Intercessão da Alexandrina
« Viva Jesus !
Balasar, 2 de Julho de 1934
Senhor Padre Pinho :
Não
calcula a consolação que me veio trazer a cartinha de Vossa
Reverência. Recebia-a no dia de S. Pedro, mas não foi ele que ma
veio trazer... Tinha passado uns dias tristes, tristes, que não lhe
posso explicar. Mas no meio de tanta tristeza, graças a Nosso
Senhor, estava conformada com a sua santíssima Vontade.
Senhor Padre Pinho, não tinha falado já há mais tempo num assunto
que hoje vou falar, porque fazia com que as cartas fossem muito
longas e isso seria abusar demais. Nosso Senhor não deixou sem
recompensa as minhas lágrimas do dia 13 de Maio.

Há
tempos que eu me esforçava quanto podia para que uma família — casal
dum filho — da minha aldeia, se confessassem, o que há muitos anos
não faziam. Tudo como se passou só à vista lhe poderei contar.
Tinha-lhe dito que no dia que eles se confessassem, eles que
comungavam na igreja e eu que havia de comungar em casa, já não
podia ir à igreja. A resposta que me deram foi que vinham eles
comungar aqui. Eu respondi-lhes certamente que não podia ser. Mas
continuei sempre a pedir ao meu bom Jesus, e sempre que me vinham
visitar, lhes falava sobre o caso. Até que enfim, no dia 13 do dito
mês, veio-me visitar o pai e o filho ; e depois, estando a sós com o
pai, ele me deu a certeza que se confessava e me disse algumas
coisas que faziam comover. Está resolvido a ser para o tríduo,
prometeram-me isso ; só se o demónio se vier intrometer, mas confio
em Nosso Senhor que tudo pode.
Senhor Padre Pinho, não me admiro Vossa Reverência não me entender
no que lhe falava na minha última carta, porque eu não me pude
explicar nem poderei, por escrito. O caso é bastante complicado : só
pessoalmente terá explicação, tal é o seu enredo. Foi caso para me
afligir muito,, mas não para me deixar desassossegada sobre este
assunto.
Continuam a ser muitos os meus sacrifícios, mas reconheço que não
são nada em comparação do que eu mereço a Nosso Senhor. Digne-se
Ele, por sua infinita misericórdia, que eu viva até ao tríduo. Quer
saber uma coisa que me consolou muito ? Foi dizer-me que já no dia
21 vem para o Norte ; portanto que vem para mais perto de mim e eu
já posso dizer : o nosso tríduo é para o mês que vem.
Agradeço-lhe a grande caridade que faz em pedir por mim que tanto
preciso. Eu de Vossa Reverência nunca o esqueço em minhas pobres
orações e em todos os meus sofrimentos.
Muitas lembranças da minha mãe e da Deolinda : ela deixa tudo para
lhe dizer para o tríduo.
Fará
a caridade de abençoar esta pobre doentinha.
Alexandrina Maria da Costa »
*****
Carta
extraordinária esta, como mais adiante veremos !...
Mas,
comecemos pelo começo...
Já
fazia mais de um mês que recebera carta do seu Pai espiritual que,
ocupado com os seus afazeres lisboetas, que eram numerosíssimos, não
tinha muito tempo livre. Mas a carta chegou enfim e o contentamento
da “Doentinha de Balasar” sente-se claramente desde o início da sua
resposta : “Não calcula a
consolação que me veio trazer a cartinha de Vossa Reverência”.
Depois,
como algumas vezes, aquele humor que tanto amamos e apreciamos nela,
por ser humor sadio e comunicativo : “Recebia-a
no dia de S. Pedro, mas não foi ele que ma veio trazer...”
Mas
depressa volta ao quotidiano, ao ser viver difícil e doloroso, mas
sempre conformada com a Vontade divina, que é também a sua :
“Tinha passado uns dias tristes, tristes, que não lhe posso
explicar. Mas no meio de tanta tristeza, graças a Nosso Senhor,
estava conformada com a sua santíssima Vontade”.
Por
razões que a Alexandrina explica ela mesma, “não
tinha falado já há mais tempo num assunto que hoje vou falar, porque
fazia com que as cartas fossem muito longas e isso seria abusar
demais”, ela vai voltar sobre aquele dia
13 de Maio passado em “ao ouvir cantar, eu chorava”, aquando
da inauguração na igreja paroquial da imagem de Nossa Senhora de
Fátima, imagem “oferecida pela Maria Machado”.
Nesta
carta diz ela : “Senhor Padre
Pinho, Nosso Senhor não deixou sem recompensa as minhas lágrimas do
dia 13 de Maio”.
Aqui
vai situar-se um facto que se reveste duma importância
extraordinária na vida da “Doentinha de Balasar” : o valor da sua
intercessão.
Na
maior parte dos casos, os milagres acontecessem quando os Santos
morrem ; umas vezes junto das suas campas, outras ao contacto de uma
das suas relíquias ; outras vezes ainda depois de novenas e de
orações que por vezes parecem intermináveis antes de serem
deferidas... Aqui não ! A Alexandrina está viva e bem viva, mesmo se
doente e paralisada ; e aqui não são os fieis que pedem a sua
intervenção mas ela que pede a intervenção divina para uma família
da sua aldeia.
O poder
impetratório da Alexandrina fica aqui bem vincado.
Conta
ela ao seu Pai espiritual :
“Há
tempos que eu me esforçava quanto podia para que uma família — casal
dum filho — da minha aldeia, se confessassem, o que há muitos anos
não faziam. Tudo como se passou só à vista lhe poderei contar.
Tinha-lhe dito que no dia que eles se confessassem, eles que
comungavam na igreja e eu que havia de comungar em casa, já não
podia ir à igreja. A resposta que me deram foi que vinham eles
comungar aqui. Eu respondi-lhes certamente que não podia ser. Mas
continuei sempre a pedir ao meu bom Jesus, e sempre que me vinham
visitar, lhes falava sobre o caso. Até que enfim, no dia 13 do dito
mês, veio-me visitar o pai e o filho ; e depois, estando a sós com o
pai, ele me deu a certeza que se confessava e me disse algumas
coisas que faziam comover. Está resolvido a ser para o tríduo,
prometeram-me isso ; só se o demónio se vier intrometer, mas confio
em Nosso Senhor que tudo pode”.
O
tríduo ao qual alude Alexandrina será pregado pelo Padre Mariano
Pinho. Mas, não nos adiantemos no tempo, porque aqui ainda há mais
para dizer.
No que
diz respeito à distribuição de graças, quer dizer aquelas que são
pedidas por intermédio da Alexandrina, Jesus disse-lhe um dia :
“Eis por que Jesus se serve dela para ser o seu canal divino. O
mundo recebe pela crucificada do calvário todas as graças e o amor
de Jesus”.
E numa outra ocasião disse também : “Tens sido fiel em receberes
as minhas graças e o meu amor! Eu serei fiel em as distribuir e o
meu amor com toda a abundância”.
Porque
assim o disse o Senhor, nada temos que duvidar ou nos admirar que
obtenha de corações endurecidos pelo “rolar” de vida, graças tão
estrondeantes como a conversão daqueles de quem essa conversão não
se podia humanamente esperar. É certo que muitas vezes esquecemos
que “a Deus nada é impossível”, como nos lembra o Evangelho
de S. Lucas.
O
parágrafo que segue faz-nos pensar naquela parte da carta precedente
que o Padre Mariano Pinho rasgou.
Não
teria aí dado a Alexandrina algumas explicações ou indicações que
poderiam depois criar um qualquer problema com algum dos
intervenientes naquela oferta da imagem de Nossa Senhora de Fátima à
paróquia de Balasar ?
Esta é
pois uma outra hipótese que avançamos no que refere a essa parte da
carta que foi rasgada.
Prosseguindo a carta de hoje, a Alexandrina insiste em dizer que só
de viva voz poderá explicar, porque o
“caso é bastante complicado” :
“Senhor Padre Pinho, não me admiro Vossa Reverência não me entender
no que lhe falava na minha última carta, porque eu não me pude
explicar nem poderei, por escrito. O caso é bastante complicado : só
pessoalmente terá explicação, tal é o seu enredo. Foi caso para me
afligir muito, mas não para me deixar desassossegada sobre este
assunto”.
Mesmo
que tenha sido “caso para a afligir
muito”, não abalou no entanto o seu
sossego, apesar do “enredo” que à volta desse caso parece ter
sido urdido.
Como
para esquecer o que acaba de contar, a Alexandrina muda de assunto ;
fala agora da sua saúde e dos seus problemas de alma.
“Continuam a ser muitos os meus sacrifícios, mas reconheço que não
são nada em comparação do que eu mereço a Nosso Senhor”.
Esta
constante aceitação é na verdade admirável e portanto, ainda estão
longe as grandes provas, os grandes sofrimentos ― mesmo se ela já
muito sofre ― que mais tarde, quando ela aceitar corajosamente a
proposição de Jesus de O ajudar na Redenção da humanidade pecadora,
cairão abundantemente sobre ela.
Por
enquanto, nada mais são do que “amostras”, preparativos para essa
missão redentora que lhe será confiada.
Actualmente o seu desejo é que o Senhor se “digne, por sua
infinita misericórdia, que ela viva até ao tríduo”, de maneira a
poder encontrar de novo o seu Pai espiritual que de novo voltará a
Balasar.
Animada
por esta esperança, ela confessa humildemente : “Quer saber uma
coisa que me consolou muito ? Foi dizer-me que já no dia 21 vem para
o Norte ; portanto que vem para mais perto de mim e eu já posso
dizer : o nosso tríduo é para o mês que vem”.
E, uma
vez mais aqui aquela demonstração evidente da comunhão dos santos :
“Agradeço-lhe a grande caridade que faz em pedir por mim que tanto
preciso. Eu de Vossa Reverência nunca o esqueço em minhas pobres
orações e em todos os meus sofrimentos”.
Como já
foi dito, a Deolinda é também filha espiritual do Padre Pinho e,
como escreve em nome da irmã, raramente se dirige directamente ao
santo sacerdote. Aqui também não e é por isso talvez que a
Alexandrina dita esta frase que a seguir completa esta carta :
“Muitas lembranças da minha mãe e da Deolinda : ela deixa tudo para
lhe dizer para o tríduo.
Fará
a caridade de abençoar esta pobre doentinha.
Alexandrina Maria da Costa”
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