PELA MANHÃ,
O SENHOR ABADE TROUXE-ME NOSSO SENHOR
Viva
Jesus !
Balasar, 15 de Maio de 1934
Senhor Padre Pinho :
Principio por lhe agradecer uma cartinha que recebi há dias e que me
veio trazer a boa nova de que ia celebrar a Santa Missa por mim em
Fátima. Da minha parte, confesso, que sou indigna de tantas atenções
que Vossa Reverência tem para comigo. Eu nada lhe posso pagar, mas
Nosso Senhor o recompensará por mim. E a minha Mãezinha do Céu não
deixaria de nesse momento o abençoar e de pedir ao seu querido Jesus
muitas e muitas graças para aquele que tanto se tem sacrificado pela
alma desta probrezinha, que é e que nada vale.
Senhor Padre Pinho, agora vou contar a Vossa Reverência como passei
a noite de 12 a 13 e durante o dia. O programa foi o seguinte : foi
aqui a inauguração da nova imagem de Nossa Senhora de Fátima,
oferecida pela Maria Machado. No sábado à noite houve procissão de
velas e veio a imagem de casa dela para a igreja. Logo que
principiei a ouvir cantar, eu chorava. Chegou enfim a meia noite. Já
tinha feito a Nosso Senhor todos os meus pedidos. Acendi uma vela,
tomei um livro na mão, e unida em espírito a Vossa Reverência, li a
Santa Missa. Já não ouvi bater uma hora de noite porque estava com
muita falta de descanso, e não pude resistir mais tempo. Pela manhã,
o Senhor Abade trouxe-me Nosso Senhor. Já havia um mês que não me
confessava. Não pedi para o fazer por ser dia de pressa, mas mesmo
assim fiquei contente por receber Nosso Senhor.
(O
resto da carta foi rasgado pelo destinatário)
* * * * *
Esta
carta de 15 de Maio de 1934 tem uma particularidade : falta-lhe o
fim que “foi rasgado pelo destinatário”, como no documento
oficial está anotado.
Desconhecemos a razão porque o Padre Mariano Pinho tenha rasgado a
última parte desta carta, mas estamos conscientes que o fez por
razão válida, prevendo que mais tarde todas estas cartas seriam
certamente lidas por centenas, por milhares de pessoas.
Podemos
pensar que, por não se ter podido confessar, como a Alexandrina o
afirma nesta carta, tenha dado ao bom sacerdote detalhes íntimos do
estado da sua alma, detalhes que fazendo parte do segredo da
confissão não deveriam ser divulgados.
Também
podemos pensar que nessa parte que falta, a Alexandrina lhe tenha
feito qualquer confidência sobre uma pessoa determinada e, por
respeito pela mesma, o Padre Mariano Pinho tenha preferido ocultar
essa mesma confidência.
Seja
como for, comecemos pelo princípio...
Alexandrina começa “por lhe
agradecer uma cartinha que recebeu há dias”,
e há qual ainda não respondera, o que admira, visto que esta lhe
trazia “a boa nova de que ia celebrar a Santa Missa por ela em
Fátima”.
Mas
está contente por essa Missa e, de mais a mais celebrada em Fátima
onde Nossa Senhora, a sua querida “Mãezinha”, apareceu. Mas a sua
humildade logo vem à tona, como sempre, por isso logo acrescenta :
“Da
minha parte, confesso, que sou indigna de tantas atenções que Vossa
Reverência tem para comigo. Eu nada lhe posso pagar, mas Nosso
Senhor o recompensará por mim”.
E,
visto que é em Fátima que terá lugar essa Missa, nada mais natural
que “a minha Mãezinha do Céu não
deixaria de nesse momento o abençoar e de pedir ao seu querido Jesus
muitas e muitas graças para aquele que tanto se tem sacrificado pela
alma desta probrezinha, que é e que nada vale”.
Alexandrina tem muitas coisas para contar ao seu Director...
Lembremo-nos que estamos no mês de Maio e que nos passados dias 12 e
13, houvera festa em Fátima : no dia 12, à noite, a processão das
velas e no dia 13 a comemoração da primeira aparição de Maria aos
Pastorinhos, na Cova da Iria.
Alexandrina, além da grande devoção que tinha à Mãezinha, tinha
também uma grande devoção aos Pastorinhos, sobretudo à Jacinta da
qual tinha uma estampa junto da sua cama.
É bom
saber ou lembrar ― para melhor compreensão do que segue ― que as
aparições de Fátima já tinham sido reconhecidas pela igreja (1931) e
que portanto o culto público era por isso autorizado e mesmo
recomendado.
Como um
“repórter”, a Alexandrina começa :
“Senhor Padre Pinho, agora vou contar a Vossa Reverência como passei
a noite de 12 a 13 e durante o dia. O programa foi o seguinte”,
continua ela :
“Foi
aqui a inauguração da nova imagem de Nossa Senhora de Fátima,
oferecida pela Maria Machado”.
Tendo
começado pela imagem, esqueceu-se de dizer que isso se passara no
sábado à noite, por isso começa de novo :
“No
sábado à noite houve procissão de velas e veio a imagem de casa dela
para a igreja”.
A
igreja de Balasar não está muito longe do Calvário onde morava a
Alexandrina, o que permite que se ouça lá, sobretudo à noite, os
cânticos e mesmo os barulhos que se possam fazer perto da igreja
paroquial. Ela continua :
“Logo que principiei a ouvir cantar, eu chorava”.
E
porque chorava ela ? Certamente com pena de não estar presente numa
tal celebração em honra de Maria.
Depois,
“desligando-se” das cerimónias da sua aldeia, lembrou-se daquela
Missa que o seu “bom Pai espiritual” ia celebrar em Fátima por ela,
então, quando “chegou enfim a meia noite”, e depois de “já
ter feito a Nosso Senhor todos os seus pedidos”, ela “acendeu
uma vela, tomou um livro na mão, e unida em espírito a Sua
Reverência, leu a Santa Missa”.
O seu
estado de saúde não lhe permitiu de “assistir em espírito” à
Missa celebrada por “Sua Reverência” ; “já não ouviu bater
uma hora de noite porque estava com muita falta de descanso, e não
pôde resistir mais tempo”.
Privada
de Comunhão, a Alexandrina vai ter a “dita” de receber o Esposo
amado, porque no dia seguinte, “pela manhã, o Senhor Abade
trouxe-lhe Nosso Senhor”.
E mais
feliz e contente se sente porque “já havia um mês que não se
confessava”.
Mas,
tendo-se habituado aos conselhos e ensinamentos do Padre Mariano
Pinho, ela tinha sempre uma certa apreensão a confessar-se a outro
sacerdote, por isso “não pediu para o fazer” não só pela
razão que acabámos de enunciar, mas porque, como ela o diz, era
“dia de pressa”. Todavia, não sentindo nela faltas
graves, “mesmo assim ficou contente por receber Nosso Senhor”.
E aqui
se termina esta carta ; não que o fim dela tenha chegado, mas porque
“o resto foi rasgado pelo destinatário” ; de outra maneiro
dito : é o fim na continuidade... |