz, todavia, consigo muitas vantagens, em ordem
a confirmar e desenvolver as qualidades da pessoa humana e a
proteger os seus direitos (4).
Porém, se é verdade que as pessoas humanas recebem muito desta vida
social, em ordem a realizar a própria vocação, mesmo a religiosa,
também não se pode negar que os homens são muitas vezes afastados do
bem ou impelidos ao mal pelas condições em que vivem e estão
mergulhados desde a infância. É certo que as perturbações tão
frequentes da ordem social vêm, em grande parte, das tensões
existentes no seio das formas económicas, políticas e sociais. Mas,
mais profundamente, nascem do egoísmo e do orgulho dos homens, os
quais também pervertem o ambiente social. Onde a ordem das coisas se
encontra viciada pelas consequências do pecado, o homem, nascido com
uma inclinação para o mal, encontra novos incitamentos para o
pecado, que não pode superar sem grandes esforços e ajudado pela
graça.
Promoção do bem-comum
26. A interdependência, cada vez mais estreita e progressivamente
estendida a todo o mundo, faz com que o bem comum - ou seja, o
conjunto das condições da vida social que permitem, tanto aos grupos
como a cada membro, alcançar mais plena e fàcilmente a própria
perfeição - se torne hoje cada vez mais universal e que, por esse
motivo, implique direitos e deveres que dizem respeito a todo o
género humano. Cada grupo deve ter em conta as necessidades e
legítimas aspirações dos outros grupos e mesmo o bem comum de toda a
família humana (5).
Simultâneamente, aumenta a consciência da eminente dignidade da
pessoa humana, por ser superior a todas as coisas e os seus direitos
e deveres serem universais e invioláveis. É necessário, portanto,
tornar acessíveis ao homem todas as coisas de que necessita para
levar uma vida verdadeiramente humana: alimento, vestuário, casa,
direito de escolher livremente o estado de vida e de constituir
família, direito à educação, ao trabalho, à boa fama, ao respeito, à
conveniente informação, direito de agir segundo as normas da própria
consciência, direito à protecção da sua vida e à justa liberdade
mesmo em matéria religiosa.
A ordem social e o seu progresso devem, pois, reverter sempre em bem
das pessoas, já que a ordem das coisas deve estar subordinada à
ordem das pessoas e não ao contrário; foi o próprio Senhor quem o
insinuou ao dizer que o sábado fora feito para o homem, não o homem
para o sábado (6). Essa ordem, fundada na verdade, construída sobre
a justiça e vivificada pelo amor, deve ser cada vez mais
desenvolvida e, na liberdade, deve encontrar um equilíbrio cada vez
mais humano (7). Para o conseguir, será necessária a renovação da
mentalidade e a introdução de amplas reformas sociais.
O Espírito de Deus, que dirige o curso dos tempos e renova a face da
terra com admirável providência, está presente a esta evolução. E o
fermento evangélico despertou e desperta no coração humano uma
irreprimível exigência de dignidade.
Respeito da pessoa humana
27. Vindo a conclusões práticas e mais urgentes, o Concílio
recomenda a reverência para com o homem, de maneira que cada um deve
considerar o próximo, sem excepção, como um «outro eu», tendo em
conta, antes de mais, a sua vida e os meios necessários para a levar
dignamente (8), não imitando aquele homem rico que não fez caso
algum do pobre Lázaro (9).
Sobretudo em nossos dias, urge a obrigação de nos tornarmos o
próximo de todo e qualquer homem, e de o servir efectivamente quando
vem ao nosso . encontro - quer seja o ancião, abandonado de todos,
ou o operário estrangeiro injustamente desprezado, ou o exilado, ou
o filho duma união ilegítima que sofre injustamente por causa dum
pecado que não cometeu, ou o indigente que interpela a nossa
consciência, recordando a palavra do Senhor: «todas as vezes que o
fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes»
(Mt. 25,40).
Além disso, são infames as seguintes coisas: tudo quanto se opõe à
vida, como seja toda a espécie de homicídio, genocídio, aborto,
eutanásia e suicídio voluntário; tudo o que viola a integridade da
pessoa humana, como as mutilações, os tormentos corporais e mentais
e as tentativas para violentar as próprias consciências; tudo quanto
ofende a dignidade da pessoa humana, como as condições de vida
infra-humanas, as prisões arbitrárias, as deportações, a escravidão,
a prostituição, o comércio de mulheres e jovens; e também as
condições degradantes de trabalho; em que os operários são tratados
como meros instrumentos de lucro e não como pessoas livres e
responsáveis. Todas estas coisas e outras semelhantes são
infamantes; ao mesmo tempo que corrompem a civilização humana,
desonram mais aqueles que assim procedem, do que os que padecem
injustamente; e ofendem gravemente a honra devida ao Criador.
Respeito e amor dos adversários
28. O nosso respeito e amor devem estender-se também àqueles que
pensam ou actuam diferentemente de nós em matéria social, política
ou até religiosa. Aliás, quanto mais intimamente compreendermos, com
delicadeza e caridade, a sua maneira de ver, tanto mais fàcilmente
poderemos com eles dialogar.
Evidentemente, este amor e benevolência de modo algum nos devem
tornar indiferentes perante a verdade e o bem. Pelo contrário, é o
próprio amor que incita os discípulos de Cristo a anunciar a todos a
verdade salvadora. Mas deve distinguir-se entre o erro, sempre de
rejeitar, e aquele que erra, o qual conserva sempre a dignidade
própria de pessoas, mesmo quando está atingido por ideias religiosas
falsas ou menos exactas (10). Só Deus é juiz e penetra os corações;
por esse motivo, proibe-nos Ele de julgar da culpabilidade interna
de qualquer pessoa (11).
A doutrina de Cristo exige que também perdoemos as injúrias (12), e
estende a todos os inimigos o preceito do amor, que é o mandamento
da lei nova: «ouvistes que foi dito: amarás o teu próximo, e odiarás
o teu inimigo. Mas eu digo-vos: amai os vossos inimigos, fazei bem
aos que vos odeiam e orai pelos que vos perseguem e caluniam» (Mt.
5, 43-44).
Igualdade essencial entre todos os homens
29. A igualdade fundamental entre todos os homens deve ser cada vez
mais reconhecida, uma vez que, dotados de alma racional e criados à
imagem de Deus, todos têm a mesma natureza e origem; e, remidos por
Cristo, todos têm a mesma vocação e destino divinos.
Sem dúvida, os homens não são todos iguais quanto à capacidade
física e forças intelectuais e morais, variadas e diferentes em cada
um. Mas deve superar-se e eliminar-se, como contrária à vontade de
Deus, qualquer forma social ou cultural de discriminação, quanto aos
direitos fundamentais da pessoa, por razão do sexo, raça, cor,
condição social, língua ou religião. É realmente de lamentar que
esses direitos fundamentais da pessoa ainda não sejam respeitados em
toda a parte. Por exemplo, quando se nega à mulher o poder de
escolher livremente o esposo ou o estado de vida ou de conseguir uma
educação e cultura iguais às do homem.
Além disso, embora entre os homens haja justas diferenças, a igual
dignidade pessoal postula, no entanto, que se chegue a condições de
vida mais humanas e justas. Com efeito, as excessivas desigualdades
económicas e sociais entre os membros e povos da única família
humana provocam o escândalo e são obstáculo à justiça social, à
equidade, à dignidade da pessoa humana e, finalmente, à paz social e
internacional.
Procurem as instituições humanas, privadas ou públicas, servir a
dignidade e o destino do homem, combatendo ao mesmo tempo
valorosamente contra qualquer forma de sujeição política ou social e
salvaguardando, sob qualquer regime político, os direitos humanos
fundamentais. Mais ainda: é necessário que tais instituições se
adaptem progressivamente às realidades espirituais, que são as mais
elevadas de todas; embora por vezes se requeira um tempo
razoàvelmente longo para chegar a esse desejado fim.
Superação da ética individualista
30. A profundidade e rapidez das transformações reclamam com maior
urgência que ninguém se contente, por não atender à evolução das
coisas ou por inércia, com uma ética puramente individualística. O
dever de justiça e caridade cumpre-se cada vez mais com a
contribuição de cada um em favor do bem comum, segundo as próprias
possibilidades e as necessidades dos outros, promovendo instituições
públicas ou privadas e ajudando as que servem para melhorar as
condições de vida dos homens. Mas há pessoas que, fazendo profissão
de ideias amplas e generosas, vivem sempre, no entanto, de tal modo
como se nenhum caso fizessem das necessidades sociais. E até, em
vários países, muitos desprezam as leis e prescrições sociais. Não
poucos atrevem-se a eximir-se, com várias fraudes e enganos, aos
impostos e outras obrigações sociais. Outros desprezam certas normas
da vida social, como por exemplo as estabelecidas para defender a
saúde ou para regularizar o trânsito de veículos, sem repararem que
esse seu descuido põe em perigo a vida própria e alheia.
Todos tomem a peito considerar e respeitar as relações sociais como
um dos principais deveres do homem de hoje. Com efeito, quanto mais
o mundo se unifica, tanto mais as obrigações dos homens transcendem
os grupos particulares e se estendem progressivamente a todo o
mundo. O que só se poderá fazer se os indivíduos e grupos cultivarem
em si mesmos e difundirem na sociedade as virtudes morais e sociais,
de maneira a tornarem-se realmente, com o necessário auxílio da
graça divina, homens novos e construtores duma humanidade nova.
Responsabilidade e participação social
31. Para que cada homem possa cumprir mais perfeitamente os seus
deveres de consciência quer para consigo quer em relação aos vários
grupos de que é membro, deve-se ter o cuidado de que todos recebam
uma formação mais ampla, empregando-se para tal os consideráveis
meios de que hoje dispõe a humanidade. Antes de mais, a educação dos
jovens, de qualquer origem social, deve ser de tal maneira
organizada que suscite homens e mulheres não apenas cultos mas
também de forte personalidade, tão urgentemente exigidos pelo nosso
tempo.
Mal poderá, contudo, o homem chegar a este sentido de
responsabilidade, se as condições de vida lhe não permitirem
tornar-se consciente da própria dignidade e responder à sua vocação,
empenhando-se no serviço de Deus e dos outros homens. Ora a
liberdade humana com frequência se debilita quando o homem cai em
extrema miséria, e degrada-se quando ele, cedendo às demasiadas
facilidades da vida, se fecha numa espécie de solidão dourada. Pelo
contrário, ela robustece-se quando o homem aceita as inevitáveis
dificuldades da vida social, assume as multiformes exigências da
vida em comum e se empenha no serviço da comunidade humana.
Deve, por isso, estimular-se em todos a vontade de tomar parte nos
empreendimentos comuns. E é de louvar o modo de agir das nações em
que a maior parte dos cidadãos participa, com verdadeira liberdade,
nos assuntos públicos. É preciso, porém, ter sempre em conta a.
situação real de cada povo e o necessário vigor da autoridade
pública. Mas para que todos os cidadãos se sintam inclinados a
participar na vida dos vários grupos de que se forma o corpo social,
é necessário que encontrem nesses grupos bens que os atraiam e os
predisponham ao serviço dos outros. Podemos legitimamente pensar que
o destino futuro da humanidade está nas mãos daqueles que souberem
dar às gerações vindoiras razões de viver e de esperar.
O Verbo encarnado e a solidariedade humana
32. Do mesmo modo que Deus não criou os homens para viverem
isolados, mas para se unirem em sociedade, assim também Lhe
«aprouve... santificar e salvar os homens não individualmente e com
exclusão de qualquer ligação mútua, mas fazendo deles um povo que O
reconhecesse em verdade e O servisse santamente» (13). Desde o
começo da história da salvação, Ele escolheu os homens não só como
indivíduos mas ainda como membros duma comunidade. Com efeito,
manifestando o seu desígnio, chamou a esses escolhidos o «seu povo»
(Ex. 3, 7-12), com o qual estabeleceu aliança no Sinai (14).
Esta índole comunitária aperfeiçoa-se e completa-se com a obra de
Jesus Cristo. Pois o próprio Verbo encarnado quis participar da vida
social dos homens. Tomou parte nas bodas de Caná, entrou na casa de
Zaqueu, comeu com os publicanos e pecadores. Revelou o amor do Pai e
a sublime vocação dos homens, evocando realidades sociais comuns e
servindo-se de modos de falar e de imagens da vida de todos os dias.
Santificou os laços sociais e antes de mais os familiares, fonte da
vida social; e submeteu-se livremente às leis do seu país. Quis
levar a vida dum operário do seu tempo e da sua terra.
Na sua pregação claramente mandou aos filhos de Deus que se
tratassem como irmãos. E na sua oração pediu que todos os seus
discípulos fossem «um». Ele próprio se ofereceu à morte por todos,
de todos feito Redentor. «Não há maior amor do que dar alguém a vida
pelos seus amigos» (Jo. 15, 13). E mandou aos Apóstolos pregar a
todos a mensagem evangélica para que a humanidade se tornasse a
família de Deus, na qual o amor fosse toda a lei.
Primogénito entre muitos irmãos, estabeleceu, depois da sua morte e
ressurreição, com o dom do seu Espírito, uma nova comunhão fraterna
entre todos os que O recebem com fé e caridade, a saber, na Igreja,
que é o seu corpo, no qual todos, membros uns dos outros, se prestam
mùtuamente serviço segundo os diversos dons a cada um concedidos.
Esta solidariedade deve crescer sem cessar, até se consumar naquele
dia em que os homens, salvos pela graça, darão perfeita glória a
Deus, como família amada do Senhor e de Cristo seu irmão.
CAPÍTULO III
A ACTIVIDADE HUMANA NO MUNDO
Problema do sentido da actividade humana
33. Sempre o homem procurou, com o seu trabalho e engenho,
desenvolver mais a própria vida; hoje, porém, sobretudo graças à
ciência e à técnica, estendeu o seu domínio à natureza inteira, e
continuamente o aumenta; e a família humana, sobretudo devido ao
aumento de múltiplos meios de comunicação entre as nações, vai-se
descobrindo e organizando progressivamente como uma só comunidade
espalhada pelo mundo inteiro. Acontece assim que muitos bens que o
homem noutro tempo esperava sobretudo das forças superiores, os
alcança hoje por seus próprios meios.
Muitas são as questões que se levantam entre os homens, perante este
imenso empreendimento, que já atingiu o inteiro género humano. Qual
o sentido e valor desta actividade? Como se devem usar estes bens?
Para que fim tendem os esforços dos indivíduos e das sociedades?
Guarda do depósito da palavra divina, onde se vão buscar os
princípios da ordem religiosa e moral, a Igreja, embora nem sempre
tenha uma resposta já pronta para cada uma destas perguntas, deseja,
no entanto, juntar a luz da revelação à competência de todos os
homens, para que assim receba luz o caminho recentemente empreendido
pela humanidade.
Valor da actividade humana
34. Uma coisa é certa para os crentes: a actividade humana
individual e colectiva, aquele imenso esforço com que os homens, no
decurso dos séculos, tentaram melhorar as condições de vida,
corresponde à vontade de Deus. Pois o homem, criado à imagem de
Deus, recebeu o mandamento de dominar a terra com tudo o que ela
contém e governar o mundo na justiça e na santidade(1) e,
reconhecendo Deus como Criador universal, orientar-se a si e ao
universo para Ele; de maneira que, estando todas as coisas sujeitas
ao homem, seja glorificado em toda a terra o nome de Deus (2).
Isto aplica-se também às actividades de todos os dias. Assim, os
homens e as mulheres que, ao ganhar o sustento para si e suas
famílias, de tal modo exercem a própria actividade que prestam
conveniente serviço à sociedade, com razão podem considerar que
prolongam com o seu trabalho a obra do Criador, ajudam os seus
irmãos e dão uma contribuição pessoal para a realização dos
desígnios de Deus na história (3).
Longe de pensar que as obras do engenho e poder humano se opõem ao
poder de Deus, ou de considerar a criatura racional como rival do
Criador, os cristãos devem, pelo contrário, estar convencidos de que
as vitórias do género humano manifestam a grandeza de Deus e são
fruto do seu desígnio inefável. Mas, quanto mais aumenta o poder dos
homens, tanto mais cresce a sua responsabilidade, pessoal e
comunitária. Vê-se, portanto, que a mensagem cristã não afasta os
homens da tarefa de construir o mundo, nem os leva a desatender o
bem dos seus semelhantes, mas que, antes, os obriga ainda mais a
realizar essas actividades (4).
Ordenação da actividade humana
35. A actividade humana, do mesmo modo que procede do homem, assim
para ele se ordena. De facto, quando age, o homem não transforma
apenas as coisas e a sociedade, mas realiza-se a si mesmo. Aprende
muitas coisas, desenvolve as próprias faculdades, sai de si e
eleva-se sobre si mesmo. Este desenvolvimento, bem compreendido,
vale mais do que os bens externos que se possam conseguir. O homem
vale mais por aquilo que é do que por aquilo que tem (5). Do mesmo
modo, tudo o que o homem faz para conseguir mais justiça, mais
fraternidade, uma organização mais humana das relações sociais, vale
mais do que os progressos técnicos. Pois tais progressos podem
proporcionar a base material para a promoção humana, mas, por si
sós, são incapazes de a realizar.
A norma da actividade humana é pois a seguinte: segundo o plano e
vontade de Deus, ser conforme com o verdadeiro bem da humanidade e
tornar possível ao homem, individualmente considerado ou em
sociedade, cultivar e realizar a sua vocação integral.
Justa autonomia das realidades terrestres
36. No entanto, muitos dos nossos contemporâneos parecem temer que a
íntima ligação entre a actividade humana e a religião constitua um
obstáculo para a autonomia dos homens, das sociedades ou das
ciências. Se por autonomia das realidades terrenas se entende que as
coisas criadas e as próprias sociedades têm leis e valores próprios,
que o homem irá gradualmente descobrindo, utilizando e organizando,
é perfeitamente legítimo exigir tal autonomia. Para além de ser uma
exigência dos homens do nosso tempo, trata-se de algo inteiramente
de acordo com a vontade do Criador. Pois, em virtude do próprio
facto da criação, todas as coisas possuem consistência, verdade,
bondade e leis próprias, que o homem deve respeitar, reconhecendo os
métodos peculiares de cada ciência e arte. Por esta razão, a
investigação metódica em todos os campos do saber, quando levada a
cabo de um modo verdadeiramente científico e segundo as normas
morais, nunca será realmente oposta à fé, já que as realidades
profanas e as da fé têm origem no mesmo Deus (6). Antes, quem se
esforça com humildade e constância por perscrutar os segredos da
natureza, é, mesmo quando disso não tem consciência, como que
conduzido pela mão de Deus, o qual sustenta as coisas e as faz ser o
que são. Seja permitido, por isso, deplorar certas atitudes de
espírito que não faltaram entre os mesmos cristãos, por não
reconhecerem suficientemente a legítima autonomia da ciência e que,
pelas disputas e controvérsias a que deram origem, levaram muitos
espíritos a pensar que a fé e a ciência eram incompatíveis (7).
Se, porém, com as palavras «autonomia das realidades temporais» se
entende que as criaturas não dependem de Deus e que o homem pode
usar delas sem as ordenar ao Criador, ninguém que acredite em Deus
deixa de ver a falsidade de tais assertos. Pois, sem o Criador, a
criatura não subsiste. De resto, todos os crentes, de qualquer
religião, sempre souberam ouvir a sua voz e manifestação na
linguagem das criaturas. Antes, se se esquece Deus, a própria
criatura se obscurece.
A actividade humana viciada pelo pecado
37. A Sagrada Escritura, confirmada pela experiência dos séculos,
ensina à família humana que o progresso humano, tão grande bem para
o homem, traz consigo também uma grande tentação: perturbada a ordem
de valores e misturado o bem com o mal, os homens e os grupos
consideram apenas o que é seu, esquecendo o dos outros. Deixa assim
o mundo de ser um lugar de verdadeira fraternidade, enquanto que o
acrescido dos homens ameaça já destruir o próprio género humano.
Um duro combate contra os poderes das trevas atravessa, com efeito.
toda a história humana; começou no princípio do mundo e, segundo a
palavra do Senhor (8), durará até ao último dia. Inserido nesta
luta, o homem deve combater constantemente, se quer ser fiel ao bem;
e só com grandes esforços e a ajuda da graça de Deus conseguirá
realizar a sua própria unidade.
Por isso, a Igreja de Cristo, confiando no desígnio do Criador, ao
mesmo tempo que reconhece que o progresso humano pode servir para a
verdadeira felicidade dos homens, não pode deixar de repetir aquela
palavra do Apóstolo: «não vos conformeis com este mundo» (Rom. 12,
2), isto é, com aquele espírito de vaidade e malícia que transforma
a actividade humana, destinada ao serviço de Deus e do homem, em
instrumento de pecado.
E se alguém quer saber de que maneira se pode superar esta situação
miserável, os cristãos professam que todas as actividades humanas,
constantemente ameaçadas pela soberba e amor próprio desordenado,
devem ser purificadas e levadas à perfeição pela cruz e ressurreição
de Cristo. Porque, remido por Cristo e tornado nova criatura no
Espírito Santo, o homem pode e deve amar até as coisas criadas por
Deus. Pois recebeu-as de Deus e considera-as e respeita-as como
vindas da mão do Senhor. Dando por elas graças ao benfeitor e usando
e aproveitando as criaturas em pobreza e liberdade de espírito, é
introduzido no verdadeiro senhorio do mundo, como quem nada tem e
tudo possui (9). «Todas as coisas são vossas; mas vós sois de Cristo
e Cristo é de Deus» (1 Cor. 3, 22-23).
A actividade humana aperfeiçoada na Encarnação e no mistério pascal
38. O Verbo de Deus, pelo qual todas as coisas foram feitas,
fazendo-se homem e vivendo na terra dos homens (10), entrou como
homem perfeito na história do mundo, assumindo-a e recapitulando-a
(11). Ele revela-nos que «Deus é amor» (1 Jo. 4, 8) e ensina-nos ao
mesmo tempo que a lei fundamental da perfeição humana e, portanto,
da transformação do mundo, é o novo mandamento do amor. Dá, assim,
aos que acreditam no amor de Deus, a certeza de que o caminho do
amor está aberto para todos e que o esforço por estabelecer a
universal fraternidade não é vão. Adverte, ao mesmo tempo, que este
amor não se deve exercitar apenas nas coisas grandes, mas, antes de
mais, nas circunstâncias ordinárias da vida. Suportando a morte por
todos nós pecadores (12), ensina-nos com o seu exemplo que também
devemos levar a cruz que a carne e o mundo fazem pesar sobre os
ombros daqueles que buscam a paz e a justiça. Constituído Senhor
pela sua ressurreição, Cristo, a quem foi dado todo o poder no céu e
na terra (13), actua já pela força do Espírito Santo nos corações
dos homens; não suscita neles apenas o desejo da vida futura, mas,
por isso mesmo, anima, purifica e fortalece também aquelas generosas
aspirações que levam a humanidade a tentar tornar a vida mais humana
e a submeter para esse fim toda a terra. Sem dúvida, os dons do
Espírito são diversos: enquanto chama alguns a darem claro
testemunho do desejo da pátria celeste e a conservarem-no vivo no
seio da família humana, chama outros a dedicarem-se ao serviço
terreno dos homens, preparando com esta sua actividade como que a
matéria do reino dos céus. Liberta, porém, a todos, para que,
deixando o amor próprio e empregando em favor da vida humana todas
as energias terrenas, se lancem para o futuro, em que a humanidade
se tornará oblação agradável a Deus (14).
O penhor desta esperança e o viático para este caminho deixou-os o
Senhor aos seus naquele sacramento da fé, em que os elementos
naturais, cultivados pelo homem, se convertem no Corpo e Sangue
gloriosos, na ceia da comunhão fraterna e na prelibação do banquete
celeste.
A nova terra e o novo céu
39. Ignoramos o tempo em que a terra e a humanidade atingirão a sua
plenitude (15), e também não sabemos que transformação sofrerá o
universo. Porque a figura deste mundo, deformada pelo pecado, passa
certamente (16), mas Deus ensina-nos que se prepara uma nova
habitação e uma nova terra, na qual reina a justiça (17) e cuja
felicidade satisfará e superará todos os desejos de paz que se
levantam no coração dos homens (18). Então, vencida a morte, os
filhos de Deus ressuscitarão em Cristo e aquilo que foi semeado na
fraqueza e corrupção, revestir-se-á de incorruptibilidade (19);
permanecendo a caridade e as suas obras (20), todas as criaturas que
Deus criou para o homem serão libertadas da escravidão da vaidade
(21).
É certo que é-nos lembrado que de nada serve ao homem ganhar o mundo
inteiro, se a si mesmo se vem a perder (22). A expectativa da nova
terra não deve, porém, enfraquecer, mas antes activar a solicitude
em ordem a desenvolver esta terra, onde cresce o corpo da nova
família humana, que já consegue apresentar uma certa prefiguração do
mundo futuro. Por conseguinte, embora o progresso terreno se deva
cuidadosamente distinguir do crescimento do reino de Cristo,
todavia, na medida em que pode contribuir para a melhor organização
da sociedade humana, interessa muito ao reino de Deus (23).
Todos estes valores da dignidade humana, da comunhão fraterna e da
liberdade, fruto da natureza e do nosso trabalho, depois de os
termos difundido na terra, no Espírito do Senhor e segundo o seu
mandamento, voltaremos de novo a encontrá-los, mas então purificados
de qualquer mancha, iluminados e transfigurados, quando Cristo
entregar ao Pai o reino eterno e universal: «reino de verdade e de
vida, reino de santidade e de graça, reino de justiça, de amor e de
paz» (24). Sobre a terra, o reino já está misteriosamente presente;
quando o Senhor vier, atingirá a perfeição.
CAPÍTULO IV
A FUNÇÃO DA IGREJA NO MUNDO ACTUAL
Relação mútua entre a Igreja e o mundo
40. Tudo quanto dissemos acerca da dignidade da pessoa humana, da
comunidade dos homens, do significado profundo da actividade humana,
constitui o fundamento das relações entre a Igreja e o mundo e a
base do seu diálogo recíproco(1). Pelo que, no presente capítulo,
pressupondo tudo o que o Concílio já declarou acerca do mistério da
Igreja, considerar-se-á a mesma Igreja enquanto existe neste mundo e
com ele vive e actua.
A Igreja, que tem a sua origem no amor do eterno Pai (2), foi
fundada, no tempo, por Cristo Redentor, e reune-se no Espírito Santo
(3), tem um fim salvador e escatológico, o qual só se poderá atingir
plenamente no outro mundo. Mas ela existe já actualmente na terra,
composta de homens que são membros da cidade terrena e chamados a
formar já na história humana a família dos filhos de Deus, a qual
deve crescer continuamente até à vinda do Senhor. Unida em vista dos
bens celestes e com eles enriquecida, esta família foi por Cristo
«constituída e organizada como sociedade neste mundo» (4), dispondo
de «convenientes meios de unidade visível e social» (5). Deste modo,
a Igreja, simultâneamente «agrupamento visível e comunidade
espiritual» (6), caminha juntamente com toda a humanidade, participa
da mesma sorte terrena do mundo e é como que o fermento e a alma da
sociedade humana (7), a qual deve ser renovada em Cristo e
transformada em família de Deus.
Esta compenetração da cidade terrena com a celeste só pela fé se
pode perceber; mais, ela permanece o mistério da história humana,
sempre perturbada pelo pecado, enquanto não chega a plena
manifestação da glória dos filhos de Deus. Procurando o seu fim
salvífico, a Igreja não se limita a comunicar ao homem a vida
divina; espalha sobre todo o mundo os reflexos da sua luz, sobretudo
enquanto cura e eleva a dignidade da pessoa humana, consolida a
coesão da sociedade e dá um sentido mais profundo à quotidiana
actividade dos homens. A Igreja pensa, assim, que por meio de cada
um dos seus membros e por toda a sua comunidade, muito pode ajudar
para tornar mais humana a família dos homens e a sua história.
Além disso, a Igreja católica aprecia grandemente a contribuição que
as outras igrejas cristãs ou comunidades eclesiais têm dado e
continuam a dar para a consecução do mesmo fim. E está também
firmemente persuadida de que pode receber muita ajuda, de vários
modos, do mundo, pelas qualidades e acção dos indivíduos e das
sociedades, na preparação do Evangelho. Expõem-se, a seguir, alguns
princípios gerais para promover convenientemente o intercâmbio e
ajuda recíproca entre a Igreja e o mundo, nos domínios que são de
algum modo comuns a ambos.
Ajuda que a Igreja oferece ao homem
41. O homem actual está a caminho de um desenvolvimento mais pleno
da personalidade e uma maior descoberta e afirmação dos próprios
direitos. Tendo a Igreja, por sua parte, a missão de manifestar o
mistério de Deus, último fim do homem, ela descobre ao mesmo tempo
ao homem o sentido da sua existência, a verdade profunda à cerca
dele mesmo. A Igreja sabe muito bem que só Deus, a quem serve, pode
responder às aspirações mais profundas do coração humano, que nunca
plenamente se satisfaz com os alimentos terrestres. Sabe também que
o homem, solicitado pelo Espírito de Deus, nunca será totalmente
indiferente ao problema religioso, como o confirmam não só a
experiência dos tempos passados, mas também inúmeros testemunhos do
presente. Com efeito, o homem sempre desejará saber, ao menos
confusamente, qual é o significado da sua vida, da sua actividade e
da sua morte. E a própria presença da Igreja lhe traz à mente estes
problemas. Mas só Deus, que criou o homem à sua imagem e o remiu, dá
plena resposta a estas perguntas, pela revelação em Cristo seu Filho
feito homem. Aquele que segue Cristo, o homem perfeito, torna-se
mais homem.
Apoiada nesta fé, a Igreja pode subtrair a dignidade da natureza
humana a quaisquer flutuações de opiniões, por exemplo, as que
rebaixam exageradamente o corpo humano ou, pelo contrário, o exaltam
sem medida. Nenhuma lei humana pode salvaguardar tão perfeitamente a
dignidade pessoal e a liberdade do homem como o Evangelho de Cristo,
confiado à Igreja. Pois este Evangelho anuncia e proclama a
liberdade dos filhos de Deus; rejeita toda a espécie de servidão, a
qual tem a sua última origem no pecado (8); respeita
escrupulosamente a dignidade da consciência e a sua livre decisão;
sem descanso recorda que todos os talentos humanos devem redundar em
serviço de Deus e bem dos homens; e a todos recomenda, finalmente, a
caridade (9). É o que corresponde à lei fundamental da economia
cristã. Porque, embora seja o mesmo Deus o Criador e o Salvador, o
senhor da história humana e o da história da salvação, todavia,
segundo a ordenação divina, a justa autonomia das criaturas e
sobretudo do homem, não só não é delimitada mas antes é restituída à
sua dignidade e nela confirmada.
Por isso, a Igreja, em virtude do Evangelho que lhe foi confiado,
proclama os direitos do homem e reconhece e tem em grande apreço o
dinamismo do nosso tempo, que por toda a parte promove tais
direitos. Este movimento, porém, deve ser penetrado pelo espírito do
Evangelho, e defendido de qualquer espécie de falsa autonomia. Pois
estamos sujeitos à tentação de julgar que os nossos direitos
pessoais só são plenamente assegurados quando nos libertamos de toda
a norma da lei divina. Enquanto que, por este caminho, a dignidade
da pessoa humana, em vez de se salvar, perde-se.
Ajuda que a Igreja oferece à sociedade
42. A unidade da família humana recebe um grande reforço e encontra
o seu acabamento na unidade da família dos filhos de Deus -.
Certamente, a missão própria confiada por Cristo à sua Igreja, não é
de ordem política, económica ou social: o fim que lhe propôs é, com
efeito, de ordem religiosa (11). Mas desta mesma missão religiosa
deriva um encargo, uma luz e uma energia que podem servir para o
estabelecimento e consolidação da comunidade humana segundo a lei
divina. E também, quando for necessário, tendo em conta as
circunstâncias de tempos e lugares, pode ela própria, e até deve,
suscitar obras destinadas ao serviço de todos, sobretudo dos pobres,
tais como obras caritativas e outras semelhantes.
A Igreja reconhece, além disso, tudo o que há de bom no dinamismo
social hodierno; sobretudo o movimento para a unidade, o processo
duma sã socialização e associação civil e económica. Promover a
unidade é, efectivamente, algo que se harmoniza com a missão
essencial da Igreja, pois ela é, «em Cristo, como que o sacramento
ou sinal e o instrumento da íntima união com Deus e da unidade de
todo o género humano» (12). Ela própria manifesta assim ao mundo que
a verdadeira união social eterna flui da união dos espíritos e dos
corações, daquela fé e caridade em que indissolùvelmente se funda,
no Espírito Santo, a sua própria unidade. Porque a energia que a
Igreja pode insuflar à sociedade actual consiste nessa fé e caridade
efectivamente vividas e não em qualquer domínio externo, actuado com
meios puramente humanos.
Além disso, dado que a Igreja não está ligada, por força da sua
missão e natureza, a nenhuma forma particular de cultura ou sistema
político, económico ou social, pode, graças a esta sua
universalidade, constituir um laço muito estreito entre as diversas
comunidades e nações, contanto que nela confiem e lhe reconheçam a
verdadeira liberdade para cumprir esta sua missão. Por esta razão, a
Igreja recomenda a todos os seus filhos, e também a todos os homens,
que superem com este espírito de família próprio dos filhos de Deus,
todos os conflitos entre nações e raças, e consolidem internamente
as legítimas associações humanas.
O Concílio considera com muito respeito o que há de bom, verdadeiro
e justo nas instituições tão diversas que o género humano criou e
sem cessar continua a criar. E a Igreja declara querer ajudar e
promover todas essas instituições, na medida em que isso dela
dependa e seja compatível com a sua própria missão. Ela nada deseja
mais ardentemente do que, servindo o bem de todos, poder
desenvolver-se livremente sob qualquer regime que reconheça os
direitos fundamentais da pessoa e da família e os imperativos do bem
comum.
Ajuda que a Igreja oferece à atividade humana
43. O Concílio exorta os cristãos, cidadãos de ambas as cidades, a
que procurem cumprir fielmente os seus deveres terrenos, guiados
pelo espírito do Evangelho. Afastam-se da verdade os que, sabendo
que não temos aqui na terra uma cidade permanente, mas que vamos em
demanda da futura (13), pensam que podem por isso descuidar os seus
deveres terrenos, sem atenderem a que a própria fé ainda os obriga
mais a cumpri-los, segundo a vocação própria de cada um (14). Mas
não menos erram os que, pelo contrário, opinam poder entregar-se às
ocupações terrenas, como se estas fossem inteiramente alheias à vida
religiosa, a qual pensam consistir apenas no cumprimento dos actos
de culto e de certos deveres morais. Este divórcio entre a fé que
professam e o comportamento quotidiano de muitos deve ser contado
entre os mais graves erros do nosso tempo. Já no Antigo Testamento
os profetas denunciam este escândalo (15); no Novo, Cristo ameaçou-o
ainda mais veementemente com graves castigos (16). Não se oponham,
pois, infundadamente, as actividades profissionais e sociais, por um
lado, e a vida religiosa, por outro. O cristão que descuida os seus
deveres temporais, falta aos seus deveres para com o próximo e até
para com o próprio Deus, e põe em risco a sua salvação eterna. A
exemplo de Cristo que exerceu um mister de operário, alegrem-se
antes os cristãos por poderem exercer todas as actividades terrenas,
unindo numa síntese vital todos os seus esforços humanos,
domésticos, profissionais, científicos ou técnicos com os valores
religiosos, sob cuja elevada ordenação, tudo se coordena para glória
de Deus.
As tarefas e actividades seculares competem como próprias, embora
não exclusivamente, aos leigos. Por esta razão, sempre que, sós ou
associados, actuam como cidadãos do mundo, não só devem respeitar as
leis próprias de cada domínio, mas procurarão alcançar neles uma
real competência. Cooperarão de boa vontade com os homens que
prosseguem os mesmos fins. Reconhecendo quais são as exigências da
fé, e por ela robustecidos, não hesitem, quando for oportuno, em
idear novas iniciativas e levá-las a realização. Compete à sua
consciência prèviamente bem formada, imprimir a lei divina na vida
da cidade terrestre. Dos sacerdotes, esperem os leigos a luz e força
espiritual. Mas não pensem que os seus pastores estão sempre de tal
modo preparados que tenham uma solução pronta para qualquer questão,
mesmo grave, que surja, ou que tal é a sua missão. Antes,
esclarecidos pela sabedoria cristã, e atendendo à doutrina do
magistério (17), tomem por si mesmos as próprias responsabilidades.
Muitas vezes, a concepção cristã da vida incliná-los-á para
determinada solução, em certas circunstâncias concretas. Outros
fiéis, porém, com não menos sinceridade, pensarão diferentemente
acerca do mesmo assunto, como tantas vezes acontece, e
legitimamente. Embora as soluções propostas por uma e outra parte,
mesmo independentemente da sua intenção, sejam por muitos fàcilmente
vinculadas à mensagem evangélica, devem, no entanto, lembrar-se de
que a ninguém é permitido, em tais casos, invocar exclusivamente a
favor da própria opinião a autoridade da Igreja. Mas procurem sempre
esclarecer-se mutuamente, num diálogo sincero, salvaguardando a
caridade recíproca e atendendo, antes de mais, ao bem comum.
Os leigos, que devem tomar parte activa em toda a vida da Igreja,
não devem apenas impregnar o mundo com o espírito cristão, mas são
também chamados a serem testemunhas de Cristo, em todas as
circunstâncias, no seio da comunidade humana.
Quanto aos Bispos, a quem está confiado o encargo de governar a
Igreja de Deus, preguem juntamente com os seus sacerdotes a mensagem
de Cristo de tal maneira que todas as actividades terrenas dos fiéis
sejam penetradas pela luz do Evangelho. Lembrem-se, além disso, os
pastores que, com o seu comportamento e solicitude quotidanos (18),
manifestam ao mundo o rosto da Igreja com base no qual os homens
julgam da força e da verdade da mensagem cristã. Com a sua vida e
palavra, juntos com os religiosos e os seus fiéis, mostrem que a
Igreja, com todos os dons que contém em si, é só pela sua simples
presença uma fonte inexaurível daquelas virtudes de que tanto
necessita o mundo de hoje. Por meio de assíduo estudo, tornem-se
capazes de tomar parte no diálogo com o mundo e com os homens de
qualquer opinião. Mas sobretudo, tenham no seu coração as palavras
deste Concílio: «Dado que o género humano caminha hoje cada vez mais
para a unidade civil, económica e social, tanto mais necessário é
que os sacerdotes em conjunto e sob a direcção dos Bispos e do Sumo
Pontífice, evitem todo o motivo de divisão, para que a humanidade
toda seja conduzida à unidade da família de Deus» (19).
Ainda que a Igreja, pela virtude do Espírito Santo, se tenha mantido
esposa fiel do Senhor e nunca tenha deixado de ser um sinal de
salvação no mundo, no entanto, ela não ignora que entre os seus
membros (20), clérigos ou leigos, não faltaram, no decurso de tantos
séculos, alguns que foram infiéis ao Espírito de Deus. E também nos
nossos dias, a Igreja não deixa de ver quanta distância separa a
mensagem por ela proclamada e a humana fraqueza daqueles a quem foi
confiado o Evangelho. Seja qual for o juízo da história acerca
destas deficiências, devemos delas ter consciência e combatê-las com
vigor, para que não sejam obstáculo à difusão, do Evangelho. Também
sabe a Igreja quanto deve aprender com a experiência dos séculos, no
que se refere ao desenvolvimento das suas relações com o mundo.
Conduzida pelo Espírito Santo, a Igreja mãe «exorta sem cessar os
seus filhos a que se purifiquem e renovem, para que o sinal de
Cristo brilhe mais claramente no rosto da Igreja» (21).
Ajuda que a Igreja recebe do mundo
44. Assim como é do interesse do mundo que ele reconheça a Igreja
como realidade social da história e seu fermento, assim também a
Igreja não ignora quanto recebeu da história e evolução do género
humano.
A experiência dos séculos passados, os progressos científicos, os
tesoiros encerrados nas várias formas de cultura humana, os quais
manifestam mais plenamente a natureza do homem e abrem novos
caminhos para a verdade, aproveitam igualmente à Igreja. Ela
aprendeu, desde os começos da sua história, a formular a mensagem de
Cristo por meio dos conceitos e línguas dos diversos povos, e
procurou ilustrá-la com o saber filosófico. Tudo isto com o fim de
adaptar o Evangelho à capacidade de compreensão de todos e às
exigências dos sábios. Esta maneira adaptada de pregar a palavra
revelada deve permanecer a lei de toda a evangelização. Deste modo,
com efeito, suscita-se em cada nação a possibilidade de exprimir a
mensagem de Cristo segundo a sua maneira própria, ao mesmo tempo que
se fomenta um intercâmbio vivo entre a Igreja e as diversas culturas
dos diferentes povos (22). Para aumentar este intercâmbio, necessita
especialmente a Igreja - sobretudo hoje, em que tudo muda tão
ràpidamente e os modos de pensar variam tanto - da ajuda daqueles
que, vivendo no mundo, conhecem bem o espírito e conteúdo das várias
instituições e disciplinas, sejam eles crentes ou não. É dever de
todo o Povo de Deus e sobretudo dos pastores e teólogos, com a ajuda
do Espírito Santo, saber ouvir, discernir e interpretar as várias
linguagens do nosso tempo, e julgá-las à luz da palavra de Deus, de
modo que a verdade revelada possa ser cada vez mais intimamente
percebida, melhor compreendida e apresentada de um modo conveniente.
Como a Igreja tem uma estrutura social visível, sinal da sua unidade
em Cristo, pode também ser enriquecida, e de facto o é, com a
evolução da vida social. Não porque falte algo na constituição que
Cristo lhe deu, mas para mais profundamente a conhecer e melhor a
exprimir e para a adaptar mais convenientemente aos nossos tempos.
Ela verifica com gratidão que, tanto no seu conjunto como em cada um
dos seus filhos, recebe variadas ajudas dos homens de toda a classe
e condição. Na realidade, todos os que, de acordo com a vontade de
Deus, promovem a comunidade humana no plano familiar, cultural, da
vida económica e social e também política, seja nacional ou
internacional, prestam não pequena ajuda à comunidade eclesial, na
medida em que esta depende das realidades exteriores.
Mais ainda, a Igreja reconhece que muito aproveitou e pode
aproveitar da própria oposição daqueles que a hostilizam e perseguem
(23).
Jesus Cristo Alfa e Omega
45. Ao ajudar o mundo e recebendo dele ao mesmo tempo muitas coisas,
o único fim da Igreja é o advento do reino de Deus e o
estabelecimento da salvação de todo o género humano. E todo o bem
que o Povo de Deus pode prestar à família dos homens durante o tempo
da sua peregrinação deriva do facto que a Igreja é o «sacramento
universal da salvação» (24), manifestando e actuando simultâneamente
o mistério do amor de Deus pelos homens.
Com efeito, o próprio Verbo de Deus, por quem tudo foi feito, fez-se
homem, para, homem perfeito, a todos salvar e tudo recapitular. O
Senhor é o fim da história humana, o ponto para onde tendem os
desejos da história e da civilização, o centro do género humano, a
alegria de todos os corações e a plenitude das suas aspirações (25).
Foi Ele que o Pai ressuscitou dos mortos, exaltou e colocou à sua
direita, estabelecendo-o juiz dos vivos e dos mortos. Vivificados e
reunidos no seu Espírito, caminhamos em direcção à consumação da
história humana, a qual corresponde plenamente ao seu desígnio de
amor: «recapitular todas as coisas em Cristo, tanto as do céu como
as da terra» (Ef. 1,10).
O próprio Senhor o diz: «Eis que venho em breve, trazendo comigo a
minha recompensa, para dar a cada um segundo as suas obras. Eu sou o
alfa e o ómega, o primeiro e o último, o começo e o fim» (Apoc. 22,
12-13).
II PARTE
ALGUNS PROBLEMAS MAIS URGENTES
Atitude do Concílio perante esses problemas
46. Depois de ter exposto a dignidade da pessoa humana, bem como a
missão individual e social que está chamada a realizar no mundo, o
Concílio dirige agora a atenção de todos, à luz do Evangelho e da
experiência humana, para algumas necessidades mais urgentes do nosso
tempo, que profundamente afectam a humanidade.
Entre as muitas questões que hoje a todos preocupam, importa relevar
particularmente as seguintes: o matrimónio e a família, a cultura
humana, a vida económico-social e política, a comunidade
internacional e a paz. Sobre cada uma delas devem resplandecer os
princípios e as luzes que provêm de Cristo e que dirigirão os
cristãos e iluminarão todos os homens na busca da solução para
tantos e tão complexos problemas.
CAPÍTULO I
A PROMOÇÃO DA DIGNIDADE DO MATRIMÓNIO E DA FAMÍLIA
O matrimónio e a família no mundo actual
47. O bem-estar da pessoa e da sociedade humana e cristã está
intimamente ligado com uma favorável situação da comunidade conjugal
e familiar. Por esse motivo, os cristãos, juntamente com todos os
que têm em grande apreço esta comunidade, alegram-se sinceramente
com os vários factores que fazem aumentar entre os homens a estima
desta comunidade de amor e o respeito pela vida e que auxiliam os
cônjuges e os pais na sua sublime missão. Esperam daí ainda melhores
resultados e esforçam-se por os ampliar.
Porém, a dignidade desta instituição não resplandece em toda a parte
com igual brilho. Encontra-se obscurecida pela poligamia, pela
epidemia do divórcio, pelo chamado amor livre e outras deformações.
Além disso, o amor conjugal é muitas vezes profanado pelo egoísmo,
amor do prazer e por práticas ilícitas contra a geração. E as
actuais condições económicas, socio-psicológicas e civis introduzem
ainda na família não pequenas perturbações. Finalmente, em certas
partes do globo, verificam-se, com inquietação, os problemas postos
pelo aumento demográfico. Com tudo isto, angustiam-se as
consciências. Mas o vigor e a solidez da instituição matrimonial e
familiar também nisto se manifestam: as profundas transformações da
sociedade contemporânea, apesar das dificuldades a que dão origem,
muito frequentemente revelam de diversos modos a verdadeira natureza
de tal instituição.
Por tal motivo, o Concílio, esclarecendo alguns pontos da doutrina
da Igreja, deseja ilustrar e robustecer os cristãos e todos os
homens que se esforçam por proteger e fomentar a nativa dignidade do
estado matrimonial e o seu alto e sagrado valor.
A santidade do matrimónio e da família
48. A íntima comunidade da vida e do amor conjugal, fundada pelo
Criador e dotada de leis próprias, é instituída por meio da aliança
matrimonial, eu seja pelo irrevogável consentimento pessoal. Deste
modo, por meio do acto humano com o qual os cônjuges mùtuamente se
dão e recebem um ao outro, nasce uma instituição também à face da
sociedade, confirmada pela lei divina. Em vista do bem tanto dos
esposos e da prole como da sociedade, este sagrado vínculo não está
ao arbítrio da vontade humana. O próprio Deus é o autor do
matrimónio, o qual possui diversos bens e fins,(1) todos eles da
máxima importância, quer para a propagação do género humano, quer
para o proveito pessoal e sorte eterna de cada um dos membros da
família, quer mesmo, finalmente, para a dignidade, estabilidade, paz
e prosperidade de toda a família humana. Por sua própria índole, a
instituição matrimonial e o amor conjugal estão ordenados para a
procriação e educação da prole, que constituem como que a sua coroa.
O homem e a mulher, que, pela aliança conjugal «já não são dois, mas
uma só carne» (Mt. 19, 6), prestam-se recíproca ajuda e serviço com
a íntima união das suas pessoas e actividades, tomam consciência da
própria unidade e cada vez mais a realizam. Esta união íntima, já
que é o dom recíproco de duas pessoas, exige, do mesmo modo que o
bem dos filhos, a inteira fidelidade dos cônjuges e a
indissolubilidade da sua união (2).
Cristo Senhor abençoou copiosamente este amor de múltiplos aspectos,
nascido da fonte divina da caridade e constituído à imagem da sua
própria união com a Igreja. E assim como outrora Deus veio ao
encontro do seu povo com uma aliança de amor e fidelidade (3), assim
agora o Salvador dos homens e esposo da Igreja (4) vem ao encontro
dos esposos cristãos com o sacramento do matrimónio. E permanece com
eles, para que, assim como Ele amou a Igreja e se entregou por ela
(5), de igual modo os cônjuges, dando-se um ao outro, se amem com
perpétua fidelidade. O autêntico amor conjugal é assumido no amor
divino, e dirigido e enriquecido pela força redentora de Cristo e
pela acção salvadora da Igreja, para que, assim, os esposos caminhem
eficazmente para Deus e sejam ajudados e fortalecidos na sua missão
sublime de pai e mãe(6). Por este motivo, os esposos cristãos são
fortalecidos e como que consagrados em ordem aos deveres do seu
estado por meio de um sacramento especial (7); cumprindo, graças à
força deste, a própria missão conjugal e familiar, penetrados do
espírito de Cristo que impregna toda a sua vida de fé, esperança e
caridade, avançam sempre mais na própria perfeição e mútua
santificação e cooperam assim juntos para a glorificação de Deus.
Precedidos assim pelo exemplo e oração familiar dos pais, tanto os
filhos como todos os que vivem no círculo familiar encontrarão mais
fàcilmente o caminho da existência humana, da salvação e da
santidade. Quanto aos esposos, revestidos com a dignidade e o
encargo da paternidade e maternidade, cumprirão diligentemente o seu
dever de educação, sobretudo religiosa, que a eles cabe em primeiro
lugar. Os filhos, como membros vivos dá família, contribuem a seu
modo para a santificação dos pais. Corresponderão, com a sua
gratidão, piedade filial e confiança aos benefícios recebidos dos
pais e assisti-los-ão, como bons filhos, nas dificuldades e na
solidão da velhice. A viuvez, corajosamente assumida na sequência da
vocação conjugal, por todos deve ser respeitada (8). Cada família
comunicará generosamente com as outras as próprias riquezas
espirituais. Por isso, a família cristã, nascida de um matrimónio
que é imagem e participação da aliança de amor entre Cristo e a
Igreja (9), manifestará a todos a presença viva do Salvador no mundo
e a autêntica natureza da Igreja, quer por meio do amor dos esposos,
quer pela sua generosa fecundidade, unidade e fidelidade, quer pela
amável cooperação de todos os seus membros.
O amor conjugal
49. A Palavra de Deus convida repetidas vezes os noivos a alimentar
e robustecer o seu noivado com um amor casto, e os esposos a sua
união com um amor indiviso (10). E também muitos dos nossos
contemporâneos têm em grande apreço o verdadeiro amor entre marido e
mulher, manifestado de diversas maneiras, de acordo com os honestos
costumes dos povos e dos tempos. Esse amor, dado que é eminentemente
humano - pois vai de pessoa a pessoa com um afecto voluntário -
compreende o bem de toda a pessoa e, por conseguinte, pode conferir
especial dignidade às manifestações do corpo e do espírito,
enobrecendo-as como elementos e sinais peculiares do amor conjugal.
E o Senhor dignou-se sanar, aperfeiçoar e elevar este amor com um
dom especial de graça e caridade. Unindo o humano e o divino, esse
amor leva os esposos ao livre e recíproco dom de si mesmos, que se
manifesta com a ternura do afecto e, com as obras, e penetra toda a
sua vida (11); e aperfeiçoa-se e aumenta pela sua própria generosa
actuação. Ele transcende, por isso, de longe a mera inclinação
erótica, a qual, fomentada egoìsticamente, rápida e miseràvelmente
se desvanece.
Este amor tem a sua expressão e realização peculiar no acto próprio
do matrimónio. São, portanto, honestos e dignos os actos pelos quais
os esposos se unem em intimidade e pureza; realizados de modo
autênticamente humano, exprimem e alimentam a mútua entrega pela
qual se enriquecem um ao outro na alegria e gratidão. Esse amor,
ratificado pela promessa de ambos e, sobretudo, sancionado pelo
sacramento de Cristo, é indissolùvelmente fiel, de corpo e de
espírito, na prosperidade e na adversidade; exclui, por isso, toda e
qualquer espécie de adultério e divórcio. A unidade do matrimónio,
confirmada pelo Senhor, manifesta-se também claramente na igual
dignidade da mulher e do homem que se deve reconhecer no mútuo e
pleno amor. Mas, para cumprir com perseverança os deveres desta
vocação cristã, requere-se uma virtude notável; por este motivo,
hão-de os esposos, fortalecidos pela graça para levarem uma vida de
santidade, cultivar assiduamente e impetrar com a oração a fortaleza
do próprio amor, a magnanimidade e o espírito de sacrifício.
O autêntico amor conjugal será mais apreciado, e formar-se-á a seu
respeito uma sã opinião pública, se os esposos cristãos derem um
testemunho eminente de fidelidade e harmonia e de solicitude na
educação dos filhos e se participarem na necessária renovação
cultural, psicológica e social em favor do casamento e da família.
Os jovens devem ser conveniente e oportunamente instruídos,
sobretudo no seio da própria família, acerca da dignidade, missão e
exercício do amor conjugal. Deste modo, educados na castidade,
poderão, chegada a idade conveniente, entrar no casamento depois dum
noivado puro.
A fecundidade do matrimônio
50. O matrimónio e o amor conjugal ordenam-se por sua própria
natureza à geração e educação da prole. Os filhos são, sem dúvida, o
maior dom do matrimónio e contribuem muito para o bem dos próprios
pais. O mesmo Deus que disse «não é bom que o homem esteja só» (Gén.
2,88) e que «desde a origem fez o homem varão e mulher» (Mt. 19,14),
querendo comunicar-lhe uma participação especial na Sua obra
criadora, abençoou o homem e a mulher dizendo: «sede fecundos e
multiplicai-vos» (Gén. 1,28). Por isso, o autêntico cultivo do amor
conjugal, e toda a vida familiar que dele nasce, sem pôr de lado os
outros fins do matrimónio, tendem a que os esposos, com fortaleza de
ânimo, estejam dispostos a colaborar com o amor do criador e
salvador, que por meio deles aumenta cada dia mais e enriquece a sua
família.
Os esposos sabem que no dever de transmitir e educar a vida humana -
dever que deve ser considerado como a sua missão específica - eles
são os cooperadores do amor de Deus criador e como que os seus
intérpretes. Desempenhar-se-ão, portanto, desta missão com a sua
responsabilidade humana e cristã; com um respeito cheio de
docilidade para com Deus, de comum acordo e com esforço comum,
formarão rectamente a própria consciência, tendo em conta o seu bem
próprio e o dos filhos já nascidos ou que prevêem virão a nascer,
sabendo ver as condições de tempo e da própria situação e tendo,
finalmente, em consideração o bem da comunidade familiar, da
sociedade temporal e da própria Igreja. São os próprios esposos que,
em última instância, devem diante de Deus tomar esta decisão. Mas,
no seu modo de proceder, tenham os esposos consciência de que não
podem agir arbitràriamente, mas que sempre se devem guiar pela
consciência, que se deve conformar com a lei divina, e ser dóceis ao
magistério dia Igreja, que autenticamente a interpreta à luz do
Evangelho. Essa lei divina manifesta a plena significação do amor
conjugal, protege-o e estimula-o para a sua perfeição autenticamente
humana. Assim, os esposos cristãos, confiados na divina Providência
e cultivando o espírito de sacrifício (12), dão glória ao Criador e
caminham para a perfeição em Cristo quando se desempenham do seu
dever de procriar com responsabilidade generosa, humana e cristã.
Entre os esposos que deste modo satisfazem à missão que Deus lhes
confiou, devem ser especialmente lembrados aqueles que, de comum
acordo e com prudência, aceitam com grandeza de ânimo educar uma
prole numerosa (13).
No entanto, o matrimónio não foi instituído só em ordem à procriação
da prole. A própria natureza da aliança indissolúvel entre as
pessoas e o bem da prole exigem que o mútuo amor dos esposos se
exprima convenientemente, aumente e chegue à maturidade. E por isso,
mesmo que faltem os filhos, tantas vezes ardentemente desejados, o
matrimónio conserva o seu valor e indissolubilidade, como comunidade
e comunhão de toda a vida.
O amor conjugal e o respeito pela vida humana
51. O Concílio não ignora que os esposos, na sua vontade de conduzir
harmònicamente a própria vida conjugal, encontram frequentes
dificuldades em certas circunstâncias da vida actual; que se podem
encontrar em situações em que, pelo menos temporàriamente, não lhes
é possível aumentar o número de filhos e em que só dificilmente se
mantêm a fidelidade do amor e a plena comunidade de vida. Mas quando
se suspende a intimidade da vida conjugal, não raro se põe em risco
a fidelidade e se compromete o bem da prole; porque, nesse caso,
ficam ameaçadas tanto a educação dos filhos como a coragem
necessária para ter mais filhos.
Não falta quem se atreva a dar soluções imorais a estes problemas,
sem recuar sequer perante o homicídio. Mas a Igreja recorda que não
pode haver verdadeira incompatibilidade entre as leis divinas que
regem a transmissão da vida e o desenvolvimento do autêntico amor
conjugal.
Com efeito, Deus, senhor da vida, confiou aos homens, para que estes
desempenhassem dum modo digno dos mesmos homens, o nobre encargo de
conservar a vida. Esta deve, pois, ser salvaguardada, com extrema
solicitude, desde o primeiro momento da concepção; o aborto e o
infanticídio são crimes abomináveis. A índole sexual humana e o
poder gerador do homem, eles superam de modo admirável o que se
encontra nos graus inferiores da vida; daqui se segue que os mesmos
actos específicos da vida conjugal, realizados segundo a autêntica
dignidade humana, devem ser objecto de grande respeito. Quando se
trata, portanto, de conciliar o amor conjugal com a transmissão
responsável da vida, a moralidade do comportamento não depende
apenas da sinceridade da intenção e da apreciação dos motivos; deve
também determinar-se por critérios objectivos, tomados da natureza
da pessoa e dos seus actos; critérios que respeitem, num contexto de
autêntico amor, o sentido da mútua doação e da procriação humana.
Tudo isto só é possível se se cultivar sinceramente a virtude da
castidade conjugal. Segundo estes princípios, não é lícito aos
filhos da Igreja adoptar, na regulação dos nascimentos, caminhos que
o magistério, explicitando a lei divina, reprova (14).
Todos, finalmente, tenham bem presente que a vida humana e a missão
de a transmitir não se limitam a este mundo, nem podem ser medidas
ou compreendidas ùnicamente em função dele, mas que estão sempre
relacionadas com o eterno destino do homem.
O progresso e a promoção do matrimónio e da família
52. A família é como que uma escola de valorização humana. Para que
esteja em condições de alcançar a plenitude da sua vida e missão,
exige, porém, a benévola comunhão de almas e o comum acordo dos
esposos, e a diligente cooperação dos pais na educação dos filhos. A
presença activa do pai contribui poderosamente para a formação
destes; mas é preciso assegurar também a assistência ao lar por
parte da mãe, da qual os filhos, sobretudo os mais pequenos, têm
tanta necessidade; sem descurar, aliás, a legítima promoção social
da mulher. Os filhos sejam educados de tal modo que, chegados à
idade adulta, sejam capazes de seguir com inteira responsabilidade a
sua vocação, incluindo a sagrada, e escolher um estado de vida; e,
se casarem, possam constituir uma família própria, em condições
morais, sociais e económicas favoráveis. Compete aos pais ou tutores
guiar os jovens na constituição da família com prudentes conselhos
que eles devem ouvir de bom grado; mas evitem cuidadosamente
forçá-los, directa ou indirectamente, a casar-se ou a escolher o
cônjuge.
A família - na qual se congregam as diferentes gerações que
reciprocamente se ajudam a alcançar uma sabedoria mais plena e a
conciliar os direitos pessoais com as outras exigências da vida
social - constitui assim o fundamento da sociedade. E por esta
razão, todos aqueles que têm alguma influência nas comunidades e
grupos sociais, devem contribuís eficazmente para a promoção do
matrimónio e da família. A autoridade civil há-de considerar como um
dever sagrado reconhecer, proteger e favorecer a sua verdadeira
natureza, assegurar a moralidade pública e fomentar a prosperidade
doméstica. Deve salvaguardar-se o direito de os pais gerarem e
educarem os filhos no seio da família. Protejam-se também e
ajudem-se convenientemente, por meio duma previdente legislação e
com iniciativas várias, aqueles que por infelicidade não beneficiam
duma família.
Os cristãos, resgatando o tempo presente (15), e distinguindo o que
é eterno das formas mutáveis, promovam com empenho o bem do
matrimónio e da família, com o testemunho da própria vida e
cooperando com os homens de boa vontade; deste modo, superando as
dificuldades, proverão às necessidades e vantagens da família, de
acordo com os novos tempos. Para alcançar este fim, muito ajudarão o
sentir cristão dos fiéis, a rectidão de consciência moral dos
homens, bem como o saber e competência dos que se dedicam às
ciências sagradas.
Os cientistas, particularmente os especialistas nas ciências
biológicas, médicas, sociais e psicológicas, podem prestar um grande
serviço para bem do matrimónio e da família se, juntando os seus
esforços, procurarem esclarecer mais profundamente as condições que
favorecem a honesta regulação da procriação humana.
Cabe aos sacerdotes, devidamente informados acerca das realidades
familiares, auxiliar a vocação dos esposos na sua vida conjugal e
familiar por vários meios pastorais, com a pregação da palavra de
Deus, o culto litúrgico e outras ajudas espirituais; devem ainda
fortalecê-los, com bondade e paciência, nas suas dificuldades e
reconfortá-los com a caridade, para que assim se formem famílias
verdadeiramente irradiantes.
As diferentes obras, sobretudo as associações de famílias, procurem
fortalecer com a doutrina e a acção os jovens e os esposos,
especialmente os casados de há pouco, e formá-los para a vida
familiar, social e apostólica.
Finalmente, os próprios esposos, feitos à imagem de Deus e
estabelecidos numa ordem verdadeiramente pessoal, estejam unidos em
comunhão de afecto e de pensamento e com mútua santidade (16) de
modo que, seguindo a Cristo, princípio da vida (17), se tornem, pela
fidelidade do seu amor, através das alegrias e sacrifícios da sua
vocação, testemunhas daquele mistério de amor que Deus revelou ao
mundo com a sua morte e ressurreição (18).
CAPÍTULO II
A CONVENIENTE PROMOÇÃO DO PROGRESSO CULTURAL
A cultura e a sua relação com o homem
53. É próprio da pessoa humana necessitar da cultura, isto é, de
desenvolver os bens e valores da natureza, para chegar a uma
autêntica e plena realização. Por isso, sempre que se trata da vida
humana, natureza e cultura encontram-se intimamente ligadas.
A palavra «cultura» indica, em geral, todas as coisas por meio das
quais o homem apura e desenvolve as múltiplas capacidades do seu
espírito e do seu corpo; se esforça por dominar, pelo estudo e pelo
trabalho, o próprio mundo; torna mais humana, com o progresso dos
costumes e das instituições, a vida social, quer na família quer na
comunidade civil; e, finalmente, no decorrer do tempo, exprime,
comunica aos outros e conserva nas suas obras, para que sejam de
proveito a muitos e até à inteira humanidade, as suas grandes
experiências espirituais e as suas aspirações.
Daqui se segue que a cultura humana implica necessàriamente um
aspecto histórico e social e que o termo «cultura» assume
frequentemente um sentido sociológico e etnológico. É neste sentido
que se fala da pluralidade das culturas. Com efeito, diferentes
modos de usar das coisas, de trabalhar e de se exprimir, de praticar
a religião e de formar os costumes, de estabelecer leis e
instituições jurídicas, de desenvolver as ciências e as artes e de
cultivar a beleza, dão origem a diferentes estilos de vida e
diversas escalas de valores. E assim, a partir dos usos
tradicionais, se constitui o património de cada comunidade humana.
Define-se também por este modo o meio histórico determinado no qual
se integra o homem raça ou época, e do qual tira os bens necessários
para a promoção da civilização.
Secção 1
CONDIÇÕES DA CULTURA NO MUNDO ACTUAL
Novos estilos de vida
54. As condições de vida do homem moderno sofreram tão profunda
transformação no campo social e cultural, que é lícito falar duma
nova era da história humana (1). Novos caminhos se abrem assim ao
progresso e difusão da cultura, preparados pelo imenso avanço das
ciências naturais, humanas e sociais, pelo desenvolvimento das
técnicas e pelo progresso no aperfeiçoamento e coordenação dos meios
de comunicação. Daqui provêm algumas notas características da
cultura actual: as chamadas ciências exactas desenvolvem grandemente
o sentido crítico; as recentes investigações psicológicas explicam
profundamente a actividade humana; as disciplinas históricas
contribuem muito para considerar as coisas sob o seu aspecto mutável
e evolutivo; as maneiras de viver e os costumes tornam-se cada vez
mais uniformes; a industrialização, a urbanização e outras causas
que favorecem a vida comunitária, criam novas formas de cultura de
que resultam novas maneiras de sentir e de agir e de utilizar o
tempo livre; o aumento de intercâmbio entre os vários povos e grupos
sociais revela mais amplamente a todos e a cada um os tesouros das
várias formas de cultura, preparando-se deste modo,
progressivamente, um tipo mais universal de cultura humana, a qual
tanto mais favorecerá e expressará a unidade do género humano,
quanto melhor souber respeitar as peculiaridades das diversas
culturas.
O homem, autor da cultura
55. Cresce cada vez mais o número dos homens e mulheres, de qualquer
grupo ou nação, que têm consciência de serem os artífices e autores
da cultura da própria comunidade. Aumenta também cada dia mais no
mundo inteiro o sentido da autonomia e responsabilidade, o qual é de
máxima importância para a maturidade espiritual e moral do género
humano. O que aparece ainda mais claramente, se tivermos diante dos
olhos a unificação do mundo e o encargo que nos incumbe de
construirmos, na verdade e na justiça, um mundo melhor. Somos assim
testemunhas do nascer de um novo humanismo, no qual o homem se
define antes de mais pela sua responsabilidade com relação aos seus
irmãos e à história.
Antinomias da cultura actual e actuação do homem
56. Nestas condições, não é de admirar que o homem, sentindo a
responsabilidade que tem na promoção da cultura, alimente mais
dilatadas esperanças, e ao mesmo tempo encare com inquietação as
múltiplas antinomias existentes e que ele tem de resolver.
Que se deve fazer para que os frequentes contactos entre culturas,
que deveriam levar os diferentes grupos e culturas a um diálogo
verdadeiro e fecundo, não perturbem a vida das comunidades, ou
subvertam a sabedoria dos antigos, ou ponham em perigo o génio
próprio de cada povo?
Como fomentar o dinamismo e expansão da nova cultura, sem deixar
perder a fidelidade viva à herança tradicional? Problema que se põe
com particular acuidade quando se trata de harmonizar uma cultura
nascida dum grande progresso das ciências e da técnica com a que se
alimenta dos estudos clássicos das diversas tradições.
Como conciliar a rápida e progressiva especialização das várias
disciplinas com a necessidade de construir a sua síntese e ainda de
conservar no homem as capacidades de contemplação e admiração que
conduzem à sabedoria?
Que fazer para que todos os homens participem dos bens culturais,
uma vez que a cultura das elites é cada vez mais elevada e complexa?
Enfim, como reconhecer a legitimidade da autonomia que a cultura
reclama, sem cair num humanismo meramente terreno ou até hostil à
religião?
É preciso, que, no meio de todas estas antinomias, a cultura humana
progrida hoje de tal modo, que desenvolva harmónica e integralmente
a pessoa humana e ajude os homens no desempenho das tarefas a que
todos, e sobretudo os cristãos, estão chamados, fraternalmente
unidos numa única família humana.
Secção 2
ALGUNS PRINCÍPIOS PARA A CONVENIENTE PROMOÇÃO DA CULTURA
Fé e cultura
57. Os cristãos, peregrinos da cidade celestial, devem buscar e
saborear as coisas do alto (2). Mas, com isso, de modo algum
diminui, antes aumenta a importância do seu dever de colaborar com
todos os outros homens na edificação dum mundo mais humano. E, na
verdade, o mistério da fé cristã fornece-lhes valiosos estímulos e
ajudas para cumprirem mais intensamente essa missão e sobretudo para
descobrirem o pleno significado de tal actividade, assinalando assim
o lugar privilegiado da cultura na vocação integral do homem.
Quando o homem, usando as suas mãos ou recorrendo à técnica,
trabalha a terra para que ela produza frutos e se torne habitação
digna para toda a humanidade, ou quando participa conscientemente na
vida social dos diversos grupos, está a dar realização à vontade que
Deus manifestou no começo dos tempos, de que dominasse a terra (3) e
completasse a obra da criação, ao mesmo tempo que se vai
aperfeiçoando a si mesmo; cumpre igualmente o mandamento de Cristo,
de se consagrar ao serviço de seus irmãos.
Além disso, dedicando-se às várias disciplinas da história,
filosofia, ciências matemáticas e naturais, e cultivando as artes,
pode o homem ajudar muito a família humana a elevar-se a concepções
mais sublimes da verdade, do bem e da beleza e a um juízo de valor
universal, e ser assim luminosamente esclarecida por aquela
admirável sabedoria, que desde a eternidade estava junto de Deus,
dispondo com Ele todas as coisas, e encontrando as suas delícias em
estar com os filhos dos homens (4).
Pelo mesmo facto, o espírito do homem, mais liberto da escravidão
das coisas, pode mais fàcilmente levantar-se ao culto e contemplação
do Criador. Mais ainda, dispõe-se assim, sob o impulso da graça, a
reconhecer o Verbo de Deus, o qual antes de se fazer homem para tudo
salvar e em si recapitular, já «estava no mundo», como «verdadeira
luz que ilumina todo o homem» (Jo. 1, 9-10) (5).
O progresso hodierno das ciências e das técnicas que, em virtude do
seu próprio método, não penetram até às causas últimas das coisas,
pode sem dúvida dar aso a certo fenomenismo e agnosticismo, sempre
que o método de investigação de que usam estas disciplinas se arvora
indevidamente em norma suprema de toda a investigação da verdade. É
mesmo de temer que o homem, fiando-se demasiadamente nas descobertas
actuais, julgue que se basta a si mesmo e já não procure coisas mais
altas.
Estas deploráveis manifestações não são, porém, consequências
necessárias da cultura actual, nem nos devem fazer cair na tentação
de desconhecer os seus valores positivos. Tais são, entre outros: o
gosto das ciências e a exacta objectividade nas investigações
científicas; a necessidade de colaborar com os outros nas equipas
técnicas; o sentido de solidariedade internacional; a consciência
cada vez mais nítida da responsabilidade que os sábios têm de ajudar
e até de proteger os homens; a vontade de tornar as condições de
vida melhores para todos e especialmente para aqueles que sofrem da
privação de responsabilidade ou de pobreza cultural. Tudo isto pode
constituir uma certa preparação para a recepção da mensagem
evangélica, preparação que pode ser informada com a caridade divina
por Aquele que veio para salvar o mundo.
A mensagem de Cristo e a cultura humana
58. Múltiplos laços existem entre a mensagem da salvação e a cultura
humana. Deus, com efeito, revelando-se ao seu povo até à plena
manifestação de Si mesmo no Filho encarnado, falou segundo a cultura
própria de cada época.
Do mesmo modo, a Igreja, vivendo no decurso dos tempos em diversos
condicionalismos, empregou os recursos das diversas culturas para
fazer chegar a todas as gentes a mensagem de Cristo, para a
explicar, investigar e penetrar mais profundamente e para lhe dar
melhor expressão na celebração da Liturgia e na vida da multiforme
comunidade dos fiéis.
Mas, por outro lado, tendo sido enviada aos homens de todos os
tempos e lugares, a Igreja não está exclusiva e indissolùvelmente
ligada . a nenhuma raça ou nação, a nenhum género de vida
particular, a nenhuma tradição, antiga ou moderna. Aderindo à
própria tradição e, ao mesmo tempo, consciente da sua missão
universal, é capaz de entrar em comunicação com as diversas formas
de cultura, com o que se enriquecem tanto a própria Igreja como
essas várias culturas.
O Evangelho de Cristo renova continuamente a vida e cultura do homem
decaído, e combate e elimina os erros e males nascidos da permanente
sedução e ameaça do pecado. Purifica sem cessar e eleva os costumes
dos povos. Fecunda como que por dentro, com os tesouros do alto, as
qualidades de espírito e os dotes de todos os povos e tempos;
fortifica-os, aperfeiçoa-os e restaura-os em Cristo (6). Deste modo,
a Igreja, só com realizar a própria missão (7), já com isso mesmo
estimula e ajuda a civilização, e com a sua actividade, incluindo a
litúrgica, educa a interior liberdade do homem.
Harmonia entre as diversas ordens humanas e culturais
59. Pelas razões aduzidas, a Igreja lembra a todos que a cultura
deve orientar-se para a perfeição integral da pessoa humana, para o
bem da comunidade e de toda a sociedade. Por isso, é necessário
cultivar o espírito de modo a desenvolver-lhe a. capacidade de
admirar, de intuir, de contemplar, de formar um juízo pessoal e de
cultivar o sentido religioso, moral e social.
Pois a cultura, uma vez que deriva imediatamente da natureza
racional e social do homem, tem uma constante necessidade de justa
liberdade e de legítima autonomia, de agir segundo os seus próprios
princípios para se desenvolver. Com razão, pois, exige ser
respeitada e goza duma certa inviolabilidade, salvaguardados,
evidentemente, os direitos da pessoa e da comunidade, particular ou
universal, dentro dos limites do bem comum.
O sagrado Concílio, recordando o que ensinou o primeiro Concílio do
Vaticano, declara que existem «duas ordens de conhecimento»
distintas, a da fé e a da razão, e que a Igreja de modo algum proíbe
que «as artes e disciplinas humanas usem de princípios e métodos
próprios nos seus campos respectivos»; «reconhecendo esta justa
liberdade», afirma por isso a legítima autonomia da cultura humana e
sobretudo das ciências (8).
Tudo isto requer também que, salvaguardados a ordem moral e o bem
comum, o homem possa investigar livremente a verdade, expor e
divulgar a sua opinião e dedicar-se a qualquer arte; isto postula,
finalmente, que seja informado com verdade dos acontecimentos
públicos (9).
À autoridade pública pertence, não determinar o carácter próprio das
formas de cultura mas favorecer as condições e as ajudas necessárias
para o desenvolvimento cultural de todos, mesmo das minorias de
alguma nação (10). Deve, por isso, insistir-se, antes de mais, para
que a cultura, desviando-se do seu fim, não seja obrigada a servir
as forças políticas ou económicas.
Secção 3
ALGUNS DEVERES MAIS URGENTES DOS CRISTÃOS
COM RELAÇÃO À CULTURA
Reconhecimento do direito do homem à cultura
60. Dado que hoje há a possibilidade de libertar muitos homens da
miséria da ignorância, é dever muito próprio do nosso tempo,
principalmente para os cristãos, trabalhar enèrgicamente para que,
tanto no campo económico como no político, no nacional como no
internacional, se estabeleçam os princípios fundamentais segundo os
quais se reconheça e se actue em toda a parte efectivamente o
direito de todos à cultura correspondente à dignidade humana, sem
discriminação de raça, sexo, nação, religião ou situação social.
Pelo que a todos se deve suficiente abundância dos bens culturais,
sobretudo daqueles que constituem a chamada educação de base, a fim
de que muitos, por causa do analfabetismo e da privação duma
actividade responsável, não se vejam impedidos de contribuir para o
bem comum de modo verdadeiramente humano.
Deve tender-se, portanto, para que todos os que são disso capazes
tenham a possibilidade de seguir estudos superiores; de modo que
subam na sociedade às funções, cargos e serviços correspondentes às
próprias aptidões ou à competência que adquirirem (11). Deste modo,
todos os homens e todos os agrupamentos sociais poderão chegar ao
pleno desenvolvimento da sua vida cultural, segundo as qualidades e
tradições próprias de cada um.
É preciso, além disso, trabalhar muito para que todos tomem
consciência, não só do direito à cultura, mas também do dever que
têm de se cultivar e de ajudar os outros nesse campo. Existem, com
efeito, por vezes, condições de vida e de trabalho que impedem as
aspirações culturais dos povos e destroem neles o desejo da cultura.
Isto vale especialmente para os camponeses e trabalhadores, aos
quais se devem proporcionar condições de trabalho tais que não
impeçam mas antes ajudem a sua cultura humana. As mulheres trabalham
já em quase todos os sectores de actividade; mas convém que possam
exercer plenamente a sua participação, segundo a própria índole.
Será um dever para todos reconhecer e fomentar a necessária e
específica participação das mulheres na vida cultural.
Educação cultural integral do homem
61. É mais difícil hoje do que outrora fazer uma síntese dos vários
ramos do saber e das artes. Porque ao mesmo tempo que aumenta a
multidão e diversidade dos elementos que constituem a cultura,
diminui para cada homem a possibilidade de os compreender e
organizar; a figura do «homem universal» desaparece assim cada vez
mais. No entanto, cada homem continua a ter o dever de salvaguardar
a integridade da pessoa humana, na qual sobressaem os valores da
inteligência, da vontade, da consciência e da fraternidade, valores
que se fundam em Deus Criador e por Cristo foram admiràvelmente
restaurados e elevados.
A família é, prioritàriamente, como que a mãe e a fonte da educação:
nela, os filhos, rodeados de amor, aprendem mais fàcilmente a recta
ordem das coisas, enquanto que as formas aprovadas da cultura vão
penetrando como que naturalmente na alma dos adolescentes, à medida
que vão crescendo.
Para esta mesma educação existem nas sociedades hodiernas, sobretudo
graças à crescente difusão de livros e aos novos meios de
comunicação cultural e social, possibilidades que podem favorecer a
universalização da cultura. Com efeito, com a diminuição
generalizada do tempo de trabalho, crescem progressivamente para
muitos homens as facilidades para tal. Os tempos livres sejam bem
empregados, para descanso do espírito e saúde da alma e do corpo,
ora com actividades e estudos livremente escolhidos, ora com viagens
a outras regiões (turismo), com as quais sé educa o espírito e os
homens se enriquecem com o conhecimento mútuo, ora também com
exercícios e manifestações desportivas, que contribuem para manter o
equilíbrio psíquico, mesmo na comunidade, e para estabelecer
relações fraternas entre os homens de todas as condições e nações,
ou de raças diversas . Colaborem, portanto, os cristãos, a fim de
que as manifestações e actividades culturais colectivas,
características do nosso tempo, sejam penetradas de espírito humano
e cristão.
Mas todas estas vantagens não conseguirão levar o homem à educação
cultural integral se, ao mesmo tempo, não se tiver o cuidado de
investigar o significado profundo da cultura e da ciência para a
pessoa humana.
Harmonia entre a cultura humana e a formação cristã
62. Ainda que a Igreja muito tem contribuído para o progresso
cultural, mostra, contudo, a experiência que, devido a causas
contingentes, a harmonia da cultura com a doutrina nem sempre se
realiza sem dificuldades.
Tais dificuldades não são necessàriamente danosas para a vida da fé;
antes, podem levar o espírito a uma compreensão mais exacta e mais
profunda da mesma fé. Efectivamente, as recentes investigações e
descobertas das ciências, da história e da filosofia, levantam novos
problemas, que implicam consequências também para a vida e exigem
dos teólogos novos estudos. Além disso, os teólogos são convidados a
buscar constantemente, de acordo com os métodos e exigências
próprias do conhecimento teológico, a forma mais adequada de
comunicar a doutrina aos homens do seu tempo; porque uma coisa é o
depósito da fé ou as suas verdades, outra o modo como elas se
enunciam, sempre, porém, com o mesmo sentido e significado (12). Na
actividade pastoral, conheçam-se e apliquem-se suficientemente, não
apenas os princípios teológicos, mas também os dados das ciências
profanas, principalmente da psicologia e sociologia, para que assim
os fiéis sejam conduzidos a uma vida de fé mais pura e adulta.
A literatura e as artes são também, segundo a maneira que lhes é
própria, de grande importância para a vida da Igreja. Procuram elas
dar expressão à natureza do homem, aos seus problemas e à
experiência das suas tentativas para conhecer-se e aperfeiçoar-se a
si mesmo e ao mundo; e tentam identificar a sua situação na história
e no universo, dar a conhecer as suas misérias e alegrias,
necessidades e energias, e desvendar um futuro melhor. Conseguem
assim elevar a vida humana, que exprimem sob muito diferentes
formas, segundo os tempos e lugares.
Por conseguinte, deve trabalhar-se por que os artistas se sintam
compreendidos, na sua actividade, pela Igreja e que, gozando duma
conveniente liberdade, tenham mais facilidade de contactos com a
comunidade cristã. A Igreja deve também reconhecer as novas formas
artísticas, que segundo o génio próprio das várias nações e regiões
se adaptam às exigências dos nossos contemporâneos. Sejam admitidas
nos templos quando, com linguagem conveniente e conforme às
exigências litúrgicas, levantam o espírito a Deus (13).
Deste modo, o conhecimento de Deus é mais perfeitamente manifestado;
a pregação evangélica torna-se mais compreensível ao espírito dos
homens e aparece como integrada nas suas condições normais de vida.
Vivam, pois, os fiéis em estreita união com os demais homens do seu
tempo e procurem compreender perfeitamente o seu modo de pensar e
sentir, qual se exprime pela cultura. Saibam conciliar os
conhecimentos das novas ciências e doutrinas e últimas descobertas
com os costumes e doutrina cristã, a fim de que a prática religiosa
e a rectidão moral acompanhem neles o conhecimento científico e o
progresso técnico e sejam capazes de apreciar e interpretar todas as
coisas com autêntico sentido cristão.
Os que se dedicam às ciências teológicas nos Seminários e
Universidades, procurem colaborar com os especialistas doutros ramos
do saber, pondo em comum trabalhos e conhecimentos. A investigação
teológica deve simultâneamente procurar um profundo conhecimento da
verdade revelada e não descurar a ligação com o seu tempo, para que
assim possa ajudar os homens formados nas diversas matérias a
alcançar um conhecimento mais completo da fé. Esta colaboração
ajudará muitíssimo a formação dos ministros sagrados. Estes poderão
assim expor de maneira mais adequada aos homens do nosso tempo a
doutrina da Igreja acerca de Deus, do homem e do mundo; e a sua
palavra por eles melhor acolhida (14). É, mesmo de desejar que
muitos leigos adquiram uma conveniente formação nas disciplinas
sagradas e que muitos deles se consagrem expressamente a cultivar e
aprofundar estes estudos. E para que possam desempenhar bem a sua
tarefa, deve reconhecer-se aos fiéis, clérigos ou leigos, uma justa
liberdade de investigação, de pensamento e de expressão da própria
opinião, com humildade e fortaleza, nos domínios da sua competência
(15).
CAPÍTULO III
A VIDA ECONÓMICO-SOCIAL
Alguns aspectos da vida económica actual
63. Também na vida económica e social se devem respeitar e promover
a dignidade e a vocação integral da pessoa humana e o bem de toda a
sociedade. Com efeito, o homem é o protagonista, o centro e o fim de
toda a vida económico-social.
A economia actual, de modo semelhante ao que sucede noutros campos
da vida social, é caracterizada por um crescente domínio do homem
sobre a natureza, pela multiplicação e intensificação das relações e
mútua dependência entre os cidadãos, grupos e nações e, finalmente,
por mais frequentes intervenções do poder político. Ao mesmo tempo,
o progresso das técnicas de produção e do intercâmbio de bens e
serviços fizeram da economia um instrumento capaz de prover mais
satisfatòriamente às acrescidas necessidades da família humana.
Mas não faltam motivos de inquietação. Não poucos homens, com
efeito, sobretudo nos países econòmicamente desenvolvidos, parecem
dominados pela realidade económica; toda a sua vida está penetrada
por um certo espírito economístico tanto nas nações favoráveis à
economia colectiva como nas outras. No preciso momento em que o
progresso da vida económica permite mitigar as desigualdades
sociais, se for dirigido e organizado de modo racional e humano,
vemo-lo muitas vezes levar ao agravamento das mesmas desigualdades e
até em algumas partes a uma regressão dos socialmente débeis e ao
desprezo dos pobres. Enquanto multidões imensas carecem ainda do
estritamente necessário, alguns, mesmo nas regiões menos
desenvolvidas, vivem na opulência e na dissipação. Coexistem o luxo
e a miséria. Enquanto um pequeno número dispõe dum grande poder de
decisão, muitos estão quase inteiramente privados da possibilidade
de agir por própria iniciativa e responsabilidade, e vivem e
trabalham em condições indignas da pessoa humana.
Semelhantes desequilíbrios se verificam tanto entre a agricultura, a
indústria e os serviços como entre as diferentes regiões do mesmo
país. A oposição entre as econòmicamente mais desenvolvidas e as
outras torna-se cada vez mais grave e pode pôr em risco a própria
paz mundial.
Os nossos contemporâneos têm uma consciência cada vez mais viva
destas desigualdades, pois estão convencidos de que as maiores
possibilidades técnicas e económicas de que disfruta o mundo actual
podem e devem corrigir este funesto estado de coisas. Mas, para
tanto, requerem-se muitas reformas na vida económico-social. e uma
mudança de mentalidade e de hábitos por parte de todos. Com esse
fim, a Igreja, no decurso dos séculos e sobretudo nos últimos
tempos, formulou e proclamou à luz do Evangelho os princípios de
justiça e equidade, postulados pela recta razão tanto na vida
individual e social como na internacional. O sagrado Concílio quer
confirmar estes princípios, tendo em conta as condições actuais e
dar algumas orientações, tendo presentes antes de mais as exigências
do progresso económico(1).
Secção 1
O DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO
Desenvolvimento económico ao serviço do homem
64. Hoje, mais do que nunca, para fazer frente ao aumento
populacional e satisfazer às crescentes aspirações do género humano,
com razão se faz um esforço por aumentar a produção agrícola e
industrial e a prestação de serviços. Deve, por isso, favorecer-se o
progresso técnico, o espírito de inventiva, a criação e ampliação
dos empreendimentos, a adaptação dos métodos e os esforços valorosos
de todos os que participam na produção; numa palavra, todos os
factores que contribuem para tal desenvolvimento. Mas a finalidade
fundamental da produção não é o mero aumento dos produtos, nem o
lucro ou o poderio, mas o serviço do homem; do homem integral, isto
é, tendo em conta a ordem das suas necessidades materiais e as
exigências da sua vida intelectual, moral, espiritual e religiosa;
de qualquer homem ou grupo de homens, de qualquer raça ou região do
mundo. A actividade económica, regulando-se pelos métodos e leis
próprias, deve, portanto, exercer-se dentro dos limites da ordem
moral (2), para que assim se cumpra o desígnio de Deus sobre o homem
(3).
O controle do desenvolvimento económico
65. O desenvolvimento económico deve permanecer sob a direcção do
homem; nem se deve deixar entregue só ao arbítrio de alguns poucos
indivíduos ou grupos economicamente mais fortes ou só da comunidade
política ou de algumas nações mais poderosas. Pelo contrário, é
necessário que, em todos os níveis, tenha parte na sua direcção o
maior número possível de homens, ou todas as nações, se se trata de
relações internacionais. De igual modo, é necessário que as
iniciativas dos indivíduos e das associações livres sejam
coordenadas e organizadas harmònicamente com a actividade dos
poderes públicos.
O desenvolvimento não se deve abandonar ao simples curso quase
mecânico da actividade económica, ou à autoridade pública sòmente.
Devem, por isso, denunciar-se como erróneas tanto as doutrinas que,
a pretexto duma falsa liberdade, se opõem às necessárias reformas,
como as que sacrificam os direitos fundamentais dos indivíduos e das
associações à organização colectiva da produção (4).
Lembrem-se, de resto, os cidadãos, ser direito e dever seu, que o
poder civil deve reconhecer, contribuir, na medida das próprias
possibilidades, para o verdadeiro desenvolvimento da sua comunidade.
Sobretudo nas regiões economicamente menos desenvolvidas, onde é
urgente o emprego de todos os recursos disponíveis, fazem correr
grave risco ao bem comum todos aqueles que conservam improdutivas as
suas riquezas ou, salvo o direito pessoal de emigração, privam a
própria comunidade dos meios materiais ou espirituais de que
necessita.
A remoção das desigualdades económico-sociais
66. Para satisfazer às exigências da justiça e da equidade, é
necessário esforçar-se enèrgicamente para que, respeitando os
direitos das pessoas e a índole própria de cada povo, se eliminem o
mais depressa possível as grandes e por vezes crescentes
desigualdades económicas actualmente existentes, acompanhadas da
discriminação individual e social. De igual modo, tendo em conta as
especiais dificuldades da agricultura em muitas regiões, quer na
produção quer na comercialização dos produtos, é preciso ajudar os
agricultores no aumento e venda da produção, na introdução das
necessárias transformações e inovações e na obtenção dum justo
rendimento; para que não continuem a ser, como muitas vezes
acontece, cidadãos de segunda categoria. Quanto aos agricultores,
sobretudo os jovens, dediquem-se com empenho a desenvolver a própria
competência profissional, sem a qual é impossível o progresso da
agricultura (5).
É também exigência da justiça e da equidade que a mobilidade,
necessária para o progresso económico, seja regulada de tal maneira
que a vida dos indivíduos e das famílias não se torne insegura e
precária. Deve, portanto, evitar-se cuidadosamente toda e qualquer
espécie de discriminação quanto às condições de remuneração ou de
trabalho com relação aos trabalhadores oriundos de outro país ou
região, que contribuem com o seu trabalho para o desenvolvimento
económico da nação ou da província. Além disso, todos, e antes de
mais os poderes públicos, devem tratá-los como pessoas, e não como
simples instrumentos de produção, ajudá-los para que possam trazer
para junto de si a própria família e arranjar conveniente habitação,
e favorecer a sua integração na vida social do povo ou da região que
os acolhe. Todavia, na medida do possível, criem-se fontes de
trabalho nas suas próprias regiões.
Nas economias hoje em transformação, bem como nas novas formas de
sociedade industrial, nas quais, por exemplo, a automação se vai
impondo, deve ter-se o cuidado de que se proporcione a cada um
trabalho suficiente e adaptado, juntamente com a possibilidade duma
conveniente formação técnica e profissional; e garantam-se o
sustento e a dignidade humana sobretudo àqueles que, por causa de
doença ou de idade, têm maiores dificuldades.
Secção 2
ALGUNS PRINCÍPIOS ORIENTADORES DE TODA A VIDA ECONÓMICO-SOCIAL
Trabalho, condições de trabalho, descanso
67. O trabalho humano, que se exerce na produção e na troca dos bens
económicos e na prestação de serviços, sobreleva aos demais factores
da vida económica, que apenas têm valor de instrumentos.
Este trabalho, empreendido por conta própria ou ao serviço de
outrem, procede imediatamente da pessoa, a qual como que marca com o
seu zelo as coisas da natureza, e as sujeita ao seu domínio. É com o
seu trabalho que o homem sustenta de ordinário a própria vida e a
dos seus; por meio dele se une e serve aos seus irmãos, pode
exercitar uma caridade autêntica e colaborar no acabamento da
criação divina. Mais ainda: sabemos que, oferecendo a Deus o seu
trabalho, o homem se associa à obra redentora de Cristo, o qual
conferiu ao trabalho uma dignidade sublime, trabalhando com as suas
próprias mãos em Nazaré. Daí nasce para cada um o dever de trabalhar
fielmente, e também o direito ao trabalho; à sociedade cabe, por sua
parte, ajudar em quanto possa, segundo as circunstâncias vigentes,
os cidadãos para que possam encontrar oportunidade de trabalho
suficiente. Finalmente, tendo em conta as funções e produtividade de
cada um, bem como a situação da empresa e o bem comum, o trabalho
deve ser remunerado de maneira a dar ao homem a possibilidade de
cultivar dignamente a própria vida material, social, cultural e
espiritual e a dos seus (6).
Dado que a actividade económica é, na maior parte dos casos, fruto
do trabalho associado dos homens, é injusto e desumano organizá-la e
dispô-la de tal modo que isso resulte em prejuízo para qualquer dos
que trabalham.
Ora, é demasiado frequente, mesmo em nossos dias, que os
trabalhadores estão de algum modo escravizados à própria actividade.
Isto não encontra justificação alguma nas pretensas leis económicas.
É preciso, portanto, adaptar todo o processo do trabalho produtivo
às necessidades da pessoa e às formas de vida; primeiro que tudo da
doméstica, especialmente no que se refere às mães, e tendo sempre em
conta o sexo e a idade. Proporcione-se, além disso, aos
trabalhadores a possibilidade de desenvolver, na execução do próprio
trabalho, as suas qualidades e personalidade. Ao mesmo tempo que
aplicam responsàvelmente a esta execução o seu tempo e forças,
gozem, porém, todos de suficiente descanso e tempo livre para
atender à vida familiar, cultural, social e religiosa. Tenham mesmo
oportunidade de desenvolver livremente as energias e capacidades que
talvez pouco possam exercitar no seu trabalho profissional.
Participação na empresa e no conjunto da economia.
Conflitos de trabalho
68. Nas empresas económicas, são pessoas as que se associam, isto é
homens livres e autónomos, criados à imagem de Deus. Por isso, tendo
em conta as funções de cada um -proprietários, empresários,
dirigentes ou operários - e salva a necessária unidade de direcção,
promova-se, segundo modalidades a determinar convenientemente, a
participação activa de todos na gestão das empresas (7). E dado que
frequentemente não é ao nível da empresa mas num mais alto de
instituições superiores que se tomam as decisões económicas e
sociais de que depende o futuro dos trabalhadores e de seus filhos,
eles devem participar também no estabelecimento dessas decisões, por
si ou por delegados livremente eleitos.
Entre os direitos fundamentais da pessoa humana deve contar-se o de
os trabalhadores criarem livremente associações que os possam
representar autênticamente e contribuir para a recta ordenação da
vida económica; e ainda o direito de participar, livremente, sem
risco de represálias, na actividade das mesmas. Graças a esta
ordenada participação, junta com uma progressiva formação económica
e social, aumentará cada vez mais em todos a consciência da própria
função e dever; ela os levará a sentirem-se associados, segundo as
próprias possibilidades e aptidões, a todo o trabalho de
desenvolvimento económico e social e à realização do bem comum
universal.
Quando, porém, surgem conflitos económico-sociais, devem fazer-se
esforços para que se chegue a uma solução pacífica dos mesmos. Mas
ainda que, antes de mais, se deva recorrer ao sincero diálogo entre
as partes, toda via, a greve pode ainda constituir, mesmo nas
actuais circunstâncias, um meio necessário, embora extremo, para
defender os próprios direitos e alcançar as justas reivindicações
dos trabalhadores. Mas procure-se retomar o mais depressa possível o
caminho da negociação e do diálogo da conciliação.
Os bens da terra, destinados a todos
69. Deus destinou a terra com tudo o que ela contém para uso de
todos os homens e povos; de modo que os bens criados devem chegar
equitativamente às mãos de todos, segundo a justiça, secundada pela
caridade (8). Sejam quais forem as formas de propriedade, conforme
as legítimas instituições dos povos e segundo as diferentes e
mutáveis circunstâncias, deve-se sempre atender a este destino
universal dos bens. Por esta razão, quem usa desses bens, não deve
considerar as coisas exteriores que legitimamente possui só como
próprias, mas também como comuns, no sentido de que possam
beneficiar não só a si mas também aos outros (9). De resto, todos
têm o direito de ter uma parte de bens suficientes para si e suas
famílias. Assim pensaram os Padres e Doutores da Igreja, ensinando
que os homens têm obrigação de auxiliar os pobres e não apenas com
os bens supérfluos (10). Aquele, porém, que se encontra em extrema
necessidade, tem direito de tomar, dos bens dos outros, o que
necessita (11). Sendo tão numerosos os que no mundo padecem fome, o
sagrado Concílio insiste com todos, indivíduos e autoridades, para
que, recordados daquela palavra dos Padres - «alimenta o que padece
fome, porque, se o não alimentaste, mataste-o» (12) - repartam
realmente e distribuam os seus bens, procurando sobretudo prover
esses indivíduos e povos daqueles auxílios que lhes permitam
ajudar-se e desenvolver-se a si mesmos.
Nas sociedades econòmicamente menos desenvolvidas, o destino comum
dos bens é frequentes vezes parcialmente atendido graças a costumes
e tradições próprias da comunidade, que asseguram a cada membro os
bens indispensáveis. Mas deve evitar-se considerar certos costumes
como absolutamente imutáveis, se já não correspondem às exigências
do tempo actual; por outro lado, não se proceda imprudentemente
contra os costumes honestos, que, uma vez convenientemente adaptados
às circunstâncias actuais, continuam a ser muito úteis. De modo
análogo, nas nações muito desenvolvidas econòmicamente, um conjunto
de instituições sociais de previdência e seguro pode constituir uma
realidade parcial do destino comum dos bens. Deve prosseguir-se o
desenvolvimento dos serviços familiares e sociais, sobretudo
daqueles que atendem à cultura e educação. Na organização de todas
estas instituições, porém, deve atender-se a que os cidadãos não
sejam levados a uma certa passividade com relação à sociedade ou à
irresponsabilidade e recusa de serviço.
Inversões e política monetária
70. Os investimentos, por sua parte, devem tender a assegurar
suficientes empregos e rendimentos, tanto para a população actual
como para a de amanhã. Todos os que decidem destes investimentos e
da organização da vida económica - indivíduos, grupos ou poderes
públicos - devem ter presentes estes fins e reconhecer a grave
obrigação que têm de vigiar para que assegurem os requisitos
necessários a uma vida digna dos indivíduos e de toda a comunidade;
e, ainda, de prever o futuro e garantir um são equilíbrio entre as
necessidades do consumo hodierno, individual e colectivo, e as
exigências de investimentos para a geração futura. Tenham-se sempre
também em conta as necessidades urgentes das nações ou regiões
econòmicamente menos desenvolvidas. Em matéria de política
monetária, evite-se prejudicar o bem quer da própria nação quer das
outras. E tomem-se providências para que os econòmicamente débeis
não sofram injusto prejuízo com a desvalorização da moeda.
Acesso à propriedade e domínio privado. Problemas dos latifúndios
71. Dado que a propriedade e as outras formas de domínio privado dos
bens externos contribuem para a expressão da pessoa e lhe dão
ocasião de exercer a própria função na sociedade e na economia, é de
grande importância que se fomente o acesso dos indivíduos e grupos a
um certo domínio desses bens.
A propriedade privada ou um certo domínio sobre os bens externos
asseguram a cada um a indispensável esfera de autonomia pessoal e
familiar, e devem ser considerados como que uma extensão da
liberdade humana. Finalmente, como estimulam o exercício da
responsabilidade, constituem uma das condições das liberdades civis
(13).
As formas desse domínio ou propriedade são actualmente variadas e
cada dia se diversificam mais. Mas todas continuam a ser, apesar dos
fundos sociais e dos direitos e serviços assegurados pela sociedade,
um factor não desprezível de segurança. O que se deve dizer não só
dos bens materiais, mas também dos imateriais, como é a capacidade
profissional.
No entanto, o direito à propriedade privada não é incompatível com
as várias formas legítimas de direito de propriedade pública. Quanto
à apropriação pública dos bens, ela só pode ser levada a cabo pela
legítima autoridade, segundo as exigências e dentro dos limites do
bem comum, e mediante uma compensação equitativa. Compete, além
disso, à autoridade pública impedir o abuso da propriedade privada
em detrimento do bem comum (14).
De resto, a mesma propriedade privada é de índole social, fundada na
lei do destino comum dos bens (15). O desprezo deste carácter social
foi muitas vezes ocasião de cobiças e de graves desordens, chegando
mesmo a fornecer um pretexto para os que contestam esse próprio
direito.
Em bastantes regiões econòmicamente pouco desenvolvidas, existem
grandes e até vastíssimas propriedades rústicas, fracamente
cultivadas ou até deixadas totalmente incultas com intentos
lucrativos, enquanto a maior parte do povo não tem terras ou apenas
possui pequenos campos e, por outro lado, o aumento da produção
agrícola apresenta um evidente carácter de urgência. Não raro, os
que são contratados a trabalhar pelos proprietários ou exploram, em
regime de arrendamento, uma parte das propriedades, apenas recebem
um salário ou um rendimento indigno de um homem, carecem de
habitação decente e são explorados pelos intermediários. Desprovidos
de qualquer segurança, vivem num tal regime de dependência pessoal
que perdem quase por completo a capacidade de iniciativa e
responsabilidade e lhes está vedada toda e qualquer promoção
cultural ou participação na vida social e política. Impõem-se,
portanto, reformas necessárias, segundo os vários casos: para
aumentar os rendimentos, corrigir as condições de trabalho, reforçar
a segurança do emprego, estimular a iniciativa e, mesmo, para
distribuir terras não suficientemente cultivadas àqueles que as
possam tornar produtivas. Neste último caso, devem assegurar-se os
bens e meios necessários, sobretudo de educação e possibilidades
duma adequada organização cooperativa. Sempre, porém, que o bem
comum exigir a expropriação, a compensação deve ser equitativamente
calculada, tendo em conta todas as circunstâncias.
A actividade económico-social e o reino de Cristo
72. Os cristãos que desempenham parte activa no actual
desenvolvimento económico-social e lutam pela justiça e pela
caridade, estejam convencidos de que podem contribuir muito para o
bem da humanidade e paz dó mundo. Em todas estas actividades, quer
sòzinhos quer associados, sejam exemplo para todos. Adquirindo a
competência e experiência absolutamente indispensáveis, respeitem a
devida hierarquia entre as actividades terrenas, fiéis a Cristo e ao
seu Evangelho, de maneira que toda a sua vida, tanto individual como
social, seja penetrada do espírito das bem-aventuranças, e
especialmente do espírito de pobreza. Todo aquele que, obedecendo a
Cristo, busca primeiramente o reino de Deus, recebe daí um amor mais
forte e mais puro, para ajudar os seus irmãos e realizar, sob o
impulso da caridade, a obra da justiça (16).
CAPÍTULO IV
A VIDA DA COMUNIDADE POLÍTICA
A vida política actual
73. Profundas transformações se verificam nos nossos dias também nas
estruturas e instituições dos povos, em consequência da sua evolução
cultural, económica e social; pois todas estas transformações têm
uma grande influência na vida da comunidade política, especialmente
no que se refere aos direitos e deveres de cada um no exercício da
liberdade cívica, na promoção do bem comum e na estruturação das
relações dos cidadãos entre si e com o poder público.
A consciência mais sentida da dignidade humana dá origem em diversas
regiões do mundo ao desejo de instaurar uma ordem político-jurídica
em que os direitos da pessoa na vida pública sejam melhor
assegurados, tais como os direitos de livre reunião e associação, de
expressão das próprias opiniões e de profissão privada e pública da
religião. A salvaguarda dos direitos da pessoa é, com efeito, uma
condição necessária para que os cidadãos, quer individualmente quer
em grupo, possam participar activamente na vida e gestão da coisa
pública.
Paralelamente com o progresso cultural, económico e social, cresce
em muitos o desejo de tomar maior parte na organização da comunidade
política. Aumenta na consciência de muitos o empenho em assegurar os
direitos das minorias, sem esquecer de resto os seus deveres para
com a comunidade política; cresce, além disso, cada dia o respeito
pelos homens que professam uma opinião ou religião diferente; e
estabelece-se ao mesmo tempo uma colaboração mais ampla, a fim de
que todos os cidadãos, e não apenas alguns privilegiados, possam
gozar realmente dós direitos da pessoa.
Condenam-se, pelo contrário, todas as formas políticas, existentes
em algumas regiões, que impedem a liberdade civil ou religiosa,
multiplicam as vítimas das paixões e dos crimes políticos e desviam
do bem comum o exercício da autoridade, em benefício de alguma
facção ou dos próprios governantes.
Para estabelecer uma vida política verdadeiramente humana, nada
melhor do que fomentar sentimentos interiores de justiça e
benevolência e serviço do bem comum e reforçar as convicções
fundamentais acerca da verdadeira natureza da comunidade política,
bem como do fim, recto exercício e limites da autoridade.
Natureza e fim da comunidade política
74. Os indivíduos, as famílias e os diferentes grupos que constituem
a sociedade civil, têm consciência da própria insuficiência para
realizar uma vida plenamente humana e percebem a necessidade duma
comunidade mais ampla, no seio da qual todos conjuguem diàriamente
as próprias forças para cada vez melhor promoverem o bem comum (1).
E por esta razão constituem, segundo diversas formas, a comunidade
política. A comunidade política existe, portanto, em vista do bem
comum; nele encontra a sua completa justificação e significado e
dele deriva o seu direito natural e próprio. Quanto ao bem comum,
ele compreende o conjunto das condições de vida social que permitem
aos indivíduos, famílias e associações alcançar mais plena e
fàcilmente a própria perfeição (2).
Porém, os homens que se reunem na comunidade política são muitos e
diferentes, e podem legitimamente divergir de opinião. E assim, para
impedir que a comunidade política se desagregue ao seguir cada um o
próprio parecer, requere-se uma autoridade que faça convergir para o
bem comum as energias de todos os cidadãos; não duma maneira
mecânica ou despótica, mas sobretudo como força moral, que se apoia
na liberdade e na consciência do próprio dever e sentido de
responsabilidade.
Resulta, portanto, claro que a comunidade política e a autoridade
pública se fundam na natureza humana e que, por conseguinte,
pertencem à ordem estabelecida por Deus, embora a determinação do
regime político e a designação dos governantes se deixem à livre
vontade dos cidadãos (3).
Segue-se também que o exercício da autoridade política, seja na
comunidade como tal, seja nos organismos representativos, se deve
sempre desenvolver e actuar dentro dos limites da ordem. moral, em
vista do bem comum, dinâmicamente concebido, de acordo com a ordem
jurídica legitimamente estabelecida ou a estabelecer. Nestas
condições, os cidadãos têm obrigação moral de obedecer (4). Daqui a
responsabilidade, dignidade e importância dos que governam.
Mas quando a autoridade pública, excedendo os limites da própria
competência, oprime os cidadãos, estes não se recusem às exigências
objectivas do bem comum; mas é-lhes lícito, dentro dos limites
traçados pela lei natural e pelo Evangelho, defender os próprios
direitos e os dos seus concidadãos, contra o abuso desta autoridade.
Os modos concretos como a comunidade política organiza a própria
estrutura e o equilíbrio dos poderes públicos, podem variar, segundo
a diferente índole e o progresso histórico dos povos; mas devem
sempre ordenar-se à formação de homens cultos, pacíficos e benévolos
para com todos, em proveito de toda a família humana.
A colaboração de todos na vida política
75. É plenamente conforme com a natureza do homem que se encontrem
estruturas jurídico-políticas nas quais todos os cidadãos tenham a
possibilidade efectiva de participar livre e activamente, dum modo
cada vez mais perfeito e sem qualquer discriminação, tanto no
estabelecimento das bases jurídicas da comunidade política, como na
gestão da coisa pública e na determinação do campo e fim das várias
instituições e na escolha dos governantes (5). Todos os cidadãos se
lembrem, portanto, do direito e simultâneamente
do dever que têm de fazer uso do seu voto livre em vista da promoção
do bem comum. A Igreja louva e aprecia o trabalho de quantos se
dedicam ao bem da nação e tomam sobre si o peso de tal cargo, em
serviço dos homens.
Para que a cooperação responsável dos cidadãos leve a felizes
resultados na vida pública de todos os dias, é necessário que haja
uma ordem jurídica positiva, que estabeleça convenientemente divisão
das funções e dos orgãos da autoridade pública e ao mesmo tempo
protecção do direito eficaz e plenamente independente de quem quer
que seja. Juntamente com os deveres a que todos os cidadãos estão
obrigados, sejam reconhecidos, assegurados e fomentados os direitos
das pessoas, famílias e grupos sociais, bem como o exercício dos
mesmos. Entre aqueles, é preciso recordar o dever de prestar à nação
os serviços materiais e pessoais que são requeridos pelo bem comum.
Os governantes tenham o cuidado de não impedir as associações
familiares, sociais ou culturais e os corpos ou organismos
intermédios, nem os privem da sua actividade legítima e eficaz; pelo
contrário, procurem de bom grado promovê-la ordenadamente. Evitem,
por isso, os cidadãos quer individual quer associativamente,
conceder à autoridade um poder excessivo, nem lhe peçam, de modo
inoportuno, demasiadas vantagens e facilidades, de modo a que se
diminua a responsabilidade das pessoas, famílias e grupos sociais.
A crescente complexidade das actuais circunstâncias força com
frequência o poder público a intervir nos assuntos sociais,
económicos e culturais, com o fim de introduzir condições mais
favoráveis em que os cidadãos e grupos possam livremente e com mais
eficácia promover o bem humano integral. As relações entre a
socialização (6) e a autonomia e desenvolvimento pessoais podem
conceber-se diferentemente, conforme a diversidade das regiões e o
grau de desenvolvimento dos povos. Mas quando, por exigência do bem
comum, se limitar temporàriamente o exercício dos direitos,
restabeleça-se quanto antes a liberdade, logo que mudem as
circunstâncias. É, porém, desumano que a autoridade política assuma
formas totalitárias ou ditatoriais, que lesam os direitos das
pessoas ou dos grupos sociais.
Os cidadãos cultivem com magnanimidade e lealdade o amor da pátria,
mas sem estreiteza de espírito, de maneira que, ao mesmo tempo,
tenham sempre presente o bem de toda a família humana, que resulta
das várias ligações entre as raças, povos e nações.
Todos os cristãos tenham consciência da sua vocação especial e
própria na comunidade política; por ela são obrigados a dar exemplo
de sentida responsabilidade e dedicação pelo bem comum, de maneira a
mostrarem também com factos como se harmonizam a autoridade e a
liberdade, a iniciativa pessoal e a solidariedade do inteiro corpo
social, a oportuna unidade com a proveitosa diversidade. Reconheçam
as legítimas opiniões, divergentes entre si, acerca da organização
da ordem temporal, e respeitem os cidadãos e grupos que as defendem
honestamente. Os partidos políticos devem promover o que julgam ser
exigido pelo bem comum, sem que jamais seja lícito antepor o próprio
interesse ao bem comum.
Deve atender-se cuidadosamente à educação cívica e política, hoje
tão necessária à população e sobretudo aos jovens, para que todos os
cidadãos possam participar na vida da comunidade política. Os que
são ou podem tornar-se aptos para exercer a difícil e muito nobre
(7) arte da política, preparem-se para ela; e procurem exercê-la sem
pensar no interesse próprio ou em vantagens materiais. Procedam com
inteireza e prudência contra a injustiça e a opressão, contra o
arbitrário domínio de uma pessoa ou de um partido, e contra a
intolerância. E dediquem-se com sinceridade e equidade, mais ainda,
com caridade e fortaleza política, ao bem de todos.
A comunidade política e a Igreja
76. E de grande importância, sobretudo onde existe uma sociedade
pluralística, que se tenha uma concepção exacta das relações entre a
comunidade política e a Igreja, e, ainda, que se distingam
claramente as actividades que os fiéis, isoladamente ou em grupo,
desempenham em próprio nome como cidadãos guiados pela sua
consciência de cristãos, e aquelas que exercitam em nome da Igreja e
em união com os seus pastores.
A Igreja que, em razão da sua missão e competência, de modo algum se
confunde com a sociedade nem está ligada a qualquer sistema político
determinado, é ao mesmo tempo o sinal e salvaguarda da
transcendência da pessoa humana.
No domínio próprio de cada uma, comunidade política e Igreja são
independentes e autónomas. Mas, embora por títulos diversos, ambas
servem a vocação pessoal e social dos mesmos homens. E tanto mais
eficazmente exercitarão este serviço para bem de todos, quanto
melhor cultivarem entre si uma sã cooperação, tendo igualmente em
conta as circunstâncias de lugar e tempo. Porque o homem não se
limita à ordem temporal sòmente; vivendo na história humana, fundada
sobre o amor do Redentor, ela contribui para que se difundam mais
amplamente, nas nações e entre as nações, a justiça e a caridade.
Pregando a verdade evangélica e iluminando com a sua doutrina e o
testemunho dos cristãos todos os campos da actividade humana, ela
respeita e promove também a liberdade e responsabilidade política
dos cidadãos.
Os Apóstolos e os sucessores dos mesmos, com os seus cooperadores,
enviados para anunciar aos homens Cristo, salvador do mundo, têm por
sustentáculo do seu apostolado o poder de Deus, o qual muitas vezes
manifesta a força do Evangelho na fraqueza das suas testemunhas. É
preciso, pois, que todos os que se consagram ao ministério da
palavra de Deus utilizem os caminhos e meios próprios do Evangelho,
tantas vezes diferentes dos meios da cidade terrena.
É certo que as coisas terrenas e as que, na condição humana,
transcendem este mundo, se encontram intimamente ligadas; a própria
Igreja usa das
coisas temporais, na medida em que a sua missão o exige. Mas ela não
coloca a sua esperança nos privilégios que lhe oferece a autoridade
civil; mais ainda, ela renunciará ao exercício de alguns direitos
legitimamente adquiridos, quando verificar que o seu uso põe em
causa a sinceridade do seu testemunho ou que novas condições de vida
exigem outras disposições. Porém, sempre lhe deve ser permitido
pregar com verdadeira liberdade a fé; ensinar a sua doutrina acerca
da sociedade; exercer sem entraves a própria missão entre os homens;
e pronunciar o seu juízo moral mesmo acerca das realidades
políticas, sempre que os direitos fundamentais da pessoa ou a
salvação das almas o exigirem e utilizando todos e só aqueles meios
que são conformes com o Evangelho e, segundo a variedade dos tempos
e circunstâncias, são para o bem de todos.
Aderindo fielmente ao Evangelho e realizando a sua missão no mundo,
a Igreja -a quem pertence fomentar e elevar tudo o que de
verdadeiro, bom e belo se encontra na comunidade dos homens (8) -
consolida, para glória de Deus, a paz entre os homens (9).
CAPÍTULO V
A PROMOÇÃO DA PAZ E A COMUNIDADE INTERNACIONAL
Necessidade e desejos actuais da paz
77. Nestes nossos tempos, em que as dores e angústias derivadas da
guerra ou da sua ameaça ainda oprimem tão duramente os homens, a
família humana chegou a uma hora decisiva no seu processo de
maturação. Progressivamente unificada, e por toda a parte mais
consciente da própria unidade, não pode levar a cabo a tarefa que
lhe incumbe de construir um mundo mais humano para todos os homens,
a não ser que todos se orientem com espírito renovado à verdadeira
paz. A mensagem evangélica, tão em harmonia com os mais altos
desejos e aspirações do género humano, brilha assim com novo
esplendor nos tempos de hoje, ao proclamar felizes os construtores
da paz «porque serão chamados filhos de Deus» (Mt. 5,9). Por isso, o
Concílio, explicando a verdadeira e nobilíssima natureza da paz, e
uma vez condenada a desumanidade da guerra, quer apelar ardentemente
para que os cristãos, com a ajuda de Cristo, autor da paz, colaborem
com todos os homens no estabelecimento da paz na justiça e no amor e
na preparação dos instrumentos da mesma paz.
Natureza da paz e sua consecução
78. A paz não é ausência de guerra; nem se reduz ao estabelecimento
do equilíbrio entre as forças adversas, nem resulta duma dominação
despótica. Com toda a exactidão e propriedade ela é chamada «obra da
justiça» (Is. 32, 7). É um fruto da ordem que o divino Criador
estabeleceu para a sociedade humana, e que deve ser realizada pelos
homens, sempre anelantes por uma mais perfeita justiça. Com efeito,
o bem comum do género humano é regido, primária e fundamentalmente,
pela lei eterna; mas, quanto às suas exigências concretas, está
sujeito a constantes mudanças, com o decorrer do tempo. Por esta
razão, a paz nunca se alcança duma vez para sempre, antes deve estar
constantemente a ser edificada. Além disso, como a vontade humana é
fraca e ferida pelo pecado, a busca da paz exige o constante domínio
das paixões de cada um e a vigilância da autoridade legítima. Mas
tudo isto não basta. Esta paz não se pode alcançar na terra a não
ser que se assegure o bem das pessoas e que os homens compartilhem
entre si livre e confiadamente as riquezas do seu espírito criador.
Absolutamente necessárias para a edificação da paz são ainda a
vontade firme de respeitar a dignidade dos outros homens e povos e a
prática assídua da fraternidade. A paz é assim também fruto do amor,
o qual vai além do que a justiça consegue alcançar. A paz terrena,
nascida do amor do próximo, é imagem e efeito da paz de Cristo,
vinda do Pai. Pois o próprio Filho encarnado, príncipe da paz,
reconciliou com Deus, pela cruz, todos os homens; restabelecendo a
unidade de todos num só povo e num só corpo, extinguiu o ódio (1) e,
exaltado na ressurreição, derramou nos corações o Espírito de amor.
Todos os cristãos são, por isso, insistentemente chamados a que
«praticando a verdade na caridade» (Ef. 4, 15), se unam com os
homens verdadeiramente pacíficos para implorarem e edificarem a paz.
Levados pelo mesmo espírito, não podemos deixar de louvar aqueles
que, renunciando à violência na reivindicação dos próprios direitos,
recorrem a meios de defesa que estão também ao alcance dos mais
fracos — sempre que isto se possa fazer sem lesar os direitos e
obrigações de outros ou da comunidade.
Na medida em que os homens são pecadores, o perigo da guerra
ameaça-os e continuará a ameaça-los até à vinda de Cristo; mas na
medida em que, unidos em caridade, superam o pecado, superadas ficam
também as lutas, até que se realize aquela palavra: «com as espadas
forjarão arados e foices com as lanças. Nenhum povo levantará a
espada contra outro e jamais se exercitarão para a guerra» (Is. 2,
4).
Secção 1
EVITAR A GUERRA
Refrear a crueldade das guerras
79. Apesar de as últimas guerras terem trazido tão grandes danos
materiais e morais, ainda todos os dias a guerra leva por diante as
suas devastações em alguma parte da terra. Mais ainda, o emprego de
armas científicas de todo o género para fazer a guerra, ameaça, dada
a selvajaria daquelas, levar os combatentes a uma barbárie muito
pior que a de outros tempos. Além disso, a complexidade da actual
situação e o intrincado dos relações entre países tornam possível o
prolongar-se de guerras mais ou menos larvadas, pelo recurso a novos
métodos insidiosos e subversivos. Em muitos casos, o recurso aos
métodos do terrorismo é considerado como uma nova forma de guerra.
Tendo diante dos olhos este estado de prostração da humanidade, o
Concílio quer, antes de mais, recordar o valor permanente do direito
natural internacional e dos seus princípios universais. A. própria
consciência da humanidade afirma cada vez com maior força estes
princípios. As acções que lhes são deliberadamente contrárias, bem
como as ordens que as mandam executar, são portanto, criminosas; nem
a obediência cega pode desculpar os que as cumprem. Entre tais actos
devem-se contar, antes de mais, aqueles com que se leva
metòdicamente a cabo o extermínio de toda uma raça, nação ou minoria
étnica. Tais acções devem ser veementemente condenadas como
horríveis crimes e louvada no mais alto grau a coragem de quantos
não temem resistir abertamente aos que as querem impor.
Existem diversas convenções internacionais relativas à guerra
assinadas por bastantes nações, e que visam a tornar menos desumanas
as actividades bélicas e suas consequências; tais, por exemplo, as
que se referem à sorte dos soldados feridos ou prisioneiros, e
outras semelhantes. Estes acordos devem ser observados. Mais ainda,
todos, sobretudo os poderes públicos e os peritos nestas matérias,
têm obrigação de procurar aperfeiçoa-los quanto lhes for
possível, de maneira a que sejam capazes de melhor e mais
eficazmente refrearem a crueldade das guerras. Parece, além disso,
justo que as leis tenham em conta com humanidade o caso daqueles
que, por motivo de consciência, recusam combater, contanto que
aceitem outra forma de servir a comunidade humana.
Na realidade, a guerra não foi eliminada do mundo dos homens. E
enquanto existir o perigo de guerra e não houver uma autoridade
internacional competente e dotada dos convenientes meios, não se
pode negar aos governos, depois de esgotados todos os recursos de
negociações pacíficas, o direito de legítima defesa. Cabe assim aos
governantes e aos demais que participam na responsabilidade dos
negócios públicos, o dever de assegurar a defesa das populações que
lhes estão confiadas, tratando com toda a seriedade um assunto tão
sério. Mas uma coisa é utilizar a força militar para defender
justamente as populações, outra coisa é querer subjugar as outras
nações. O poderio bélico não legitima qualquer uso militar ou
político que dele se faça. Nem, finalmente, uma vez começada
lamentàvelmente a guerra, já tudo se torna lícito entre as partes
beligerantes.
Aqueles que se dedicam ao serviço da pátria no exército,
considerem-se servidores da segurança e da liberdade dos povos; na
medida em que se desempenham como convém desta tarefa, contribuem
verdadeiramente para o estabelecimento da paz.
A guerra total
80. Com o incremento das armas científicas, tem aumentado
desmesuradamente o horror e maldade da guerra. Pois, com o emprego
de tais armas, as acções bélicas podem causar enormes e
indiscriminadas destruições, que desse modo já vão muito além dos
limites da legítima defesa. Mais ainda: se se empregasse
integralmente o material existente nos arsenais das grandes
potências, resultaria daí o quase total e recíproco extermínio de
ambos os adversários, sem falar nas inúmeras devastações provocadas
no mundo e nos funestos efeitos que do uso de tais armas se
seguiriam.
Tudo isto nos força a considerar a guerra com um espírito
inteiramente novo (2). Saibam os homens de hoje que darão grave
conta das suas actividades bélicas. Pois das suas decisões actuais
dependerá em grande parte o curso dos tempos futuros.
Tendo em atenção todas estas coisas, e fazendo suas as condenações
da guerra total já anteriormente pronunciadas pelos Sumos Pontífices
(3), este sagrado Concílio declara:
Toda a acção bélica que tende indiscriminadamente à destruição de
cidades inteiras ou vastas regiões e seus habitantes é um crime
contra Deus e o próprio homem, que se deve condenar com firmeza e
sem hesitação.
O perigo peculiar da guerra hodierna está em que ela fornece, por
assim dizer, a oportunidade de cometer tais crimes àqueles que estão
de posse das modernas armas científicas; e, por uma consequência
quase fatal, pode impelir as vontades dos homens às mais atrozes
decisões. Para que tal nunca venha a suceder, os Bispos de todo o
mundo, reunidos, imploram a todos, sobretudo aos governantes e
chefes militares, que ponderem sem cessar a sua tão grande
responsabilidade perante Deus e a humanidade.
A corrida aos armamentos
81. É verdade que não se acumulam as armas científicas só com o fim
de serem empregadas na guerra. Com efeito, dado que se pensa que a
solidez defensiva de cada parte depende da sua capacidade de
resposta fulminante, esta acumulação de armas, que aumenta de ano
para ano, serve, paradoxalmente, para dissuadir possíveis inimigos.
Muitos pensam que este é hoje o meio mais eficaz para assegurar uma
certa paz entre as nações.
Seja o que for deste meio de dissuasão, convençam-se os homens de
que a corrida aos armamentos, a que se entregam muitas nações, não é
caminho seguro para uma firme manutenção da paz; e de que o pretenso
equilíbrio daí resultante não é uma paz segura nem verdadeira.
Corre-se o perigo de que, com isso, em vez de se eliminarem as
causas da guerra, antes se agravem progressivamente. E enquanto se
dilapidam riquezas imensas no constante fabrico de novas armas,
torna-se impossível dar remédio suficiente a tantas misérias de que
sofre o mundo actualmente. Mais do que sanar verdadeiramente e
plenamente as discórdias entre as nações, o que se consegue é
contagiar com elas outras partes do mundo. É preciso escolher outros
caminhos, partindo da reforma das mentalidades, para eliminar este
escândalo e poder-se restituir ao mundo, liberto da angústia que o
oprime, uma paz verdadeira.
Por tal razão, de novo se deve declarar que a corrida aos armamentos
é um terrível flagelo para a humanidade e prejudica os pobres dum
modo intolerável. E é muito de temer, se ela continuar, que um dia
provoque as exterminadoras calamidades de que já presentemente
prepara os meios.
Advertidos pelas calamidades que o género humano tornou possíveis,
aproveitemos o tempo de que ainda dispomos para, tornados mais
conscientes da própria responsabilidade, encontrarmos os caminhos
que tornem possível resolver os nossos conflitos dum modo mais digno
de homens. A providência divina instantemente nos pede que nos
libertemos da antiga servidão da guerra. Se nos recusamos a fazer
este esforço, não sabemos aonde nos levará o funesto caminho por
onde enveredámos.
Proscrição total da guerra e acção internacional para a evitar
82. É, portanto, claro, que nos devemos esforçar por todos os meios
por preparar os tempos em que, por comum acordo das nações, se possa
interditar absolutamente qualquer espécie de guerra. Isto exige,
certamente, a criação duma autoridade pública mundial, por todos
reconhecida e com poder suficiente para que fiquem garantidos a
todos a segurança, o cumprimento da justiça e o respeito dos
direitos. Porém, antes que esta desejável autoridade possa ser
instituída, é necessário que os supremos organismos internacionais
se dediquem com toda a energia a buscar os meios mais aptos para
conseguir a segurança comum. Já que a paz deve antes nascer da
confiança mútua do que ser imposta pelo terror das armas, todos
devem trabalhar por que se ponha, finalmente, um termo à corrida aos
armamentos e por que se inicie progressivamente e com garantias
reais e eficazes, a redução dos mesmos armamentos, não unilateral
evidentemente, mas simultânea e segundo o que for estatuído (4).
Entretanto, não se devem subestimar as tentativas já feitas ou ainda
em curso para afastar o perigo da guerra. Procure-se antes ajudar a
boa vontade de muitos que, carregados com as ingentes preocupações
dos seus altos ofícios, mas movidos do seriíssimo dever que os
obriga, se esforçam por eliminar a guerra de que têm horror, embora
não possam prescindir da complexidade objectiva das situações. E
dirijam-se a Deus instantes preces, para que lhes dê a força
necessária para empreender com perseverança e levar a cabo com
fortaleza esta obra de imenso amor dos homens, de construir
virilmente a paz. Hoje em dia, isto exige certamente deles que
alarguem o espírito mais além das fronteiras da própria nação,
deponham o egoísmo nacional e a ambição de dominar sobre os outros
países, fomentem um grande respeito por toda a humanidade, que já
avança tão laboriosamente para uma maior unidade.
As sondagens até agora diligente e incansàvelmente levadas a cabo
acerca dos problemas da paz e desarmamento, e as reuniões
internacionais que trataram deste assunto, devem ser consideradas
como os primeiros passos para a solução de tão graves problemas e
devem no futuro promover-se ainda com. mais empenho, para obter
resultados práticos. No entanto, evitem os homens entregar-se apenas
aos esforços de alguns, sem se preocuparem com a própria
mentalidade. Pois os governantes, responsáveis pelo bem comum da
própria nação e ao mesmo tempo promotores do bem de todo o mundo,
dependem muito das opiniões e sentimentos das populações. Nada
aproveitarão com dedicar-se à edificação da paz, enquanto os
sentimentos de hostilidade, desprezo e desconfiança, os ódios
raciais e os preconceitos ideológicos dividirem os homens e os
opuserem uns aos outros. Daqui a enorme necessidade duma renovação
na educação das mentalidades e na orientação da opinião publica.
Aqueles que se consagram à obra de educação, sobretudo da juventude,
ou que formam a opinião pública, considerem como gravíssimo dever o
procurar formar as mentalidades de todos para novos sentimentos
pacíficos. Todos nós temos, com efeito, de reformar o nosso coração,
com os olhos postos no mundo inteiro e naquelas tarefas que podemos
realizar juntos para o progresso da humanidade.
Não nos engane uma falsa esperança. A não ser que, pondo de parte
inimizades e ódios, se celebrem no futuro pactos sólidos e honestos
acerca dá paz universal, a humanidade, que já agora corre grave
risco, chegará talvez desgraçadamente, apesar da sua admirável
ciência, àquela hora em que não conhecerá outra paz além da horrível
tranquilidade da morte. Mas, ao mesmo tempo que isto afirma, a
Igreja de Cristo, no meio das angústias do tempo actual, não deixa
de esperar firmemente. A nossa época quer ela propor, uma e outra
vez, oportuna e importunamente, a mensagem do Apóstolo: «eis agora o
tempo favorável» para a conversão dos corações, «eis agora os dias
da salvação (5).
Secção 2
CONSTRUÇÃO DA COMUNIDADE INTERNACIONAL
Causas e remédios das discórdias
83. Para edificar a paz, é preciso, antes de mais, eliminar as
causas das discórdias entre os homens, que são as que alimentam as
guerras, sobretudo as injustiças. Muitas delas provêm das excessivas
desigualdades económicas e do atraso em lhes dar remédios
necessários. Outras, porém, nascem do espírito de dominação e do
desprezo das pessoas; e, se buscamos causas mais profundas, da
inveja, desconfiança e soberba humanas, bem como de outras paixões
egoístas. Como o homem não pode suportar tantas desordens, delas
provém que, mesmo sem haver guerra, o mundo está continuamente
envenenado com as contendas e violências entre os homens. E como se
verificam os mesmos males nas relações entre as nações, é
absolutamente necessário, para os vencer ou prevenir, e para
reprimir as violências desenfreadas, que os organismos
internacionais cooperem e se coordenem melhor e que se fomentem
incansàvelmente as organizações que promovem a paz.
A comunidade das nações e instituições internacionais
84. Para que o bem comum universal se procure convenientemente e se
alcance com eficácia, torna-se já necessário, dado o aumento
crescente de estreitos laços de mútua dependência entre todos os
cidadãos e entre todos os povos do mundo, que a comunidade dos povos
se dê a si mesma uma estrutura à altura das tarefas actuais,
sobretudo relativamente àquelas numerosas regiões que ainda padecem
intolerável indigência.
Para obter tais fins, as instituições da comunidade internacional
devem prover, cada uma por sua parte, às diversas necessidades dos
homens, no domínio da vida social - a que pertencem a alimentação,
saúde, educação, trabalho - como em certas circunstâncias
particulares, que podem surgir aqui ou ali, tais como a necessidade
geral de favorecer o progresso das nações em vias de
desenvolvimento, de obviar às necessidades dos refugiados dispersos
por todo o mundo, ou ainda de ajudar os emigrantes e suas famílias.
As instituições internacionais, mundiais ou regionais, já
existentes, são beneméritas do género humano. Aparecem como as
primeiras tentativas para lançar os fundamentos internacionais da
inteira comunidade humana, a fim de se resolverem os gravíssimos
problemas dos nossos tempos, se promover o progresso em todo o mundo
e se prevenir qualquer forma de guerra. A Igreja alegra-se com o
espírito de verdadeira fraternidade que em todos estes campos
floresce entre cristãos e não-cristãos, e tende a intensificar os
esforços por remediar tão grande miséria.
A cooperação internacional no campo económico
85. A unificação actual do género humano requer também uma
cooperação internacional mais ampla no campo económico. Com efeito,
embora
quase todos os povos se tenham tornado independentes, estão ainda
longe de se encontrarem livres de excessivas desigualdades ou de
qualquer forma de dependência indevida, ou ao abrigo de graves
dificuldades internas.
O crescimento dum país depende dos recursos humanos e financeiros.
Em cada nação, os cidadãos devem ser preparados pela educação e
formação profissional, para desempenharem as diversas funções da
vida económica e social. Para tal, requere-se a ajuda de peritos
estrangeiros; estes, ao darem tal ajuda, não procedam como
dominadores, mas como auxiliares e cooperadores. Não será possível
prestar o auxílio material às nações em desenvolvimento, se não se
mudarem profundamente no mundo as estruturas do comércio actual. Os
países desenvolvidos prestar-lhes-ão ainda ajuda sob outras formas,
tais como dons, empréstimos ou investimentos financeiros; os quais
se devem prestar generosamente e sem cobiça, por uma das parte, e
receber com inteira honestidade, pela outra.
Para se estabelecer uma autêntica ordem económica internacional, é
preciso abolir o apetite de lucros excessivos, as ambições
nacionais, o desejo de domínio político, os cálculos de ordem
militar bem como as manobras para propagar e impor ideologias.
Apresentam-se muitos sistemas económicos e sociais; é de desejar que
os especialistas encontrem neles as bases comuns dum são comércio
mundial; o que mais fàcilmente se conseguirá, se cada um renunciar
aos próprios preconceitos e se mostrar disposto a um diálogo
sincero.
Algumas normas oportunas
86. Para tal cooperação, parecem oportunas as seguintes normas:
a) As nações em desenvolvimento ponham todo o empenho em procurar
firmemente que a finalidade expressa do seu progresso seja a plena
perfeição humana dos cidadãos. Lembrem-se que o progresso se origina
e cresce, antes de mais, com o trabalho e engenho das populações,
pois deve apoiar-se não apenas nos auxílios estrangeiros, mas
sobretudo no desenvolvimento dos próprios recursos e no cultivo das
qualidades e tradições próprias. Neste ponto, devem sobressair
aqueles que têm maior influência nos outros.
b) É dever muito grave dos povos desenvolvidos ajudar os que estão
em vias de desenvolvimento a realizar as tarefas referidas. Levem,
portanto, a cabo, em si mesmos, as adaptações psicológicas e
materiais que são necessárias para estabelecer esta cooperação
internacional. E assim, nas negociações com as nações mais fracas e
pobres, atendam com muito cuidado ao bem das mesmas; pois elas
necessitam, para seu sustento, dos lucros alcançados com a venda dos
bens que produzem.
c) Cabe à comunidade internacional coordenar e estimular o
desenvolvimento de modo a que os recursos a isso destinados sejam
utilizados com o máximo de eficácia e total equidade. Também a ela
pertence, sempre dentro do respeito pelo princípio de
subsidiariedade, regular as relações económicas no mundo inteiro de
modo que se desenvolvam segundo a justiça.
Criem-se instituições aptas para promover e regular o comércio
internacional, sobretudo com as nações menos desenvolvidas, e para
compensar as deficiências que ainda perduram, nascidas da excessiva
desigualdade de poder entre as nações. Esta ordenação, acompanhada
de ajudas técnicas, culturais e financeiras, deve proporcionar às
nações em vias de desenvolvimento os meios necessários para poderem
conseguir convenientemente o progresso da própria economia.
d) Em muitos casos, é urgente necessidade rever as estruturas
económicas e sociais. Mas evitem-se as soluções técnicas
prematuramente propostas, sobretudo aquelas que, trazendo ao homem
vantagens materiais, são opostas à sua natureza espiritual e ao seu
progresso. Com efeito, «o homem não vive só de pão, mas também de
toda a palavra que sai da boca de Deus» (Mt. 4, 4). E qualquer
parcela da família humana leva em si mesma e nas suas melhores
tradições uma parte do tesouro espiritual confiado por Deus à
humanidade, mesmo que muitos desconheçam a origem donde procede.
A cooperação internacional no que se refere ao incremento
demográfico
87. A cooperação internacional é especialmente necessária no caso,
actualmente bastante frequente, daqueles povos que, além de muitas
outras dificuldades, sofrem especialmente da que deriva dum rápido
aumento da população. É urgentemente necessário que, por meio duma
plena e intensa cooperação de todos, e sobretudo das nações mais
ricas, se investigue o modo de tornar possível preparar e fazer
chegar a toda a humanidade o que é preciso para a subsistência e
conveniente educação dos homens. Mas alguns povos poderiam melhorar
muito as suas condições de vida se, devidamente instruídos,
passassem dos métodos arcaicos de exploração agrícola para as
técnicas modernas, aplicando-as com a devida prudência à própria
situação, instaurando, além disso, uma melhor ordem social e
procedendo a uma distribuição mais justa da propriedade das terras.
Com relação ao problema da população, na própria nação e dentro dos
limites da própria competência, tem o governo direitos e deveres;
assim, por exemplo, no que se refere à legislação social e familiar,
ao êxodo das populações agrícolas para as cidades, à informação
acerca da situação e necessidades nacionais. Dado que hoje este
problema preocupa intensamente os espíritos, é também de desejar que
especialistas católicos, sobretudo nas Universidades, prossigam e
ampliem diligentemente os estudos e iniciativas sobre estas
matérias.
Visto que muitos afirmam que o aumento da população do globo, ou ao
menos de algumas nações, deve ser absoluta e radicalmente diminuído
por todos os meios e por qualquer espécie de intervenção da
autoridade pública, o Concílio exorta todos a que evitem as
soluções, promovidas privada ou pùblicamente ou até por vezes
impostas, que sejam contrárias à lei moral. Porque, segundo o
inalienável direito ao casamento e procriação da prole, a decisão
acerca do número de filhos depende do recto juízo dos pais e de modo
algum se pode entregar ao da autoridade pública. Mas como o juízo
dos pais pressupõe uma consciência bem formada, é de grande
importância que todos tenham a possibilidade de cultivar uma
responsabilidade recta e autênticamente humana, que tenha em conta a
lei divina, consideradas as circunstâncias objectivas e temporais;
isto exige, porém, que por toda a parte melhorem as condições
pedagógicas e sociais e, antes de mais, que seja dada uma formação
religiosa ou, pelo menos, uma íntegra educação moral. Sejam também
as populações judiciosamente informadas acerca dos progressos
científicos alcançados na investigação dos métodos que ajudam os
esposos na determinação do número de filhos, cuja segurança esteja
bem comprovada e de que conste claramente a legitimidade moral.
O dever dos cristãos na ajuda internacional
88. Os cristãos cooperem de bom grado e de todo o coração na
construção da ordem internacional com verdadeiro respeito pelas
liberdades legítimas e na amigável fraternidade de todos; e tanto
mais quanto é verdade que a maior parte do mundo ainda sofre tanta
necessidade, de maneira que, nos pobres, o próprio Cristo como que
apela em alta voz para a caridade dos seus discípulos. Não se dê aos
homens o escândalo de haver algumas nações, geralmente de maioria
cristã, na abundância, enquanto outras não têm sequer o necessário
para viver e são atormentadas pela fome, pela doença e por toda a
espécie de misérias. Pois o espírito de pobreza e de caridade são a
glória e o testemunho da Igreja de Cristo.
São, por isso, de louvar e devem ser ajudados os cristãos, sobretudo
jovens, que se oferecem espontâneamente para ir em ajuda dos outros
homens e povos. Mais ainda: cabe a todo o Povo de Deus, precedido
pela palavra e exemplo dos Bispos, aliviar, quanto lhe for possível,
as misérias deste tempo; e isto, como era. o antigo uso da Igreja,
não sòmente com o supérfluo, mas também com o necessário.
Sem cair numa organização rígida e uniforme, deve, no entanto, o
modo de recolher e distribuir estes socorros ser regulado com uma
certa ordem, nas dioceses, nações e em todo o mundo; e onde parecer
oportuno, conjugando a actividade dos católicos com a dos outros
irmãos cristãos. Porque o espírito de caridade, longe de se opor a
um exercício providente e ordenado da actividade social e
caritativa, antes o exige. Pelo que é necessário que os que
pretendem dedicar-se ao serviço das nações em vias de
desenvolvimento, recebam conveniente formação em instituições
adequadas.
A presença eficaz da Igreja na comunidade internacional
89. Quando a Igreja, em virtude da sua missão divina, prega a todos
os homens o Evangelho e lhes dispensa os tesouros da graça,
contribui para a consolidação da paz em todo o mundo e para
estabelecer um sólido fundamento para a fraterna comunidade dos
homens e dos povos, a saber: o conhecimento da lei divina e natural.
É, portanto, absolutamente necessário que a Igreja esteja presente
na comunidade das nações, para fomentar e estimular a cooperação
entre os homens; tanto por meio das suas instituições públicas como
graças à inteira e sincera colaboração de todos os cristãos,
inspirada apenas pelo desejo de servir a todos.
O que se alcançará mais eficazmente se os fiéis, conscientes da
própria responsabilidade humana e cristã, procurarem já no seu meio
de vida despertar a vontade de cooperar prontamente com a comunidade
internacional. Dedique-se especial cuidado em formar neste ponto a
juventude, tanto na educação religiosa como na cívica.
A cooperação dos cristãos nas instituições internacionais
90. Uma das melhores formas de actuação internacional dos cristãos
consiste certamente na cooperação que, isoladamente ou em grupo,
prestam nas próprias instituições criadas ou a criar para o
desenvolvimento da cooperação entre as nações. Também podem
contribuir muito para a edificação da comunidade dos povos, na paz e
fraternidade, as várias associações católicas internacionais, as
quais devem ser consolidadas, com o aumento de colaboradores bem
formados, e dos meios de que necessitam e com uma conveniente
coordenação de forças. Nos tempos actuais, com efeito, tanto a
eficácia da acção como a necessidade do diálogo reclamam
empreendimentos colectivos. Essas associações contribuem, além
disso, não pouco também para desenvolver o sentido de
universalidade, muito próprio dos católicos, e para formar a
consciência da solidariedade e responsabilidade verdadeiramente
universais.
Finalmente, é de desejar que os católicos, para bem cumprirem a sua
missão na comunidade internacional, procurem cooperar activa e
positivamente quer com os irmãos separados que com eles professam a
caridade evangélica, quer com todos os homens que anelam
verdadeiramente pela paz.
Perante as imensas desgraças que ainda hoje torturam a maior parte
da humanidade, e para fomentar por toda a parte a justiça e ao mesmo
tempo o amor de Cristo para com os pobres, o Concílio, por sua
parte, julga muito oportuna a criação de algum organismo da Igreja
universal, incumbido de estimular a comunidade católica na promoção
do progresso das regiões necessitadas e da justiça social entre as
nações.
CONCLUSÃO
Dever dos fiéis e das Igrejas particulares
91. Tudo o que, tirado dos tesouros da doutrina da Igreja, é
proposto por este sagrado Concílio, pretende ajudar todos os homens
do nosso tempo, quer acreditem em Deus, quer não O conheçam
explicitamente, a que, conhecendo mais claramente a sua vocação
integral, tornem o mundo mais conforme à sublime dignidade do homem,
aspirem a uma fraternidade universal mais profundamente fundada e,
impelidos pelo amor, correspondam com um esforço generoso e comum às
urgentes exigências da nossa era.
Certamente, perante a imensa diversidade de situações e de formas de
cultura existentes no mundo, esta proposição de doutrina reveste
intencionalmente, em muitos pontos, apenas um carácter genérico;
mais ainda: embora formule uma doutrina aceite na Igreja, todavia,
como se trata frequentemente de realidades sujeitas a constante
transformação, deve ainda ser continuada e ampliada. Confiamos,
porém, que muito do que enunciámos apoiados na palavra de Deus e no
espírito do Evangelho, poderá proporcionar a todos uma ajuda válida,
sobretudo depois de os cristãos terem levado a cabo, sob a direcção
dos pastores, a adaptação a cada povo e mentalidade.
Diálogo entre todos os homens
92. Em virtude da sua missão de iluminar o mundo inteiro com a
mensagem de Cristo e de reunir sob um só Espírito todos os homens,
de qualquer nação, raça ou cultura, a Igreja constitui um sinal
daquela fraternidade que torna possível e fortalece o diálogo
sincero.
Isto exige, em primeiro lugar, que, reconhecendo toda a legítima
diversidade, promovamos na própria Igreja a mútua estima, respeito e
concórdia, em ordem a estabelecer entre todos os que formam o Povo
de Deus, pastores ou fiéis, um diálogo cada vez mais fecundo. Porque
o que une entre si os fiéis é bem mais forte do que o que os divide:
haja unidade no necessário, liberdade no que é duvidoso, e em tudo
caridade(1).
Abraçamos também em espírito os irmãos que ainda não vivem em plena
comunhão connosco, e as suas comunidades, com os quais estamos
unidos na confissão do Pai, Filho e Espírito Santo, e pelo vínculo
da caridade, lembrados de que a unidade dos cristãos é hoje esperada
e desejada mesmo por muitos que não crêem em Cristo. Com efeito,
quanto mais esta unidade progredir na verdade e na caridade, pela
poderosa acção do Espírito Santo, tanto mais será para o mundo um
presságio de unidade e de paz. Unamos, pois, as nossas forças e,
cada dia mais fiéis ao Evangelho, procuremos, por modos cada vez
mais eficazes para alcançar este fim tão alto, cooperar
fraternalmente no serviço da família humana, chamada, em Cristo, a
tornar-se a família dos filhos de Deus.
Voltamos também o nosso pensamento para todos os que reconhecem Deus
e guardam nas suas tradições preciosos elementos religiosos e
humanos, desejando que um diálogo franco nos leve a todos a receber
com fidelidade os impulsos do Espírito e a segui-los com entusiasmo.
Por nossa parte, o desejo de um tal diálogo, guiado apenas pelo amor
pela verdade e com a necessária prudência, não exclui ninguém; nem
aqueles que cultivam os altos valores do espírito humano, sem ainda
conhecerem o seu autor; nem aqueles que se opõem à Igreja, e de
várias maneiras a perseguem. Como Deus Pai é o princípio e o fim de
todos eles, todos somos chamados a ser irmãos. Por isso, chamados
pela mesma vocação humana e divina, podemos e devemos cooperar
pacificamente, sem violência nem engano, na edificação do mundo na
verdadeira paz.
A edificação do mundo e a sua orientação para Deus
93. Lembrados da palavra do Senhor: «nisto reconhecerão todos que
sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros» (Jo. 13, 35),
os cristãos nada podem desejar mais ardentemente do que servir
sempre com maior generosidade e eficácia os homens do mundo de hoje.
E assim, fiéis ao Evangelho e graças à sua força, unidos a quantos
amam e promovem a justiça, têm a realizar aqui na terra uma obra
imensa, da qual prestarão contas Aquele que a todos julgará no
último dia. Nem todos os que dizem «Senhor, Senhor» entrarão no
reino dos céus, mas aqueles que cumprem a vontade do Pai (2) e põem
sèriamente mãos a obra. Ora, a vontade do Pai é que reconheçamos e
amemos efectivamente em todos os homens a Cristo, por palavra e por
obras, dando assim testemunho da verdade e comunicando aos outros o
mistério do amor do Pai celeste. Deste modo, em toda a terra, os
homens serão estimulados à esperança viva, dom do Espírito Santo,
para que finalmente sejam recebidos na paz e felicidade infinitas,
na pátria que refulge com a glória do Senhor.
«Aquele que, em virtude do poder que actua em nós, é capaz de fazer
que superabundemos para além do que pedimos ou pensamos, a Ele seja
dada a glória na Igreja e em Cristo Jesus, por todos os séculos dos
séculos. Amém» (Ef. 3, 20-21).
Roma, 7 de Dezembro de 1965
PAPA PAULO VI
Notas
Proémio - Introdução
1. A Constituição pastoral «A Igreja no mundo actual», formada por
duas partes, constitui um todo unitário. E chamada «pastoral»,
porque, apoiando-se em princípios doutrinais, pretende expor as
relações da Igreja com o mundo e os homens de hoje. Assim, nem à
primeira parte falta a intenção pastoral, nem à segunda a doutrinal.
Na primeira parte, a Igreja expõe a sua própria doutrina acerca do
homem, do mundo no qual o homem está integrado e da sua relação para
com eles. Na segunda, considera mais expressamente vários aspectos
da vida e da sociedade contemporâneas, e sobretudo as questões e os
problemas que, nesses domínios, padecem hoje de maior urgência.
Daqui resulta que, nesta segunda parte, a matéria, tratada à luz dos
princípios doutrinais, não compreende apenas elementos imutáveis,
mas também transitórios. A Constituição deve, pois, ser interpretada
segundo as normas teológicas gerais, tendo em conta, especialmente
na segunda parte, as circunstâncias mutáveis com que estão
intrinsecamente ligados os assuntos em questão.
2. Cfr. Jo. 18,37.
3. Cfr. Jo. 3, 17; Mt. 20, 28; Mc. 10,45.
4. Cfr. Rom. 7,14 s.
5. Cfr. 2 Cor. 5,15.
6. Cfr. Act. 4,12.
7. Cfr. Hebr. 13,8.
8. Cfr. Col. 1,15.
PRIMEIRA PARTE
Capítulo I
1.
Cfr. Gén. 1,26; Sab. 2,23.
2. Cfr. Ecli. 17, 3-10.
3. Cfr. Rom. 1, 21-25.
4. Cfr. Jo. 8,34.
5. Cfr. Dan. 3, 57-90.
6. Cfr. 1 Cor. 6, 13-20.
7. Cfr. 1 Reis 16,7; Jer. 17.10.
8. Cfr. Ecli. 17, 7-8.
9. Cfr. Rom. 2, 14-16.
10. Cfr. Pio XII, radiomensagem acerca da formação da consciência
cristã nos jovens, 23 março 1952: AAS 44 (1952), p. 271.
11. Cfr. Mt. 22, 37-40; Gál. 5,14.
12 Cfr. Ecli. 15,14.
13. Cfr. 2 Cor. 5,10.
14. Cfr. Sab. 1,13; 2, 23-24; Rom. 5,21; 6,23; Tg. 1,15.
15. Cfr. 1 Cor. 15, 56-57.
16. Cfr. Pio XI, Enc. Divini Redemptoris, 19 março 1937: AAS
29 (1937), p. 65-106; Pio XII, Enc. Ad Apostolorum Principis,
29 junho 1958: AAS 50 (1958), p. 601-614; João XXIII, Enc. Mater
et Magistra, 15 maio 1961: AAS 53 (1961) p. 451-453; Paulo VI,
Enc. Ecclesiam Suam, 6 agosto 1964: AAS 56 (1964), p.
651-653.
17. Cfr. Conc. Vat. II, Const. dogm. De Ecclesia, Lumen gentium,
cap. I, n. 8: AAS 57 (1965), p. 12.
18. Cfr. Fil. 1,27.
19. S. Agostinho, Confissões, I, 1: PL 32, 661.
20. Cfr. Rom. 5,14. Cfr. Tertuliano, De carpis resurr.
6:
«Quodcumque limus exprimebatur, Christus cogitabatur homo futurus»:
PL 2, 802 (848); CSEL, 47, p. 33, 1.
12-13.
21. Cfr. 2 Cor. 4,4.
22.Cfr. Conc. Constant. II, can. 7: «Neque Deo Verbo in carpis
naturam transmutato, neque carne in Verbi naturam transducta»:
Denz. 219 (428). Cfr. também Conc. Constant. III: « Quemadmodum
enim sanctissima ac immaculata animata eius caro deificata non est
perempta (theôtheisa ouk anërethe), sed in próprio sui statu et
ratione permansit»: Denz. 291 (556). Cfr. Conc. Calc.: «in
duabus naturis inconfuse, immutabiliter, indivise, inseparabiliter
agnoscentum»: Denz. 148 (302).
23. Cfr. Conc. Constant. III: «ita et humana eius voluntas
deificata non. est perempta»: Denz. 291 (556).
24 Cfr. Hebr. 4,15. 25 Cfr. 2
25. Cfr. 2Cor. 5, 18-19; Col. 1, 20-22.
26. Cfr. 1Ped. 2, 2; Mt. 16,24; Lc. 14, 27.
27. Cfr. Rom. 8, 29; Col. 1,18.
28. Cfr. Rom. 8, 1-11.
29. Cfr. 2 Cor. 4,14.
30. Cfr. Fil. 3,10; Rom. 8,17.
31. Cfr. Conc. Vat. II, Const. dogm. De Ecclesia, Lumen gentium,
cap. II, n. 16: AAS 57 (1965), p. 20.
32. Cfr. Rom. 8,32.
33. Cfr. Liturgia Pascal bizantina.
34. Cfr. Rom. 8,15 e Gal. 4,6; Jo. 1,12 e Jo. 3, 1-2.
Capítulo II
1. Cfr. João XXIII, Enc. Mater et Magistra, 15 maio 1961: AAS
53 (1961) p. 401-464; Enc. Pacem in terris, 11 abril 1963:
AAS 55 (1963), p. 257-304; Paulo VI, Enc. Ecclesiam suam, 6
agosto 1964: AAS 54 (1964), p. 609-659.
2. Cfr. Lc. 17,23.
3. Cfr. S. Tomás, 1 Ethic. lect. 1.
4. Cfr. João XXIII, Enc. Mater et Magistra: AAS 53 (1961), p.
418. Cfr. também Pio XI, Enc. Quadragesimo anno: AAS 23
(1931), p. 222 ss.
5. Cfr. João XXIII, Enc. Mater et Magistra: AAS 53 (1961), P.
417.
6. Cfr. Mc. 2,27.
7. Cfr. João XXIII, Enc.
Pacem in terris:
AAS 55 (1963), p. 266.
8. Cfr. Tg. 2, 15-16.
9. Cfr. Lc. 16, 19-31.
10. Cfr. João XXIII, Enc.
Pacem in terris:
AAS 55 (1963), p. 299-300.
11. Cfr. Lc. 6, 37-38; Mt. 7, 1-2; Rom. 2, 1-11; 14, 10-12.
12. Cfr. Mt. 5, 45-47.
13. Cfr.. Conc. Vat. II, Const. dogm. De Ecclesia, Lumen gentium,
cap. II, 9: AAS 57 (1965), p. 12-13.
14. Cfr. Ex. 24, 1-8.
Capítulo III
1. Cfr. Gén. 1, 26-27; 9, 2-3.
2. Cfr. Salm. 8,7 e 10.
3. Cfr. João XXIII, Enc. Pacem in terris: AAS 55 (1963), p.
297.
4. Cfr. Mensagem enviada à humanidade pelos Padres Conciliares no
início do Concílio Vaticano II, outubro 1962: AAS 54 (1962), p.
822-823.
5. Cfr. Paulo VI, Alocução ao Corpo diplomático, 7 janeiro 1965: AAS
57 (1965), p. 232.
6. Cfr. Conc. Vat. I, Const. dogma De fide cath., cap. III:
Denz. 1785-1786 (3004-3005).
7. Cfr. Pio Paschini, Vita e opere di Galileo Galilei, 2 vol.
Academia Pontifícia de Ciências, cidade do Vaticano, 1964.
8. Cfr. Mt. 24,13; 13, 24-30 e 36-43.
9. Cfr. 2 Cor. 6,10.
10. Cfr, Jo. 1,3 e 14.
11. Cfr. Ef. 1,10.
12. Cfr. Jo. 3, 14-16; Rom. 5, 8-10.
13. Cfr. Act. 2,36; Mt. 28,18.
14. Cfr. Rom. 15,16.
15. Cfr. Act. 1,7.
16. Cfr. 1 Cor. 7,31; S. Ireneu, Adversus Haereses, V, 36: PG
VII, 1222.
17. Cfr. 2 Cor. 5,2; 2 Ped. 3,13.
18. Cfr. 1 Cor. 2,9; Apoc. 21, 4-5.
19. Cfr. 1 Cor. 15,42 e 53.
20. Cfr. 1 Cor. 13,8; 3,14.
21. Cfr. Rom. 8, 19-21.
22. Cfr. Lc. 9,25.
23. Cfr. Pio XI, Enc. Quadragesimo anno: AAS 23 (1931), p.
207.
24. Missal romano, Prefácio da festa de Cristo Rei.
Capítulo IV
1. Cfr. Paulo VI, Enc. Ecclesiam suam, III: AAS 56 (1964), p.
637-659.
2. Cfr. Tit. 3,4: « philanthropia».
3. Cfr. Ef. 1,3. 5-6. 13-14. 23.
4. Cfr. Conc. Vat. II, Const. dogm. De Ecelesia, Lumen gentium,
cap. I, n. 8: AAS 57 (1965), p. 12.
5. Ibid. cap. II, n. 9: AAS 57 (1965), p. 14; efr. n. 8: AAS 1. c.,
p. 11.
6. Ibid. cap. I, n. 8: AAS (1965), p. 11.
7. Cfr. Ibid. cap. IV, n. 38: AAS 57 (1965), p. 43, com a nota 120.
8. Cfr. Rom. 8, 14-17.
9. Cfr. Mt. 22,39
10. Const. dogm.
De Ecclesia, Lumen gentium, cap. II, n. 9: AAS 57 (1965), p.
12-14.
11. Cfr. Pio XII, Alocução aos cultores de história e de arte, 9
março 1956: AAS 48 (1956), p. 212: «O seu divino fundador, Jesus
Cristo, não lhe deu nenhum mandato nem fixou nenhum fim de ordem
cultural. O fim que Cristo lhe assinala é estritamente religioso
(...) A Igreja deve conduzir os homens a Deus, para que eles se
Lhe entreguem sem reservas (...) A Igreja jamais poderá
perder de vista este fim estritamente religioso, sobrenatural. O
sentido de todas as suas actividades, até ao último cánon do seu
Direito, não pode ser outro senão concorrer para isso directa ou
indirectamente.
12. Const. dogm. De Ecclesia, Lumen gentium, cap.
I, n. 1: AAS 57 (1965), p. 5.
13. Cfr. Hebr. 13,14.
14. Cfr. 2 Tess. 3, 6-13; Ef. 4,28.
15. Cfr. Is. 58, 1-12.
16. Cfr. Mt. 23, 3-33; Mc. 7, 10-13.
17. Cfr. João XXIII.
Ene. Mater et Magistra, IV: AAS 53 (1961), p. 456-457; e I:
1. c., p. 407, 410-411.
18. Cfr. Const. dogm. De Ecelesia, Lumen gentium, cap.
III, n. 28: AAS 57 (1965), p. 34-35.
19. Ibid. n. 28: AAS, 1, c., p. 35-36.
20. Cfr. S. Ambrósio, De Virginitate, cap.
VIII, n. 48: PL 16, 278.
21. Cfr. Const. dogm.
De Ecclesia, Lumen gentium, cap.
II, n. 15: AAS 57 (1965), p. 20.
22. Cfr. Const. dogm.
De Ecclesia, Lumen gentium, cap. II, n. 13: AAS 57 (1965), p.
17.
23. Cfr. Justino, Dialogus cum Tryphone, cap. 110: PG 6, 729
(ed. Otto), 1897, p. 391-393: «...sed quanto magis talia nobis
infliguntur, tanto plures alii fideles et pii per nomen Jesu fiunt».
Cfr. Tertuliano, Apologeticus, cap. 50, 13: PL 1,534; Cchr,
ser. lat., I, p. 171: «Etiam plures efficimur, quotiens metimur a
vobis: semen est sanguis christianorum», Cfr. Const. dogm. De
Ecclesia, Lumen gentium, cap. VII, n. 48: AAS 57 (1965), p.
53.
24. Cfr. Const. dogm. Lumen Gentium c 2 n. 15: AAS 57 (1965),
p. 21.
25. Cfr. Paulo VI, Alocução, 3 fev. 1965: L'Osservatore Romano,
4 fev. 1965.
II PARTE
Capítulo I
1. Cfr. S. Agostinho, De bono coniugali: PL 40, 375-376 e
394.
S. Tomás, Summa Theol., Suppl. Quaest. 49 art. 3 ad 1;
Decretum pro Armenis: Denz.-Schön. 702 (1327) ; Pio XI, Ene.
Casti Connubii: AAS 22 (1930), p. 543-555, Denz.-Schön. 2227-2238.
2 Cfr. Pio XI, Enc. Casti Connubii: AAS 22 (1930), p.
546-547; Denz.-Schön. (3703-3714).
3. Cfr. Os. 2; Jer. 3, 6-13; Ez. 16 e 23; Is. 54.
4. Cfr. Mt. 9,15; Mc. 2, 19-20; Lc. 5, 34-35; Jo. 3,29; 2 Cor. 11,2;
Ef. 5,27; Apoc. 19, 7-8; 21,2 e 9.
5. Cfr. Ef. 5,25.
6. Cfr. Conc. Vat. II, Const. dogm. De Ecelesia, Lumen gentium:
AAS 57 (1965), p. 15-16; 40-41; 47.
7. Pio XI, Enc. Casti Connubii: AAS 22 (1930), p. 583.
8. Cfr. 1 Tim. 5, 3.
9. Cfr. Ef. 5, 32.
10. Cfr. Gén. 2, 22. 24; Prov. 5, 18-20; 31, 10-31; Tob. 8,4-8;
Cant. 1, 2-3; 2,16; 4,16-5,1; 7, 8-11; 1 Cor. 7, 3-6; Ef. 5, 25-33.
11. Cfr. Pio XI, Enc. Casti Connubii: AAS 22 (1930), p.
547-548; Denz.-Schön.
2232 (3707).
12. Cfr. 1 Cor. 7,5.
13. Cfr. Pio XII, Alocução Tra le visite, 20 janeiro 1958:
AAS 50 (1958), p. 91.
14. Cfr. Pio XI, Enc. Casti Connubii: AAS 22 (1930), p.
559-561: Denz.-Schön. 3716-3718; Pio XII, Alocução ao Congresso da
União Italiana de parteiras, 29 de outubro 1951: AAS 43 (1951), p.
835-854; Paulo VI, Alocução ao Sacro Colégio, 23 junho 1964: AAS 56
(1964), p. 581-589. Certas questões que requerem outras
investigações mais aprofundadas, foram confiadas, por mandato do
Sumo Pontífice, a uma Comissão para o estudo da população, da
família e da natalidade; uma vez terminados os seus trabalhos, o
Sumo Pontífice pronunciará o seu juízo. No actual estado da doutrina
do magistério, o sagrado Concílio não pretende propor imediatamente
soluções concretas.
15. Cfr. Ef. 5,16; Col. 4,5.
16. Cfr. Sacramentarium Gregorianum: PL 78, 262.
17. Cfr. Rom. 5,15 e 18; 6 5-11; Gál. 2,20.
18. Cfr. Ef. 5, 25-27.
Capítulo II
1. Cfr. Introdução, n. 4-10.
2. 2 Cfr. Col. 3, 1-2.
3. Cfr. Gén. 1,28.
4. Cfr. Prov. 8, 30-31.
5. Cfr. S. Ireneu, Adversus Haereses, III, 11, 8: ed.
Sagnard, p. 200; cfr. ibid. 16,6: p. 290-292; 21, 10-22: p. 370-371;
22, 3; p. 378; etc.
6. Cfr. Ef. 1,10.
7. Cfr. Palavras de Pio XII ao R. P. M.-D. Roland-Gosselin: «É
preciso não perder nunca de vista, que o objectivo da igreja é
evangelizar e não civilizar. Se ela civiliza, é pela evangelização»
(Semana social de Versailles, 1936, p. 461-462).
8. Conc. Vat. I, Const. Dei Filius, e. IV: Denz. 1795, 1799
(3015, 3019). Cfr. Pio XI, Enc. Quadragesimo anno: AAS 23
(1931), p. 190.
9. Cfr. João XXIII, Enc. Pacem in terris: AAS 55 (1963), p.
260.
10. Cfr. João XXIII, Enc. Pacem in terris: AAS 55 (1963), p.
283; Pio XII, Radiomensagem, 24 dezembro 1941: AAS 34 (1942), p.
16-17.
11. Cfr. João XXIII, Enc. Pacem in terris: AAS 55 (1963), p.
260
12. Cfr. João XXIII, Discurso inaugural do Concílio, 11 outubro
1962: AAS 54 (1962), p. 792.
13. Cfr. Const. De Sacra Liturgia, sacrosanctum concilium n.
123: AAS 56 (1964), p. 131; Paulo VI, Discurso aos artistas romanos:
AAS 56 (1964), p. 439-442.
14. Cfr. Conc. Vat. II, Decreto De institutione sacerdotali,
Optatam totius, e Declaração de educatione christiana,
Gravissimum educationis.
15. Cfr. Const. dogm. De Ecclesia, Lumen gentium, cap. IV, n.
37: AAS 57 (1965), p. 42-43.
Capítulo III
1. Cfr. Pio XII, Mensagem, 23 março 1952; AAS 44 (1952), p.273; João
XXIII, Alocução à A. C. Italiana, 1 maio 1959: AAS 51 (1959), p.
358.
2. Cfr. Pio XI, Enc. Quadragesimo anno: AAS 23 (1931), p. 190
s.; Pio XII, Mensagem, 23 março 1952:AAS 44 (1952), p. 276 s.; João
XXIII, Enc. Mater et Magistra: AAS 53 (1961), p. 450; Conc.
Vat. II, Decreto De instrumentis communicationis socialis, Inter
mirifica, cap. I, n. 6: AAS 56 (1954), p. 147.
3. Cfr. Mt. 16,26; Lc. 16 1-31; Col. 3,17.
4. Cfr. Leão XIII, Enc. Libertas praestantissimum, 20 jun.
1888: AAS 20 (1887-88), p. 597 s.; Pio XI, Enc. Quadragesimo anno:
AAS 23 (1931), p. 191 s.; ID., Enc. Divini Redemptoris: AAS
29 (1937), p. 65 s.; Pio XII, Mensagem natalícia 1941: AAS 34
(1942), p. 10 s.; João XXIII, Enc. Mater et Magistra: AAS 53
(1961), p. 401-464.
5. Quanto ao problema da agricultura, cfr. sobretudo João XXIII,
Enc.
Mater et Magistra:
AAS 53 (1961), p. 341 s.
6.
Cfr. Leão XIII, Enc.
Rerum Novarum:
ASS 23 (1890-1891), p. 649-662; Pio XI, Enc. Quadragesimo anno:
A.AS 23 (1931), p. 200-201; ID., Enc. Divini Redemptoris: AAS
29 (1937), p. 92; Pio XII, Radiomensagem na vigília do Natal de
1942: AAS 35 (1943),.p. 20; ID., Alocução, 13 junho 1943: AAS 35
(1943), p. 172; ID:, Radiomensagem aos operários espanhóis, 11 março
1951: AAS 43 (1951), p. 215; João XXIII, Enc. Mater et Magistra:
AAS 53 (1961), p. 419.
7. Cfr. João XXIII, Enc. Mater et Magistra: AAS 53 (1961),
p. 408, 424, 427; a palavra «curatione» foi tirada do texto latino
da Enc. Quadragesimo anno: AAS 23 (1931), p. 199. Sob o
aspecto da evolução desta questão. cfr. também Pio XII, Alocução, 3
junho 1950: AAS 42 (1950), p. 485-488; Paulo VI, Alocução, 8 junho
1964: AAS 56 (1964), p. 574-579.
8 Cfr. Pio XII, Enc. Sertum laetitiae: AAS 31 (1939), p. 642;
João XXIII, Alocução consistorial: AAS 52 (1960), p. 5-11; ID., Enc.
Mater et Magistra: AAS 53 (1961), p. 411.
9. Cfr. S. Tomás, Summa Theol. II-II, q. 32, a. 5 ad 2; Ibid.
q. 66, a. 2; cfr. explicação em Leão XIII, Enc. Rerum Novarum:
AAS 20 (1890-1891), p. 651; cfr. também Pio XII, Alocução, 1 junho
1941: AAS 33 (1941), p. 199; ID., Radiomensagem natalícia 1954: AAS
47 (1955), p. 27.
10. Cfr. S. Basílio, Hom. in Mud Lucae «Destruam horrea mea»,
n. 2: PG 31, 263; Lactâncio, Divinarum institutionum, L. V.,
de iustitia: PL 6, 565 B; S. Agostinho, In Joann.
Ev.
tr. 50, n. 6: PL 35, 1760; ID., Enarratio in Ps. CXLVII, 12:
PI: 37, 192; S. Gregório M., Homiliae in Ev., hom. 20: PL 76,
1165; ID., Regulae Pastoralis liber, parte III, cap. 21: PL
77, 87; S. Boaventura, In III Sent. d. 33, dub. 1 (ed.
Quaracchi III, 728) ; ID. In IV Sent., d. 15, p. II, a. 2, q.
1 (ed. cit. IV, 371b) ; q. de superfluo (ms. da Bibl. mun. de
Assis, 186, ff. 112ª-113ª; S. Alberto Magno, In III Sent., d.
33, a. 3. sol. 1 (ed. Borgnet XXVIII, 611) ; ID., In IV Sent.,
d. 15, a. 16 (ed. cit.
XXIX, 494-497). Quanto à determinação do supérfluo actualmente, cfr.
João XXIII, Mensagem radiotelevisiva, 11 setembro 1962. AAS 54
(1962), p. 682: «Dever de cada homem, dever urgente do cristão é
considerar o supérfluo com a medida das necessidades alheias, e de
vigiar que a administração e a distribuição dos bens criados sejam
dispostas para vantagem de todos».
11. Nesse caso, vale o antigo principio: «na necessidade extrema,
todas as coisas são comuns, isto é, todas as coisas devem ser
tornadas comuns». Por outro lado, segundo o modo, extensão e medida
em que se aplica o principio no texto aduzido, além dos autores
modernos aprovados: cfr. S. Tomás, Summa Theol. H-II, q. 66,
a. 7. É claro que para a recta aplicação do princípio todas as
condições moralmente exigidas devem ser respeitadas.
12. Cfr. Decr. Gratiani, C. 21, d. LXXXVI (ed. Friedberg I,
302).
Este dito encontra-se já em PL 54, 491 A e PL 56, 1132 B. (cfr.
Antonianum 27 (1952), p. 349-366).
13. Cfr. Leão XIII, Enc. Rerum Novarum: AAS 20 (1890-1891),
p. 643-646; Pio XI, Enc. Quadragesimo anno: AAS 23 (1931), p.
191; Pio XII, Radiomensagem, 1 junho 1941: AAS 33 (1941), p. 199;
ID., Radiomensagem na vigília de Natal 1942: AAS 35 (1943), p. 17;
ID., Radiomensagem, 1 setembro 1944: AAS 36 (1944), p. 253; João
XXIII, Enc. Mater et Magistra: AAS 53 (1961), p. 428-429.
14. Cfr. Pio XI, Enc. Quadragesimo anno: AAS 23 (1931), p.
214; João XXIII, Enc. Mater et Magistra: AAS 53 (1961), p.
429.
15. Cfr. Pio XII, Radiomensagem, Pentecostes 1941: AAS 44 (1941), p.
199. João XXIII, Enc. Mater et Magistra: AAS 53 (1961), p.
430.
16. Para o recto uso dos bens segundo a doutrina do Novo Testamento,
cfr. Lc. 3,11; 10,30 s.; 11,41; 1 Ped. 5,3; Mc. 8,36; 12, 30-31; Tg.
5, 1-6; 1 Tim. 6,8; Ef, 4,28; 2 Cor. 8,13; 1 Jo. 3, 17-18.
Capítulo IV
1. Cfr. João XXIII, Enc.
Mater et Magistra:
AAS 53 (1961), p. 417.
2. Cfr. ID., ibid.
3. Cfr. Rom. 13, 1-5.
4. Cfr. Rom. 13,5.
5. Cfr. Pio XII, Radiomensagem, 24 dezembro 1942: AAS 35 (1943), p.
9-24; 24 dezembro 1944: AAS 37 (1945), p. 11-17, João XXIII, Enc.
Pacem in terris: AAS 55 (1963), p. 263, 271, 277-278.
6. João XXIII, Enc. Mater et Magistra: AAS 53 (1961), p.
415-418.
7. Pio XI, Alocução aos dirigentes da federação Universitária
Católica: Discorsi di Pio XI (ed. Bertetto), Turim, vol. 1 (1960),
p. 743.
8. Cfr. Conc. Vaticano II, Const. dogm. De Ecclesia, Lumen
gentium, n. 13: A.AS 57 (1965), p. 17.
9. Cfr. Lc. 2,14.
Capítulo V
1. Cfr. Ef. 2, 16; Col. 1, 20-22.
2. Cfr. João XXIII, Enc. Pacem in terris, 11 abril 1963: AAS
55 (1963), p. 291: Por isso, nesta nossa idade, que se gloria da
força atómica, é fora de razão pensar que a guerra é um meio apto
para ressarcir os direitos violados».
3. Cfr. Pio XII, Alocução, 30 setembro 1954: AAS 46 (1954), p. 589;
Radiomensagem, 24 setembro 1954: AAS 47 (1955), p. 15 s.; João
XXIII, Enc. Pacem in terris: AAS 55 (1963), p. 286-291; Paulo
VI, Alocução na Assembleia das Nações Unidas, 4 outubro 196'5: AAS
57 (1965), p. 877-885.
4. Cfr. João XXIII, Ene. Pacem in terris, onde se fala da
diminuição dos armamentos: AAS 55 (1963), p. 287.
5. Cfr. 2 Cor. 6, 2.
Conclusão
1. Cfr. João XXIII, Enc. Ad Petri Cathedram, 29 junho 1959:
AAS 55 (1959), p. 513.
2. Cfr. Mt. 7, 21.
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