Mas ele
foi castigado por nossos crimes, e esmagado por nossas iniquidades;
o castigo que nos salva pesou sobre ele; fomos curados graças às
suas chagas. (Is 53, 5)
ORAÇÃO DE JESUS NO MONTE DAS OLIVEIRAS
Meu
Pai, se é possível, afasta de mim este cálice! Todavia não se faça o
que eu quero, mas sim o que tu queres. (Mt 26, 39)
Nos
dias de sua vida mortal, dirigiu preces e súplicas, entre clamores e
lágrimas, àquele que o podia salvar da morte, e foi atendido pela
sua piedade. Embora fosse Filho de Deus, aprendeu a obediência por
meio dos sofrimentos que teve. (Hb 5, 5-7)
O
ANJO CONSOLADOR
“O
Anjo da Sua Face os salvou” (Is 63, 9)
Apareceu-lhe então um anjo do céu para confortá-lo. (Lc 22, 43)
O
SUOR DE SANGUE
Ó
terra, não cubras o meu sangue, e que seu grito não seja sufocado
pela tumba. (Jó 16,18)
Ele
entrou em agonia e orava ainda com mais instância, e seu suor
tornou-se como gotas de sangue a escorrer pela terra. (Lc 22, 44)
OS DISCÍPULOS ESTÃO DORMINDO PELA PRIMEIRA VEZ
Olhei
então, e não houve pessoa alguma para me ajudar: (Is 63, 5)
“Então
não pudeste vigiar uma hora Comigo? (Mt 26, 40)
Em
seguida, foi ter com seus discípulos e achou-os dormindo. Disse a
Pedro: Simão, dormes? Não pudeste vigiar uma hora! Vigiai e orai,
para que não entreis em tentação. Pois o espírito está pronto, mas a
carne é fraca. (Mc 14,37-38)
JESUS REZA PELA SEGUNDA VEZ E ACHA OS DISCÍPULOS DORMINDO
Esperei
em vão que me consolasse e não encontrei... (Sal 68, 21)
Voltando achou-os de novo dormindo porque seus olhos estavam pesados
e não sabiam o que responder (Mc 14,40)
Afastou-se pela segunda vez e orou, dizendo: Meu Pai, se não é
possível que este cálice passe sem que eu o beba, faça-se a tua
vontade! Voltou ainda e os encontrou novamente dormindo, porque seus
olhos estavam pesados. (Mt. 26, 42-43)
Pai
Nosso..., Ave Maria..., Glória ao Pai...
Pela
sua dolorosa Paixão; tende Misericórdia de nós e do mundo inteiro.
Meu
Jesus, perdão e Misericórdia, pelos méritos de Vossas santas Chagas.
Segundo
as Visões
de Ana Catarina Emmerich:
Jesus volta para junto dos três, Apóstolos.
Vi a
caverna rodeada de formas assustadoras; todos os pecados, toda a
iniquidade, todos os vícios, todos os tormentos, toda a ingratidão,
que o angustiavam; vi os terrores da morte, o horror que sentia,
como homem, diante do imenso sofrimento expiatório, assaltando-O e
oprimindo-O, sob as formas de espectros hediondos.
Ele
caiu por terra, torcendo as mãos; cobria-O o suor da angústia;
tremia e estremecia. Levantou-se, mas os joelhos trementes quase não
O suportavam; estava inteiramente desfigurado e irreconhecível, os
lábios pálidos, o cabelo eriçado.
Eram
cerca de dez horas e meia, quando se levantou e se arrastou para
junto dos três Apóstolos, cambaleando, caindo a cada passo, banhado
num suor frio. Subiu à esquerda da caverna, e, passando por cima
desta, chegou a um aterro, onde os discípulos estavam adormecidos,
encostados um ao outro, abatidos pela fadiga, tristeza, inquietação
e tentação.
Jesus
aproximou-se-lhes, como um homem angustiado a quem o terror impele
para junto dos amigos e como um bom pastor que, transtornado,
profundamente, vai para junto do rebanho, que sabe, ameaçado de um
perigo próximo; pois não ignorava que também eles se achavam em
angústia e tentação. Vi as horrorosas visões cercarem-no também
nesse curto caminho.
Encontrando os Apóstolos a dormir, torceu as mãos e caiu por terra
ao lado deles, cheio de tristeza e fra-queza, dizendo: “Simão,
dormes?” Então acordaram e levantaram-se; e Ele disse, no seu
desamparo: “Então não pudestes velar uma hora comigo?”. Quando o
viram tão assustado e desfigurado, pálido, cambaleando, banhado de
suor, tremendo e estremecendo, quando O ouviram queixar-se com voz
quase extinta, não sabiam mais o que pensar; se não lhes tivesse
aparecido cercado de luz que bem conheciam, não teriam reconhecido.
Disse-lhe João: “Mestre, que tendes? Quereis que chame os outros
Apóstolos? Devemos fugir?” Jesus, porém, respondeu: “Ainda que
vivesse mais 33 anos, ensinando e curando enfermos, não chegaria ao
que tenho de cumprir até amanhã. Não chames os oito; deixai-os ali,
porque não poderiam ver-me nesta aflição, sem escandalizar-se;
cairiam em tentação, esquecer-se-iam de muitas coisas e duvidariam
de Mim. – Vós, porém, que vistes o Filho do homem transfigurado,
podeis vê-lo também no seu desamparo; mas vigiai e orai para não
cairdes em tentação. O espírito é pronto, mas a carne é fraca”.
Disse-o, referindo-se a eles e a si mesmo. Quis induzi-los, com
essas palavras, à presença e dar-lhes a saber a luta da sua natureza
humana contra a morte e a causa daquela fraqueza. Falou-lhes ainda
sobre outras coisas, sempre abismado naquela tristeza e ficou cerca
de um quarto de hora com eles. Em angústia mais e mais crescente
voltou à gruta; eles, porém, estenderam para Ele as mãos chorando e
caíram uns nos braços dos outros, perguntando: «Que é isto? Que lhe
aconteceu? Está tão desolado!” Começaram a rezar, com as cabeças
cobertas, cheios de tristeza.
Tudo
que acabo de contar, deu-se em mais ou menos uma hora e meia, depois
que entraram no horto das Oliveiras. É verdade que Jesus disse,
segundo o Evangelho: “Não podeis velar uma hora comigo?” Mas não se
o pode entender ao pé da letra, segundo o nosso modo de falar, os
três Apóstolos, que vieram com Jesus, tinham rezado no começo; mas
depois adormeceram; conversando entre si com pouca confiança, caíram
em tentação. Os oito Apóstolos, porém, que ficaram na entrada do
horto, não dormiram. A angústia que se mostrara nessa noite em todos
os discursos de Jesus, tornou-os muito perturbados e inquietos;
erravam pelas vizinhanças do monte das Oliveiras para procurar um
lugar de refúgio, em caso de perigo.
Em
Jerusalém houve nessa noite pouco movimento; os judeus estavam nas
suas casas, ocupados com os preparativos para a festa. Os
acampamentos dos forasteiros que tinham vindo para a festa, não
estavam nas vizinhanças do monte das Oliveiras.
Enquanto eu ia e voltava nesses caminhos, vi discípulos e amigos de
Jesus, andando e conversando; pareciam inquietos, à espera de
qualquer desgraça. A Mãe do Senhor, com Madalena, Marta, Maria,
mulher de Cléofas, Maria Salomé e Salomé, assustadas por boatos,
foram com amigas para fora da cidade, a fim de ter notícias de
Jesus.
Ali as
encontraram Lázaro, Nicodemos, José de Arimateia e alguns parentes
de Hebron e procuraram sossegá-las; pois, tendo eles mesmos
conhecimento, pelos discípulos, dos tristes discursos feitos por
Jesus no Cenáculo, foram pedir informações a alguns fariseus
conhecidos e destes souberam que não constava nada sobre tentativas
imediatas contra o Senhor.
Disseram por isso às mulheres que o perigo não podia ser grande, que
tão próximo da festa não poriam as mãos em Jesus. É que não sabiam
da traição de Judas. Maria, porém, contou-lhes o estado perturbado
deste nos últimos dias ao sair do Cenáculo e advertiu-os de que com
certeza fora trair ao Senhor, apesar das repreensões, pois era filho
da perdição. Depois voltaram as santas mulheres à casa de Maria, mãe
de Marcos.
Anjos mostram a Jesus
a enormidade dos seus sofrimentos e consolam-no.
Voltando à gruta, com toda a tristeza que o acabrunhava, Jesus
prostrou-se por terra, com os braços estendidos e rezou ao Pai
Celeste. Mas passou-lhe na alma nova luta, que durou três quartos da
hora. Anjos vieram apresentar-Lhe em grande número de visões, tudo o
que devia aceitar de sofrimentos, para expiar o pecado.
Mostraram-lhe a beleza do homem antes do primeiro pecado, como
imagem de Deus e quanto o pecado o tinha rebaixado e desfigurado.
Mostraram-lhe como o primeiro pecado fora a origem de todos os
pecados, a significação e essência da concupiscência e seus
terríveis efeitos sobre as faculdades da alma e do corpo do homem,
como também a essência e a significação de todas as penas contrárias
à concupiscência.
Mostraram-lhe os seus sofrimentos expiatórios primeiramente como
sofrimentos de corpo e alma, suficientes para cumprir todas as penas
impostas pela justiça divina à humanidade inteira, por toda a má
concupiscência; e depois como sofrimento, que, para dar verdadeira
satisfação, castigou os pecados de todos os homens na única natureza
humana que era inocente: na humanidade do Filho de Deus, O qual,
para tomar sobre si, por amor, a culpa e o castigo da humanidade
inteira, devia também combater e vencer a repugnância humana contra
o sofrimento e a morte.
Tudo
isto lhe mostraram os Anjos, ora em coros inteiros, com séries de
imagens, ora separados, com as imagens principais; vi as figuras dos
Anjos mostrando com o dedo elevado às imagens e percebi o que
disseram, mas sem lhes ouvir as vozes.
Não há
língua que possa descrever o horror e a dor que invadiram a alma de
Jesus, ao ver esta terrível expiação; pois não viu somente a
significação das penas expiatórias contrárias à concupiscência
pecaminosa, mas também a significação de todos os instrumentos do
martírio, de modo que O horrorizou, não só a dor causada pelos
instrumentos, mas também o furor pecaminoso daqueles que o
inventaram, a malícia dos que os usavam e a impaciência daqueles que
com eles tinham sido atormentados, pois pensavam sobre Ele todos os
pecados do mundo. O horror desta visão foi tal, que lhe saiu do
corpo um suor de sangue.
Enquanto a humanidade de Jesus sofria e tremia, sob esta terrível
multidão de sofrimentos, notei um movimento de compaixão nos Anjos;
houve uma pequena pausa: parecia-me que desejavam ardentemente
consolá-lo e que apresentavam as súplicas diante do trono de Deus.
Era como se houvesse uma luta instantânea entre a misericórdia e a
justiça de Deus e o amor que se estava sacrificando.
Foi-me
mostrada uma imagem de Deus, não como em outras ocasiões, num trono,
mas numa forma luminosa menos determinada; vi a pessoa do Filho
retirar-se na pessoa do Pai, como que lhe entrando no peito; a
pessoa do Espírito Santo saindo do Pai e do Filho e estando entre
Eles; e todos eram um só Deus. Quem poderá descrever exactamente uma
tal visão?
Não
tive tanto uma visão com figuras humanas, como uma percepção
interna, na qual me foi mostrado, por imagem, que a vontade divina
de Jesus Cristo se retirava mais para o Pai, para deixar pesar sobre
a sua humanidade todos os sofrimentos, que esta pedia ao Pai que
afastasse; de modo que a vontade divina de Jesus, unida ao Pai,
impunha à sua humanidade todos os sofrimentos que a vontade humana,
pelas súplicas, queria afastar.
Vi-O no
momento da compaixão dos Anjos, quando estes desejavam consolar
Jesus que, com efeito, teve neste instante um certo alívio. Depois
desapareceu tudo e os Anjos, com sua compaixão consoladora,
abandonaram o Senhor, cuja alma entrou em novas angústias.
Mais imagens de pecados que atormentam o Senhor.
Quando
o Redentor, no monte das Oliveiras, se entregou, como homem
verdadeiro e real, ao horror humano, à dor e à morte, quando se
incumbiu de vencer esta repugnância de sofrer, que faz parte de todo
o sofrimento, foi permitido ao tentador que lhe fizesse tudo o que
costuma fazer a todo homem que quer sacrificar-se por uma causa
santa.
Na
primeira agonia Satanás mostrara a Nosso Senhor, com raivosa
zombaria, a enormidade da culpa do pecado, que quisera tomar a si e
levou a audácia ao ponto de afirmar que a vida do mesmo Redentor não
era livre de pecados.
Na
segunda agonia viu Jesus a imensidade da Paixão expiatória, em toda
a sua realidade e amargura. Esta apresentação foi feita pelos Anjos;
pois não compete a Satanás mostrar a possibilidade da expiação, nem
convém que o pai da mentira e do desespero mostre as obras da
misericórdia divina.
Tendo,
porém, Jesus resistido a todas essas tentações, pelo abandono
completo à vontade do Pai Celeste, foi-Lhe apresentada à alma uma
nova série terrível de visões assustadoras; a dúvida e inquietação
que no coração do homem precedem a todo o sacrifício, a pergunta
amarga: Qual será o resultado, o proveito deste sacrifício? A visão
de um futuro assustador atormentou-Lhe então o Coração amoroso.
Deus
mergulhou o primeiro homem, Adão, num profundo sono, abriu-lhe o
lado, tomou-lhe uma das costelas, formou dela Eva, a mulher, a mãe
de todos os vivos e apresentou-a a Adão. Então disse este: “Este é o
osso dos meus ossos e a carne da minha carne; o homem deixará pai e
mãe, para aderir à sua mulher e serão dois numa só carne”.
Do
matrimónio foi escrito: ”Este sacramento é grande, digo, porém, em
Jesus Cristo e na Igreja”; Pois Jesus Cristo, o novo Adão, quis
também se submeter a um sono, o sono da morte na Cruz; quis também
deixar que lhe abrissem o lado, para que deste fosse feita a nova
Eva, sua esposa imaculada, a Igreja, mãe de todos os vivos; quis
dar-lhe o sangue da redenção, a água da purificação e o Espírito
Santo: os três que dão testemunho na terra; quis dar-lhe os santos
Sacramentos, para que fosse uma esposa pura, santa e imaculada; quis
ser-lhe a cabeça e nós devíamos ser-lhe os membros, sujeitos à
cabeça, devíamos ser os ossos dos seus ossos, carne da sua carne.
Aceitando a natureza humana, para sofrer a morte por nós, tinha
Jesus abandonado pai e mãe e unira-se a sua esposa, à Igreja;
tornou-se uma carne com ela, alimentando-a com o santíssimo
Sacramento do Altar, no qual se une a nós dia após dia; quis
permanecer presente na terra com sua esposa, a Igreja, até nos
unirmos todos a Ele no Céu e disse: “As portas do inferno não
prevalecerão contra ela”. Para praticar esse incomensurável amor
para com os pecadores, tornara-se homem e irmão dos pecadores,
tomando sobre si a pena de toda a culpa.
Tinha
visto com grande tristeza a imensidade desta culpa e da paixão
expiatória e contudo entregara-se voluntariamente à vontade do Pai
celeste, como vítima expiatória. Neste momento, porém, viu Jesus os
sofrimentos, as perseguições, as feridas da futura Igreja, sua
esposa, que estava para remir tão caro, com o seu próprio
sangue: viu a ingratidão dos homens.
Apresentaram-se-Lhe diante da alma todos os futuros sofrimentos dos
Apóstolos, discípulos e amigos, a Igreja primitiva, tão pouco
numerosa, depois também as heresias e cismas, que nasceram á medida
que a Igreja crescia, repetindo a primeira queda do homem
pelo orgulho e desobediência, pelas diversas formas de vaidade e
falsa justiça.
Viu
a tibieza, a corrupção e malícia de um número infinito de cristãos,
as mentiras e a esperteza enganadora dos mestres orgulhosos, os
crimes sacrílegos de todos os sacerdotes viciosos e todas as
horríveis consequências: A abominação e desolação do reino de Deus
sobre a terra, neste santuário da humanidade ingrata, o qual estava:
para fundar e remir com indizíveis sofrimentos, pelo preço de seu
sangue e sua vida.
Vi
passar diante da alma do nosso pobre Jesus, em séries mensais de
visões, os escândalos de todos os séculos, até o nosso tempo e mesmo
até o fim do mundo, em todas as formas do erro doentio, da intriga
orgulhosa, do fanatismo furioso, dos falsos profetas, da obstinação
e malícia herética.
Todos
os apóstatas, os heresiarcas, os reformadores de aparência santa, os
sedutores e os seduzidos insultavam e torturavam-na, como se não
tivesse sofrido bastante, nem sido bem crucificado a seu ver e
conforme o desejo orgulhoso e presunção vaidosa de cada um; rasgavam
e partiam, disputando, a túnica sem costuras da Igreja; cada um
queria tê-Lo como Redentor de modo diferente do que se tinha
mostrado no seu amor.
Muitos
O maltratavam, insultavam, negavam-no. Viu inúmeros alçarem os
ombros e sacudirem a cabeça, afastando-se dos braços que lhes
estendia para salvá-los e precipitar-se no abismo, que os tragou.
Viu um
número infinito de outros, que não ousavam negá-lo em alta voz, mas
que se afastavam, por desgosto das aflições da Igreja, como o levita
que se afastou do pobre viajante que caíra nas mãos dos salteadores.
Viu-os separar-se de sua esposa ferida, como filhos covardes e
infiéis abandonam as mães de noite, quando a casa é assaltada por
ladrões e assassinos, aos quais por descuido abriram a porta.
Viu-os
seguirem os despojos levados ao deserto, os vasos de ouro e os
colares quebrados. Viu-os separados da videira verdadeira, pousarem
sob as videiras silvestres; viu-os como ovelhas extraviadas,
abandonadas aos lobos, conduzidas a mau pasto por mercenários e não
querendo entrar no aprisco do bom Pastor, que deu a vida por suas
ovelhas.
Viu-os
errarem, sem pátria, no deserto, não querendo ver a sua cidade,
colocado sobre o monte e que não pode ficar escondida. Viu-os em
discórdia, agitados pelo vento para lá e para cá, nas areias do
deserto, mas sem querer ver a casa de sua esposa, a Igreja fundada
sobre a pedra, com a qual prometeu ficar até o fim do mundo e contra
a qual as portas do inferno não prevalecerão.
Não
queriam entrar pela porta estreita, para não baixar a cabeça. Viu-os
seguir a outros, que não entraram no aprisco pela porta verdadeira.
Construíram, sobre a areia, cabanas mudáveis e diferentes umas das
outras, que não tinham nem altar nem sacrifício, porém cata-ventos
nos tectos e suas doutrinas mudavam-nas com os ventos;
contradiziam-se uns aos outros, não se entendiam, nem tinham estadia
permanente.
Viu-os
destruírem muitas vezes as cabanas, lançado os destroços contra
a pedra angular da Igreja, que ficou inabalável. Viu muitos que,
apesar da escuridão nas suas moradas, não queriam aproximar-se da
luz, posta no candelabro, na casa da esposa, mas erravam, com os
olhos cerrados, em redor do jardim cercado da Igreja, de cujos
perfumes ainda viviam. Estendiam as mãos a imagens nebulosas e
seguiam astros errantes, que os conduziam a poços sem água e mesmo
na margem das fossas, não davam ouvido à voz do Esposo que os
chamava e esfomeados riam-se ainda, com orgulho arrogante, dos
servos mensageiros, que os convidavam para o banquete nupcial. Não
queriam entrar no jardim, por temerem os espinhos da cerca - viva.
Viu-os
o Senhor, inebriados de amor-próprio, morrer de fome, por não ter
trigo e de sede, por não ter vinho; cegos pela sua própria luz,
chamavam de invisível a Igreja do Verbo encarnado. Jesus viu-os
todos com tristeza; quis sofrer por todos que não queriam segui-lo,
carregando a cruz da Igreja, sua esposa, à, qual se deu no SS.
Sacramento, na sua cidade colocada no cimo do monte, que não pode
ficar escondida, na sua Igreja, fundada sobre a pedra e contra a
qual as portas do inferno não prevalecerão.
Todas
estas inumeráveis visões da ingratidão dos homens, do abuso feito da
morte expiatória de meu Esposo Celeste, vi-as passar diante da alma
contristada do Senhor, ora variando, ora em dolorosa repetição; vi
Satanás, em diversas figuras assustadoras, arrancando e
estrangulando, diante dos olhos de Jesus, os homens remidos pelo seu
sangue e até mesmo homens ungidos com o seu santo Sacramento.
O
Salvador viu com grande amargura toda a ingratidão, toda a
corrupção, tanto dos primeiros cristãos, como dos que se lhe
seguiram, dos presentes e dos futuros. Entre estas aparições dizia o
tentador continua-mente à humanidade do Cristo: “Eis aí, por tal
ingratidão queres sofrer?” Estas imagens passaram, em contínua
repetição diante do Senhor e com tanta impetuosidade, com tanto
horror e escárnio pesaram sobre Jesus, que angústia, indizível lhe
oprimia a natureza humana.
Jesus
Cristo, o Filho do Homem, estendia e torcia as mãos, caindo como que
oprimido e pôs-se de novo de joelhos. A vontade humana do Redentor
travava uma luta terrível contra a repugnância de sofrer tanto por
uma raça tão ingrata, que o sangue lhe saiu do corpo, em grossas
gotas de suor e correu em torrentes sobre a terra. Naquela aflição
olhou em redor de si como para pedir socorro e parecia chamar o céu,
a terra e os astros do firmamento pro testemunhas de seu sofrimento.
Parecia-me ouvi-lo exclamar: “É possível suportar tal ingratidão?
Sois testemunhas do que sofro”.
Então
foi como se a lua e as estrelas se aproximassem num instante; senti
nesse momento que se tornava mais claro. Observei então a lua, o que
antes não fizera, e pareceu-me de todo diferente: ainda não era toda
cheia e parecia maior do que em nossa terra. No meio vi uma mancha
escura, semelhante a um disco posto diante dela e no meio havia uma
abertura, pela qual brilhava a luz para o lado onde a lua ainda não
estava cheia. A mancha escura era como um monte e em redor da lua
havia ainda um círculo luminoso, como um arco-íris.
Jesus,
na sua aflição, levantou a voz por alguns momentos, em alto pranto.
Vi os Apóstolos levantarem-se assustados, com as mãos postas
erguidas, escutarem e querendo correr para junto do Mestre. Mas
Pedro reteve a João e Tiago, dizendo: “Ficai, eu vou lá”. Vi-o
correr e entrar na gruta. “Mestre, disse ele, que tendes”? e parou,
tremendo, ao vê-lo todo ensanguentado e angustiado. Jesus, porém,
não lhe respondeu e pareceu não lhe notar a presença. Então voltou
Pedro para junto dos outros dois e suspirava. Por isso lhes aumentou
ainda a tristeza; sentaram-se velando as cabeças e rezaram entre
lágrimas.
Eu,
porém, voltei a meu Esposo Celeste, em sua dolorosa agonia. As
imagens hediondas da ingratidão e dos abusos dos homens futuros,
cuja culpa tomara sobre si, a cuja pena se entregara,
arremessaram-se contra Ele, cada vez mais terríveis e impetuosas. De
novo lutou contra a repugnância da natureza humana de sofrer;
diversas vezes o ouvi exclamar: “Meu Pai, é possível sofrer por
todos estes? Pai, se este cálice não pode ser afastado de mim, seja
feita a vossa vontade”.
No meio
de todas estas visões de pecados contra a divina misericórdia, vi
Satanás em diversas formas hediondas, conforme a espécie dos
pecados. Ora aparecia como homem alto e negro, ora sob a figura de
tigre, ora como raposa ou lobo, como dragão ou serpente; não eram,
porém, as figuras naturais desses animais, mas apenas as feições
salientes da respectiva natureza, misturadas com outras formas
horríveis.
Não
havia nada ali que representasse figura completa de uma criatura,
eram somente símbolos de decadência, de abominação, de horror, da
contradição e do pecado: símbolos do demónio. Essas figuras
diabólicas empurravam, arrastavam, despedaçavam, e estrangulavam, à
vista de Jesus, inumeráveis multidões de homens, por cujo resgate,
das garras de Satanás, o Salvador entrara no doloroso caminho da
Cruz. No princípio não vi tão frequentemente a serpente, mas no fim
a vi gigantesca, com uma coroa na cabeça, arremessar-se com força
terrível contra Jesus e com ela, de todos os lados, exércitos de
todas as gerações e classes.
Armados
de todos os meios de destruição, instrumentos de martírio e armas,
lutavam ora uns contra os outros, ora com terrível raiva contra
Jesus. Era um espectáculo horrível. Carregavam-no de insultos,
maldições e imundícies, cuspiam-Lhe, batiam-Lhe, traspassavam-no. As
suas armas, espadas e lanças, iam e vinham, como os manguais dos
debulhadores numa imensa eira; todos desencadeavam a sua fúria
sobre o grão de trigo celeste, caído na terra para nela morrer e
depois alimentar eternamente todos os homens com o pão da vida, com
fruto imensurável.
Vi
Jesus no meio destas coortes furiosas, entre as quais me parecia
haver muitos cegos; estava tão alterado, como se realmente sentisse
os golpes dos agressores. Vi-O cambalear de um lado para o outro;
ora caia, ora de novo se levantava. Vi a serpente no meio de todos
esses exércitos, instigando-os continuamente; batia ora aqui, ora
ali, com a cauda, estrangulando, despedaçando e devorando todos que
com ela derrubava.
Tive a
explicação de que a multidão dos exércitos que lutavam contra Nosso
Senhor, era o número imenso daqueles que maltrataram de muitíssimos
modos a Jesus Cristo, seu Redentor, real e substancialmente presente
no Santíssimo Sacramento, com divindade e humanidade, com corpo e
alma, com carne e sangue, debaixo das espécies de pão e vinho.
Avistei
entre esses inimigos de Jesus todas as espécies de profanadores
do SS. Sacramento, penhor vivo de sua contínua presença pessoa na
Igreja Católica. Vi com horror todos esses ultrajes, desde o
descuido, irreverência, abandono, até o desprezo, abuso e
sacrilégios os mais horrorosos, o culto dos ídolos deste mundo,
orgulho e falsa ciência e por outro lado, heresia e descrença,
fanatismo, ódio e sangrenta perseguição.
Vi
entre esses inimigos de Jesus todas as espécies de homens: até cegos
e aleijados, surdos e mudos e mesmo crianças; cegos, que não queriam
ver a verdade; coxos, que por preguiça não queriam segui-lo; surdos,
que não queriam ouvir-Lhe as exortações e advertências; mudos, que
não queriam lutar por Ele nem com a palavra; crianças, desviadas na
companhia dos pais e mestres mundanos e esquecidos de Deus, nutridos
pela concupiscência, ébrias de ciência falsa, sem gosto das coisas
divinas ou já perdidas por falta delas, para sempre.
Entre
as crianças, cujo aspecto me afligiu particularmente, porque Jesus
amava tanto as crianças, vi também muitos meninos ajudantes da Santa
Missa, pouco instruídos, mal-educados e desrespeitosos, que nem
respeitavam a Jesus Cristo na mais santa cerimónia. Em parte eram
culpados os mestres e os reitores das Igrejas.
Vi com
espanto que também muitos sacerdotes, de todas as hierarquias
contribuíam para o desrespeito de Jesus no SS. Sacramento, até
alguns que se tinham por crentes e piedosos. Quero mencionar, entre
estes infelizes, apenas uma classe: vi ali muitos que acreditavam,
adoravam e ensinavam a presença de Deus vivo no SS. Sacramento, mas
na sua conduta não Lhe manifestavam fé e respeito: pois
descuidavam-se do palácio, do trono, da tenda, da residência, dos
ornamentos do Rei do Céu e da Terra, isto é, não cuidavam da Igreja,
do altar, do tabernáculo, do cálice, do ostensório de Deus vivo e
dos vasos, utensílios, ornamentos, vestes para uso e enfeite da casa
do Senhor.
Tudo
estava abandonado e se desfazia em poeira, mofo e imundície de
muitos anos; o culto divino era celebrado com pressa e descuido e se
não profanado internamente, pelo menos degradado exteriormente. Tudo
isso, porém, não era consequência de verdadeira pobreza, mas de
indiferença, preguiça, negligencia, preocupação com interesses vãos
deste mundo, muitas vezes também de egoísmo e morte espiritual, pois
vi tal descuido também em Igrejas ricas e abastadas; vi muitos até,
nas quais o luxo mundano e inconveniente e sem gosto substituíra os
magníficos e veneráveis monumentos de uma época mais piedosa, para
esconder, sob aparências mentirosas e cobrir com um disfarce
brilhante o descuido, a imundície, a desolação e o desperdício.
O que
faziam os ricos, por vaidosa ostentação, logo imitaram estupidamente
os pobres, por falta de simplicidade. Não pude deixar de pensar
nesta ocasião na Igreja do nosso pobre convento, cujo belo altar
antigo, esculpido artisticamente em pedra, tinham também coberto com
uma construção de madeira e pintura tosca, imitando mármore, o que
sempre me fez muita pena.
Todas
essas ofensas feitas a Jesus no SS. Sacramento, vi-as aumentadas por
numerosos reitores das Igrejas, que não tinham esse sentimento de
justiça de repartir pelo menos o que possuíam com o Salvador,
presente sobre o Altar, que se entregou por eles à morte e se lhes
deu todo inteiro no SS. Sacramento.
Em
verdade, mesmo os mais pobres estavam muitas vezes melhor instalados
nas suas casas do que o Senhor nas Igrejas. Ai! como esta falta de
hospitalidade entristecia Jesus, que se lhes tinha dado como
alimento espiritual! Pois não é preciso ser rico para hospedar
aquele que recompensa ao cêntuplo o copo de água oferecido a quem
tem sede.
Oh!
Quanta sede tem ele de nós! Não terá acaso motivo de queixar-se de
nós, se o copo estiver sujo e a água também? Por tais negligências
vi os fracos escandalizados, o SS. Sacramento profanado, as Igrejas
abandonadas, os sacerdotes desprezados e em pouco tempo passou essa
negligência também às almas dos fiéis daquelas paróquias: não
guardavam mais puro o tabernáculo do coração, para receber nele o
Deus vivo, do que o tabernáculo dos altares.
Para
agradar e adular os príncipes e grandes deste mundo, para
satisfazer-lhes os caprichos e desejos mundanos, vi tais
administradores de Igrejas fazer todos os esforços e sacrifícios;
mas o Rei do Céu e da Terra estava deitado, como o pobre Lázaro,
diante da porta, desejando em vão as migalhas de caridade que
ninguém lhe dava. Tinha apenas as chagas que nós lhe fizemos e que
lhe lambiam os cães, isto é, os pecadores reincidentes, que,
semelhantes a cães, vomitam e depois voltam para comer o vómito.
Se
falasse um ano inteiro, não podia contar todas as afrontas feitas a
Jesus e que deste modo conheci. Vi os autores dessas afrontas
agredirem a Nosso Senhor com diferentes armas, conforme a espécie de
seus pecados.
Vi
clérigos irreverentes, de todos os séculos, sacerdotes levianos, em
pecado, sacrílegos celebrando o Santo Sacrifício e distribuindo a
sagrada Eucaristia; vi multidões de comungastes tíbios e indignos.
Vi homens numerosos para os quais a fonte de toda a bênção, o
mistério de Deus vivo, se tornara uma palavra de maldição, fórmula
de maldição; guerreiros furiosos e servidores do demónio, profanando
os vasos sagrados e jogando fora as hóstias sagradas ou
maltratando-as horrivelmente e até abusando do Sumo Bem, por uma
hedionda e diabólica idolatria.
Ao lado
destes brutais e violentos, vi inúmeras outras impiedades, menos
grosseiras, mas do mesmo modo abomináveis. Vi muitas pessoas,
seduzidas por mau exemplo e ensino perfilo, perderem a fé na
presença real de Jesus na Eucaristia e deixarem de adorar nela
humildemente seu Salvador.
Vi
nestas multidões grande números de professores indignos, que se
tornaram heresiarcas; lutavam a princípio uns contra os outros e
depois se uniam, para atacar furiosamente a Jesus no SS. Sacramento,
na sua igreja. Vi um grupo numeroso destes heresiarcas negar e
insultar o sacerdócio da Igreja, contestar e negar a presença de
Jesus Cristo neste mistério à Igreja e havê-lo esta guardado
fielmente; pela sedução Lhe arrancaram do coração um número imenso
de homens, pelos quais tinha derramado o seu sangue.
Ai! Era
um aspecto horrível: pois vi a Igreja como corpo de Jesus, que
reunira, pela dolorosa Paixão, os membros separados e dispersos; vi
todas aquelas comunidades e famílias e todos os seus descendentes,
separados da Igreja, serem arrancados, como grandes pedaços de
carne, do corpo vivo de Jesus, ferindo e despedaçando-O
dolorosamente.
Ai! Ele
os seguia com olhares tão tristes, lastimando-lhes a perdição. Ele,
que no SS. Sacramento se nos tinha dado como alimento, para unir ao
corpo da Igreja, sua Esposa, os homens separados e dispersos, viu-se
despedaçado e dividido nesse mesmo corpo de sua Esposa, pelos maus
frutos da árvore da discórdia.
A mesa
da união no SS. Sacramento, suas mais sublime obra de amor, na qual
quis ficar eternamente com os homens, tornara-se, pela malícia dos
falsos doutores, fonte de separação. No lugar mais conveniente e
salutar para união de muitos, na mesa sagrada, onde o próprio Deus
vivo é o alimento das almas, deviam os seus filhos separar-se dos
infiéis e hereges, para não se tornarem réus de pecado alheio.
Vi que
deste modo povos inteiros se Lhe arrancaram do coração, privando-se
do tesouro de todas as graças, que Ele deixara à Igreja. Era
horrível vê-los separarem-se, só poucos no princípio, mas esse se
voltaram como povos grandes, em hostilidade uns contra os outros,
por estarem separados no Santíssimo.
Por fim
vi todos que estavam separados da Igreja, embrutecidos e
enfurecidos, em descrença, superstição, heresia, orgulho e falsa
filosofia mundana, unidos em grandes exércitos, atacando e
devastando a Igreja e no meio deles, a serpente, instigando e
estrangulando-os. Ai! Era como se Jesus se visse e sentisse
despedaçado em inúmeras fibras, das mais delicadas.
O
Senhor viu e sentiu nessas angústias toda a árvore venenosa do
cisma, com todos os respectivos ramos e frutos, que continuam a
dividir-se até o fim do mundo, quando o trigo será recolhido ao
celeiro e a palha será lançada ao fogo.
Esta
horrorosa visão era tão terrível e hedionda, que meu Esposo celeste
me apareceu e, colocando a mão misericordiosa sobre o meu peito,
disse: “Ninguém viu isto ainda e o teu coração se despedaçaria de
dor, se eu não o sustentasse”.
Vi
então o sangue rolando, em largas e escuras gotas, sobre o pálido
semblante do Senhor; o seu cabelo, em geral liso e repartido no meio
da cabeça, estava conglutinado com o sangue, eriçado e desgrenhado,
a barba ensanguentada e em desordem.
Foi
depois da última visão, na qual os exércitos inimigos O
despedaçaram, que saiu da caverna, quase fugindo e voltou para junto
dos discípulos. Mas não tinha o andar firme; andava como um homem
coberto de feridas e curvado sob um fardo pesado, como quem tropeça
a cada passo. Chegando junto dos três Apóstolos, viu que não se
tinham deitado para dormir, como da primeira vez; estavam sentados,
as cabeças veladas e apoiadas sobre os joelhos, posição em que vejo
muitas vezes o povo daquele país, quando estão de luto ou querem
rezar.
Adormeceram vencidos pela tristeza, medo e fadiga. Quando Jesus se
aproximou, tremendo e gemendo, acordaram, mas ao vê-lo diante de si,
na claridade do luar, com o peito encolhido, o semblante pálido e
ensanguentado, o cabelo desgrenhado, fitando-os com olhar triste,
não O reconheceram por alguns momentos, com a vista fatigada, pois
estava indizivelmente desfigurado.
Jesus,
porém, estendeu os braços; então se levantaram depressa e,
segurando-O sob os braços, ampararam-no carinhosamente. Disse-lhes
que no dia seguinte os inimigos O matariam; dai a uma hora O
prenderiam, conduziriam ao tribunal, seria maltratado, insultado,
açoitado e finalmente entregue à morte mais cruel.
Com
grande tristeza lhes disse tudo o que teria de sofrer até a tarde do
dia seguinte e pediu que consolassem sua Mãe e Madalena. Esteve
assim diante deles por alguns minutos, falando-lhes; mas não
responderam, porque não sabiam o que dizer, de tal modo as palavras
e o aspecto do Mestre os tinha assustado; pensavam até que estivesse
em delírio.
Quando,
porém, quis voltar à gruta, não tinha mais força para andar; vi que
João e Tiago O conduziram e, depois de ter entrado na gruta,
voltaram. Eram cerca de onze horas e um quarto.
Durante
essas angústias de Jesus, vi a SS. Virgem também cheia de tristeza e
angústia, em casa de Maria, mãe de Marcos. Estava com Madalena e a
mãe de Marcos, num jardim ao lado da casa; prostrara-se de joelhos,
sobre uma pedra. Diversas vezes perdeu os sentidos exteriormente,
pois viu grande parte dos tormentos de Jesus. Já enviara mensageiros
a Jesus, para ter noticias, mas não podendo, na sua ânsia,
esperar-lhe a volta, saiu com Madalena e Salomé para o vale de
Josafá.
Ela
andava velada e estendia muitas vezes as mãos para o monte das
Oliveiras, porque via em espírito, Jesus banhado em suor de sangue e
ela parecia, com as mãos estendidas, querer enxugar-lhe o rosto. Vi
Jesus, comovido por esses caridosos impulsos da alma de sua Mãe,
olhar para a direcção em que Maria se achava, como para pedir
socorro. Vi esses movimentos de compaixão em forma de raios
luminosos, que emanavam de um para o outro.
O
Senhor pensou também em Madalena, percebeu-lhe comovido a dor e
olhou também para ela; por isso mandou também os discípulos que a
consolassem, pois sabia que, depois do amor de sua Mãe, o de
Madalena era o mais forte e tinha também visto o que ela teria de
sofrer por Ele e que nunca mais O ofenderia pelo pecado.
Neste
momento, cerca de 11 horas e 15 minutos, voltaram os oito Apóstolos
à cabana de folhagem, no horto de Getsémani; ali conversaram ainda e
finalmente adormeceram. Estavam muito assustados e desanimados, em
veementes tentações. Cada um tinha procurado um lugar para
esconder-se e perguntaram uns aos outros inquietamente: “Que
faremos, se o matarem? Abandonamos tudo quanto tínhamos e ficamos
pobres e expostos ao escárnio do mundo. Fiamo-nos inteiramente nele
e ei-Lo agora tão impotente e abatido, que não podemos mais procurar
nele consolação”.
Os
outros discípulos, porém, erraram no princípio de um lado para outro
e depois terem ouvidos várias notícias das últimas palavras
assustadoras de Jesus, retiraram-se, pela maior parte, para Betfagé.
Visões consoladoras; Anjos confortam Jesus.
Vi
Jesus rezando ainda na gruta e lutando contra a repugnância da
natureza humana ao sofrimento. Estava exausto de fadiga e abatido e
disse: “Meu Pai, se é a vossa vontade, afastai de mim este cálice.
Mas faça-se a vossa vontade e não a minha”.
Então
se abriu o abismo diante dele e apareceram-Lhe os primeiros degraus,
do Limbo, como na extremidade de uma vista luminosa. Viu Adão e Eva,
os patriarcas, os profetas, os justos, os parentes de sua Mãe e João
Batista, esperando-Lhe a vinda, no mundo inferior, como um desejo
tão violento, que essa visa Lhe fortificou e reanimou o coração
amoroso. Pela sua morte devia abrir o Céu a esses cativos; devia
tira-los da cadeia onde languesciam à espera.
Tendo
visto, com profunda emoção, esses Santos dos tempos antigos,
apresentaram-Lhe os Anjos, todas as multidões de bem-aventurados do
futuro que, juntando seus combates aos méritos da Paixão do Cristo,
deviam unir-se por Ele ao Pai Celeste. Era uma visão indizivelmente
bela e consoladora. Todos agrupados, segundo a época, classe e
dignidade, passaram diante do Senhor, vestidos dos seus sofrimentos
e obras.
Viu a
salvação e santificação sair, em ondas inesgotáveis, da fonte da
Redenção, aberta pela sua morte. Os Apóstolos, os discípulos, as
virgens e santas mulheres, todos os mártires, confessores e
eremitas, papas e bispos, grupos numerosos de religiosos, em uma
palavra: um exército inteiro de bem-aventurados apresentou-se-Lhe à
vista.
Todos
traziam na cabeça coroas triunfais e as coroas variavam de forma, de
cor, de perfume e de virtude, conforme a diferença dos respectivos
sofrimentos, combates e vitórias que lhes tinham proporcionado a
glória eterna. Toda a vida e todos os actos, todos os méritos e toda
força, assim como toda glória e todo o triunfo dos Santos provinham
unicamente de sua união aos méritos de Jesus Cristo.
A acção
e influência recíproca que todos estes Santos exerciam uns sobre os
outros, a maneira por que hauriam a graça de uma única fonte, do
santo Sacramento e da Paixão do Senhor, apresentava um espectáculo
singularmente tocante e maravilhoso. Nada parecia casual neles; as
obras, o martírio, as vitórias, a aparência e os vestuários: tudo,
apesar de bem diferente, se fundia numa harmonia e unidade
infinitas; e essa unidade na variedade era produzida pelos raios de
um único sol, pela Paixão de Nosso Senhor, do Verbo feito carne, o
qual era a vida, a luz dos homens, que ilumina as trevas, as quais
não o compreenderam.
Foi a
comunidade dos futuros Santos que passou diante da alma do Salvador,
que se achava colocado entre o desejo dos patriarcas e o cortejo
triunfal dos bem-aventurados futuros; esses dois grupos unindo-se e
completando-se de certo modo, cercavam o coração do Redentor, cheio
de amor, como uma coroa de vitória. Essa visão, inexprimivelmente
tocante, deu à alma de Jesus um pouco de consolação e força.
Ah! Ele
amava tanto seus irmãos e suas criaturas, que teria aceito de boa
vontade todos os sofrimentos, aos quais se entregaria pela redenção
até de uma só alma. Como essas visões se referissem ao futuro,
pairavam em certa altura.
Mas
essas imagens consoladoras desapareceram e os Anjos mostraram-lhe a
Paixão, mais perto da terra, porque já estava próximo. Estes Anjos
eram muito numerosos.
Vi
todas as cenas apresentadas muito distintamente diante dele, desde o
beijo de Judas, até à última palavra na Cruz; vi lá tudo o que vejo
nas minhas meditações da Paixão, a traição de Judas, a fuga dos
discípulos, os insultos perante Anás e Caifás, a negação de Pero, o
tribunal de Pilatos, a decisão diante de Herodes, a flagelação, a
coroação de espinhos, a condenação à morte, o transporte da cruz, o
encontro com a Virgem SS. no caminho do Calvário, o desmaio, os
insultos de que os carrascos O cobriram, o véu de Verónica, a
crucifixão, o escárnio dos fariseus, as dores de Maria, de Madalena
e João, a lançada no lado, em uma palavra, tudo passou diante da
alma de Jesus, com as menores circunstâncias.
Vi como
o Senhor, na sua angústia, percebia todos os gestos, entendia todas
as palavras, percebia tudo que se passava nas almas. Aceitou tudo
voluntariamente, sujeitou-se a tudo por amor dos homens. O que mais
O entristecia era ver-se pregado na Cruz num estado de nudez
completa, para explicar a impudicícia dos homens: implorava com
instância a graça de livrar-se daquele opróbrio e que pelo menos Lhe
fosse concedido um pano para cingir os rins; e vi ser atendido, não
pelos carrascos, mas por um homem compassivo. Jesus viu e sentiu
profundamente a dor da Virgem SS., que pela união interior aos
sofrimentos do seu Divino Filho, caíra sem sentidos nos braços das
amigas, no Vale de Josafá.
No fim
das visões da Paixão, Jesus caiu na Terra, como um moribundo; os
Anjos e as visões da Paixão desapareceram; o suor do sangue brotava
mais abundante; vi-O escoar-se através da veste amarela encostado ao
corpo. A mais profunda escuridão reinava na caverna. Vi então um
Anjo descendo para junto de Jesus: era maior, mais distinto e mais
semelhante ao homem do que os eu vira antes.
Estava
vestido como um sacerdote, de uma longa veste flutuante, ornada de
franjas e trazia na mão, diante de si, um pequeno vaso, da forma do
cálice da última Ceia. Na abertura deste cálice se via um pequeno
corpo oval, do tamanho de uma fava, que espargia uma luz
avermelhada. O Anjo estendeu-Lhe a mão direita e pairando diante de
Jesus, levantou-se; pôs-lhe na boca aquele alimento misterioso e
fê-Lo beber do pequeno cálice luminoso. Depois desapareceu.
Tendo
aceitado o cálice dos sofrimentos e recebido nova força. Jesus ficou
ainda alguns minutos na gruta, mergulhado em meditação tranquila e
dando graças ao Pai Celeste. Estava ainda aflito, mas confortado de
modo sobrenatural, a ponto de poder andar para junto dos discípulos
sem cambalear e sem se curvar sob o peso da dor. Estava ainda pálido
e desfigurado, mas o passo era firme e decidido. Enxugara o rosto
com um sudário e pusera em ordem os cabelos, que lhe pendiam sobre
os ombros, húmidos de suor e conglutinados de sangue.
Quando
saiu da gruta, vi a lua como dantes, com a mancha singular que
formava o centro e a esfera que a cercava, mas a claridade dela e
das estrelas era diferente da que tinham dantes, por ocasião das
grandes angústias do Senhor. A luz era agora mais natural.
Quando
Jesus chegou junto aos discípulos, estavam estes deitados, como na
primeira vez, encostados ao muro do aterro, com a cabeça velada e
dormiam. O Senhor disse-lhes que não era tempo de dormir, mas que
deviam velar e orar. “Esta é a hora em que o Filho do homem será
entregue nas mãos dos pecadores, disse, levantai-vos e vamos: o
traidor está perto; melhor lhe seria que não tivesse nascido”.
Os
Apóstolos levantaram-se assustados e olharam em roda de si
inquietos. Depois de um pouco tranquilo, Pedro disse
calorosamente: “Mestre, vou chamar os outros, para vos defendermos”.
Mas Jesus mostrou-lhes a alguma distância, no vale, do outro lado da
torrente de Cedron, uma tropa de homens armados que se aproximavam
com archotes e disse-lhes que um deles O tinha traído. Os Apóstolos
julgavam-no impossível.
O
Mestre falou-lhes ainda com calma, recomendando-lhes de novo que
consolassem a Virgem SS. e disse: “Vamos ao encontro deles. Vou
entregar-me sem resistência nas mãos dos meus inimigos”. Então saiu
do horto das Oliveiras, com os três Apóstolos e foi ao encontro dos
soldados, no caminho que ficava entre o jardim e o horto de
Getsémani.
Quando
a SS. Virgem voltou a si, nos braços de Madalena e Salomé, alguns
discípulos, que viram aproximar-se os soldados, vieram a ela e
reconduziram-na à casa de Maria, mãe de Marcos. Os soldados tornaram
um caminho mais curto do que o que Jesus tinha seguido, vindo do
Cenáculo.
A gruta
onde Jesus tinha rezado nessa noite, não era aquela na qual estava
acostumado a rezar, no monte das Oliveiras, ia geralmente a uma
caverna mais afastada, onde, depois de ter maldito a figueira
infrutífera, rezara numa grande aflição, com os braços estendidos e
apoiados sobre um rochedo.
Os
traços do corpo e das mãos ficaram-Lhe impressos na pedra e foram
mais tarde venerados; mas não se sabia então em que ocasião o
prodígio fora feito. Vi diversas vezes semelhantes impressões feitas
em pedras, seja por profetas do Velho Testamento, seja por Jesus,
Maria ou algum dos Apóstolos; vi também as do corpo de Santa
Catarina de Alexandria, no monte Sinai.
Essas
impressões não parecem profundas, mas semelhantes às que ficam,
pondo-se a mão sobre uma massa consistente. |