Quando ocorrem os factos que o Padre
Humberto aqui narra ao Dr. Azevedo, ele era já director da Venerável Alexandrina
desde há dois meses. Mas a tarefa não era fácil e ainda lhe surgiam dúvidas... A
partir de agora porém elas não existem mais.
Também fizemos alguns acertos de pontuação
no texto e mesmo uma distribuição mais «poética» do colóquio da Venerável com
Jesus.
Meu Exmo. Amigo
Depois
da minha conversa com V. Exa., quando lhe fiz a entrega do último
relatório, uma luta ingente ficou a travar-se dentro da minha alma. Sentia-me
perplexo, perturbado, confundido. Os factos da Alexandrina, ainda que o não
quiséssemos, a ciência é forçada a julgá-los como extraordinários. Por isto, eu
não podia duvidar. Mas, ao ver-me envolvido a mim mesmo – e tão profunda e
intimamente neste caso – a mim que, ao olhar para a minha vida, me vejo tão
indigno de merecer de Nosso Senhor a palavras de carinho que pela boca da
Alexandrina me dirigiu, este ponto fez-me duvidar e esta dúvida foi um espinho
cruciante que se me enterrou na alma. Temi ser vítima do mais terrível engano –
tanto mais terrível quanto podia pôr em perigo a minga alma.
Então brotou do meu coração, espontaneamente,
uma súplica ardente. Pedi ao Senhor que me desse mais uma prova, que dissesse
pela boca da Alexandrina que eu, na posição que tinha tomado neste caso, estava
certo.
Na manhã seguinte, dia 12 do corrente mês,
demorei-me na Igreja Paroquia a ouvir de confissão alguma pessoas, enquanto o
Rev. Pároco saiu a levar a Sagrada Comunhão aos doentes, entre os quais figurava
a Alexandrina. E, como fossem muitos esses enfermos, devido à estreiteza do
tempo e tendo ainda um assunto urgentíssimo a tratar, o Rev.mo Pároco deixou no
quarto da Alexandrina a Sagrada Hóstia, entre duas velas acesas, mandando-me
chamar para lhe dar a Comunhão. E retirou-se.
E viu-se a Alexandrina então, paralítica de
pés e mãos, levantar-se e dizer à irmã:
– Vai, que eu fico muito bem entregue.
E, de joelhos, ficou em adoração ao
Santíssimo Sacramento.
Mal a Deolinda chegou à Igreja e me comunicou
o que se passava, dirigi-me a sua casa. E qual não foi o meu espanto, ao chegar
lá, ver a Alexandrina de joelhos e junto da Sagrada Hóstia, a cantar num
arrebatamento de amor :
Ó Anjos, cantai comigo,
Ó Anjos, cantai sem fim:
Dar graças eu não consigo;
Ó Anjos, dai-as por mim!
Revesti logo a sobrepeliz e aproximei-me. Só
então ela deu pela minha presença e procurou afastar-se para eu poder chegar às
Sagradas Espécies.
Disse-lhe para ela recolher ao seu leito e
dei-lhe a Comunhão.
Neste momento (e não posso precisar se então
me ocorreu ou não o pensamento da véspera que me inspirara a súplica que já
citei nesta carta), pedi mentalmente a Nosso Senhor com toda a minha alma que
fizesse falar a Alexandrina (talvez houvesse nisso de minha parte só uma
curiosidade, embora suscitada por aquele sentimento de piedade que a gente sente
junto daquela alma para saber o que se passava entre Jesus e ela). Mal sabia que
uma nova prova do extraordinário que lá se passa se ia dar para que ainda uma
vez não o confirmasse só a ciência pela boca dos médicos, só a ascética pela
boca dos mestres espirituais, mas também o céu pelas revelações do próprio
Jesus.
Repito : esta súplica dirigi-a mentalmente
a Nosso Senhor, com o maior fervor da minha alma.
E – caso extraordinário, pois não se lhe pode
chamar outro nome – a Alexandrina, em êxtase, começou a falar :
«São maravilhas, são provas dadas por Mim.
Dize, minha filha, ao meu querido P.e Humberto : fui Eu que tudo permiti.»
Mal ela começou a falar, procurei logo nos
bolsos caneta e papel. A demora, breve embora, que isto causou, a natural emoção
que o facto despertava e ainda porque, sendo estrangeiro, embora já
familiarizado com o português, não acompanho todos os vocábulos e partículas da
língua com a rapidez duma conversa… fiquei atrasado a copiar o que a Alexandrina
proferia. E então, só mentalmente, pedi a Nosso Senhor que me repetisse o
que estava dizendo. E eis que logo a Alexandrina :
«São maravilhas…», etc., como acima. E
continuou. Em breve, na minha cópia, fiquei novamente atrasado. E novamente
supliquei ao Senhor que perdoasse a minha ignorância e ousadia e que por Bondade
voltasse a repetir. E a Bondade do Senhor dignou-se atender-me. E foi possível
então copiar tudo, que é o seguinte :
«São maravilhas, são provas dadas por Mim.
Dize, minha filha, ao meu querido P.e
Humberto: fui Eu que tudo permiti.
Da minha parte nada mais é preciso.
É só necessário agora lutar, lutar, combater
com os olhos postos em Mim.
A causa é Minha, é divina.
Pobres homens que imolam assim as Minhas
vítimas!
Pobres almas que assim ferem o Meu Divino
Coração!
Consolo-Me no amor desta pomba inocente,
desta vítima amada, senhora dos Meus Tesouros e de toda a minha riqueza.
Vem, ó mundo inteiro, vem depressa a esta
fonte beber:
é água que lava e purifica, é fogo que ateia
e santifica!
– Meu Jesus, amo-Vos, sou toda vossa, sou a
Vossa vítima! Obrigada…»
Neste instante, meu Ex.mo Amigo, percebendo
que ia acabar-se a Comunicação da Alexandrina com Jesus (por ter lido muitos
êxtases e que quase acabam pelo «obrigada»), gritei-lhe que oferecesse a Nosso
Senhor todo o meu amor e o amor de todas as almas que me são queridas e me estão
confiadas, e Lhe pedisse por elas. E ouvi então a Alexandrina, ainda arrebatada,
continuar :
«Aceitai o amor de tal alma e de todas as
almas que lhe são queridas.
Aceitai o amor de tal alma e de todas as que
lhe estão confiadas.
Aceitai o amor de todas as que são queridas e
do mundo inteiro.
– Estou entregue de toda a oferta.
– Obrigada, meu Jesus.»
E, ditas estas últimas palavras, Alexandrina
voltou a si.
O sentimento de gratidão a Nosso Senhor e de
confusão de mim mesmo de que eu fiquei possuído nessa altura, e que se mantém
ainda agora, não o sei, não o posso descrever a V. Exa.
Tinha na mina frente uma prova e, perante
ela, eu repito o que dizia no último relatório: não precisamos de mais provas de
Deus, pois se tantas nos não convencem ainda, também não nos convencerão mais.
Meu Exmo. Amigo :
Perante esta alma que, sofrendo dores
inumeráveis, tem sede de sofrer ainda mais; que só tem um receio: ofender a Deus
; que só tem um desejo, desejo que a abrasa como uma labareda inextinguível:
salvar almas – nós, se não nos obstinamos em negar a própria evidência, temos de
adorar, amar e bendizer ao Senhor, cuja graça, cujo Amor opera em nossos dias, e
diante de nós, tão grandes maravilhas !
Creia-me sempre seu profundo admirador e seu
profundo amigo.
Mogofores, 14/10/944.
Padre Humberto Maria Pasquale
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