CAPÍTULO 4°
(1928-1933)
“SOFRER, AMAR, REPARAR”
Como
não consegui nada,
morreram os meus desejos de ser curada e para sempre,
sentindo cada vez mais ânsias
de
amor ao sofrimento e de só pensar em Jesus.
Meu
bom Jesus, Vós preso e eu também. Estamos presos os dois:
Vós
preso para meu bem
e eu
presa das Vossas mãos.
– Ofereci-me a Nosso Senhor como vítima.
– Ó
Mãezinha, aceitai-me como Vossa filha muito amada, muito querida, e
consagrai-me toda a Jesus.
Dizei-lhe que O ajudais a crucificar-me,
para
que não fique no meu corpo nem na minha alma
nada
por crucificar.
– Mãezinha, vinde comigo para os sacrários...
eu
quero andar de sacrário em sacrário
a
pedir favores a Jesus,
como a
abelhinha de flor em flor, a chupar-lhe o néctar!
Começam ânsias de amor ao sofrimento
Tantos
pedidos não obtêm a cura, nem sequer uma melhora na saúde.
Humanamente diremos: não obtêm nada!
Mas no
desígnio de Deus, aquela falhada cura não é de facto um nada: é pelo
contrário um facto muito positivo pois representa o começo de uma
longa e fecundíssima ascese na escala de sofrimentos sempre mais
fortes e profundos porque invadiram todo o seu ser, mesmo nas
esferas moral e espiritual; mas ascese que a levará à mais intima
união com Deus e à mais alta missão: a de co-redentora.
Um
primeiro milagre se verifica na alma de Alexandrina: não deseja mais
curar-se. Sente que a sua missão é a de sofrer e, per amor, faz de
tudo para se conformar com a vontade de Deus:
Como
não consegui nada, morreram os meus desejos de ser curada e para
sempre, sentindo cada vez mais ânsias de amor ao sofrimento e de só
pensar em Jesus.
Pregada na cama, sente-se como prisioneira: vem-lhe espontâneo um
confronto com Jesus no sacrário:
Um dia
em que estava sozinha e, lembrando-me de que Jesus estava no
sacrário, disse:
“Meu
bom Jesus, Vós preso e eu também. Estamos presos os dois: Vós preso
para meu bem e eu presa das Vossas mãos.
Sois
Rei e Senhor de tudo e eu um verme da terra. Deixei-Vos ao abandono,
só pensando neste mundo, que é das almas a perdição. Agora,
arrependida de todo o coração, quero o que Vós quiserdes e sofrer
com resignação. Não me falteis, bom Jesus, com a Vossa protecção.”
A
Alexandrina compreende que Jesus quer usá-la como instrumento de
salvação para muitas almas, ou seja como vítima que – à semelhança
do Redentor - se imole para continuar a redenção; quer que siga as
pegadas de S. Paulo que diz: “Completo na minha carne aquilo que
Jesus me deixou para padecer da sua Paixão, em favor do seu Corpo,
que é a Igreja”. (Col,l,24)
Oferece-se como vítima pela salvação das almas
Sem
saber como, ofereci-me a Nosso Senhor como vítima, e vinha, desde há
muito tempo, a pedir o amor ao sofrimento[1].
Nosso
Senhor concedeu-me tanto, tanto esta graça que hoje não trocaria a
dor por tudo quanto há no mundo. Com este amor à dor, toda me
consolava em oferecer a Jesus todos os meus sofrimentos. A
consolação de Jesus e a salvação das almas era o que mais me
preocupava.
Durante os longos 30 anos de martírio a Alexandrina não terá nunca
uma hesitação sobre a sua vocação e nunca a tentação de voltar
atrás, de renunciar; irá antes sempre mais para a frente no pedido
de maiores sofrimentos, com uma ânsia crescente de amor. É claro
que, com esta nova disposição da alma, não mais mais distracções
para passar os longos dias:
Fui
deixando todas as distracções do mundo e, com o amor que tinha à
oração – porque só a orar me sentia bem – habituei-me a viver em
união íntima com Nosso Senhor. Quando recebia visitas que me
distraíam um pouco, ficava toda desgostosa e triste por não me ter
lembrado de Jesus durante esse tempo.
O seu
amor a Jesus manifesta-se também por pequenos sacrifícios
voluntários:
Por
amor de Jesus e da Mãezinha, fazia sacrificiozinhos como: deixava de
me ver ao espelho, chegando a tê-lo muitas vezes na mão; não falava
quando me apetecia, e vice-versa; deixava de dormir durante a noite
para fazer companhia a Jesus. Comungava sacramentalmente poucas
vezes, mas vivia unidinha a Ele o mais possível. Consentia que as
moscas me mordessem, etc., etc.[2]
O seu
fogo de amor na oração e o seu pedido de crucifixão
Mas o
fogo do seu amor sente-se especialmente no seu modo de orar; e faz
do seu viver uma contínua oração. Porquanto a oração seja uma cosa
pessoalíssima, decidimos transcrever aqui o que a Alexandrina dizia
na sua oração diária, como exemplo edificante.
Pela
manhãzinha, principiava a fazer as minhas orações, começando pelo
sinal da cruz, e logo me lembrava de Jesus Sacramentado, fazendo a
comunhão espiritual e dizendo esta jaculatória:
“Sagrado Coração de Jesus, este dia é para Vós”. Repetia-a por três
vezes. Depois, continuava:
“A
Vossa bênção, Jesus! Eu quero ser santa! Ó meu Jesus, abençoai a
Vossa filhinha que quer ser santa”. Dizia também: “Louvado seja
Nosso Senhor… As Três Pessoas da Santíssima Trindade me abençoem,
assim como S. José, Maria Santíssima e todos os Anjos, Santos e
Santas do Céu! Que as bênçãos desçam sobre mim e nada terei que
temer. Serei santa: são esses os meus mais ardentes desejos”.
Rezava
três Gloria Patri. Depois oferecia
(como
membro do Apostolado da Oração[3])
as horas do dia assim:
“Ofereço-Vos, ó meu Deus, em união…”, Pai-Nosso, Ave-Maria
e Glória ao Pai… “Sagrado Coração de Jesus que tanto nos
amais…” e o Credo.
Depois
continuava: “Ó meu Jesus, eu me uno em espírito, neste momento e
desde este momento para sempre, a todas as Santas Missas que de dia
e de noite se celebram na Terra. Jesus, imolai-me convosco a cada
momento no altar do sacrifício; oferecei-me convosco ao Eterno Pai
pelas mesmas intenções porque Vós mesmo Vos ofereceis”.
A
Alexandrina continua na oração em que aparece também a sua devoção
ao Sagrado Coração e à Nossa Senhora, a quem, como já vimos, chama
afectuosamente “Mãezinha”.
Voltada para a Mãezinha, dizia-lhe: “Ave Maria, cheia de graça! Eu
vos saúdo, ó cheia de graça! Ó Mãezinha, eu quero ser santa! Ó
Mãezinha, abençoai-me e pedi a Jesus que me abençoe!”
E
consagrava-me a ela assim: “Mãezinha, eu Vos consagro os meus olhos,
meus ouvidos, minha boca, meu coração; a minha alma, a minha
virgindade, a minha pureza, a minha castidade; a pureza e a
virgindade de …[4]
Aceitai, Mãezinha, é Vossa, sois Vós o cofre sagrado, o cofre
bendito da nossa riqueza.
Consagro-Vos o meu presente e o meu futuro, a minha vida e a minha
morte, tudo quanto me deram a mim, rezaram por mim e ofereceram por
mim.
Ó
Mãezinha, abri-me os Vossos santíssimos braços, tomai-me sobre eles,
estreitai-me ao Vossos santíssimo Coração, cobri-me com o Vosso
manto e aceitai-me como Vossa filha muito amada, muito querida, e
consagrai-me toda a Jesus.
Fechai-me para sempre no Seu Divino Coração e dizei-lhe que O
ajudais a crucificar-me, para que não fique no meu corpo nem na
minha alma nada por crucificar.
Ó
Mãezinha, fazei-me humilde, obediente, pura, casta na alma e no
corpo. Fazei-me pura, fazei-me um anjo. Transformai-me toda em amor,
consumi-me toda nas chamas do amor de Jesus.
Como
será escutada totalmente na sua oferta de vítima crucificada,
crucificada mesmo em todo o seu ser físico, moral, espiritual!
Mas
será também escutada na sua aspiração de ser toda transformada em
amor, e toda consumida naquele fogo divino.
Neste
ponto da sua oração surge o arrependimento com o pedido de perdão,
feito através de Maria.
Ó
Mãezinha, pedi perdão a Jesus por mim! Dizei-Lhe que é o filho
pródigo que volta a casa do seu bom Pai, disposto a segui-Lo, a
amá-Lo, a adorá-Lo, a obedecer-Lhe e a imitá-Lo. Dizei-Lhe que não
quero mais ofendê-Lo.
Ó
Mãezinha, obtende-me uma dor tão grande dos meus pecados, que seja
tal o meu arrependimento que eu fique pura, que eu fique um anjo!
Pura como fiquei depois do meu Baptismo, para que pela minha pureza
mereça a compaixão de Jesus de O receber sacramentalmente todos os
dias e de possuí-Lo para sempre em mim até dar o último suspiro.
O que
se segue, põe bem em evidência a particular devoção da Alexandrina
a Jesus Sacramentado, fechado nos sacrários, e o seu recurso à Nossa
Senhora como mediadora.
Mãezinha, vinde comigo para os sacrários, para todos os sacrários do
mundo, para toda a parte o lugar onde Jesus habita sacramentado.
Fazei-Lhe a minha humilde oferta. Oh, como Jesus ficará contente com
a oferta mais pobrezinha, mais miserável, mais indigna!... Mas,
oferecida por Vós, como terá valor junto do vosso e meu querido
Jesus!..
Ó
Mãezinha, eu quero andar de sacrário em sacrário a pedir favores a
Jesus, como a abelhinha de flor em flor, a chupar-lhe o néctar! Ó
Mãezinha, eu quero formar um rochedo de amor em cada lugar onde
Jesus habita sacramentado, para que não haja nada que possa
intrometer-se entre o amor e ir ferir o Seu Santíssimo Coração,
renovar as Suas Santíssimas Chagas e toda a Sua Santa Paixão.
Mãezinha, falai no meu coração e nos meus lábios, fazei mais
fervorosas as minhas orações e mais valiosos os meus pedidos.
Depois
dirige-se directamente a Jesus, em cujo Coração quer perder-se
inebriada de amor.
Ó meu
Jesus, eu me consagro toda a Vós. Abri-me de par em par o Vosso
Santíssimo Coração. Deixai que eu entre nesse Coração bendito, nessa
fornalha ardente, nesse fogo abrasador. Fechai-o, meu bom Jesus,
deixai-me toda dentro do Vosso Santíssimo Coração, deixai-me dar aí
o meu último suspiro, embriagada no Vosso divino amor, queimada nas
chamas do amor. Não me deixeis separar de Vós na terra senão para me
tornar a unir a Vós no Céu, por toda a eternidade.
Jesus,
vou convidar a Mãezinha! É Ela quem Vos vai falar por mim. Vou e já
venho, sim, meu Jesus?
Ave
Maria, cheia de graça, eu vos saúdo, cheia de graça! Mãezinha, vinde
comigo para os sacrários, vinde cobrir o meu Jesus de amor.
Oferecei-Lhe tudo quanto se passar em mim, tudo quanto tenho costume
de oferecer, tudo quanto se possa imaginar, como actos de amor para
Nosso Senhor Sacramentado”.
Dizia
três vezes: “Graças e louvor se dêem a cada momento…” e fazia a
comunhão espiritual já descrita. Nesta altura, dizia tudo isto que
se segue a Nossa Senhora, para Ela repetir ao Seu amado Filho por
mim.
O que
Maria é encarregada de dizer a Jesus é o seguinte cântico de
louvores, que recorda o “Benedicite”.
Cântico
de oferta aos sacrários
Ó meu
Jesus, eu quero que cada dor que sentir, cada palpitação do meu
coração, cada vez que respirar, cada segundo das horas que passar,
sejam
actos
de amor para os vossos Sacrários.
Eu
quero que cada movimento dos meus pés, das minhas mãos, dos meus
lábios, da minha língua, cada vez que abrir os meus olhos ou os
fechar, cada lágrima, cada sorriso, cada alegria, cada tristeza,
cada atribulação, cada distracção, contrariedades ou desgostos,
sejam
actos
de amor para os vossos Sacrários.
Eu
quero que cada letra das orações que reze, ou oiça rezar, cada
palavra que pronuncie ou oiça pronunciar, que leia ou oiça ler, que
escreva ou veja escrever, que conte ou oiça contar, sejam
actos
de amor para com os vossos Sacrários.
Eu
quero que cada beijinho que Vos der nas vossas santas imagens ou da
vossa e minha querida Mãezinha, nos vossos santos ou santas, sejam
actos
de amor para os vossos Sacrários.
Ó
Jesus, eu quero que cada gotinha de chuva que cai do céu para a
terra, toda a água que o mundo encerra, oferecida às gotas, todas
as areias do mar e tudo o que o mar contém, sejam
actos
de amor para os vossos Sacrários.
Eu Vos
ofereço as folhas das árvores, todos os frutos que elas possam ter,
as florzinhas oferecidas pétala por pétala, todos os grãozinhos de
sementes e cereais que possa haver no mundo, e tudo o que contêm os
jardins, campos, prados e montes, ofereço tudo como
actos
de amor para os vossos Sacrários.
Ó
Jesus, eu Vos ofereço as penas das avezinhas, o gorjeio das mesmas,
os pêlos e as vozes de todos os animais, como
actos
de amor para os vossos Sacrários.
Ó
Jesus, eu Vos ofereço o dia e a noite, o calor e o frio, o vento, a
neve, a lua, o luar, o sol, a escuridão, as estrelas do firmamento,
o meu dormir, o meu sonhar, como
actos
de amor para os vossos Sacrários.
Ó
Jesus, eu Vos ofereço tudo o que o mundo encerra, todas as
grandezas, riquezas e tesouros do mundo, tudo quanto se passar em
mim, tudo quanto tenho costume de oferecer-Vos, tudo quanto se possa
imaginar, como
actos
de amor para os vossos Sacrários.
Ó
Jesus, aceitai o Céu, a terra, o mar, tudo, tudo quanto neles se
encerra, como se esse “tudo” fosse meu e de tudo pudesse dispor e
oferecer-Vos como
actos
de amor para os vossos Sacrários.
Primeiros
fenómenos místicos
No
impulso destas orações a Alexandrina experimenta os primeiros
fenómenos místicos, como a levitação e um forte calor que supera o
normal.
Na
Autobiografia, depois deste canto de oferta, lemos:
Nestas
ocasiões em que fazia estes oferecimentos a Nosso Senhor, sentia-me
subir[5],
sem saber como, e ao mesmo tempo um calor abrasador que parecia
queimar-me[6].
Como não compreendia a causa deste calor, ponha-me a observar se
estava a transpirar, porque me parecia impossível, sendo dias de
grandes frios.
Sentia-me apertada interiormente, o que me deixava muito cansada.[7]
Programa de vida
A este
ponto da Autobiografia a Alexandrina sintetiza sob a forma de
inspiração todo o seu programa de vida:
Não
tenho a certeza, mas deveria ser numa dessas ocasiões que eu senti
esta exigência de Nosso Senhor:
SOFRER,
AMAR e REPARAR[8].
A
Alexandrina medita muito no seu programa de vida. Quer fazer a
vontade do Senhor e pergunta qual seja.
Sempre
ouve repetir: sofrer, amar, reparar.
Tal
programa de vida delineia-se na Alexandrina assim claramente e os
fenómenos místicos mencionados no parágrafo precedente
manifestam-se nela antes do seu encontro com o director espiritual,
P.e Pinho: é pois evidente que não foi sugestionada por ele a seguir
a via de vítima reparadora.
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