Padroeira de Viterbo
Após
uma vida frívola e mundana, Jacinta de Mariscotti converteu-se
radicalmente, transformando-se numa grande santa dotada dos dons de
milagre e de profecia
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Clarice
de Mariscotti — como se chamava Jacinta antes de entrar em
religião — era filha de Marcantonio
Mariscotti
e Otávia Orsini, condessa de Vignanello, localidade próxima de
Viterbo, (na Itália), onde a santa nasceu provavelmente no dia 16 de
março de 1585.
De seus
pais muito virtuosos, recebeu profunda formação religiosa,
correspondendo aos anseios dos progenitores. Entretanto, atingindo a
adolescência, Clarice tornou-se vaidosa e mundana, buscando apenas
divertir-se. Sua preocupação passou a ser vestidos, adornos,
entretenimentos.
Tal
situação fez com que o pai se preocupasse muito com a salvação de
sua filha. Como remédio, resolveu mandar a vaidosa para o convento,
onde estava sua irmã mais velha, que lá era um exemplo de virtude.
Clarice obedeceu de má vontade. Enquanto permaneceu no convento,
alimentava o desejo de sair dele o mais rapidamente possível para
voltar à vida despreocupada e mundana de antes. Insistiu tanto, que
o pai acabou cedendo.
O mundo não dá o que
promete
Mas no
mundo, para onde voltara, não encontrou o que esperava. Os anos
corriam, as vaidades passavam, e ela não encontrava quem lhe
proporcionasse a felicidade esperada. Nenhum dos julgados “bons
partidos” da região dava atenção àquela moça tresloucada. Clarice
viu ainda sua irmã mais nova, Hortência, casar-se com o marquês
romano Paulo Capizucchi, e ela ficar para trás.
A
família insistiu então com ela para que voltasse ao convento, desta
vez como freira. A contragosto retornou àquele mesmo em que estava
sua irmã, das religiosas da Ordem Terceira Franciscana regular.
Nessa
Ordem tomou o nome de Jacinta. Infelizmente ela não deixou o mundo
atrás de si, mas o trouxe para a vida religiosa. Julgando as celas
das freiras muito pequenas e pobres, mandou construir uma especial
para si, de acordo com sua posição social, e ornou-a com luxo
principesco, colocando cortinas, tapetes, objectos de ouro e prata,
bem como uma mesa de mármore. Tudo isso, que poderia ficar bem num
palácio, destoava do ambiente de pobreza próprio daquele convento.
Com tédio e má vontade, participava dos actos comuns da casa
religiosa.
Voz da Providência,
mediante sofrimento
Num
género de vida mole e enganoso, passou 10 anos, até que foi atingida
por grave doença. Então os bons pensamentos da infância voltaram à
tona. Considerou o fogo do purgatório e do inferno e tremeu de
terror. Começou, aos gritos, a chamar pelo confessor.
Ora,
estava passando nessa ocasião pelo convento o Pe. António Biochetti,
virtuoso sacerdote, muito enérgico e categórico. Foi ele instado a
atender a doente. Mas, entrando naquele quarto luxuoso, mais próprio
de um palácio do que de um convento, recusou-se atender a confissão
da freira, dizendo que o Paraíso não era feito para os soberbos.
Jacinta, desesperada, chorando amargamente, perguntou-lhe: “Então
não há mais salvação para mim?”. “Sim — respondeu o
religioso — contanto que deixe esses vãos adornos, essas
vestimentas sumptuosas, e se torne humilde, piedosa, esqueça o mundo
e pense só nas coisas do Céu”.
No dia
seguinte, tendo Jacinta trocado sua roupa de seda por um pobre
hábito, fez sua confissão geral com tantas lágrimas e gemidos, que
manifestavam um verdadeiro arrependimento. Depois foi ao refeitório
e aplicou-se forte disciplina em frente às irmãs, pedindo-lhes
perdão pelos maus exemplos que lhes havia dado.
A graça da conversão
completa
Mas
Jacinta ainda não havia rompido com tudo. Restava-lhe deixar o
luxuoso quarto, ao qual estava muito apegada. Nova
enfermidade — durante a qual viu Santa Catarina de Sena, que lhe deu
vários conselhos — fez com que, desta vez, a ruptura com a vida
antiga fosse total. Entregou tudo o que possuía à superiora e
revestiu-se com a mortalha de uma freira que acabava de morrer. Fez
o propósito de não ver mais seus parentes e amigos, a não ser por
ordem da superiora, a fim de romper com tudo aquilo que lhe lembrava
a antiga vida. Quis ser chamada, desde então, de Jacinta de Santa
Maria, e não mais de Mariscotti.
Sua
conversão foi dessa vez radical: trocou sua cama por um feixe de
lenha, tendo uma pedra como travesseiro. Mortificava-se dia e noite,
tomando tão ásperas disciplinas, que o solo de sua cela ficava
manchado de sangue. Em memória das chagas do Divino Salvador, fez
nos pés, nas mãos e no lado chagas que reabria frequentemente, e que
só deixou cicatrizar por obediência. Prática esta que, numa vocação
especial de penitência, pode-se compreender, embora não seja para
ser imitada. Às sextas-feiras, em memória da sede que Nosso Senhor
sofreu na Paixão, colocava um punhado de sal na boca. Sua
alimentação passou a ser pão e água. Durante a Quaresma e o Advento,
vivia de verduras e raízes apenas cozidas na água.
Após
sua conversão, passou a ter uma tão baixa opinião de si mesma, que a
tornava um exemplo de humildade. Considerando-se como a pior
pecadora, escolheu para patronos santos que tinham ofendido a Deus
antes de se converterem, como Santo Agostinho, Santa Maria Egipcíaca
e Santa Margarida de Cortona.
Subpriora e Mestra de
Noviças
Jacinta
procurava toda ocasião para se humilhar. Frequentemente ia ao
refeitório com uma corda ao pescoço, e ajoelhando-se diante de cada
freira, beijava-lhe os pés pedindo perdão pelos maus exemplos
passados. Fazia os trabalhos mais repugnantes no convento, varria as
celas, geralmente de joelhos, e suportava alegremente as injúrias de
algumas irmãs que a chamavam de louca e de alucinada. Ela pedia a
todas que rezassem por ela. Escreveu a uma religiosa: “Há 14 anos
que eu mudei de vida. Durante esse tempo eu rezei algumas vezes
quarenta horas seguidas, assisti todos os dias a várias missas, e me
encontro ainda longe da perfeição. Quando poderei servir meu Deus
como Ele merece? Reze por mim, minha amiga, para que o Senhor me dê
ao menos a esperança”.
Apesar
de tudo que fazia para ser desprezada, sua virtude brilhava aos
olhos da maioria da comunidade, que a escolheu para subpriora e
Mestra de Noviças.
Evita naufrágio,
converte criminoso
A fama
de sua virtude ultrapassou os muros do convento e propagou-se por
toda a região. Deus a dotou do dom dos milagres. Certo dia, por
exemplo, alguns seus conterrâneos faziam uma viagem em alto mar,
quando foram surpreendidos por terrível tormenta. Na iminência de
soçobrarem, um deles exclamou: “Ó irmã Jacinta, venha em nosso
socorro ou pereceremos”. No mesmo instante os passageiros viram
uma freira franciscana de hábito branco, que aplainava as vagas e
dirigia com força sobrenatural a embarcação ao porto. Tendo um deles
ido depois ao convento para agradecer tamanho benefício, a superiora
mandou chamar a Irmã Jacinta: “Foi ela que nos salvou”. A
santa fugiu do parlatório para não ser louvada.
Para
converter pecadores ela se tornava de uma eloquência irresistível,
que ia directo ao coração dos mais empedernidos. Uma das conversões
operadas por ela, que mais ruído ocasionou, foi a de um soldado de
fortuna chamado Francisco Pacini, tristemente célebre por sua
insolência, crueldade e falta de pudor. A santa havia ouvido falar
dele e resolveu convertê-lo. Para isso, fez orações e jejuns
especiais durante vários dias. Depois escreveu ao celerado,
pedindo-lhe para vir ao convento tratar de assunto da mais alta
importância. Ao receber a mensagem, Pacini respondeu com desprezo
que havia jurado jamais pôr os pés num convento. Mas Jacinta não se
deu por vencida. Pediu a um pecador convertido, que fora amigo de
Pacini, que o fosse procurar e tentasse convencê-lo a ir ao
convento. Como Pacini se recusasse peremptoriamente, o outro, com
fino senso psicológico, lhe disse: “Como você está mudado! Não
ousa nem mesmo enfrentar o olhar de uma mulher!”. Temendo ser
ridicularizado como covarde, o bandido resolveu ir ao convento,
prometendo fazer a ousada freira arrepender-se de sua temeridade.
Mas não contava com a graça de Deus. Apenas pôs os pés no parlatório
e viu aquela pobre freira, começou a tremer. E à medida que ela lhe
falava do horror de seus crimes e do castigo que mereciam de Deus,
ele foi se transformando, caiu de joelhos e prometeu confessar-se. O
que fez no domingo seguinte, que era o da Paixão, com os pés
descalços e uma corda no pescoço, pondo-se bem no meio da Igreja e
pedindo perdão a todos por seus crimes e escândalos. Mais tarde
revestiu o hábito de peregrino e consagrou sua vida a Deus.
Zelo reformador e
ardorosa caridade
Do
mesmo modo, ela reformou muitos conventos com cartas escritas às
superioras relaxadas, admoestando-as dos castigos que as ameaçavam.
Foi por sugestão sua que a Duquesa de Farnese e de Savella fundou
dois mosteiros de clarissas, um em Farnese, outro em Roma.
A
caridade de Jacinta para com os pobres era proverbial. Não tendo
voto de clausura, ela saía para visitá-los em seus próprios
tugúrios, levando-lhes sempre o auxílio espiritual, além do
material. Seu grande apreço pela nobreza se patenteia na assistência
que proporcionava especialmente aos nobres empobrecidos e
envergonhados.
Ela
tinha grande devoção à Santíssima Virgem e a São Miguel Arcanjo, que
a assistiu várias vezes com seu poder contra os embustes do demónio.
Venerava especialmente o santo sacrifício da Missa, vendo nele, como
de fato é, a renovação incruenta do sacrifício do Calvário.
Além do
dom dos milagres, foi ela dotada também do de profecia.
Santa
Jacinta de Mariscotti entregou sua alma a Deus no dia 30 de janeiro
de 1640, sendo canonizada em 1807 pelo Papa Pio VII.
Plínio
Maria Solimeo
Fontes de referência:
– Les
Petits Bollandistes, Vies des Saints, d’après le Père Giry, Paris,
Bloud et Barral, Libraires-Éditeurs, 1882, tomo II, pp. 348 a 356.
– Manuel de Castro, O.F.M., Santa Jacinta de Mariscotti, in Santoral
Franciscano. |