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Alexandrina Maria da Costa
Eugénia e Chiaffredo Signorile
Tradução Prof. José Ferreira

FILHA DA DOR MÃE DE AMOR

PARTE I - A VIDA

CAPÍTULO 2°
(1911-1918)

 

CRESCE EM IDADE E SABEDORIA

 

Fitei a Sagrada Hóstia (da Primeira Comunhão) que ia receber de tal maneira que me ficou tão gravada na alma, parecendo-me unir a Jesus para nunca mais me separar d’Ele. Parece que me prendeu o coração.

Não deixava dia nenhum de rezar a estação ao SS. Sacramento, meditada, quer fosse na igreja quer em casa, até pelos caminhos, fazendo sempre a Comunhão espiritual.

Quando me levantava cedo para ir trabalhar nos campos e quando me encontrava sozinha, punha-me a contemplar a natureza. O romper da aurora, o nascer do sol, o gorjeio das avezinhas, o murmúrio das águas entravam em mim numa contemplação profunda que quase me esquecia de que vivia no mundo. Chegava a deter os passos e ficava embebida neste pensamento: o poder de Deus!

Dei muitas vezes conselhos a pessoas de bastante idade, evitando até que praticassem crimes horrendos, e de tudo guardava absoluto silêncio.

Na Póvoa de Varzim para frequentar a escola

Naquele tempo faltava em Balasar a escola primária para meninas, que abriu só no Março de 1931: quem queria e po­dia, mandava as filhas para a Póvoa de Varzim, sede de concelho. Deolinda testemunhou ao P.e Humberto Pasquale quanto segue:

 

«Devo muito a minha mãe por nos ter mandado para a escola; com grande sacrifício mandou-nos para a Póvoa de Varzim para aprender o que ela não tinha podido. Dizia: - Poderá ser-vos útil na vida.»

 

Como se confirmou esta previsão!

Em 1911 Deolinda devia terminar primária e em Janeiro daquele ano voltou à Póvoa levan­do consigo também a Alexandrina, a qual na Autobiografia dita:

 

Em Janeiro de 1911, fui com a minha irmã Deolinda para a Póvoa de Varzim, para frequentarmos a escola. Não quero pensar quanto sofri com a separação da minha família. Chorei muito e durante muito tempo. Distraíam-me, acariciavam-me, faziam-me todas as vontades e, depois de algum tempo, resignei-me.

 

As duas irmãs foram postas numa pensão com a família do carpinteiro Pedro Texeira Novo. Alexandrina, que não tinha ainda 7 anos e sofria por se sentir muito desenraizada, a princípio dedicou-se pouco ao estudo. Mais tarde aplicou-se e aprendeu a ler e a escrever; mas não fez nenhum exame da primária, como ela diz própria (ver à frente, n. 12). Nos primeiros tempos da permanência a Póvoa, Alexandrina deu largas à sua natureza vivaz e um pouco rebelde:

 

Continuei a ser muito traquinas: agarrava-me aos americanos e deixava-me ir um pouco e depois atirava-me ao chão e caía; atravessava a rua quando eles iam a passar, sendo preciso o condutor deles acusar-me à patroa. Muitas vezes fugia de casa e ia apanhar sargaço para a praia, metendo-me no mar, como fazem as pescadeiras; trazia-o para casa e dava-o à patroa, que o vendia depois aos lavradores. Com isto afligia a patroa, pois fazia isto às escondidas, embora rapidamente.

 

Alexandrina era muito afeiçoada à senhora que a hospedava, com a qual partilhava qualquer coisa boa, como fruta, doces que lhe ofereciam:

 

Eu procedia assim porque o meu coração assim o queria, apesar de ser muito má.

 

Comovente é o seguinte episódio.

 

Lembro-me de ir acompanhar a minha patroa a Laundos (a cerca de 5 km a norte da Póvoa) cumprir uma promessa a Nossa Senhora da Saúde. Connosco foi uma filha dela e a minha irmã. Esta ajudava-a pegando-lhe na mão, porque (ao chegar ao Santuário) ia de joelhos, e eu ia à frente dela e arrumava-lhe todas as pedrinhas que encontrava no caminho. A filha, que era mais velha do que nós, foi para a brincadeira.

A primeira Comunhão

Aos 7 anos, na Póvoa, a Alexandrina fez a primeira Comunhão.

 

Foi na Póvoa de Varzim que fiz a minha Primeira Comunhão, com sete anos de idade. Foi o Senhor P.e Álvaro Matos quem me perguntou a doutrina, me confessou e me deu pela vez primeira a Sagrada Comunhão.

Como prémio, recebi um lindo terço e uma estampazinha.

Quando comunguei, estava de joelhos, apesar de pequenina, e fitei a Sagrada Hóstia que ia receber de tal maneira que me ficou tão gravada na alma, parecendo-me unir a Jesus para nunca mais me separar d’Ele. Parece que me prendeu o coração.

A alegria que eu sentia era inexplicável. A todos dava a boa nova.

A encarregada da minha educação levava-me a comungar diariamente.

 

As S. Missas na Póvoa celebravam-se de manhã muito cedo e isto obrigava-a a um muito grande sacrifício para a sua te­nra idade.

O P.e Pinho comenta:

 

«Assim quis Jesus deixar bem marcado este seu primeiro encontro sacramental com aquela que havia de ser na Terra uma das almas mais eucarísticas, das mais apaixonadas por Jesus Sacramentado!»

 

Quanto Alexandrina desejasse receber Jesus quotidiana­mente, fica bem claro do episódio que se segue.

 

Uma ocasião, a minha irmã pediu-lhe licença para ir estudar à casa de uma colega que morava perto de nós, e eu também queria ir. Como ela não me deixasse, chorei e por fim chamei-lhe «poveira»; estava zangada.

Não me castigou, mas disse-me que não podia confessar-me sem lhe pedir perdão. Minha irmã disse-me o mesmo.

Isto fez-me muita repugnância e, como quisesse confessar-me e comungar, venci o orgulho. Pus-me de joelhos e, de mãos erguidas, pedi-lhe perdão.

Ela comoveu-se até às lágrimas e perdoou-me.

Senti uma grande alegria por já poder no dia seguinte confessar-me e receber Jesus.

O Crisma

Durante a permanência na Póvoa a Alexandrina recebeu também o sacramento da Crisma.

 

Foi em Vila do Conde onde recebi o Sacramento da Confirmação, ministrado pelo Ex.mo e Rev.mo Senhor Bispo do Porto (era então bispo do Algarve, mas foi-o depois do Porto)..

Lembro-me muito bem desta cerimónia e recebi-a com toda a consolação.

No momento em que fui crismada, não sei o que senti em mim; pareceu-me ser uma graça sobrenatural que me transformou e me uniu cada vez mais a Nosso Senhor.

Sobre isto, queria exprimir-me melhor, mas não sei.

 

O P.e Pinho comenta em «No Calvário de Balasar»:

 

«Cedo começa, portanto, a experimentar os efeitos da pre­sença e da acção divina. Daí a contínua lembrança de Deus… “Desde que cheguei ao uso da razão, não me lembro de passar dia nenhum, sem que me lembrasse de Nosso Senhor.»

 

O respeito pelos sacerdotes, recebido da educação familiar, manifesta-se também em atitudes exteriores, como é de­scrito na Autobiografia:

 

Tinha muito respeito pelos sacerdotes. Quando estava sentada à porta da rua, só ou com a minha irmã e primas, levantava-me sempre à sua passagem, e eles correspondiam tirando o chapéu, se era de longe, ou dando-me a bênção se passavam junto de mim.

Observei algumas vezes que várias pessoas reparavam nisto e eu gostava e até chegava a sentar-me propositadamente para ter ocasião de me levantar no momento em que passavam por mim, só para ter o gosto de mostrar a minha dedicação e respeito pelos ministros do Senhor.

Regresso à terra natal

Passados dezoito meses (interrompidos por um período de férias de Verão), como minha irmã fizesse exame (da terceira classe), viemos embora Julho de 1912). Minha mãe queria que eu continuasse, mas sozinha não quis ficar; fiquei a saber pouco. Voltámos ao lugar onde nascemos Gresufes) e aí estivemos quatro meses; depois fomos morar para perto da igreja, numa casa da minha mãe[1].

A sua vida de oração

A sua vida de oração torna-se sempre mais intensa. Deolinda depõe no Processo Diocesano:

 

«Regressadas a Balasar, recordo-me que continuávamos a ir à catequese, à qual a Alexandrina não faltava nunca e procurava aproximar-se o mais possível à catequista para fazer com ela as suas orações, porque já naquele tempo gostava muito de rezar.»

 

Aos 12 anos será ela mesma nomeada catequista e será admitida a fazer parte do coro. Tem uma bela voz e boa di­sposição para a música:

 

Foi aos doze anos que me deram o cargo de catequista e cantora; trabalhava com muito gosto, tanto num cargo como noutro, mas pelo canto posso dizer que tinha uma paixão louca.

 

Deolinda prossegue assim a sua deposição:

«Contou-me mais tarde que por aquela idade (8-9 anos) costumava conservar bocados de vela de que servia par ler à sua luz as orações o livro de Missa, que continha várias devoções.»

 

Sobre leituras espirituais, lê-se na Autobiografia:

 

Vidas de santos ou meditações muito profundas não me satisfaziam, porque via que em nada ma assemelhava aos santos e, em vez de me sentir bem, faziam-me mal.

 

Aqui si vê já claramente a sua aspiração a ser santa, como repetidamente pedirá depois na oração. Sempre na Autobiografia lê-se:

 

Não deixava dia nenhum de rezar a estação ao Santíssimo Sacramento, meditada, quer fosse na igreja quer em casa, até pelos caminhos, fazendo sempre a comunhão espiritual assim:

Ó meu Jesus, vinde ao meu pobre coração! Ah, Eu desejo-Vos, não tardeis!

Vinde enriquecer-me das Vossas graças; aumentai-me o Vosso santo e divino amor. Uni-me a Vós! Escondei-me no Vosso Sagrado Lado!

Não quero outro bem senão a Vós! Só a Vós amo, só a Vós quero, só por Vós suspiro!

Dou-vos graças, Eterno Pai, por me haverdes deixado a Jesus no Santíssimo Sacramento. Dou-Vos graças, meu Jesus, e por último peço-Vos a Vossa santa bênção!

Seja louvado em cada momento o Santíssimo e Diviníssimo Sacramento da Eucaristia!

Também dizia várias jaculatórias.

 

Destas linhas ressalta já bem marcada a sua disposição espiritual: a devoção à Eucaristia.

Neste período faz a primeira confissão geral.

 

Foi aos nove anos que fiz pela primeira vez a minha confissão geral e foi com o Sr. P.e Manuel das Chagas.

Fomos, a Deolinda, eu e a minha prima Olívia, a Gondifelos, onde Sua Reverência se encontrava, e lá nos confessámos todas três.

Levámos merenda e ficámos para tarde, à espera do sermão. Esperámos algumas horas e recorda-me que não saímos da igreja para brincar.

Tomámos nosso lugar junto do altar do Sagrado Coração de Jesus e eu pus os meus soquinhos dentro das grades do altar.

A pregação dessa tarde foi sobre o inferno. Escutei com muita atenção todas as palavras de Sua Reverência, mas, a certa altura, ele convidou-nos a ir ao inferno em espírito.

Para mim mesma disse: «Ao inferno é que eu não vou! Quando todos se dirigirem para lá, eu vou-me embora!», e tratei de pegar nos soquinhos.

Como não vi ninguém sair, fiquei também, não largando mais os soquinhos.

 

Experiências místicas de uma sua participação nas penas do inferno fará muitas, durante o seu longo martírio de vítima!

Sempre pelos 9 anos, também no trabalho continua a sua atitude de oração.

 

Pelos nove anos, quando me levantava cedo para ir trabalhar nos campos e quando me encontrava sozinha, punha-me a contemplar a natureza. O romper da aurora, o nascer do sol, o gorjeio das avezinhas, o murmúrio das águas entravam em mim numa contemplação profunda que quase me esquecia de que vivia no mundo. Chegava a deter os passos e ficava embebida neste pensamento, o poder de Deus!

E, quando me encontrava à beira-mar, oh, como me perdia diante daquela grandeza infinita!

À noite, ao contemplar o céu e as estrelas, parecia esconder-me mais ainda para admirar as belezas do Criador!

Quantas vezes no meu jardinzinho[2], onde hoje é o meu quarto, fitava o céu, escutando o murmúrio das águas e ia contemplando cada vez mais este abismo das grandezas divinas!

Tenho pena de não saber aproveitar tudo para começar nesta idade as minhas meditações.

 

Já destas primeiras páginas da Autobiografia se sente a capa­cidade de expressão poética que será um outro fascínio de todos os seus escritos.

Rigorosa, vigilante defesa da pureza

Ao mesmo tempo desenvolve-se uma atitude de defesa da própria pureza, não só física.

 

Não gostava de ouvir conversas maliciosas e, embora não compreendendo o sentido delas, chegava a dizer que me retirava se não falassem doutra forma. Também me indignava toda quando presenciava cenas indecentes entre pessoas adultas. Tinha medo de perder a minha inocência e receio que Nosso Senhor desse algum castigo.

 

Cândido dos Santos testemunhou ao P.e Humberto Pasquale:

 

«Vi-a um dia a fugir de um rapaz que lhe tinha dirigido uma frase inoportuna. Batendo com o indicador na fronte gritou-lhe: – Mais sal, meu caro, tem juízo!»

 

E na Autobiografia lemos:

 

Aos treze anos dei uma bofetada a um homem casado que me tinha dirigido uns palavrões… Virei as costas a um rapaz rico que me esperava num lugar solitário, por onde eu tinha de passar, para me falar em namoro.

A sua caridade

Alexandrina tem um coração muito sensível para todo o criado, por isso ama também os animais e em particular os passarinhos, que lhe são muito familiares:

 

Apesar de tudo isto e de subir às árvores – pois trepava muito bem – nunca fiz mal às avezinhas. Não era capaz de tirar os ninhos, nem de brincar com os passarinhos.

Sofria muito quando via ninhos desfeitos ou quando ouvia o piar triste e dolorido dos pais pelos filhinhos. Cheguei a chorar com pena das avezinhas que ficavam sem os seus filhinhos ou destes que perdiam os seus pais.

 

Naturalmente o seu amor, as suas solicitudes estendiam-se aos pobres, aos doentes, aos idosos.

 

Dava esmola aos pobres e sentia grande alegria em fazer obras de caridade. Algumas vezes chorava com pena deles e por lhes não poder valer em todas as suas necessidades.

A minha maior satisfação era dar-lhes daquilo que tinha para comer, privando-me assim do meu alimento.

Quantas vezes fiz isto!...

 

Um outro episódio retrata a Alexandrina durante uma obra de caridade, mas põe também em evidência a sua força de vontade, que as faz vencer o medo:

 

Em Santa Eulália de Rio Covo (tinha eu os meus 11 ou 12 anos) viviam meus tios que adoeceram com uma febre intitulada a espanhola. Minha avó foi tratar deles, mas adoeceu também. Para olhar por eles foi minha mãe que também ficou doente.

Por fim, fomos nós, apesar de ser novinhas.

O meu tio morreu à noite e ficámos lá até à Missa do sétimo dia.

Foi preciso ir ao arroz, mas tinha que passar pelo quarto donde meu tio morrera. Ao chegar à porta do quarto, senti-me tomada de medo. Não entrei. A minha avó veio dar-mo.

À noite, era preciso ir fechar a janela. Chegando à parte da sala, disse comigo: Eu hei-de perder o medo. E passei devagar, mesmo com esta intenção. Abri a porta, passei por onde tinha visto o cadáver e fui ao quarto onde ele morreu.

Desde então, nunca tive medo. Venci-me a mim mesma, à minha custa.

 

E tanto se venceu que dois anos depois terá verdadeiramente a coragem de ajudar a vestir os cadáveres!

 

Assisti à morte de alguns, rezando o que sabia e, por fim, ajudava a vestir os defuntos, o que me custava imenso; fazia-o por caridade: não tinha coração para deixar sozinha a família dos mortos e, por serem pobrezinhos, fazia-o com muito gosto.

 

E eis em detalhe um episódio que demonstra a força de vontade da Alexandrina e a sua generosa coragem em fazer uma boa obra junto dos moribundos e defuntos.

 

Veio aqui uma rapariga dizer que estava a morrer uma vizinha. Minha irmã pegou num livro e num garrafãozinho de água benta e foi à casa da moribunda. Seguiram-na duas aprendizas de costura. Eu fui também.

Minha irmã começou a ler as orações da boa morte. Estava nervosa e tremia, pois custava-lhe muito assistir aos moribundos.

A minha irmã acabou de ler quando a mulherzinha morreu e disse:

Até agora fiz o que pude; agora não tenho coragem para mais.

Vi a filha ao pé da mãe da morta. A neta fugiu e eu não tive coragem para a deixar só. Fiquei a ajudar a lavá-la e a vesti-la. Estava cheia de chagas. Exalava um cheiro horrível. Julguei que caía sem sentidos, porque me sentia mal.

Outra mulher que se encontrava no quarto, percebendo o meu estado, foi buscar uns raminhos de sardinheiras e deu-mos a cheirar.

Só vim para casa depois de tudo pronto.

 Inteligência e sabedoria do coração

Com o passar dos anos desenvolve-se também a inteligência, e muito; e nela não falta sequer um acentuado sentido de humorismo:

 

Nas reuniões de família, não sei o que dizia, mas dispunha bem as pessoas que me rodeavam, que se riam a bom rir. Minha mãe dizia: – Os fidalgos têm um bobo para os fazer rir e eu não sou fidalga, mas também tenho quem me esteja a fazer festa.

 

E o P.e Humberto Pasqual recordava que Alexandrina, no fim duma carta por ela escrita, tinha colocado uma sucessão de sinais de pontuação (,!?), com o comentário: - Eu sou ignorante e não entendo estas coisas; ponha-as você no lugar certo.

 

Mas como a Alexandrina vive uma vida de oração, mesmo no meio das suas muitas actividades, com a inteligência acuta desenvolves-e nela também a sabedoria do coração ao ponto de muitos irem até ela, não obstante a sua jovem idade, a pedir conselhos e conforto:

 

Dei muitas vezes conselhos a pessoas de bastante idade, evitando até que praticassem crimes horrendos, e de tudo guardava absoluto silêncio. Vinham ter comigo e faziam-me conversas que não eram próprias da minha idade, e eu confortava-as e dizia-lhes o que entendia. Presenciei e soube de viários casos que por caridade não contei.

Quanto hoje estou agradecida a Nosso Senhor por ter procedido assim: era a Sua graça e não a minha virtude!

Trabalho

Regressada da Póvoa, Alexandrina explica as suas energias em tantas actividades de trabalho. Ouçamos a Deolinda:

 

«A mãezinha ocupava-se a tecer, a irmã (Deolinda, ela própria) aprendia a costurar e ela (Alexandrina), com os seus 9 anos, trabalhava já muito: cozinhava, lavava, gostava de ir à lenha. Assim continuou até aos 12 anos.»

 

Apendia com a irmã a costurar. Mas pelos 12 anos começam as complicações!

 

Aos doze anos, tive uma doença muito grave, chegando a receber os últimos sacramentos. Preparei-me para morrer, e lembro-me que estava bem-disposta para a morte.

Um dia em que a febre estava muito alta, delirei, mas lembro-me que pedi à minha mãe que me desse Jesus; ela deu-me um crucifixo e eu disse-lhe:

«Não é esse que eu quero. Eu quero o Senhor do sacrário.»

 

A Deolinda precisa na sua deposição ao Processo Dio­cesano:

 

«Era uma infecção que um primeiro médico não diagnosticou; foi chamado um outro médico que descobriu a doença e minha irmã curou completamente. Até 14 anos completos gozou de boa saúde.»

 

A mesma Deolinda tinha contado ao P.e Pinho:

 

«Alexandrina ia passar alguns períodos de tempo a casa de uma tia que habitava junto a Barcelos (a cerca de 18 km da Balasar): lá trabalhava a arrumar a casa, quase como uma mulher. Aos 13 anos trabalhava nos campos ganhando tanto como a sua mãe ou qualquer outra jornaleira: os patrões não faziam distinção das outras ao indicar-lhe os trabalhos que lhe confiavam.»

 

Neste tempo decorre aquele que Alexandrina chama «o período mais doloroso da minha vida de trabalho»... Ouçamo-la.

 

Minha mãe pôs-me a servir em casa de um vizinho (Lino Ferreira), mas, ao ajustar-me, tirou certas condições, como: confessar-me todos os meses, passar as tardes dos domingos em casa, para ir à igreja e estar sob o domínio dela, não andar de noite, etc. A combinação foi de cinco anos, mas não estive até ao fim.

O patrão era um perfeito carrasco; chamava-me nomes, obrigava-me a trabalhar mais do que as forças que tinha. Tinha mau génio e pouca paciência – até os animais o conheciam, porque batia-lhes e assustava-os, sendo quase impossível chamar o gado, quando ele ia junto do gado. Envergonhava-me sem causa, fosse diante de quem fosse, e eu sentia-me humilhada.

Apesar de estar no princípio da minha mocidade, não sentia alegria com aquele triste viver.

Um dia fui à azenha levar a fornada, mas era já noitinha quando lá cheguei e, portanto, muito tarde quando regressei a casa, pois gastava no caminho uma hora.

Depois que cheguei a casa, ralhou-me muito, insultou-me e até me chamou ladra. O pai dele, homem velhinho, revoltou-se contra ele, defendeu-me, dizendo que eu não tinha tido tempo para mais.

Todos os dias vinha ficar à casa, e naquele dia, como estava melindrada – porque a minha consciência não me acusava a mais pequena falta – queixei-me a minha mãe que, depois de se informar do caso, não me deixou voltar, apesar de pedir muito para que continuasse a trabalhar lá.

Uma vez estive das dez horas da noite às quatro da manhã na Póvoa de Varzim a tomar conta de quatro juntas de bois, porque o patrão e um seu amigo ausentaram-se de mim.

E eu, cheia de medo, lá passei aquelas horas tristíssimas da noite. Enquanto vigiava o gado, ia contemplando as estrelas que brilhavam muito e serviam de minhas companheiras.

 

Quanto às suas condições físicas neste período, no­temos o que se segue. O médico Azevedo, que a assistirá desde Janeiro de 1941 até à morte com a máxima solicitude e atenção, além de competência, e que a soube compreender a fundo, recolheu também as suas confidências; numa “História da doença”, redigida em Julho de 1941 e completada depois, escreve em relação à doença tida pelos 12 anos:

 

«Supõe-se que tenha sido uma febre intestinal (tifóide?)... Depois desta doença grave viveu com pouca saúde».

 

Como é que a Deolinda diz «gozou de boa saúde»? E como é que a mãe permitiu que trabalhasse nos campos de modo tão fatigante e depois a pôs a servir naquele vizinho da casa?

É evidente que a Alexandrina, conhecendo as difíceis condições económicas da família e dotada de temperamento generoso para o sacrifício, escondeu aos outros o mal-estar decorrente da infecção.

Também no episódio seguinte se nota a sua força em suportar a dor.

Entre os 13 e os 14 anos cai duma carvalheira a que tinha subido para tirar hera para o gado.

 

Caí dela abaixo, ficado algum tempo sem me poder mexer e sem respirar, levantando-me pouco depois para continuar o meu serviço.

 

Vemos já aqui o germe daquele heroísmo que a levará aos mais altos cumes da imolação.


[1] Tal casa tinha sido oferecida por uma tia que a mãe da Alexandrina tinha assistido durante uma doença. Fica no lugar do Calvário.
[2] Quando a Alexandrina acamou definitivamente, a casinha foi ampliada com quartos construídos na parte do jardinzinho.

   

 

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