O caso
foi-me contado em 2008 por uma protagonista dos factos, Felismina
dos Santos Martins, de noventa e dois anos, muito lúcida e de
excelente memória, filha de Celestino Domingues Martins e de Olímpia
Pereira dos Santos.
Seu pai
explorava uma casa de mercearia e vinhos no lugar de Gestrins, mas
como a vida financeira correu mal, foi à falência e teve de vender
todos os bens, que não chegaram para as dívidas. Foi então para
Trás-os- Montes
trabalhar de marceneiro, já que era muito habilidoso para esta arte,
deixando nesta freguesia a esposa e os seis filhos.
Olímpia, para fazer face às despesas e ao sustento dos filhos,
alugou uma barraca na Feira das Fontainhas, onde, aos sábados, dia
de feira, cozinhava comida para os feirantes. A cozinheira era Maria
Vicente, mãe da Alexandrina, a Beata Alexandrina de Balasar.
A outra
filha, Deolinda, ia dormir todas as noites com a Felismina, desde
que o seu pai foi para Trás-os-Montes.
A
Felismina era costureira, quase só em casa de Rita Torres, em
Lousadelo, dado ser uma casa abastada, com muitos filhos e criados,
e nesse tempo era costume remendar a roupa até não ter mais
conserto.
No ano
de 1932 havia vários indivíduos de Balasar que, não frequentando a
igreja, tinham simpatia e faziam propaganda do protestantismo.
Deste
grupo faziam parte Carlos da Costa Reis, mais conhecido por Carlos
da Torre, por ser dono da Casa da Torre, no lugar de Gresufes, Lino
António Ferreira, do lugar do Calvário, Jacinto da Costa Santos
(Salvador), do lugar da Quinta, Carlos Gomes dos Santos Reis, do
lugar do Casal, Manuel Morado, José Caetano, Manuel Balazeiro, etc.
Lino
Ferreira tinha uma tasca na sua casa do lugar do Calvário, quase em
frente da casa de Maria Vicente, mãe da Alexandrina e da Deolinda.
Certo dia, à porta dessa tasca estava o Carlos da Torre a mostrar
uns panfletos de propaganda protestante quando a Maria Vicente, ao
passar rente a ele, lhos arrancou da mão e os rasgou, o que fez com
que ele lhe chamasse os mais infamantes nomes.
Nesse
tempo, grupos de protestantes vindos de fora da freguesia
juntavam-se aos de Balasar e, numa casa do lugar do Calvário que deu
lugar à que é hoje de Olívia Santos, faziam as suas práticas e
rezas.
Maria
Vicente, em conjunto com a Felismina, contando esta 18 anos,
combinaram um sábado na Feira das Fontainhas organizar um grupo de
pessoas para fazer uma espera e apedrejar os protestantes.
A
Felismina falou com Rita Torres, de Lousadelo, Lucinda Sá e sua irmã
gémea Conceição, também de Lousadelo, Rosária, de Vila Pouca,
Laurinda Franca, de Além, Alberto Araújo, do Matinho, e cada um
destes convidou amigos para o fim em vista.
No dia
13 de Março de 1932, enquanto decorria a Missa Primeira, celebrada
pelo então pároco, Padre Araújo, o grupo juntou-se à entrada da
freguesia, no cruzamento do Cubo, em Gestrins.
Apareceu então uma camioneta e vários carros com os protestantes,
que foram perseguidos e apedrejados.
João
Paúlos, que morava numa casinha junto ao adro, ao aparecer a
camioneta na curva junto à casa do Jacinto Salvador, com um pau
previamente munido de um gancho, tocou o sino a rebate, o que fez
com que o povo que assistia à Missa saísse da Igreja.
O povo,
com as pedras que no dia anterior tinham sido postas no adro, no
momento em que a caravana passava na estrada, ajudou ao
apedrejamento de cima do adro.
A
camioneta, pensando ter a salvação na casa do Carlos da Torre, onde
também já se tinham feito reuniões, seguiu em direcção ao cemitério,
mas aí foi-lhe barrada a passagem, os vidros ficaram todos partidos
e os estragos foram muitos.
Os
carros tinham fugido em direcção ao Calvário, também com muitos
estragos.
Foi tal
o prejuízo das pedradas que o caso foi levado a tribunal e os
principais intervenientes condenados a pagá-los.
Alguns,
como o Alberto Araújo e Laurinda Franca, tiveram de vender terrenos
para pagar os prejuízos. Os que não possuíam bens, como a Felismina,
tiveram de pedir esmolas na freguesia para liquidar a parte que lhes
foi estipulada.
António
Machado
SEGUE |