Amparou pobres e
nobres empobrecidos, foi conselheiro de soberanos, defendeu a Igreja contra as
heresias da época.
*****
— Quanto
tens em caixa?
— O necessário para
alimentar a comunidade durante um dia.
— Isto quer dizer
quanto?
— Cinquenta
escudos.
— Ah, bem! Dê-me,
pois estou precisando.
E lá se foram os
cinquenta últimos escudos, para os nobres da Lorena.
O elitista
francês que desta maneira raspou a caixa da Instituição para dar o dinheiro aos
nobres empobrecidos da Lorena, nasceu em Dax, próximo da Espanha, em 24 de abril
de 1581. Sabe-se que São Vicente de Paulo era de família humilde, e que trilhou
descalço os caminhos, cuidando dos seus animais. Sua infância é praticamente
desconhecida.
Ordenado sacerdote
com 19 anos, desempenhou um papel importantíssimo na história da Igreja na
França. Em 1610, a Rainha Margarida de Valois, cuja piedade se igualava ao
mundanismo, aceitou-o entre seus conselheiros e capelães esmoleres. Nessa época
fez o propósito de dedicar o resto da vida aos necessitados, entretendo seu amor
ao próximo no Coração de Jesus Cristo e em uma profunda devoção a Nossa Senhora,
que honrava de mil maneiras por numerosas preces e peregrinações.
Em 1615 foi
atingido por uma doença que afectou seus joelhos até o final da vida.
Filipe Emanuel de
Gondi, tenente-general do Rei nos mares do Levante, o teve como preceptor do
primogénito. A esposa, Françoise-Margherite de Silly, era mulher virtuosa, cujos
escrúpulos faziam sofrer o confessor tanto ou mais do que a ela própria. Quando
o zeloso sacerdote se deslocava pelas numerosas terras do General Filipe de
Gondi, dava assistência às suas populações e às da vizinhança, trocando a
magnificência dos salões pela rudeza dos campos. Nelas instituía,
invariavelmente, a Confraria da Caridade.
Enquanto esteve
nessa família, tomou o hábito de ver no General a Nosso Senhor, e em sua esposa
Nossa Senhora. O que não o impedia de dar-lhes caritativos conselhos.
Sustentáculo da
Igreja
Serviu o Santo
durante um ano na paróquia de Châtillon. Ao sair, um ano mais arde, deixou-a
enlutada, o que, aliás, ocorreu em todas as paróquias
em
que esteve. Todos queriam uma lembrança sua, tendo seu chapéu sido arduamente
disputado; deixou para os paroquianos suas roupas. Só os heréticos ficaram
contentes, dizendo que os habitantes de Châtillon haviam perdido o sustentáculo
e a melhor pedra da Religião católica.
Em 1933, funda as
Filhas da Caridade, constituída de mulheres unidas por votos, mas sem
serem religiosas. Mademoiselle le Gras, nascida Luíza de Marillac, foi a
primeira. Era o começo de uma obra que proporcionou socorro a milhões de
necessitados pelo mundo inteiro.
No ano seguinte,
nascia a instituição Damas da Caridade, em Paris. Em poucos meses tinha
mais de cem membros, quase todos portando grandes nomes, como a Princesa
Luíza-Maria de Gonzaga (depois Rainha da Polónia), a Princesa de Condé, as
duquesas de Nemours, d'Aiguillon, de Ventadour, de Verneuil, etc.
São Vicente vivia
entre nobres, entre pobres e entre santos. Conheceu Santa Luíza de Marillac como
esposa do secretário das Ordens da Rainha regente, Maria de Médicis. São
Francisco de Sales, segundo ele, era o homem que melhor espelhava o Filho de
Deus vivendo sobre a Terra.
Reformador do
clero
Poderia parecer que
a preocupação com os pobres absorvia todo o seu tempo, mas São Vicente
trabalhava também para reformar a Igreja na França. "A Igreja — dizia
ele — vai à ruína em muitos lugares por causa da má vida dos padres; são eles
que a perdem e a destruem". Os resultados dos retiros espirituais para os
novos sacerdotes foram fundamentais para reconduzir a classe sacerdotal ao lugar
que merece na sociedade.
Os mosteiros também
receberam seu valioso auxílio, pois era amigo, ajudante e conselheiro de
reformadores de ordens monásticas. Não havia, praticamente, reunião sobre
assuntos de piedade a que não estivesse presente. Mesmo altos
personagens — Núncios, Bispos, Magistrados — vinham lhe submeter suas dúvidas.
Nomeado membro do
Conselho de Consciência de Luís XIII, contribuiu decisivamente para a reforma do
Episcopado, sendo sempre consultado pelo Rei nas indicações. Após a escolha,
conversava com o eleito sobre seus deveres e não o perdia de vista: continuava
seu guia e advogado.
Não foi somente
reformador, mas um inovador e um criador, instituindo ousadamente as Irmãs de
Caridade, sem véu, para actuar entre os doentes e mesmo entre os soldados; e
também os missionários, que não são religiosos mas têm votos.
Protector dos
nobres empobrecidos
A maior parte dos
nobres da Lorena havia emigrado, para não morrer de fome; sua miséria era a
pior, porque não ousavam estender a mão. Ninguém os socorria, porque não eram
vistos como necessitados. São Vicente tomou conhecimento dessa situação, e os
socorreu. Comentou que sentia muito contentamento nisso, porque era de justiça
assistir e aliviar aquela pobre nobreza, para honrar Nosso Senhor, que era muito
nobre e muito pobre ao mesmo tempo. Chegou a dar-lhes o dinheiro que havia
recebido para a compra de um novo cavalo, porque o seu morria de velho. Seguindo
esse belo exemplo, essa nobreza fez o mesmo, durante mais de 20 anos, com os
nobres que fugiram da Inglaterra e da Escócia, perseguidos por Cromwell.
Escravo da
verdade
Com a morte de Luís
XIII, em 1643, voltou ao Conselho de Consciência a pedido da Rainha regente, Ana
de Áustria. Pode-se dizer que a Igreja da França saiu regenerada e
rejuvenescida, pois ele não negligenciou nada para salvaguardar ou restaurar o
dogma, a moral e a disciplina. É lícito afirmar que nada de importante foi feito
contra o jansenismo e outras heresias na França sem sua intervenção. Os ataques
violentos, sobretudo depois de sua morte, e os obstáculos que colocaram no
processo de sua canonização, demonstram como foram profundas as feridas que
receberam os hereges.
Dispensado do
Conselho, pois Mazarino não simpatizava com São Vicente, dedicou-se ele
especialmente a defender sua obra contra as influências jansenistas, e o fez com
extremo sucesso. Os poucos que perdeu eram doentes.
Para ele, bastava
que a Igreja tivesse falado. Apoiado sobre essa autoridade, dizia: "Eu tenho
a verdade. Para que procurar?". A fé penetrava-o por inteiro. Tudo nele
indicava um amor intenso a Deus: o calor com que falava da majestade e da
santidade d'Ele, seu fervor durante os exercícios de piedade e até, suas
genuflexões, bem como sua atitude diante do Santíssimo Sacramento.
Perfeito homem
de acção
Ninguém serviu o
Rei com mais fidelidade, e a Hierarquia eclesiástica com mais respeito, do que o
simples Pe. Vicente. Possuía todas as qualidades que caracterizam um homem de
acção: iniciativa, ousadia, génio organizativo, prudência, bom senso,
desinteresse, paciência e obstinação. Seu espírito prático e minucioso pesava
bem os prós e os contras, tanto em seu conjunto como nos detalhes. Quando
entrava por uma via, não parava, não olhava para trás; não destruía num dia o
que havia construído na véspera; nada o fazia recuar.
Incansável, vemo-lo
limpar o Mediterrâneo dos piratas que o infestavam e multiplicar as negociações
para realizar uma expedição afim de bombardear Argel.
Temperamento
ordenado pela virtude
Sua mortificação
igualava a piedade. Mostrava-se agradecido por qualquer mínimo favor: uma vela
que se acendia, um livro que se lhe dava, uma porta que se lhe abria recebia de
sua parte um agradecimento. E com tanta graça o fazia, que as pessoas procuravam
o menor pretexto para servi-lo. Seu temperamento naturalmente bilioso e
melancólico havia cedido lugar à bondade, que lembrava o doce São Francisco de
Sales.
Faleceu no dia 27
de setembro de 1660. Em 1737, 27 cardeais, centenas de Prelados, o Rei da
Inglaterra, embaixadores e a nobreza romana assistiram à solene canonização de
São Vicente de Paulo, no pontificado de Clemente XII.
Roberto Alves Leite
Fonte de
referência:
Pierre Coste, Padre da Missão --
Monsieur Vincent, le grand saint du grand siècle -- Desclée de Brouwer et
Cie., Paris, 1932. |