Como explicar um mistério?
Nem
sempre é fácil de argumentar sobre as dificuldades que encontramos
na Bíblia Sagrada em geral e mais
particularmente nos Livros do Novo
Testamento. Uma dessas dificuldades é a virgindade perpétua de Maria
Santíssima, depois de ter dado à luz Jesus, nosso Salvador e “Deus
connosco”.
O
assunto que vamos aqui tratar é portanto delicado, mas nós contamos
com a bondade do divino Espírito Santo e o benefício das suas
divinas inspirações.
Há quem
afirme a quem os queira ouvir que “Maria é uma mulher como as
outras” e que, depois de ter dado à luz Jesus Cristo, teve
outros filhos.
Chamaremos a isto raciocinar sem reflectir e mesmo, ousaremos
afirmar que isso é mesmo falta de conhecimentos bíblicos, e não
só...
Vejamos
pois o que a este respeito podemos dizer e explicar:
No
capítulo 7, versículo 14 do Livro do profeta Isaías, este mesmo
profeta, inspirado por Deus, diz: « Eis que uma virgem conceberá
e
dará à
luz um Filho e o Seu Nome será Emanuel ».
O profeta designa este acontecimento ― a Virgem
conceber a dar à luz ― como um extraordinário sinal de Deus: o sinal
da vinda do Salvador, Emanuel, Deus connosco. Mais ainda, o sinal da
tão esperada e desejada vinda do tempo de Redenção do género humano.
Como não deveria ser assim? Seria porventura
algum prodígio, um sinal maravilhoso, uma mulher ter um filho
deixando de ser virgem?
Claro que não, responderão, e com razão, visto
ser uma evidência.
Devemos pois admitir que o grande sinal ― sinal
extraordinário, não duvidemos ― seria uma Virgem conceber e dar à
luz, permanecendo virgem. Ora, Maria é a Mãe de Jesus, nosso
Salvador. Eis porque Ela é a Virgem anunciada e descrita por Isaías,
é a Virgem que concebeu e deu à luz, permanecendo Virgem: “conceberá
e dará à luz”.
O que São Mateus explica...
O sentido desta profecia de Isaías é confirmado
pelo Evangelho de São Mateus, no capítulo 1, versículo 18 e
seguintes:
« Ora, o nascimento de Jesus
Cristo foi assim: Maria, sua mãe, estava desposada com José; antes
de coabitarem, notou-se que tinha concebido pelo poder do Espírito
Santo. José, seu esposo, que era um homem justo e não queria
difamá-la, resolveu deixá-la secretamente. Andando ele a pensar
nisto, eis que o anjo do Senhor lhe apareceu em sonhos e lhe disse:
“José, filho de David, não temas receber Maria, tua esposa, pois o
que ela concebeu é obra do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho,
ao qual darás o nome de Jesus, porque Ele salvará o povo dos seus
pecados”.
Tudo isto aconteceu para se
cumprir o que o Senhor tinha dito pelo profeta: “Eis que a virgem
conceberá e dará à luz um filho; e hão-de chamá-lo Emanuel, que quer
dizer: Deus connosco”. »
Por
aqui se vê que a profecia de Isaías começava a realizar-se: um
grande sinal anunciava a vinda do Salvador:
a Virgem conceberá, por obra do Espírito Santo;
e, permanecendo Virgem, dará à luz; “e o nome da Virgem era
Maria”.
E São Lucas também...
Numa
delicada mas não velada descrição, São Lucas nos persuade que Maria
conservou a integridade da sua virgindade a quando do nascimento de
Jesus. Vamos ler com a devida atenção, no capítulo 2 de seu
Evangelho, os versículos 6 e 7:
« E, quando eles ali se
encontravam (em Belém), completaram-se os dias de ela dar à luz e
teve o seu filho primogénito, que envolveu em panos e recostou numa
manjedoura, por não haver lugar para eles na hospedaria. »
É
necessário notarmos aqui que Maria tendo sido exempta, por graça
especial de Deus, do pecado original, ficou também exempta das dores
do parto que acompanham o nascimento de todos os nossos filhos, eis
porque foi Ela mesma que lavou o Menino, o seu filho primogénito e o
“envolveu
em panos e recostou numa manjedoura”.
Se assim não fosse, São Lucas
não poderia ter falado assim, se Maria tivesse
dado à luz de modo natural, como as outras mães.
Alguém
poderá dizer que até agora só conseguimos provar que Maria foi
virgem até ao nascimento de Jesus, mas que nada ficou provado ainda,
que possa confirmar que Ela continuou a sê-lo após o nascimento do
seu Filho primogénito. Nada prova, por enquanto, que Ela não tenha
tido outros filhos.
A
quando da anunciação
Vejamos
o que nos dizem os Evangelhos.
No
Evangelho de São Lucas, logo no início, quando o Evangelista nos
conta a visita do Anjo Gabriel e nos transmite o diálogo instaurado
entre Ele e a Virgem, podemos ler uma objecção feita por Maria ao
divino Mensageiro, quando este lhe anunciou que Ela iria ser a Mãe
do Messias:
« Como se fará isso, se eu não conheço homem? »
(Lc. 1, 34)
Sabemos
que já nesta ocasião Maria estava comprometida com José, daí se pode
razoavelmente deduzir que Ela tenha feito voto de castidade
perpétua, voto este que José terá obviamente aceitado. Senão, o Anjo
teria certamente respondido o que nos parece mais judicioso: “Não
conheceste varão até agora, mas conhecerás depois”.
Que sentido teria a pergunta de Maria, se Ela tivesse intenção de
levar uma vida conjugal normal com José?
Não teria nenhum sentido, podemos justamente
afirmar.
Podemos também conjecturar que seria
conveniente que o Filho Unigénito de Deus fosse também, segundo a
carne, o Filho Unigénito de Maria.
Os “irmãos do Senhor”
As
dificuldades continuam todavia: a leitura superficial da Sagrada
Escritura parece indicar-nos que Maria teve outros filhos, visto que
nela se afirma, no Evangelho de São Marcos, por exemplo que Jesus
tinha irmãos. Leiamos o trecho:
« Não é Ele o carpinteiro, o
filho de Maria e irmão de Tiago, de José, de Judas e de Simão? »
(Mc. 6, 3)
A Bíblia indica pois aqui
que Jesus teria quatro irmãos... Mas será mesmo assim ?
A resposta é
categoricamente: não. Eis porque razão: no mesmo Livro Sagrado
podemos encontrar os nomes do pai e da mãe dos três primeiros: de
Tiago, de José, de Judas. E estes nomes não são de maneira
nenhuma aqueles de Maria e de José, seu esposo.
Continuemos pois a nossa
pesquisa...
São Tiago, o Menor
Comecemos por São Tiago. Na
sua Epístola aos Gálatas, capítulo 1 et versículo 19, São Paulo diz:
« Dos
outros apóstolos não vi mais nenhum, a não ser Tiago, irmão do
Senhor. » Sabe-se
que
este
Tiago é Tiago, o Menor, cuja mãe é uma das mulheres chamada, Maria
que estavam no Calvário, quando da morte de Jesus, como relata São
Marcos
capítulo
15,
versículo
40:
« Encontravam-se também ali algumas
mulheres que observavam de longe, entre elas estavam Maria Madalena,
Maria, mãe de Tiago Menor e de José. »
Sabe-se igualmente que o pai de Tiago, o Menor é Alfeu, como no-lo
afirma São Mateus, capítulo 10, versículo 3, no Evangelho por ele
escrito, quando enumera os discípulos de Jesus:
« Tiago,
filho de Alfeu ».
Pode pois afirmar-se que Tiago, o Menor é filho de uma mulher
chamada Maria e de Alfeu, mas de maneira nenhuma de Maria, Mãe de
Jesus e de José, o Carpinteiro. Igualmente se pode afirmar
categoricamente que este Tiago não é “irmão de Jesus”.
José e Judas, filhos de Alfeu
Outra certeza, José — também
nomeado acima — é
irmão carnal de Tiago: ambos são filhos de uma das mulheres chamada
Maria que estavam no Calvário e também de Alfeu, conforme a citação
de São Marcos, dada acima. Logo, José não é irmão carnal de Jesus.
Judas é também irmão de Tiago, pois assim começa a sua Epístola:
« Judas, servo de Jesus Cristo e irmão de Tiago... » Seu pai é
também Alfeu. Por conseguinte, Judas não é “irmão de Jesus”.
Mas,
dos quatro citados, um nos falta: Simão.
Simão, quem é ele?
Os
textos do Novo Testamento não nos dão qualquer outra informação
sobre este Simão, mas é permitido deduzir que os outros três não
sendo “irmãos de Jesus”, não há qualquer razão para que este o seja.
Um conceituado historiador do século II,
Hegezipo informa que Simão é filho de Cleófas, esposo de Maria,
aquela que João no seu Evangelho (19, 25) afirma ser “irmã da Mãe de
Jesus”. Logo, Simão é primo de Jesus, e se é primo, não pode ser
irmão carnal de Jesus.
Para corroborar o que até aqui afirmámos,
podemos dizer que nos Textos Sagrados, não se encontra uma só frase
ou indicação que permita deduzir que Maria tivesse tido outros
filhos, ao contrário, só Jesus é chamado na Bíblia Sagrada “o Filho
de Maria”, com artigo, no texto original, Marcos 6, 3:
« Não
é Ele o carpinteiro,
o filho de Maria? »
Será que Bíblia contém erros?
Não, a Bíblia Sagrada não contem o menor erro.
As pessoas é que erram ao interpretar a Bíblia de qualquer maneira.
O termo "irmão" (ah, em hebraico, adelphós, em grego)
designa na linguagem dos hebreus não somente os filhos do mesmo pai
ou da mesma mãe (como Caim e Abel, Esaú e Jacob, S. Tiago Maior e S.
João Evangelista), mas também um familiar ou parente próximo, como
tios e sobrinhos, pois, o hebraico não possui termos próprios para
designar estes parentescos. A Bíblia Sagrada está cheia de exemplos
do emprego da palavra “irmão” neste segundo sentido. Assim, por
exemplo, vejamos em Génesis, cap.13, vers.8: Aqui, Abraão chama Lot
de irmão; no entanto, em Génesis, cap.12, vers.5 e cap.11 vers.28,
vemos que Lot é, de facto, sobrinho de Abraão. Outro exemplo: Labão
chama irmão a Jacob, está em Génesis, 29, 15; mas Jacob era seu
sobrinho, como narra o Génesis, 29, 13. Mas estes exemplos não são
os únicos; encontramos outros em Levítico, 10, 4; e Crónicas, 23,
22). Então, estes “irmãos de Jesus”, nada mais são de facto que seus
parentes, ou seus primos.
Não terminam aqui as dificuldades que sobre
este delicado assunto encontramos nos Livros Santos, pois outra
dificuldade nos surge normalmente: No seu Evangelho São Lucas,
capítulo 2, versículo 7,
atribui
a Jesus o titulo de primogénito, o que supõe outros filhos de Maria:
« e
(Maria) teve o seu filho primogénito ».
Filho primogénito
Pensar que esta expressão
significa que Maria teria tido outros filhos depois de Jesus é
induzir-se num erro que demonstra uma evidente
ignorância bíblica e o
desconhecimento do verdadeiro significado de certas expressões
hebraicas. Este desconhecimento pode tornar-se um obstáculo a uma
verdadeira compreensão dos textos que lemos e que de boa fé,
certamente, pensamos ter bem assimilado. Mas os termos bíblicos nem
sempre são interpretados com a verdadeira exactidão e são origem de
erros, algumas vezes graves.
Vejamos
um pouco este problema:
“Primogénito” — por exemplo — é um termo
jurídico da Bíblia que tem significação determinada: é o primeiro
filho, quer venha outro, quer não. De facto, a Bíblia Sagrada afirma
que todo primogénito pertence, de modo especial, ao Senhor. Veja-se,
em Êxodo capítulo 34, 19; 13, 12. E ele devia cumprir, logo nos
primeiros meses, a lei do resgate, como vem explicado em Números 18,
16. Não se esperava pelo segundo filho para que o primeiro fosse
tido e tratado como primogénito a vida toda. Recentemente os
arqueólogos descobriram o túmulo de uma judia do século I, nele
estava a inscrição: “Aqui jaz Arsinoé, morta ao dar à luz o seu
primogénito”. Significativo? Não!
“José não a conheceu até
que...”
Uma
outra dificuldade aparente encontramo-la no Evangelho de São Mateus,
1, 25, onde está escrito:
« José
não a conheceu até que Ela deu à luz. »
Poderia pensar-se que esta expressão quer dizer que ele a conheceu
depois d’Ela ter dado à luz. Mas pensar assim seria demonstrar uma
falta de conhecimento da língua hebraica. Isto confirma o que acima
dissemos já: É impossível a pessoa compreender o sentido de um texto
antigo, sem que (até que) tenha um certo conhecimento da língua
original do texto.
Saber recitar a Bíblia de cor é certamente bom,
mas conhecer o significado dos termos ou expressões nela utilizados
nos parece talvez mais importante ainda.
Porquê?
É útil saber que os Evangelhos e a maior parte
das Cartas e Documentos da época logo após a morte de Jesus, foram
escritos em grego e aramaico, o que significa que a interpretação
bíblica é praticamente impossível sem o conhecimento dos idiomas:
hebraico, aramaico e grego.
Vejamos um exemplo concreto:
A expressão “até que” é um hebraísmo, e
significa “sem que”. Significa então que Maria deu à luz sem que
José a tivesse conhecido; porquanto Jesus é o Filho de Deus e não de
José; e Maria fizera voto de virgindade.
São numerosos os exemplos destes hebraísmos na
Bíblia.
Apenas um, para não nos estendermos: “O
coração do justo está firme e não temerá até que veja confundidos
seus inimigos”. Este é o versículo 8 do Salmo 111. Ora, se não
temeu antes, não temerá depois. O sentido da frase é: os inimigos
serão confundidos sem que o coração do justo tema. Assim, Mateus
quis apenas afirmar que Maria concebeu sem que José a tivesse
conhecido.
Para que não restem dúvidas, é possível
consultar na Sagrada Escritura outros exemplos, que não citaremos
mas apenas indicaremos as referências:
Deuteronómio 7, 24; Sabedoria 10, 14; Salmo 56,
2; Isaías 22, 14; Mateus 5, 18.
Esta verdade que a Igreja Católica defende...
Quando
verificamos todos estes trechos e que todos eles provam e confirmam
a virgindade perpétua de Nossa Senhora, a nossa Bendita Mãe,
parece-nos impossível que nestes tempos em que vivemos existam ainda
crentes ― e mesmo católicos ― que neguem uma tal verdade dogmática.
Não
podemos pensar que se trate de má fé ― a caridade cristã proscreve o
julgamento temerário, por ser uma falta de caridade ― mas
simplesmente de uma falta de cultura bíblica e mesmo linguística. No
que nos compete aqui frisar e afirmar com força e firmeza é que
Maria não foi nem é “uma Mulher como as outras”, mas sim a
Mãe de Jesus, a Mãe de Deus e nossa Bendita Mãe igualmente.
Não
sejamos, nem uns nem outros, pobres cegos obstinados, porque é bem
verdade que não há maior cego do que aquele que não quer ver.
Esta
verdade que a Igreja Católica defende desde há séculos, não é uma
invenção de sacerdotes “devotos” ou de Papas “místicos”, mas uma
verdade que implica a Sabedoria e a Misericórdia divinas cujo Amor
não tem de igual que a própria Trindade Santíssima.
Podemos
também encontrar vestígios desta verdade nos textos dos Padres da
Igreja, sobretudo aqueles que viveram logo após os Apóstolos. Um
deles, Santo Irineu de Lyon, discípulo de São Policarpo que foi ele
mesmo discípulo de São João Evangelista, afirma na sua obra-prima,
“Contra as heresias”:
« Quem
jamais, em tempo algum, ousou pronunciar o nome de Maria sem lhe
juntar o qualificativo de Virgem? »
(Adv. Haeres.78, pág.42,706)
Outros
Padres e Doutores da Igreja e mesmo Concílios, trataram estas
dificuldades e demonstraram que na verdade a nossa Mãe do Céu era
Virgem antes do nascimento de Jesus e continuou a sê-lo depois.
Conclusão
Concluindo este humilde trabalho, devemos recordar e frisar, para
que não esqueça, que São José não conheceu Maria nem antes nem
depois do nascimento do seu “primogénito”; que Jesus é o único que
nos Evangelhos é chamado “Filho de Maria”; que Tiago, José, Judas e
Simão não são “irmãos do Senhor”, mas simplesmente parentes ou
primos.
Um dos
nossos amigos, excelente e humilde sacerdote, deu-nos uma outra
ideia que prova igualmente esta verdade. Diz ele:
« É o próprio Jesus que nos dá a melhor
prova, quando antes de morrer na Cruz se dirige a sua Mãe e lhe diz:
“Mulher, eis o teu filho”. Efectivamente, se Jesus tivesse outros
“irmãos”, Ele não teria confiado Maria a São João, nem São João a
teria “recebido em sua casa”, vistos que os “irmãos” de Jesus a
teriam normalmente recolhido eles próprios. »
O nosso
maior e sincero desejo, será que estas linhas possam ajudar aqueles
que ainda possam ter dúvidas sobre esta parte difícil da Sagrada
Escritura, e prestem assim a Maria o culto e a honra que na verdade
merece.
Afonso
Rocha |